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A nova política industrial do governo brasileiro, delineada nos documentos analisados, visa abordar

vários problemas e objetivos dentro do escopo do desenvolvimento industrial do país. A seguir,


uma análise detalhada com base nos elementos do ciclo de políticas públicas:

Problema a Ser Tratado


O principal problema identificado é o processo de desindustrialização
precoce, caracterizado pela primarização da estrutura produtiva e pela
fragilização dos elos das cadeias produtivas. Essa situação levou a uma
concentração das exportações em produtos de baixa complexidade
tecnológica, limitando os ganhos de comércio e a inserção internacional
do Brasil em um contexto global cada vez mais focado em produtos de
alta intensidade tecnológica.

Objetivos da Intervenção
Os objetivos da nova política industrial incluem:

• Estimular o progresso técnico, a produtividade e a competitividade


nacional, gerando empregos de qualidade;
• Aproveitar melhor as vantagens competitivas do país;
• Reposicionar o Brasil no comércio internacional.
Alguns desses objetivos são claros: Intensificação tecnológica, aumento
de produtividade, % Comercio e empregos. O que é reposicionar o Brasil
no CI, aumentar o volume de exportação de bens manufaturados, a
participação na pauta, alterar significativamente a % no comércio
mundial? Queremos entrar nas cadeias globais? Em que etapas
produtivas? Quais vantagens competitivas? Os objetivos são men-
suráveis, deve-se considerar a estruturação da política em missões
específicas com objetivos detalhados para cada área de atuação, como
agroindústria, saúde, infraestrutura urbana, digitalização da indústria,
bioeconomia e defesa nacional. A realizabilidade desses objetivos
dependerá da eficácia da implementação e da alocação de recursos
adequados.

Diagnóstico
O diagnóstico reconhece a desindustrialização precoce e a necessidade
de uma política industrial renovada focada na inovação, na
sustentabilidade, na digitalização e na inserção internacional
qualificada. O diagnóstico é fundamentado em uma análise histórica das
políticas de desenvolvimento e identifica claramente as áreas de
fragilidade e potencial do setor industrial brasileiro.

Escopo, Atores Envolvidos, Escala e Públicos-alvo


O escopo da política é amplo, abrangendo múltiplos setores industriais e
focando em desafios transversais como sustentabilidade e digitalização.
Os atores envolvidos incluem o governo federal, setor privado, academia
e sociedade civil, operando em uma escala nacional com atenção às
desigualdades regionais. O público-alvo é diversificado, incluindo
trabalhadores, empresas, comunidades científicas e a população em
geral, especialmente nas áreas temáticas definidas pelas missões.

Desenho do Programa
O programa é estruturado em missões com objetivos específicos que
visam catalisar investimentos, inovações e colaborações. Cada missão
tem metas claras voltadas para o desenvolvimento industrial, como a
promoção de cadeias agroindustriais sustentáveis, o fortalecimento do
complexo industrial da saúde e o fomento à bioeconomia e à defesa
nacional.

As metas de cada missão apresentada na Resolução CNDI:MDIC nº 1, de


6 de julho de 2023, são definidas como objetivos específicos para o
desenvolvimento industrial nas áreas de agroindústria, saúde,
infraestrutura urbana, digitalização industrial, bioeconomia e defesa
nacional. Apresentamos também uma análise preliminar da expectativa
de impacto no emprego, os regimes tecnológicos do setor assim como
suas oportunidades tecnológicas. Aqui estão os detalhes:

1. Cadeias Agroindustriais Sustentáveis e Digitais

As metas: 1) Ampliar e fortalecer a produção nacional de bioinsumos,


gerando novos bens, serviços e rotas biotecnológicas no setor
alimentício e agropecuário. 2) Reduzir a dependência externa e
fortalecer a produção nacional de insumos e tecnologias relevantes para
a agropecuária. 3) Ampliar a conectividade no meio rural com o
desenvolvimento de soluções digitais seguras e adequadas. 4)
Desenvolver e expandir a produção de equipamentos agrícolas e
agroindustriais, adaptados à agricultura familiar. 5) Desenvolver
tecnologias para melhorar a qualidade, agregar valor e reduzir perdas
nos setores alimentício e agropecuário. 6) Recuperar áreas degradadas.

Participação no emprego: Este setor é considerado estratégico para a


economia brasileira, não apenas por sua contribuição para as
exportações, mas também por ser um grande gerador de empregos. Em
2021, o Brasil registrou o maior número de pessoas ocupadas no campo,
com 19 milhões de pessoas, o que corresponde a aproximadamente 20%
do total da mão de obra empregada no país. Isso destaca a importância
da agroindústria não apenas para a economia em geral, mas também
para a geração de empregos.

Regimes Tecnológicos: Caracteriza-se por um regime de inovação


cumulativa, onde o avanço tecnológico é incremental e baseado em
melhorias contínuas e adaptações às condições locais, como clima e
solo.

Oportunidades Tecnológicas: A agroindústria brasileira oferece vastas


oportunidades para a implementação de tecnologias agrícolas
avançadas, automação, IoT (Internet das Coisas), e práticas agrícolas
sustentáveis. Isso inclui a agricultura de precisão, biotecnologia, e
desenvolvimento de bioinsumos.

2. Complexo Econômico Industrial da Saúde

Metas: 1) Desenvolver tecnologias e fortalecer a produção nacional de


bens e serviços em saúde, reduzindo a dependência externa. 2) Liderar
em pesquisa, desenvolvimento, inovação e produção de tecnologias
voltadas à saúde, especialmente para doenças endêmicas e
negligenciadas.3) Desenvolver tecnologias de informação e
comunicação com domínio nacional de dados para melhorar a resposta
do SUS. 4) Fortalecer a capacidade nacional em pesquisa clínica e
tecnologias críticas para a saúde. 5)Liderar o uso sustentável e inovador
da biodiversidade nas cadeias produtivas da saúde.

O setor de saúde, especialmente o complexo econômico industrial da saúde, é fundamental para o


bem-estar da população e tem um impacto significativo na oferta de empregos. Embora não
tenhamos um número específico de empregos gerados pelo setor industrial da saúde, é amplamente
reconhecido que este setor é um importante empregador, tanto diretamente nos serviços de saúde
quanto indiretamente na produção de medicamentos, equipamentos médicos e outros insumos. O
complexo industrial da saúde é a indústria à montante dos serviços de saúde ofertados, apresenta
uma alta intensidade em capital e necessidade de mão de obra qualificada.

Regimes Tecnológicos: Predomina um regime orientado pela ciência,


onde a inovação é fortemente baseada em pesquisa científica e
desenvolvimento, com colaboração entre universidades, institutos de
pesquisa e empresas.

Oportunidades Tecnológicas: Este setor tem potencial para


desenvolvimento e produção de tecnologias biomédicas avançadas,
incluindo vacinas, medicamentos, equipamentos médicos, e tecnologias
digitais para saúde (e-health).
3. Infraestrutura, Saneamento, Moradia e Mobilidade

Metas: 1) Adensar cadeias produtivas nacionais de infraestrutura,


promovendo integração produtiva e comercial. 2) Expandir
infraestruturas digitais locais, focando em tecnologias como o 5G. 3)
Priorizar a digitalização e sustentabilidade na construção e obras de
infraestrutura. 4) Desenvolver sistemas de mobilidade e logística
nacionais com foco na economia circular e eficiência energética.

O setor de infraestrutura, que inclui saneamento, moradia e mobilidade


sustentáveis, é crucial para o desenvolvimento econômico e social. Os
projetos de infraestrutura são conhecidos por gerarem um grande
número de empregos, tanto na fase de construção quanto na operação e
manutenção subsequente das instalações.

Regimes Tecnológicos: Caracteriza-se por um regime orientado à


engenharia, com inovações que dependem de melhorias técnicas e
aplicação de engenharia avançada, frequentemente em grande escala.

Oportunidades Tecnológicas: Inclui a construção inteligente, energia


renovável, sistemas de transporte sustentáveis, e tecnologias para
melhorar o saneamento e a qualidade da água.

4. Transformação Digital da Indústria

Metas: 1) Fortalecer empresas nacionais em tecnologias digitais


disruptivas e emergentes. 2) Aumentar a produtividade da indústria
brasileira através da incorporação de tecnologias digitais. 3) Reduzir a
dependência em nano e microeletrônicos e semicondutores. 4) Aumentar
a participação de empresas nacionais em plataformas digitais. 5)
Atualizar tecnologicamente regiões industriais maduras.

A transformação digital da indústria tem emergido como importante


motor de crescimento e inovação, com o potencial de criar empregos em
áreas como tecnologia da informação, biotecnologia e energias
renováveis. A transformação digital, em particular, é esperada para
modernizar a base industrial do Brasil e impulsionar a produtividade nos
diversos setores da indústria de transformação.

Regimes Tecnológicos: A aplicação das novas tecnologias digitais


impulsiona um regime de inovação radical, onde as novas tecnologias
disruptivas e as mudanças de paradigma tecnológico são comuns.
Existe grande espaço para transferências tecnológicas em atualizações
tecnológicas de menor risco.
Oportunidades Tecnológicas: Abrange a indústria 4.0, automação, big
data, inteligência artificial, robótica, e cibersegurança.

5. Bioeconomia, Descarbonização e Segurança Energética

Metas: 1) Expandir a capacidade produtiva com insumos e tecnologias


de baixo carbono. 2) Promover a economia circular e o uso sustentável
da biodiversidade. 3) Adensar cadeias industriais para a transição
energética. 4) Desenvolver tecnologias para descarbonização e
bioeconomia, promovendo liderança de empresas brasileiras. 5) Garantir
a segurança energética com produção de baixo custo e baixa pegada de
carbono.

Regimes Tecnológicos: Este setor combina elementos de regimes


orientados à ciência (biotecnologia) com regimes cumulativos
(eficiência energética), refletindo a necessidade de inovação contínua e
adaptação tecnológica.

Oportunidades Tecnológicas: Envolvem biotecnologias, desenvolvimento


de biocombustíveis, tecnologias de captura de carbono, e inovações em
eficiência energética.

6. Tecnologias de Interesse para Soberania e Defesa Nacionais

Metas: 1) Obter autonomia estratégica em tecnologias críticas para a


defesa. 2) Adensar cadeias da indústria de defesa, com foco em
tecnologias micro e nanoeletrônicas. 3) Desenvolver e adensar cadeias
industriais para melhorar sistemas nacionais de sensoriamento remoto.
4) Expandir capacidades internas em áreas como cibernética, nuclear e
espacial. 5) Desenvolver tecnologias duais e aproveitar
transbordamentos tecnológicos entre setores civis e militares. 6)
Expandir as exportações de produtos de defesa.

O setor de defesa e tecnologias relacionadas à soberania nacional,


embora mais especializado, contribui para a geração de empregos de
alta qualificação, especialmente nas áreas de pesquisa e
desenvolvimento de tecnologias avançadas.

Regimes Tecnológicos: Este setor é caracterizado por um regime de


inovação orientado à missão, onde as necessidades específicas de
defesa e segurança nacional direcionam o desenvolvimento tecnológico.
Oportunidades Tecnológicas: Inclui o desenvolvimento de tecnologias
militares avançadas, sistemas de comunicação e sensoriamento, e
tecnologias nucleares.

Esses objetivos configuram as diretrizes para o desenvolvimento e


fortalecimento da indústria brasileira em diversas áreas estratégicas,
visando a inovação, a sustentabilidade e a melhoria da competitividade
e da qualidade de vida.

Instrumentos de Política

O desenho da política inclui a identificação de recursos disponíveis


porém não faz previsão de possíveis consequências e de seu uso. Os
instrumentos previstos para realizar a política industrial, conforme
delineado no Plano de Ação para a Neoindustrialização 2024-2026,
incluem uma ampla gama de ferramentas financeiras e não financeiras
destinadas a apoiar e estimular o desenvolvimento industrial nas áreas
definidas pelas missões. Esses instrumentos se relacionam com as
missões ao prover os recursos e o ambiente necessário para alcançar os
objetivos específicos de cada uma delas. Abaixo, detalho como esses
instrumentos podem apoiar as missões:

1. Empréstimos e Subvenções: Facilitam o acesso ao capital necessário


para investimentos em infraestrutura, tecnologia e expansão da
capacidade produtiva, essenciais para missões como a transformação
digital da indústria e a promoção da bioeconomia.

2. Créditos Tributários e Participação Acionária: Oferecem incentivos


fiscais e possíveis investimentos diretos em empresas que estejam
alinhadas com as diretrizes das missões, como inovação em saúde ou
desenvolvimento de tecnologias sustentáveis.

3. Requisitos de Conteúdo Local e Margem de Preferência: Estimulam o


uso de produtos e serviços nacionais, apoiando o fortalecimento das
cadeias produtivas locais e a soberania e defesa nacionais.

4. Comércio Exterior: Abrange políticas e práticas que facilitam a


exportação e a internacionalização de empresas brasileiras, apoiando a
inserção internacional qualificada das indústrias nacionais.

5. Transferência de Tecnologia e Propriedade Intelectual: Incentivam a


inovação e a proteção dos resultados de pesquisa e desenvolvimento,
cruciais para missões focadas em inovação, como o complexo
econômico industrial da saúde e a transformação digital.

6. Infraestrutura da Qualidade e Regulação: Melhoram os padrões e


normas industriais, garantindo a qualidade e a segurança dos produtos e
serviços, o que é vital para todas as missões, particularmente aquelas
relacionadas à saúde, infraestrutura sustentável e bioeconomia.

7. Encomendas Tecnológicas e Compras Governamentais: Utilizam o


poder de compra do governo para fomentar a inovação e o
desenvolvimento de novos produtos e serviços que atendam às
necessidades das missões, como soluções para segurança alimentar e
energética ou para a infraestrutura urbana. Até onde este autor
acompanhou a regulamentação destes instrumentos havia sido realizada
através de decreto e atingia apenas a área da saúde.

8. Investimento Público: Aloca recursos financeiros do governo em


projetos e áreas estratégicas, fundamentais para o avanço das missões,
como investimentos em infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento.

Cada um desses instrumentos é projetado para abordar diferentes


aspectos do desenvolvimento industrial, desde o financiamento e
incentivos fiscais até a regulação e padrões de qualidade. Juntos, eles
formam um ecossistema de apoio que permite a execução das missões
definidas na política industrial, visando ao desenvolvimento sustentável
e inclusivo do setor industrial brasileiro. Porém nos documentos
analisados não foi possível inferir ou verificar detalhes da aplicação
destes instrumentos nas missões propostas em busca da realização dos
objetivos (metas).

Em resumo, a política de neoindustrialização do Brasil visa revitalizar e expandir setores-chave da


indústria, que são fundamentais para a oferta de empregos no país e aumento de produtividade. A
implementação bem-sucedida desta política tem o potencial de aumentar significativamente a
geração de empregos em áreas estratégicas, contribuindo para o crescimento econômico e o
desenvolvimento sustentável. A política ao elencar seus instrumentos não comunica a forma e áreas
em que estes instrumentos serão utilizados, nem o montante de recursos utilizados para cada um
deles.

Monitoramento e Avaliação
Embora os documentos forneçam uma visão geral dos objetivos e
estruturas da política, os detalhes específicos sobre os processos de
monitoramento e avaliação não são explicitamente mencionados.
Idealmente, esses processos deveriam incluir indicadores de
desempenho claros, revisões periódicas e mecanismos de feedback para
permitir ajustes contínuos e assegurar o alinhamento com os objetivos
de longo prazo da política.

Em resumo, a nova política industrial do Brasil é uma tentativa


abrangente e multifacetada de revitalizar o setor industrial do país,
abordando desafios críticos e alavancando oportunidades para o
desenvolvimento sustentável. A eficácia dessa política dependerá
significativamente de sua implementação, do comprometimento dos
recursos necessários e da capacidade de adaptação e ajuste com base
em avaliações periódicas de desempenho.

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