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ANÁLISE INFANTO-LITERÁRIA

“Era uma vez en la fronteira selvagem”


DIEGUES, Douglas.

Iris Isis Rowena Campos¹


RGM 43 194

Em sua totalidade, o conto “Los Macacos Voladores” de Douglas Diegues contempla a


curta narrativa que nos apresenta los macacos voladores, personagens principais do enredo
cujo narrador define como um grupo social específico: uma tribo. Tribo de macacos voadores.
Esses seres especiais, apaixonados pelo sabor e cheiro de goiabas, protagonizam seres voadores
(tradução livre de voladores – ES), que adoravam a fruta. Ao discorrer da estória, conta-se da
armadilha dos caçadores para com os macacos selvagens. Esses últimos, encantados com o
cheiro de goiabas perfumadas, forjadas pelos homens da caça, em grandes, fundas e pesadas
garrafas de vidro, se mostram presos pelas mãos dentro das garrafas e caem no golpe calculado
pelos caçadores em questão, que usaram as goiabas como isca.
O narrador traz à superfície semiótica do conto o lugar de um discurso memorial, pois
a estória lhe fora contada por um amigo chinês, tendo em vista que a memória narrada, em sua
consistência, com elementos da estrutura oral, lhe poderia falhar na exatidão do decorrer dos
fatos. Diegues, nos faz perceber tal referência quando narra “Non me lembro bién del todo lo
que me contou el amigo chinês que durante algunos años foi el dono del Dupla Felicidade, el
menor restaurante do mundo, mas lembro que los Macacos Voladores nunca se davam cuenta
de que para conseguir retirar la mano de los garrafones era necessário apenas soltar la goiaba.
Entonces sempre amanecían Macacos Voladores presos a los garrafones.” (DIEGUES, p. 23,
2019), onde expõe no trecho uma identidade não só de língua híbrida, como uma lembrança
dentro da própria narrativa que expressa proximidade empática sobre a questão conclusiva.
Como conclusão da história, estes macacos acabam capturados com a finalidade de venda à
circos, zoológicos e laboratórios de pesquisa farmacêuticas. No final da narrativa se sobressai
a reflexão de uma antropofagia natural, que explana finalidade alimentícia de seres humanos
em relação aos macacos. Estes primeiros, os quais acreditavam que comendo a cabeça dos seres
voladores protagonistas do conto seriam beneficiados com inteligência maioral. A rica sintaxe
de Diegues mostra hibridismo oral da língua que se aprofunda em teorias linguísticas mais
específicas, como a Sociolinguística, a Sintaxe, a Morfologia, a Pragmática, entre outras teorias
de análises estruturalistas vigentes do texto.
Segundo Daniel Abrão (2010), em seu artigo “Poesia sul-mato-grossense
contemporânea: tradição e contemporaneidade”, evidencia-se a poesia regional sem fronteiras
do estado citado que divide fronteira geográfica com ancestrais guaranis e cultura Paraguai,
essas sendo fortes conexões que Douglas Diegues contempla na maior parte da sua vida e obra.
“Desse modo expõem na produção lírica as figurações de um sujeito contemporâneo, as
¹Iris Isis Rowena Campos, aluna do curso de graduação em Bacharelado em Letras, UUCG – UEMS
(Unidade Universitária de Campo Grande – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul). Produziu
esta resenha dialogando com o cunho linguístico do discurso com a Literatura Infanto-Juvenil (análise
do discurso literário), para a disciplina de mesmo nome, lecionada pela Profa. Mestra Carolina
Barbosa Lima e Santos.
“realidades” linguísticas e experimentais da poesia, as atualizações discursivas das imagens da
tradição, os textos compostos pela heterogeneidade cultural e histórica, enfim, elementos que
fogem à estereotipia naturalista [...]. Considerando, portanto, questões poéticas que dizem
respeito a um rompimento ou não em relação à estereotipia regionalista da língua e das
literaturas provindas da tradição oral, [...] a “descoberta” do poeta Douglas Diegues é elaborar
esteticamente na poesia a linguagem multifacetada da fronteira Brasil-Paraguai, trazendo para
o poema o que denomina “portunhol selvagem”, que não é apenas um portunhol da fala das
ruas, já comum na vida social fronteiriça, mas sim um portunhol inventado poeticamente, isto
é, uma linguagem com suas regras próprias. Podemos considerar sua poesia em alguns aspectos
uma herdeira da poética marginal, com sua oposição cultural aos costumes e valores, suas
palavras coloquiais ou, ainda, pela atração pelo universo do submundo urbano, onde habitam
loucos, andarilhos, bêbados, prostitutas, poetas desgarrados” (ABRÃO, p. 3, 2010) e aqui, um
mundo onde macacos voadores existem e dividem seu habitat com caçadores de suas cabeças.
A negatividade do autor, no sentido de que este ressaltada os defeitos e idiossincrasias, como
a crítica à cultura contrasta e “destaca a poesia cosmopolita contemporânea, fruto da mistura
dos povos, de seus costumes e denuncia a trajetória de um poeta também sem fronteiras,
nascido em Mato Grosso do Sul, que já morou no Rio de Janeiro e atualmente trabalha nos
setores midiáticos de Campo Grande. O poeta espera subverter a lógica com a negatividade
que utiliza [...]” (ABRÃO, 2010) crua e literal, mesmo que antropofágica neste conto, contando
a fotogênica pela crueza das descrições. Sua poesia estabelece pela acidez da descrição e pela
negação provocativa dos valores da cultura enquanto tradição, linguística, cultural entre outros
aspectos. É negativa, no caso pois sua escrita não segue padrão da norma culta de uma língua
vigente gramaticalmente e por esse mesmo motivo, é anti-regionalista, não estereotipada.
O laço entre a Língua Portuguesa e a Língua Espanhola se fundem, dadas as condições
da oralidade fronteiriça já titular da obra de Douglas Diegues. Popularmente conhecido como
a mistura do português, espanhol e do guarani, o “portunhol selvagem” de Douglas Diegues
explora em sua fenomenologia, a cadeia social linguística de uma fronteira quase que invisível
na fusão dessas línguas. A similaridade dos signos, bem como a facilidade de lê-los mesmo
que incompletos e gramaticalmente incoerentes/variantes, faz com que o leitor explore sua
dicção, narrativa e olhar sob à fronteira como um aventureiro, se jogando empiricamente na
leitura singular e consegue entender, independente de qual das três línguas fale, uma coerência
fonética no decorrer dos fatos.
A tradução espontânea do leitor para sua realidade linguística, ou mesmo que haja
dificuldade, é uma tradução bem próxima ao núcleo duro linguístico de todas as línguas as
quais envolvem essa mistura selvagem de Diegues, crua e repleta de cenas redondas e objetivas
entregues desde o início da narrativa, mostrando artisticamente o poder da literatura de explorar
socialmente, além das fronteiras (se é que essas existem em território linguístico). O discurso
de Diegues, linguisticamente rico, carrega consigo literariamente uma estrutura que dialoga
com Nelly Novaes Coelho (2000), quando esta avalia a estilística, estética e os efeitos de
sentido que a narrativa expõe em sua proposta em “Literatura infantil: teoria, análise didática”.
Nesse diálogo com a obra de Coelho, o trabalho e função da relação causal com a fantasia
ditatorial como oposição à estética realista, o grotesco, o fragmento ao invés da totalidade, a
desfragmentação (estrutural/teórica e real antropofágica – pela finalidade de decepar a cabeça
dos macacos) e a despersonalização das personagens ao invés da exaltação do lírico.
Ainda com base nas narrativas primordiais explanadas em sala de aula, vê-se já em seu
título, que o corpus carrega tempo indefinido quando em “Era uma vez” não conseguimos
definir um ponto exato na linha do tempo de referência de mundo paralelo. Este importante
dialogo dos elementos com as narrativas primordiais estudadas ao decorrer da disciplina
destaca as relações da literatura infanto-juvenil contemporânea (também em sua anterioridade)
em âmbitos de ritmo narrativo com as exposições iniciais dos fatos e das personagens, bem
prévias, sem suspense e dadas objetivamente ao leitor. Essas características constroem uma
linha de raciocínio direto, tanto para a criança quanto para o adulto que se dispõem a debruçar-
se sob a leitura, tendo para o indivíduo, desde o seu ponto inicial do conto um olhar crítico, não
familiar pela objetividade crua da estória e às atitudes das personagens decorrentes da
introdução do corpus. Esse fator constrói propositalmente um olhar crítico e/ou conclusivo da
função moralizante, porém envolventes na trama. Desdobra a literatura em seus prós e contras
(se é que esses são de alguma forma definições de “uso” literário nos discursos descritos por
teorias e obras, afim de definir o objetivo de existência da literatura (como se a mesma tivesse
uma obrigação à tal). A temática é desenvolvida e conta com o fator de uma breve, oralizada e
reta estória. O narrador consegue, nesse sentido enfatizar o boca-a-boca que lhe fez desenvolver
a trama a nós leitores passada, e teoricamente, analisamos o poder do ato de contar/narrar.
Mitologicamente, a oralidade nunca perdeu força e carregando crenças consigo, trata de
aproximar a função literária pedagógica com a ancestralidade do ato de efabular.
Outros elementos de análise literária se desenvolvem esteticamente por Diegues. A
valorização do homem e da criança, num diálogo de interação à mundos individuais e/ou
mágicos se funde e mostra sucesso em seu hibridismo para criar o clima, consciência, história
cronológica e espaço/tema estabelecidos pela narrativa, aproximando-se assim das narrativas
primordiais e se afastando pela negatividade teórica seguida pelo autor, andando na contramão
da antiguidade literária ou até mesmo religiosa. A moral parece não ser absorvida pelos
macacos, sendo esses necessários da morte parar que a estória nos mostre seu triste fim (mesmo
que este provenha de uma paixão doentia por frutas), mostrando-nos um comportamento
repetitivo e sem percepção dos próprios protagonistas para si mesmos, atitude a não ser seguida
para a vida do leitor.
De modo geral, a semântica/sentido o qual se encarrega a narrativa propaga
culturalmente métodos de se adquirir conhecimentos, sejam eles coerentes, antropofágicos ou
não para o desenvolver da nossa espécie humana. Diegues, aparentemente e propositalmente
adapta-se para os efeitos de sentido mais contemporâneos que podem ser avaliados, mesmo
que ao longo-curto prazo da narrativa se traga ricas relações internas fronteiriças que a leitura
oferece ao leitor por um paraíso linguístico-social bem próximo foneticamente da sua realidade
(latino-americana), e, por este último, absorve-se o poder de uma literatura que dialoga com o
leitor trazendo efeitos morais procedentes ou não da cultura vigente entre os três núcleos
linguísticos, conclusivos e diretos, mas cheios de demandas das narrativas primordiais que se
permanecem há séculos nas análises literárias-psicanalistas.

DIEGUES, D. Era uma vez en la fronteira selvagem. São Paulo: Edições Barbatana, 2019.
ABRÃO, D. Poesia Sul-mato-grossense contemporânea: tradição e contemporaneidade. In:
Vânia Maria Lescano; Edgar Cézar Nolasco. (Org.). Formas, espaços, tempos Reflexões
linguísticas e literárias. 1ed. Campo Grande: Ed. UFMS, 2010, v. 1, p. 287-307.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise didática. São Paulo: moderna,
2000.

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