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ANAIS DO III ENCONTROS JUS HERMENEUTIKOS

ENTRE DISCRICIONARIEDADE E ARBITRARIEDADE –


O PAPEL DA HERMENÊUTICA JURÍDICA NA
EFETIVAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

COORDENAÇÃO:
FREDERICO ANTÔNIO LIMA DE OLIVEIRA
JEFERSON ANTÔNIO FERNANDES BACELAR

ORGANIZAÇÃO
ALBERTO DE MORAES PAPALÉO PAES
MARCO ANTÔNIO LOBO CASTELO BRANCO
COORDENAÇÃO:

FREDERICO ANTÔNIO DE LIMA OLIVEIRA


Professor da Universidade da Amazônia UNAMA, na Graduação e
Pós-Graduação (Especialização e Mestrado), foi Coordenador do
Programa de Mestrado em Direitos Fundamentais. Promotor de Justiça
de 3ª Entrância do Ministério Público do Estado do Pará. Pós-
Doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal). Doutor
em Direito de Estado (sub-área - Direito Constitucional) pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduado e Mestre em
Direito Público (sub-área - Direito Administrativo) pela Universidade
Federal do Pará (UFPa). Pós-graduado em Direito Ambiental pela
Universidade de São Paulo (USP), em Direito Sanitário pela
Universidade de Brasília (UNB), em Direito Ambiental e Politicas
Publicas pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA-UFPa) e
em Direito Eleitoral pela Universidade Federal do Pará (UFPa). É
membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst),
membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) e do
Instituto Pimenta Bueno de constitucionalistas. Promotor de Justiça do
Ministério Público do Estado do Pará, Titular da 2° Promotoria de
Defesa do Consumidor, membro do Conselho Editorial da Livraria e
Editora Gomes e Oliveira e da Editora Lumen Juris, Membro da
Academia Brasileira de Direito Constitucional e Membro Associado ao
Instituto Pimenta Bueno. Tem experiência na área de Direito Público.
Atuando principalmente nos seguintes temas : Teoria da Constituição e
Hermenêutica Constitucional. Presidente do Grupo de Estudos e
Pesquisa em Hermenêutica Constitucional (GEPHC-UNAMA).
JEFERSON ANTÔNIO FERNANDES BACELAR
Doutor em Direitos Fundamentais e Novos Direitos na UNESA-RJ.
Mestre em Direito do Estado pela Universidade da Amazônia (2009).
Atualmente é Pró-Reitor de Ensino da Universidade da Amazônia
(UNAMA) no Grupo SER Educacional. Membro da Comissão
Assessora de Direito - ENADE 2015-2017. Membro da Comissão
Nacional de Educação Jurídica do CFOAB. Professor adjunto da
Universidade da Amazônia -UNAMA. Conselheiro Federal
representando a Seccional do Pará junto ao Conselho Federal da OAB.
Foi Diretor-geral da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos
Advogados do Brasil - Seccional do Pará, no Triênio 2013-2015. Tem
experiência na área de Teoria do Direito e Teoria do Estado, atuando
principalmente nos seguintes temas: Hermenêutica Jurídica, Direitos
Humanos e Pensamento latino-americano. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Hermenêutica Constitucional (GEPHC-
UNAMA).
ORGANIZAÇÃO
ALBERTO DE MORAES PAPALÉO PAES
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA), Mestre em Direito pela Universidade da Amazônia
(UNAMA), Professor Universitário das Disciplinas de Direito
Constitucional, Hermenêutica e Argumentação Jurídica e
Filosofia do Direito (Graduação e Especialização), Revisor de
periódicos Qualis-CAPES, Membro da Comissão de Educação
Jurídica da OAB-PA, Advogado sócio do Escritório Amin, Dib
Taxi & Papaléo Advocacia e Consultoria Jurídica, Pesquisador
vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Hermenêutica
Constitucional (GEPHC-UNAMA).

MARCO ANTÔNIO LOBO CASTELO BRANCO


Juiz de Direito Titular da 8ª Vara Cível do Foro da Comarca de
Belém. Graduado em Direito pela Universidade Federal do
Pará em 1990. Mestre em Direito, Políticas Públicas e
Desenvolvimento Regional pelo CESUPA - Centro
Universitário do Estado do Pará. Especialista em Direito Penal
e Processo Penal pela UNESA- Universidade Estácio de Sá.
Capacitação de Gestão Pública com ênfase no Poder Judiciário
ministrado na Escola de Governo do Estado do Pará. Professor
de Filosofia do Direito na UNAMA - Universidade da
Amazônia. Professor da Pós-Graduação da UNAMA-
Universidade da Amazônia. Professor da Pós-Graduação do
CESUPA- Centro Universitário do Estado do Pará.
Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisa em
Hermenêutica Constitucional (GEPHC-UNAMA)
AUTORES:

Adara Karyne Carneiro Cortês


Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
adara.cortes.ac@gmail.com

Ágatha Gonçalves Santana


Advogada civilista. Graduada em Direito pela Universidade da
Amazônia (2006), Mestre (2009) e doutora em Direito pela
Universidade Federal do Pará (2017). Atualmente é professora titular da
Universidade da Amazônia. Tem experiência na área de Direito, com
ênfase em Direitos Humanos e Teoria do Direito, atuando
principalmente nas seguintes áreas: Direito civil constitucional, Teoria
Geral do Processo e Processo Civil. Membro da ABDPC - Academia
Brasileira de Direito Processual Civil. Membro da Comissão de Ensino
Jurídico da OAB/PA. agathadcpc@yahoo.com.br

Carlos Alberto Schenato Junior


Graduando no curso de Bacharelado em Direito no Centro
Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
schenatojunior95@gmail.com

Carlos Fernando Cruz da Silva


Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Pará (2016) e
ocupa o cargo público de Auditor de Controle Externo (Procuradoria) no
Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE/PA). Bacharel em Direito
pela Universidade da Amazônia. Foi bolsista pesquisador no Programa
de Bolsas de Iniciação Científica promovido pela Universidade da
Amazônia para o qual foi selecionado mediante processo seletivo.
carlos-cruz90@hotmail.com.

Fernanda Regis da Luz Fernandes


Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia – ICJ/UNAMA.
Membra do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito
Constitucional-GEPDC da UNAMA.
vv_fernanda@hotmail.com

Jaqueline Ribeiro Barreto


Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional-
GEPC. ribeiro.jaqueribeiro@gmail.com

Jéssica Ribeiro Barreto


Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional-
GEPC. jkekaribeiro@gmail.com

José Edvaldo Sales


Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Pós-graduado (especialização) em Direito Eleitoral
pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL/SC).
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará
(UFPA). Graduado em Filosofia pela Universidade do Sul de
Santa Catarina (UNISUL/SC). Graduado em Teologia pela
Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do
Brasil (FACETEN/RR). Foi professor de Direito Processual
Penal e de Direito Eleitoral da Universidade da Amazônia
(UNAMA), nível graduação. Foi professor da Faculdade Pan
Americana (FPA), do curso de Licenciatura em Filosofia, da
disciplina Hermenêutica Filosófica. Professor convidado de
instituições como o Centro de Estudos e Aperfeiçoamento
Funcional do MP do Pará (CEAF-MP/PA), a Escola Superior
da Magistratura do Estado do Pará, as Escolas Judiciárias
Eleitorais do TRE do Pará e do TRE do Amapá. Professor
convidado da Universidade da Amazônia (UNAMA) em
cursos de Pós-Graduação (especialização). Desenvolve
estudos sobre Hermenêutica com enfoque na Hermenêutica
Filosófica segundo Hans-Georg Gadamer e suas relações com
o acontecer da decisão penal (no Brasil). Promotor de Justiça
do Ministério Público do Estado do Pará, onde já
desempenhou diversas funções como Promotor Auxiliar do
Procurador Regional Eleitoral, e atualmente é Diretor de
Publicações e Diretor de Cursos e Eventos do CEAF-MP/PA,
além de Promotor Auxiliar do Centro de Apoio Operacional
Constitucional do MP do Pará. je.sales@uol.com.br

Karla Emanuelle Cordovil Muniz


Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional-
GEPC. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa Bioética e o
Direito à Vida-UFPA. karlaecmuniz@outlook.com
Madson Soares Lobato

Acadêmico do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências


Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Hermenêutica
Constitucional- GEPHC. Membro do Grupo de Estudo e
Pesquisa em Pessoas e Relações Familiares-GEPPRG.
Monitor de Direito Empresarial II. Membro do Grupo de
Extensão Economia Solidária. Membro da Liga Jurídica do
Pará-LAJUPA e Membro do Grupo de Pesquisa Novo Código
de Processo Civil- LAJUPA. madsonslobato@gmail.com

Maressa Cristina de Alfaia Pinheiro


Acadêmica do 8º semestre do de Direito do Instituto de
Ciências Jurídicas da Universidade da Amazônia (UNAMA),
foi monitora da Disciplina de Direito Constitucional II,
estagiária em escritório de Advocacia na cadeira de Direito
Tributário. maressapinheiro@live.com
Sumário
Prefácio ......................................................... 11
REVISITANDO A INTERPRETAÇÃO EM
KELSEN – A LEI E A CONSTITUIÇÃO. ... 18
A EMERGÊNCIA DO DANO
EXISTENCIAL NA JURISPRUDÊNCIA
BRASILEIRA ............................................... 36
HERMENÊUTICA JURÍDICA E
GARANTISMO PENAL.............................. 45
QUESTÕES HERMENÊUTICAS NA
HORIZONTALIZAÇÃO DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E A CONSEQUENTE
INSEGURANÇA JURÍDICA ...................... 56
RESERVA DO POSSÍVEL X MÍNIMO
EXISTENCIAL: A INTERPRETAÇÃO NOS
CASOS CONCRETOS E AS
CONSEQÜÊNCIAS NA EFETIVAÇÃO DOS
DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL. ............ 66
HERMENÊUTICA JURÍDICA E ATIVISMO
JUDICIAL – REFLEXÕES SOBRE
JULGADOS DA CORTE SUPREMA
BRASILEIRA ............................................... 78
O SUBJETIVISMO NO TRIBUNAL DO
JÚRI E OS REFLEXOS NO GARANTISMO
PENAL ......................................................... 90
HIPÓTESE POSITIVISTA DE JOSEPH RAZ:
O LUGAR DOS FATOS NO UNIVERSO
DOS JULGAMENTOS .............................. 102
A CONTRIBUIÇÃO DA HERMENÊUTICA
JURÍDICA PARA DISTINÇÃO DOS
OBJETIVOS FUNDAMENTAIS DO ART. 3º
DA CF/88 .................................................... 114
Prefácio

O Grupo de Estudos e Pesquisa em


Hermenêutica Constitucional tem o imenso prazer de
presentear a comunidade acadêmica com a primeira
publicação dos Anais do III Encontros Jus
Hermeneutikos. Ocorrido no dia 06 de Maio de 2017, o
evento teve como temática central: Entre
discricionariedade e arbitrariedade – o papel da
Hermenêutica Jurídica na Efetivação das Normas
Constitucionais.
Além das diversas comunicações orais
proferidas pelos professores e pesquisadores convidados
(duas das quais se encontram resumidas a termo e
publicadas na presente coletânea) o evento teve a
oportunidade de receber resumos expandidos de alunos
do curso de direito da graduação e da pós-graduação
interessados na investigação hermenêutica.
Iniciando a coletânea dos anais encontramos
resumo escrito pelo professor Alberto de Moraes
Papaléo Paes em coautoria com aluna da graduação do
curso de direito da UNAMA, Maressa Cristina de Alfaia
Pinheiro, intitulado: Revisitando a Interpretação em
Kelsen – a Lei e a Constituição, no qual os autores
abordam a necessidade de recolocar os problemas da
interpretação jurídica trabalhados por Kelsen, de modo a
demonstrar como seus sucessores não conseguem
resolver os problemas essenciais apontados pelo mesmo
ao longo de sua obra.
Em seguida temos o resumo apresentado na
forma de palestra pela professora Dra. Ágatha Santana
intitulado: A Emergência do Dano Existencial na
Jurisprudência brasileira. Trata-se de extrato parcial de
um problema enfrentado pela autora quando da escrita e
desenvolvimento de sua Tese de Doutorado na qual
defende a possibilidade de reconhecimento e recepção
da tradição do Dano Existencial pela experiência
jurídica brasileira a partir de um estudo comparativo e
dialético com a experiência de outras tradições. Logo,
uma proposta hermenêutica.
O Professor, Promotor de Justiça e Doutorando
em Direito, José Edvaldo Sales, continua com os
estudos dessa coletânea resumindo sua apresentação
oral no congresso, intitulada: Hermenêutica Jurídica e
Garantismo Penal. O autor procura, de modo bastante
elucidativo e numa linguagem de fácil compreensão,
primeiramente exercer um esforço conceitual para
alocar o que se pretende com as expressões
“hermenêutica jurídica” e “garantismo penal”. Em
seguinte apresenta a tese de Luigi Ferrajoli esclarecendo
certas zonas de penumbra que pairam sobre o
pensamento do jurista italiano.
O acadêmico da graduação em Direito do
CESUPA, Carlos Alberto Schenato Junior apresenta
resumo, na sequência, com a seguinte temática:
Questões Hermenêuticas na Horizontalização dos
Direitos Fundamentais e a consequente Insegurança
Jurídica. Neste trabalho o autor realiza o que considera
uma breve análise hermenêutica da horizontalização dos
Direitos Fundamentais, especialmente no que tange à
fundamentação da decisão judicial, à interpretação
normativa, à ponderação no conflito de direitos e o
decisionismo judicial, em ultima ratio, considerando-se
a possibilidade do exercício de um controle difuso o
autor apresenta hipótese de um recrudescimento da
insegurança jurídica na concreção destes direitos
fundamentais.
Fernanda Régis da Luz Fernandes, acadêmica
do 5º semestre do curso de Direito da UNAMA,
apresenta o próximo resumo com o título: Reserva do
Possível x Mínimo Existencial: A Interpretação nos
casos concretos e as consequências na Efetivação dos
Direitos Sociais no Brasil. Nesta pesquisa, a autora
busca analisar os efeitos da interpretação das teorias da
Reserva do Possível e do Mínimo Existencial na
efetivação dos direitos previstos na Constituição
brasileira. Desse modo, pretende a autora perfazer um
estudo doutrinário sobre qual seria a “melhor”
interpretação para estes dois institutos usados pelo
direito brasileiro.
O acadêmico Madson Soares Lobato, além de
acadêmico do 5º semestre do curso de direito da
UNAMA, também monitor da disciplina de Direito
Empresarial e membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Hermenêutica Constitucional, apresenta, na
sequência, dois trabalhos escritos em coautoria com
duas outras alunas da graduação do 5º semestre do curso
de Direito da UNAMA. Num primeiro momento com a
acadêmica Adara Karyne Carneiro Cortês, os autores
escrevem resumo intitulado: Hermenêutica Jurídica e
Ativismo Judicial – Reflexões sobre Julgados da Corte
Suprema brasileira, no qual apresentam uma discussão
acerca da interpretação constitucional em face de casos
concretos que tramitam no Supremo Tribunal Federal -
STF, propondo uma análise sobre o ativismo judicial e
suas esferas hermenêuticas. Consideram os autores que
a postura ativista estaria presente em âmbito
jurisdicional na atuação amplificada dos magistrados e
tribunais, ao decidirem casos de omissão ou lacuna
legislativa, utilizando métodos interpretativos
contemporâneos o que geraria resultados inovadores e
ao mesmo tempo controversos.
Já noutro momento, Madson Soares Lobato,
agora em coautoria com a acadêmica de Direito do 5ª
semestre do curso de Direito da UNAMA, Karla
Emanuelle Cordovil Muniz, temos a proposição de se
estudar uma temática correlata ao Direito Criminal, com
o resumo intitulado: O Subjetivismo no Tribunal do Júri
e os Reflexos no Garantismo Penal. Nesta pesquisa os
autores pretendem discutir questões acerca das decisões
do Tribunal do Júri, começando por balizar sua
conceituação e acepções no tocante à afirmação do
direito, a maneira de decidir e as diversas facetas
existentes, além, sobretudo, do aparato histórico-
formador na construção e legitimação do instituto como
modelo de julgamento. O escopo principal dos autores é
o de demonstrar se há limites na forma de julgar e se
existindo quais seriam os reflexos jurídicos, políticos e
sociais.
Brindando-nos com um trabalho dentro da
Teoria do Direito, o mestrando em Direito pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), Carlos Fernando
Cruz da Silva apresenta o resumo intitulado: A Hipótese
Positivista de Joseph Raz: o lugar dos fatos no universo
dos julgamentos. No presente resumo, o autor pretende
discutir a possibilidade de a hipótese do positivismo
exclusivo de Joseph Raz ser compreendida como tese
abrangente. O objetivo central da investigação consiste,
portanto, em refletir sobre a coerência lógica da
proposição raziana a respeito da identificação do
conteúdo do Direito. Ao longo do texto são analisados
diversos aspectos do positivismo exclusivo de Joseph
Raz, como a tese social, a tese da autoridade e a noção
de razões excludentes. O estudo foi desenvolvido a
partir de levantamento e análise bibliográfica, sobretudo
da obra de Joseph Raz.
Finalizando os Anais encontramos a bem
desenhada proposição das acadêmicas do 5º Semestre
do curso de Direito da UNAMA e irmãs, Jaqueline
Ribeiro Barreto e Jéssica Ribeiro Barreto, com o resumo
de título: A Contribuição da Hermenêutica Jurídica para
Distinção dos Objetivos Fundamentais do art. 3ª da
CF/88. No trabalho que se segue, as autoras pretendem,
inicialmente, discutir o nível de interpretação e
aplicabilidade no que concerne ao rol de objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil,
elencados no art. 3º da Constituição como diretrizes
para as políticas públicas estatais. Para tanto, utilizam-
se da pesquisa bibliográfica, com a utilização de
métodos hermenêuticos de interpretação histórica e
teleológica, assim como justificação com dados
estatísticos.
Ao assumirmos a empreitada de organizar,
promover, aceitar resumos, corrigi-los, etc., não
podíamos imaginar tamanha adesão numa investigação
que, historicamente, sempre afastou os alunos da
graduação do curso de direito do seu cerne: A
Hermenêutica Jurídica. Alcançamos a marca de mais de
duzentos participantes neste evento, o que desde já
acusa o interesse crescente dos alunos pela matéria.
Além do mais, na história recente da UNAMA, é o
primeiro momento em que um Grupo de Estudos se
lança a fazer uma publicação deste porte. Portanto, não
poderíamos estar mais satisfeitos com os resultados
alcançados, desde a reunião inaugural no ano de 2013,
até o presente momento.
Com a mais grata satisfação agradecemos à
Administração da Universidade da Amazônia
(UNAMA), pelo apoio incondicional a proposta
pedagógica do GEPHC; agradecemos aos alunos e
professores que se envolveram no projeto do III
Encontro Jus Hermeneutikos, especialmente aos que
gentilmente subscrevem os resumos aqui apresentados;
agradecemos ao Editor Lucas Margoni da Editora Fi
pela parceria e por toda a disponibilidade em nos
atender e publicar nossos Anais.
Desejamos a todos uma excelente leitura e
lançamos a promessa de continuar com a divulgação da
nossa pesquisa através dos trabalhos do GEPHC.
Belém 15 de outubro de 2017.
Os Coordenadores e Organizadores.
REVISITANDO A INTERPRETAÇÃO
EM KELSEN – A LEI E A
CONSTITUIÇÃO.

Alberto de Moraes Papaléo Paes1


Maressa Cristina de Alfaia Pinheiro2

Introdução

Estar em um congresso deste porte é uma


grande felicidade para nós por três motivos essenciais:
a) primeiro por se tratar de um evento sobre Direito
Constitucional; b) segundo por se tratar de um evento
que leva como nome um dos grandes juristas da
academia paraense e; c) terceiro por estar ladeado de tão
nobres e diletos amigos pesquisadores. A atualidade da
discussão constitucional nos é bem evidente nos dias de

1
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA),
Mestre em Direito pela Universidade da Amazônia (UNAMA),
Professor Universitário das Disciplinas de Direito
Constitucional, Hermenêutica e Argumentação Jurídica e
Filosofia do Direito, Pesquisador vinculado ao Grupo de Estudos
e Pesquisa em Hermenêutica Constitucional (GEPHC-UNAMA),
Membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB-PA,
Advogado sócio do Escritório Amin, Dib Taxi & Papaléo
Advocacia e Consultoria Jurídica. E-mail:
betomppaes@msn.com
2
Acadêmica do 8º semestre do de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia (UNAMA), foi monitora
da Disciplina de Direito Constitucional II, estagiária em
escritório de Advocacia na cadeira de Direito Tributário.
maressapinheiro@live.com
hoje. Os escândalos políticos recentes, a instabilidade
das instituições democráticas, quase todos os assuntos
da pauta do nosso cotidiano, hoje, versam sobre Direito
Constitucional. Nunca fui tão abordado nos corredores,
para responder sobre questões sobre a Constituição,
quanto nestes últimos dias (ou, até anos). Daí porque
um evento sobre este ramo do direito, nestas condições
históricas, destaca o comprometimento e o
envolvimento desta instituição com o esclarecimento de
questões necessárias para garantir o futuro da nossa
juventude e da nossa democracia.
Falar de Orlando Chicre Miguel Bitar é tentar
resgatar um pouco da história de nosso Estado, nascido
dia 13 de Junho de 1919 em Belém (PA) filho de
libaneses, Bitar estuda no colégio Paes de Carvalho
(Antigo Liceu/Ginásio Paraense), lugar o qual ainda
volverá enquanto professor pouco antes de se graduar
em Direito pela Universidade Federal do Pará. Atuou
como secretário na junta de conciliação e julgamento de
Belém (PA), e foi professor do curso de Direito da
UFPA, primeiramente na disciplina de Direito
Administrativo (preenchendo o cargo de Otávio Meira,
impedido) e posteriormente, para titular da cadeira de
Direito Constitucional, oportunidade na qual apresenta
uma Tese intitulada: “A Lei e a Constituição”. Dentre
outras coisas, o Professor Orlando Bitar defendia que o
Procurador Geral da República não poderia interpretar
como uma faculdade a submissão ou não de arguição de
Inconstitucionalidade (tese de Alfredo Buzaid), sob
pena de usurpação da competência exclusiva do
Supremo Tribunal Federal (ser o guardião da
Constituição).
O nobre professor não se provou errado neste
tema. Paulatinamente, no Brasil, houve uma lenta e
gradativa supervalorização do Supremo Tribunal
Federal e de seu papel enquanto guardião da
Constituição. Embora pareça quase óbvio que há um
problema estrutural, sobre ele não pretendo fazer
grandes considerações, pois já me debrucei sobre a
questão em outra oportunidade, além do que, neste
mesmo evento, o Professor Franco Aurélio já se
reportou a uma perspectiva mais estrutural do problema
que enfrenta o Judiciário brasileiro. Minha questão, meu
problema principal diz respeito a uma constatação
teórica (não muito evidente) e visa tentar corrigir uma
severa injustiça contra um dos mais importantes autores
da Teoria do Direito no século XX: o Professor Hans
Kelsen.

a) Breve Histórico.

Hans Kelsen nasceu em Praga em 11 de


outubro de 1881 e aos três anos de idade se mudou para
Viena junto com sua família (de classe média Judia),
cidade na qual acabou desenvolvendo seus estudos
(LADAVAC, 1998, pág. 391). Concluiu o doutorado em
direito em 1906 apesar do seu enorme interesse no
estudo das humanidades (filosofia, literatura, lógica,
mas também na matemática e ciências naturais)
(LADAVAC, 1998, pág. 391). Durante sua vida, Kelsen
acabou mudando de religião algumas vezes, sustentando
alguns autores que teria abandonado o judaísmo por
uma necessidade de se adequar às exigências
acadêmicas que construíam um preconceito contra o seu
contexto religioso tornando-se católico e posteriormente
voltando ao judaísmo (LADAVAC, 1998, pág. 391).
A obra de Kelsen começa a ser desenhada a
partir de sua primeira publicação em 1905 sob o título
de “Uma Teoria do Estado de Dante Aligheri” (die
staatslehre des Dante Aligheri), alguns anos depois,
publica um escrito de quase setecentas páginas a
respeito dos “Problemas Fundamentais da Teoria do
Direito e do Estado (Hauptprobleme der
staatrechtslehre) para obter a aprovação como professor
da Universidade de Viena (LADAVAC, 1998, pág. 391).
Kelsen empreendeu grande participação na academia
formando diversos grandes nomes, ao passo que na
política teve destacada atuação na reformulação da
Constituição Austríaca na década de 20 tendo
participado, do Tribunal Constitucional e por motivos
políticos acabou sendo afastado (LADAVAC, 1998, pág.
392-3).
Ao perder espaço na Áustria por questões
políticas, Kelsen começa a lecionar a Universidade de
Cologne e após o início da segunda guerra mundial,
volta para Genebra com sua esposa de duas filhas,
oportunidade na qual empreende séria pesquisa sobre
Direito Internacional e volta-se para a questão da
soberania e sobre a validação de normas jurídicas a
partir do diálogo entre os ordenamentos internos com o
direito internacional (LADAVAC, 1998, pág. 393). Todo
este cenário vai culminar com a publicação em 1934, de
sua Teoria Pura do Direito (doravante denominada de
TPD), ressaltando-se que ele próprio decide abandonar
o cargo de professor em Praga por conta do sentimento
anti-semita dos alunos e muda-se definitivamente para
os Estados Unidos, onde irá, viver o resto de seus dias
(LADAVAC, 1998, pág. 394).
A obra de Kelsen ainda seria revisada e
republicada com algumas alterações de seu pensamento
original em 1960 com ele vivendo e lecionando em
Berkley, importante relembrar que nesta segunda edição
consta um apêndice no qual ele fornece uma perspectiva
crítica a respeito da relação do direito com a justiça e o
direito natural (nota de rodapé do tradutor no prefácio
da segunda edição brasileira). O que gera a discussão a
respeito de “dois kelsens” (até três com a publicação de
suas obras póstumas). A grande questão é o fato de que
enquanto jurísta Hans Kelsen constituí um marco
teórico na compreensão do normativismo jurídico e
enquanto pessoa, ser humano, um homem injustiçado
pela história. Passemos à análise da obra.
O prefácio à primeira edição alemã (assinado
em maio de 1934/Genebra) apresenta uma breve
exposição retórica que indica, essencialmente, dois
argumentos iniciais: a) agradecimento aos adeptos da
TPD e; b) demonstração de como a visão dos críticos é
uma interpretação parcial da TPD (KELSEN, 1999,
VII). Acerca do primeiro tópico Kelsen (1999) agradece
expressamente aos seus seguidores do círculo de Viena,
em especial, aqueles que contribuíram para a afirmação
de sua “escola” (pág. VII). De outra sorte, ele argumenta
que os críticos da TPD o são por questões e implicações
políticas, pois, em sua grande maioria, eles próprios
concordam com as premissas fundamentais da obra
(pág. VIII). Kelsen (1999) defende-se também de
implicações políticas danosas vinculadas aos perigos
interpretativos de sua obra dizendo que a TPD do direito
se tornou alvo de diversas apropriações justamente por
sua “pureza” metodológica e desvinculação com
qualquer premissa política (pág. VIII-IX).
Mais de vinte e cinco anos depois, a obra é
revista (1960/Berkeley, Califórnia) e no segundo
prefácio da obra TPD Kelsen (1999) apresenta a revisão
e alargamento de algumas das teses que tinham sido
produzidas na primeira edição (pág. X). Importante
observar o reconhecimento de Kelsen (1999) de que
pelo decurso do tempo, sua obra não ficaria isenta de
atualização (considerando que o problema já havia sido
exposto desde 1906) e ao mesmo tempo que a revisão
da TPD já começara a ser feita depois da publicação da
Teoria Geral do Direito e do Estado (General Theory of
Law and State, doravante denominada de TGDE), bem
como na versão francesa da TPD. Há, entretanto, uma
advertência importante, as alterações mais importantes
do pensamento kelseniano estão constantes nas notas de
fim e a explicação de qual seria o interesse em se
aportar num apêndice o debate acerca da Justiça e do
Direito Natural (KELSEN, 1999, pág. X).

b) Ciência do Direito (Constituição).

Primariamente, Kelsen (1999) reforça bastante


seu compromisso em assumir uma postura
metodologicamente bem delimitada, repetindo várias
vezes o propósito da sua TPD, como uma teoria do
direito positivo geral e não específica (de um estado, por
exemplo), como uma ciência do direito e não como
política do direito e interpretações sobre normas
jurídicas particulares (apesar de fornecer uma teoria da
interpretação) (pág. 1). A explicação do emprego do
termo “pureza” diz respeito à garantia de um
“conhecimento apenas dirigido ao Direito” (KELSEN,
1999, pág. 1), excluindo-se deste conhecimento tudo
aquilo que se possa determinar enquanto tal. A
importância de tal redução epistêmica é a da confusão
existente na jurisprudência entre psicologia, sociologia,
ética e teoria política (KELSEN, 1999, pág. 1), e
delimitar este estado de pureza enquanto metodologia
da ciência do direito é preencher esta lacuna no
pensamento jurídico, caminhar para a resolução das
controvérsias sobre o que realmente vem a ser o(a)
(ciência do) direito.
Kelsen (1999) advoga a tese de que os atos
jurídicos podem possuir dois sentidos. Na medida em
que o homem percebe e experimenta determinado fato,
ele pode convencionar um sentido subjetivo para o
mesmo, como no caso da pessoa que quer deixar todo
seu patrimônio para outrem por meio de documento
público acreditando este estar emitindo testamento
(sentido subjetivo do ato). Entretanto, para este mesmo
exemplo, quando a lei diz que a pessoa só pode deixar
metade do seu patrimônio testado em vida, o sentido do
ato para o direito é a de que o sujeito está, na verdade,
perpetrando um ilícito perante a lei civil (sentido
objetivo do ato) (pág. 2). Esta sutileza difere o objeto da
ciência jurídica das ciências naturais, pois não há como
a rosa dizer algo ao botânico para que ele possa
desenvolver seu mister, enquanto que os atos humanos
podem já conter uma auto-explicação jurídica do seu
conteúdo pelo seu próprio conhecimento (KELSEN,
1999, pág. 3).
Em que pese o reconhecimento da
dialogicidade das expressões humanas na forma dos
sentidos dos atos e sua significação, Kelsen (1999)
pondera que o sentido subjetivo do ato não o
transforma em jurídico (como uma qualidade), mas
sim seu sentido objetivo cujo significado é
estabelecido e interpretado a partir de uma norma
(pág. 3). A norma enquanto esquema interpretativo
encontra-se como o fluído que preenche o espaço entre
a compreensão dos sentidos (objetivo e subjetivo) dos
atos humanos; se de um lado o Parlamento age de
determinado modo, de outro só reconhecemos a
validade dos seus atos quando os mesmos correspondem
aos ditames da Constituição. Por isso pensamos o
direito como uma atividade subsuntiva e,
essencialmente, normativa.
A partir deste tópico, Kelsen (1999) procura
esmiuçar o conceito de “norma” que pretende ser
desenvolvido ao longo do resto da obra, o conhecimento
jurídico está totalmente pendente ao contexto das
normas enquanto ordens, imperativos de organização da
conduta humana, dos fatos; desse modo, elas
intencionalmente regulamenta um dever ser (pág. 4). O
verbo dever deve ser entendido tanto ordenar quanto
como poder (estar autorizado à...), demonstrando que as
normas podem “mandar” e “autorizar” (KELSEN, 1999,
pág. 4). Logo após ele argumenta sobre a diferença entre
a norma (no sentido em que ele está propondo) e o ato
de vontade cujo sentido ela estatuí a partir da diferença
entre: a) o que foi dito (conteúdo da norma) e; b) por
que foi dito (ato de vontade do legislador) (KELSEN,
1999, pág. 4).
A relação entre ser e dever começa a ser
explanada, iniciando com um argumento da clareza dos
limites lógicos entre o que é e o que deve ser, bem como
a partir da explanação da dialética/complementariedade
que permeia o debate (KELSEN, 1999, pág. 5). Kelsen
(1999) critica a proposição de que um ser corresponde a
um dever ser e a substituí pela de que um ser é dirigido
a um dever ser (pág. 5), sua hipótese é a de que o
conteúdo do que é, por vezes não coincide com o
conteúdo do que deve ser (a exemplo os enunciados: a)
a porta será fechada e; b) a porta deve ser fechada).
Esta questão começa a ser resolvida por Kelsen
(1999) quando o mesmo analisa o termo “conduta
devida”, no sentido de: a) “designar a conduta que
enquanto conteúdo da norma é posta como devida e que
deve ser mesmo quando se não ponha em ser ou realize”
(pág. 5) e; b) “como também a conduta que de fato é ou
se realiza e corresponde ao conteúdo da norma” (pág.
5). Os atos que têm por sentido uma norma podem ser
realizados por diferentes formas, gestuais, faladas,
escritas, etc. (portanto pressupõe capacidade
comunicativa). A respeito do seu conteúdo, Kelsen
(1999) propõe que a norma seja propositivia (por uma
questão de linguagem) (pág. 6).
A questão da validade como vinculação da ação
de terceiros interessados, mesmo quando cessa a
intenção do sentido objetivo, passa a ser objeto de
análise para que Kelsen (1999) denominará de vigência
(pág. 6). Existe uma diferença entre vigência e validade
portanto, no primeiro sentido fala-se da oponibilidade
do sentido objetivo da norma erga omnes e no segundo
da obediência ou não à critérios de reconhecimento da
legitimidade e legalidade daquela determinada norma
(KELSEN, 1999, pág. 6). A validação se dá num plano
de hierarquia onde normas superiores validam normas
inferiores, ultima ratio, a constituição federal seria
validada pela grundnorm (norma hipotética
fundamental).
Em conclusão, Kelsen (1999) passa a
considerar que as normas jurídicas podem, igualmente,
se validarem a partir de processos externos aos
procedimentos legiferantes, como é o caso da utilização
de um costume como forma de reconhecimento da
validade de uma determinada norma, como se o sentido
subjetivo pudesse, de algum modo, objetivar-se a fim de
estabelecer um conceito de direito (pág. 6).

d) Aplicação do Direito (Aplicando a Lei).

No prosseguimento da obra, Kelsen (1999)


investiga a necessidade de criação de uma teoria
interpretativa para sua teoria pura do direito. Nesse
sentido ele institui um conceito de interpretação como
um ato de cognição, uma operação mental que
acompanha o ir e vir de uma norma de escalão superior
para uma norma de escalão inferior, universalizando o
processo de aplicação de uma norma jurídica. Porém, ao
universalizar esse procedimento, Kelsen (1999) acaba
por dividir duas espécies de interpretação possíveis: a)
autêntica, feita pelo magistrado porque competente,
autorizado pela constituição federal a aplicar a norma
jurídica no caso concreto e; b) não-autêntica, feita por
qualquer outra pessoa da sociedade (que não o juiz).
O enfrentamento posterior diz respeito aos
limites da interpretação autêntica no ato de aplicar o
direito. Desse modo, Kelsen (1999) exemplifica que a
norma juridica é determinada (por conta da relação entre
sein e sollen), considerando que sempre um “ser”
corresponde a um “dever ser”. Por outro lado, a mesma
norma jurídica pode vir a ser relativamente
indeterminada. Não é que não haja correspondência
entre “ser” e “dever ser”, mas somente que pode existir
multiplos deveres ser correspondentes a um único “ser”,
por isso a relação jurídica pode ser relativamente
indeterminada.
Há um indicativo de que essa indeterminação
pode ser intencional (quando o legislador
propositalmente indica múltiplas possibilidades de
escolhas para resolução de casos concretos), ou, não-
intencional (quando existem problemas de imprecisões
linguísticas sobre o conteúdo da norma jurídica). Quer
se parte de uma concepção ou de outra o resultado é o
mesmo: o Juiz pode decidir um processo pautado numa
discricionariedade limitada pelo próprio ordenamento
jurídico. Esta é a metáfora da moldura interpretativa. Há
uma certa liberdade para a aplicação da norma jurídica,
porém nunca ilimitada.
Kelsen (1999) enfrenta outras questões antes
do fechamento do presente capítulo. A primeira diz
respeito a existência ou não de uma única resposta
correta para os casos jurídicos, pelo que ele afasta a
possibilidade de existir apenas uma única resposta.
Existem várias respostas corretas desde que
juridicamente válidas (previstas dentro dos limites
interpretativos do ordenamento jurídico). A segunda diz
respeito a existência ou não de um único método
interpretativo adequado para os casos jurídicos, pelo que
ele também rechaça a possibilidade de isto ocorrer.
Considerando que não exista uma única resposta correta
seria forçoso concluir que o método interpretativo
independe de uma correção ou justeza, qualquer método
é correto desde que alcance uma das respostas previstas
pelo ordenamento jurídico.
O terceiro problema é, na verdade, uma
consequência dos dois primeiros: a interpretação
jurídica é um ato de vontade ou um ato científico? Nesta
questão faz um diagnóstico preocupante e cria um
legado para a tradição jurídico-positiva. Apesar de a
interpretação nos moldes da Teoria Pura do Direito
pretenda ser uma perspectiva científica de como a
interpretação deve ocorrer, isto não obsta o fato de que
não muito raro os juizes aplicam o direito inserindo os
seus juizos pessoais, morais e etc., acabando por dar
uma perspectiva de que a interpretação pode ser sim
diagnosticada como um ato de vontade.
O último problema diz respeito á relação entre
a interpretação autêntica ou não-autêntica,
precisamente, se uma é mais importante do que a outra,
pelo que, Kelsen (1999) explana que não há nenhuma
hierarquia no sentido e importância entre elas. A
primeira é vinculativa porém o Juiz nunca pode dar
início ao processo de ofício, ele necessita ser provocado
por uma petição inicial, averiguar os argumentos de
defesa numa contestação, portanto limitado pela
interpretação não-autêntica, como o início e o
fundamento da interpretação autêntica.

Conclusões (e a Constituição?).

Protegemos a Lei, ou, a Constituição?


Protegemos a norma ou seu texto? Realmente
superamos o normativismo Kelseniano? Ou, apenas
levantamos uma bandeira na esperança de termos
superado determinadas questões políticas decorrentes de
más-interpretações da obra do Professor Vienense?
Bem, minhas conclusões são singelas e pretendem ser
provocativas, tais quais as perguntas feitas alhures.
Existem muitos adeptos, críticos, seguidores e
admiradores da obra de Kelsen. No Brasil, muitos
usurpadores do pensamento kelseniano. Algumas das
respostas mais efusivas foram dadas por Herbert Hart,
considero que em alguns momentos Hart sustenta
trunfos metodológicos em relação à Kelsen, mas num
momento em especial ambos, simplesmente, não
conseguem fornecer uma resposta para: como devemos
aplicar o direito?
Dworkin, fornece um modelo chamado de
Interpretativista, um modelo que ataca a neutralidade
moral das teorias jurídicas e se autointitula de pós-
positivista. Este triste termo caiu nas graças da
academia brasileira que, automaticamente, se
autopronunciou pós-positivista, sem ao menos ter
dimensionado a historiografia do positivismo
normativista de Kelsen. Alexy, pela influência da teoria
crítica e da filosofia analítica, reporta-se a um não-
positivismo pois reconhece no direito a qualidade de
normatividade porém discorda da neutralidade moral em
relação ao Direito. Apesar de toda a reverência ao
mestre vienense, Alexy discorda essencialmente das
categorias modais necessárias ao conceito de direito
kelseniano e também a respeito da aplicação do direito
através de um abandono da necessidade compreensiva
do aplicador (hermenêutica) e a supervalorização da
capacidade discursiva (teoria da argumentação jurídica).
Neste diapasão, ficamos entre dois mundos
opostos: a) os anglo-saxônicos e uma crítica
substancialista ao normativismo (descontextualizada) e;
b) os germano-românicos e uma crítica metodológica ao
normativismo. Onde está o Brasil no meio disto tudo e
por que é relevante tal debate no atual cenário político?
Bem, esta é a questão. Os teóricos somente concordam
em divergir. Se apoiam num ou noutro sem fornecer
explicações contundentes de porquê realmente são eles
quem possuem a resposta definitiva para a resposta
correta, ou, para casos difíceis. Toda discussão tem um
ponto de partida, a do positivismo normativista é, sem
dúvida, Kelsen. Retomá-lo é retomar um esboço mal
desenhado ao longo de alguns anos na tradição
brasileira e remontar um quebra-cabeça necessário.
Retomá-lo é poder encontrar seu espírito em lugares os
quais jamais imaginávamos encontrá-lo. E,
especialmente nos nossos clássicos brasileiros nacionais
ou regionais, “entre a Lei e a Constituição”.

Referências Bibliográficas

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de


João Machado Baptista. 7ª Ed. São Paul: Martins
Fontes, 2006.

LADAVAC, Nicoletta Bersier. Hans Kelsen (1881-


1973) Biographical Note and Bibliogrphy. Europen
Journal of International Law (1998). 391-400.
Disponível em: <http://ejil.org/pdfs/9/2/1498.pdf>
Acesso em 15 Jun 2017.

PAPALÉO PAES, Alberto de Moraes. Direito em


Perspectiva. 1ª Edição. Porto Alegre – RS: 2017.

_____. O Conceito de Constituição: Dimensões na


Experiência Jurídica. 1ª edição. Rio de Janeiro – RJ:
Lúmen Juris. 2017.

MARTINS, Ricardo Evandro Santos. A Ciência do


Direito como uma Ciência Humana: Hans Kelsen e a
influência do neokantismo. [recurso eletrônico]. 1ª
Edição. Porto Alegre – RS: Editora Fi, 2016.

WOLFF, Robert Paul. The Parable of the butcher and


the analytic philosopher. Disponível em:
<http://robertpaulwolff.blogspot.com.br/2015/03/the-
parable-of-butcher-and-analytic.html> Acesso em 15
Jun. 2017.
A EMERGÊNCIA DO DANO
EXISTENCIAL NA JURISPRUDÊNCIA
BRASILEIRA

Ágatha Gonçalves Santana3

A ideia do dano existencial como uma


categoria jurídica autônoma de outros direitos
extrapatrimoniais adveio da crise italiana, por conta do
seu sistema de responsabilidade civil, que, uma vez
hermeticamente fechado, somente poderia ser aplicado
se houvesse alguma justificativa de ilicitude
expressamente prevista em lei.
Por outro lado, muito além de uma crise no
sistema positivista daquele país, deu-se a releitura
completa do instituto da responsabilidade, bem como da
aplicação dos danos a partir de um novo olhar, uma
nova interpretação, desta vez relacionada à um sistema
existencial, distanciado do sistema tradicional,
embasado unicamente no patrimônio.
Ora, o sistema tradicional de responsabilidade

3
Advogada civilista. Graduada em Direito pela Universidade da Amazônia (2006)
e Mestre (2009) e doutora em Direito pela Universidade Federal do Pará
(2017). Atualmente é professora titular da Universidade da Amazônia. Tem
experiência na área de Direito, com ênfase em Direitos Humanos e Teoria do
Direito, atuando principalmente nas seguintes áreas: Direito civil
constitucional, Teoria Geral do Processo e Processo Civil. Membro da
ABDPC - Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Membro da
Comissão de Ensino Jurídico da OAB/PA..
civil na Europa, e, por reflexo, no Brasil, o qual herdou
as diretrizes básicas do direito de origem romano-
germânica, até meados do século XX embasou-se
puramente em interesses em estabelecer relações com
bens patrimoniais.
Essa relação possuía um sistema simplificado
de dedução para aferir qualquer espécie de indenização,
embasando-se na teoria da diferença. Para essa teoria,
bastava-se verificar qual o prejuízo patrimonial sofrido
por uma pessoa, atribuir-lhe o exato valor monetário o
qual a pessoa perdeu, e obrigar o causador do dano a
restituir à vítima.
Esse critério, de caráter matemático, tinha
essência filosófica cartesiana, almejando indenizar
(significando tornar indene, como se não houvesse
ocorrido o dano causado) de forma simplificada e
cômoda configurava o modo de aplicação da
responsabilidade civil tradicionalmente prevista.
Por outro lado, na segunda metade do século
XX até o início do século XXI, a responsabilidade civil
entrou em crise. Os danos não mais poderiam ser
visualizados unicamente como danos ao patrimônio da
pessoa. O direito deveria sair da sua zona de conforto.
Primeiramente, verificou-se que os danos a
uma pessoa não são unicamente de caráter patrimonial,
sendo, aliás, esses os de menor importância. Isso porque
os piores danos que se pode causar a uma pessoa são os
danos relacionados à sua própria essência humana.
Adentrou-se então na necessidade de repensar a
responsabilidade à luz de uma nova hermenêutica,
aplicando-se novas teorias e critérios, desta vez com
fundamento filosófico no existencialismo.
O ser humano é um ser temporal, localizado em
um breve período de tempo e inserido em um
determinado contexto espacial. Naquele breve período,
projeta seus desejos intimamente relacionados às suas
necessidades, as quais embasam seus interesses, que são
juridicamente tutelados.
Um dano ao corpo, à mente ou aos direitos
mais básicos do ser humano é uma espécie de dano que
não se pode mensurar pelo critério da diferença. Sequer
é um critério cômodo de se cogitar, tampouco de se
aplicar. O que se aplica, nesse caso, é a compensação do
que se causou, dado que não se pode retornar ao período
passado, viabilizando a pessoa a reviver e refazer suas
possibilidades interrompidas.
O critério a ser relacionado, nesse sentido, é o
critério do interesse e do bem extrapatrimonial, ou seja,
bens que não são postos em comércio e estejam fora do
mercado, mas ainda assim sejam essenciais à vida do ser
humano.
Ocorre que, há mais de três décadas, o dano
extrapatrimonial é erroneamente interpretado de modo
reducionista, como se coincidente unicamente com o
dano moral puro.
Dano moral classicamente na doutrina é
concebido como uma dor infligida à vítima, uma
angústia, uma exposição vexatória, uma humilhação ou
rebaixamento que possa lhe causar perturbação e
instabilidade em seu estado anímico.
Por outro lado, como se pode perceber, essa
noção de dano moral é espécie de dano à pessoa que
tranquilamente se pode afirmar ser distinta de outras
modalidades de danos que se pode causar à uma pessoa.
Ora, assim como ocorre nos danos
patrimoniais, que podem ser subdivididos em danos
emergentes e lucros cessantes, dependendo do objeto do
direito atingido, os danos extrapatrimoniais da mesma
forma podem atingir vários objetos, sejam bens ou
interesses da vítima. Assim, um único evento poderá
causar resultados de várias órbitas.
Ademais, devem ser necessariamente ser
analisadas as situações no caso concreto, sendo a
aplicação de um precedente de cunho extremamente
delicado, não se podendo falar em engessamento da
normatividade criada pelo próprio Poder Judiciário,
efeito inverso do engessamento legislativo causado pelo
ranço positivista.
Imagine-se assim que uma pessoa venha a
causar um acidente de trânsito envolvendo uma
professora, causando-lhe rompimento nos ligamentos do
joelho, bem como estilhaços em sua garganta,
impedindo-a de falar normalmente. Nesse exemplo,
facilmente se pode pensar na quantia do dano
patrimonial sofrido: o dano emergente, pelo que foi
gasto no tratamento, bem como o lucro cessante, pelo
que a pessoa deixou de ganhar em virtude dos trabalhos
perdidos.
Não obstante, não se pode unicamente falar em
dano moral. O dano moral, mais breve, configura-se
pela dor e exposição a um tratamento doloroso sofrido
por conta do acidente. Mas, além de ser temporário, não
pode ser de longe considerado o único bem atingido
pela vítima.
O dano injusto é o dano que não deve ser
suportado pela vítima, pois não lhe deu causa ou
ocasionado por um fato jurídico stricto senso, e ele não
é unicamente moral.
Há de se considerar no caso concreto a
possibilidade da mudança da anatomia da pessoa,
relacionado assim, à sua estética. A anatomia que
constitui a identidade da pessoa constitui sua estética e
funcionalidade, motivo pelo qual ainda se pode
mencionar, no exemplo fornecido, o dano estético, que,
conforme expressa previsão do Superior Tribunal de
Justiça, deve ser cumulado com o dano moral.
O dano existencial, também conhecido como
dano ao projeto de vida também deve ser pensado nesse
contexto como outro dano autônomo, com objeto
próprio e preceitos interpretativos próprios, cumulando-
se com as demais formas de dano.
O dano existencial, ou, como conhecido na
Corte Interamericana de Direitos Humanos, o dano ao
projeto de vida, é um dano ainda muito mais cruel. É
um dano que impede a pessoa de ter liberdade de
escolha e estabelecer ou manter suas relações já
firmadas.
No caso do exemplo da professora que sofreu o
acidente de trânsito, a mesma encontrou-se
impossibilitada de dirigir, seguir sua carreira, já que
necessita da fala, e mesmo de praticar qualquer
exercício, além das mudanças em sua rotina e de toda a
sua família.
Esse tipo de dano, muitas vezes, poderá ser tido
para a vítima como algo pior do que a interrupção de
sua existência, tornando-a apenas sobrevivente de um
projeto frustrado o qual não poderá ser realizado em sua
plenitude de seus direitos fundamentais.
Ainda há de se destacar a situação do dano
existencial aos direitos indisponíveis, em que não se há
sequer de se afirmar a anuência ou liberdade da vítima.
Exemplifica-se com o caso do trabalhador que,
ainda que seja tomado por ser um workholic inveterado,
não poderá sequer pedir ao seu empregador trabalhar
além do limite permitido pela Organização Mundial do
Trabalho –OIT, violando claramente seus direitos
fundamentais mais básicos.
Não poderá o empregador alegar a requisição
do empregado relacionados à jornadas de 13, 16, 18 ou
20 horas ininterruptas de trabalho, principalmente
quando se exija esforço físico e mental ininterrupto. O
mesmo estaria completamente inviabilizado de exercer
qualquer alimentação correta, repouso, informação,
educação ou lazer, todos direitos fundamentais mais
básicos do ser humano.
Seria o mesmo que se assistir, incentivar ou
tolerar um suicídio, pela mesma interpretação dentro do
ordenamento jurídico brasileiro.
Afirma-se assim, que um único evento poderá
causar vários resultados, a bens e interesses diversos,
sendo que cada um embasará um pedido em eventual
ajuizamento de ação para a tutela desses direitos
eventualmente violados ou ameaçados.
O pedido deverá ser certo e determinado, sendo
que o pedido será imediato, relacionado à tutela que se
pretende do Poder Judiciário, bem como mediato,
relacionado ao bem ou interesse violado. Cada bem ou
interesse violado, portanto, forma um pedido autônomo,
vinculando o magistrado e assim formando coisa
julgada relacionada especificamente aquele bem ou
interesse.
Ainda que, no exemplo da professora vitimada
pelo acidente, erroneamente seu advogado requeresse de
modo genérico um pedido exorbitante de milhões
referentes a danos extrapatrimoniais, sua petição
poderia ser considerada inepta, dado o pedido se
configurar como genérico.
Acaso seu advogado peça unicamente danos
morais, ainda que o réu alegue enriquecimento sem
causa e a ação transite em julgado, uma vez que se
requeira unicamente danos morais, considerando-se
bens ou interesses distintos, pode-se ajuizar nova ação,
desta vez requerendo danos estéticos e existenciais.
Como se pode verificar, o dano existencial é
uma categoria jurídica autônoma, balizada por
interpretação e critérios próprios, que deverão ser
reconhecidos e a partir de então identificados e
interpretados propriamente como tal.
O Brasil caminha assim para uma separação da
responsabilidade civil. A responsabilidade será o estudo
da aplicação da indenização ou compensação pelos
danos. Há de se falar no Direito dos Danos para a
categorização individualizada dos danos, para que não
se possa simplesmente lhes rotular e banalizar-lhes
como uma “torre de babel de danos”; e ainda, a
possibilidade de desmembrar o estudo da análise das
condutas relacionadas, como a responsabilidade
subjetiva, objetiva e mesmo a responsabilidade por mera
conduta, tal como já está ocorrendo o reconhecimento
em diversos países da Europa e na Corte Interamericana
de Direitos Humanos.
O Direito privado, no que tange à
Responsabilidade Civil, está em rumos de evolução,
devendo sempre estar atrelado à norma constitucional e
principalmente, à realização da dignidade da pessoa
humana, formando um sistema de proteção integral.
HERMENÊUTICA JURÍDICA E
GARANTISMO PENAL

José Edvaldo Pereira Sales4

Falar de Hermenêutica e de Garantismo requer


uma delimitação conceitual antes de se fazer indicações
sobre a relação entre ambos. Uma síntese sobre o
sentido de Hermenêutica pode ser encontrada em
Grondin (GRONDIN, Jean. Hermenêutica. São Paulo:
Parábola Editorial, 2012) que aponta três acepções:

4
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA).
Pós-graduado (especialização) em Direito Eleitoral pela
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL/SC). Graduado
em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Graduado
em Filosofia pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL/SC). Graduado em Teologia pela Faculdade de
Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil
(FACETEN/RR). Foi professor de Direito Processual Penal e de
Direito Eleitoral da Universidade da Amazônia (UNAMA), nível
graduação. Foi professor da Faculdade Pan Americana (FPA), do
curso de Licenciatura em Filosofia, da disciplina Hermenêutica
Filosófica. Professor convidado de instituições como o Centro de
Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MP do Pará (CEAF-
MP/PA), a Escola Superior da Magistratura do Estado do Pará, as
Escolas Judiciárias Eleitorais do TRE do Pará e do TRE do
Amapá. Professor convidado da Universidade da Amazônia
(UNAMA) em cursos de Pós-Graduação (especialização).
Desenvolve estudos sobre Hermenêutica com enfoque na
Hermenêutica Filosófica segundo Hans-Georg Gadamer e suas
relações com o acontecer da decisão penal (no Brasil). Promotor
de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará, onde já
desempenhou diversas funções como Promotor Auxiliar do
Procurador Regional Eleitoral, e atualmente é Diretor de
Publicações e Diretor de Cursos e Eventos do CEAF-MP/PA,
além de Promotor Auxiliar do Centro de Apoio Operacional
Constitucional do MP do Pará.
(a) Na primeira, o termo hermenêutica possui
um sentido clássico significando a arte referente à
interpretação de textos. Esse desenvolvimento ocorreu,
principalmente, na teologia para a interpretação de
textos sagrados ou canônicos. Daí dizer o mesmo autor
que na teologia se desenvolveu uma hermenêutica
sacra, no direito, uma hermenêutica iuris e na filosofia,
uma hermenêutica profana. Sua função é auxiliar a
interpretação quando o intérprete estivesse diante de
passagens obscuras, ambíguas. Nesse sentido, a
proposta hermenêutica nessa acepção está voltada para
formulação de regras, preceitos ou cânones que
viabilizem uma boa interpretação.
(b) A outra forma de se conceber a
hermenêutica é inaugurada por Wilhelm Dilthey para
quem a hermenêutica deve voltar-se para as regras e
métodos das ciências do entendimento. Noutras
palavras, a hermenêutica é o fundamento metodológico
para as chamadas ciências humanas. Essa perspectiva
desenvolveu-se tendo em vista o desejo de considerar
tais ciências como “verdadeiras ciências”, pois, até
então, o rigor metodológico das ciências puras
(exatas/naturais) inviabilizava esse projeto. Era preciso
uma metodologia diferenciada e caberia à hermenêutica
essa tarefa.
(c) Por fim, a terceira acepção é, na verdade,
uma reação a tudo isso. A hermenêutica passa a ter um
caráter de filosofia universal, pois não é apenas um
método, mas processos fundamentais da essência da
vida. A existência humana no mundo é caracterizada
inexoravelmente pela interpretação. Coube a Martin
Heidegger a ruptura definitiva com aquelas acepções
clássica e metodológica (além do clássico Ser e tempo,
vide também HEIDEGGER, Martin. Ontologia:
(hermenêutica da facticidade). 2ª. ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2013).
A hermenêutica, nessa perspectiva, vincula-se à
existência. É a passagem de uma hermenêutica de textos
para uma hermenêutica da existência, isto é, como
ontologia da compreensão centrada como o modo ser do
Dasein.
Hans-Georg Gadamer, discípulo de Heidegger,
desenvolveu vários pontos do pensamento de seu mestre
e introduziu outras vias para apresentar, no seu clássico
de 1960, Verdade e método: traços fundamentais de
uma hermenêutica filosófica, o que conhecemos como
Hermenêutica filosófica.
Portanto, feita essa sucinta exposição sobre
acepções para o termo Hermenêutica, vejamos o
Garantismo. Em relação ao Garantismo, certamente
somos remetidos ao pensamento do jusfilósofo italiano
Luigi Ferrajoli e, dentre suas várias obras, ao seu
Direito e razão: teoria do garantismo penal. No
entanto, no Brasil particularmente, o termo Garantismo
tem sido apresentado com os mais diversos significados,
preponderando, em muitos meios, inclusive acadêmicos,
um sentido depreciativo ou, noutros, uma tentativa de
complementar a teoria do maestro italiano, o que não
deixa de ser também uma indicação de falhas na teoria
original.
Vamos sintetizar esses sentidos da seguinte
forma:
(a) Sentido vulgarizado, banalizado: não há
aqui uma “teoria” desenvolvida ou em curso, mas uma
adjetivação negativista do tipo “fulano é garantista” ou
“não sou garantista”, querendo-se com isso dizer que o
Garantismo seria sinônimo de “tolerância” com a
criminalidade. É o mesmo discurso que ridiculariza os
direitos humanos. Possivelmente, as origens dessa visão
estão no completo desconhecimento, leia-se, falta de
leitura e compreensão, da obra de Luigi Ferrajoli, e
também no papel (ou no desserviço) que a “mídia
policialesca” desempenha diariamente popularizando
discursos de Lei e Ordem.
b) Sentido “pleno”. Podemos apontar várias
propostas teóricas que têm surgido no Brasil a respeito
do Garantismo, ora para criticá-lo total ou parcialmente,
não sob o ponto de vista epistemológico, mas sob o viés
negativista à semelhança do que foi dito na letra “a”; ora
para apresentar possíveis complementações teóricas ao
pensamento de Ferrajoli, que seria uma teoria deficiente
para proteger certos direitos (dos cidadãos). Qualquer
dessas perspectivas tem a pretensão de sustentar um tipo
de Garantismo que seria “pleno”, “total”, “mais
completo”.
Podem ser mencionados aqui o “Garantismo
positivo”, como uma preocupação do sistema jurídico
quando o Estado não protege de maneira suficiente
determinado direito fundamental, que se coloca ao lado
do “Garantismo negativo”, que objetiva coibir os
excessos do Estado, ambos constituindo a dupla face do
princípio da proporcionalidade.
Há vários textos nesse sentido, entre os quais o
artigo (disponível na internet) “A dupla face do
princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso
(Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente
(Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra
normas penais inconstitucionais” de Lenio Streck; e o
“Garantismo Penal Integral” (In: CALABRICH, Bruno;
FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo (orgs.).
Garantismo penal integral: questões penais e
processuais, criminalidade moderna e a aplicação do
modelo garantista no Brasil. 3ª. ed. São Paulo: Atlas,
2015), que apresenta uma leitura semelhante à proposta
anterior. Ambos, em determinados pontos, expõem um
modelo maximalista para o direito penal.
(c) Sentido epistemológico: sintetizamos aqui
as três respostas de Ferrajoli à pergunta “O que é
garantismo?” apresentada no Capítulo XIII de Direito e
razão.
(c.1) Modelo normativo de direito: modelo de
estrita legalidade, o que significa dizer que no plano
epistemológico, o Garantismo é um sistema cognitivo
ou de poder (intervenção) mínimo; no plano político, é
uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a
maximizar a liberdade; e no plano jurídico, é um
sistema de vínculos impostos à função punitiva do
Estado em garantia dos direitos dos cidadãos.
(c.2) Teoria jurídica da validade e da
efetividade como categorias distintas na medida em que
exprime uma aproximação teórica que mantém
separados o ser e o dever ser no direito. Essa
aproximação é uma teoria da divergência entre
normatividade e realidade, direito válido e direito
efetivo. É uma teoria ao mesmo tempo normativa e
realista: opera como doutrina jurídica de legitimação e
perda de legitimação. E, por isso, exige uma tensão
crítica sobre as leis vigentes (perda de legitimação
interna do direito penal ou crítica interna).
(c.3) Filosofia política, pois exige do direito e
do Estado o ônus da justificação externa com base nos
bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia
constituem a finalidade. Nesse âmbito, pressupõe a
separação entre direito e moral e propicia uma
perspectiva de crítica externa.
Apresentados, então, os sentidos para
Hermenêutica e Garantismo, é possível agora relacionar
os dois termos. Esclarecemos, desde logo, que
Garantismo para nossas pretensões aqui é o de Luigi
Ferrajoli. E, como veremos, Hermenêutica ou
interpretação para Ferrajoli tem uma natureza técnica,
instrumental.
Relações entre garantismo e hermenêutica
jurídica. Ferrajoli encara a interpretação (ele utiliza esse
termo) a partir de uma perspectiva instrumental,
portanto, no âmbito de uma acepção clássica da
hermenêutica iuris. Ferrajoli é declaradamente um
juspositivista, mas possui diversas particularidades
frente a outros teóricos do positivismo jurídico. Uma
delas é sua grande preocupação com a decisão ou sobre
a relação entre interpretação e decisão. Ferrajoli está
mais próximo da tradição positivista de Hans Kelsen do
que de H. Hart, por exemplo.
Não é sem motivo que Norberto Bobbio, um
kelseniano, escreveu o prefácio para a primeira edição
de Direito e razão. Para entendermos melhor a
interpretação para Ferrajoli, é bom fazermos uma ligeira
comparação entre os dois (Ferrajoli e Kelsen). Kelsen
entendeu, em sua Teoria pura do direito, que as
indeterminações no direito podem decorrer de três
fatores:
(a) a norma superior nunca pode vincular em
todas as direções o ato pelo qual é aplicada tanto na
produção normativa quanto na sua execução;
(b) a indeterminação pode ser intencional por
parte do órgão que criou a norma;
(c) a indeterminação pode ser não-intencional,
quando resultante da pluralidade de significações de
uma palavra ou de uma sequência de palavras. O sentido
verbal não é unívoco.
Portanto, podemos notar que Kelsen não cria
na precisão (controle) da linguagem. Para Kelsen
discutir qual a resposta correta dentre as várias
possibilidades não é um problema de teoria do Direito,
mas um problema de política do Direito, pois o juiz é
dotado de relativa liberdade ou discricionariedade.
Dentro da moldura que lhe é outorgada ele pode
movimentar-se; e, ao aplicar o direito, o órgão julgador
combina uma operação de conhecimento do direito com
um ato de vontade ou de escolha. É exatamente esse ato
de vontade que distingue a interpretação feita pelo órgão
julgador de todas as outras interpretações.
É a chamada interpretação autêntica, pois cria
direito. Ferrajoli, por sua vez, taxa esse juspositivismo
de paleopositivismo. Sua aposta está no controle da
linguagem e, para isso, sua teoria objetiva minimizar os
espaços de discricionariedade existentes em face do que
ele denomina de poder de disposição no âmbito do
poder judicial. Esse poder, que é eivado de
ilegitimidade, só existe porque aqueles espaços são
inevitáveis, pois a linguagem jurídica possui
significados ambíguos.
Ferrajoli apresenta os axiomas do Garantismo
(SG) e chega a propor a criação de uma linguagem
legal. Na sua obra posterior a Direito e razão, que é
Principia iuris, o terceiro volume é dedicado à
apresentação de sua teoria a partir de um modelo
axiomático e utiliza, para isso, uma série de enunciados
lógicos. Ferrajoli divide o poder judicial em:
(a) poder de verificação jurídica ou
interpretação;
(b) poder de verificação fática ou de
comprovação probatória;
(c) poder de conotação (equidade do juiz);
(d) poder de disposição: esse poder é resultado
de carências, imperfeições do sistema; é patológico e
está em contradição com a natureza da jurisdição.
Os três primeiros são, para Ferrajoli,
intrínsecos à função jurisdicional e estão presentes no
sistema garantista aperfeiçoado; o quarto, não – ele está
em contradição com a jurisdição. Em sentido amplo,
Ferrajoli divide a interpretação em (a) interpretação
doutrinal, que é a praticada pelos juristas com o
objetivo de lidar/elucidar os conceitos próprios do
direito (fato de língua); e (b) interpretação operativa, a
realizada pelos juízes e demais operadores do direito
diante da análise que fazem dos fatos em apreciação
(fato de linguagem).
Podemos dizer, como desfecho, que Ferrajoli
está preocupado com a intepretação ou com uma teoria
de decisão; para isso, recorre à filosofia analítica no seu
viés de controle de linguagem, criação de uma
linguagem legal com a finalidade de minimizar ao
máximo os espaços de discricionariedade. Isso só é
possível a partir de uma teoria de verdade como
verificação para que a produção do direito, incluindo a
elabora de leis e a própria interpretação, seja um ato de
conhecimento (verificável empiricamente), embora
paire a sombra da ilegitimidade do poder de disposição.
Se é impossível reduzir esses espaços, a teoria
deve trabalhar para reduzi-los ao máximo. A proposta
teórica do Garantismo, não limitada ao direito penal,
como vista antes, é sofisticada e merece ser estudada
com mais empenho no Brasil. Sustentar uma
hermenêutica jurídica e, ainda mais, partindo da
possibilidade de empreender esforços para controlar a
linguagem é a questão posta sobre o acerto ou não de
Luigi Ferrajoli no que se refere aos fundamentos
epistemológicos do Garantismo.
QUESTÕES HERMENÊUTICAS NA
HORIZONTALIZAÇÃO DOS
DIREITOS FUNDAMENTAIS E A
CONSEQUENTE INSEGURANÇA
JURÍDICA
Carlos Alberto Schenato Junior5

INTRODUÇÃO

Os direitos fundamentais remontam a


positivação dos direitos humanos, originados como
meio de proteção do indivíduo contra o Estado (no
sentido de verticalidade), na garantia de liberdades
individuais, direitos sociais, difusos, entre outros. No
entanto, o âmbito de proteção desses direitos vem
ganhando novos espaços.
A doutrina da horizontalização dos direitos
fundamentais ganha força nas últimas décadas e
objetiva estender a proteção desses direitos nas relações
entre particulares6.

5
Graduando no curso de Bacharelado em Direito no Centro
Universitário do Estado do Pará (CESUPA).
6
Guardadas suas diferenças, pode-se fazer um paralelo com o
movimento de Constitucionalização do Direito Civil. Por exemplo, a
observância da função social da posse nas ações possessórias nas
Ao tratarmos de Direitos Fundamentais,
mesmo em seu viés originário de verticalidade, já
encontramos relevantes críticas acerca da sua
interpretação e aplicabilidade. Para Michel Villey, a
textura aberta das normas que declaram os direitos
humanos e, consequentemente, os direitos
fundamentais, é base para sua crítica de que:

ninguém ganha em falar uma linguagem confusa,


cujo recorte não corresponde bem às estruturas
da realidade. Acabamos de observá-lo sobre
‘direitos humanos’, expressão falsa, prometendo
o que não pode ser: a denominação absoluta do
proprietário sobre sua coisa, ‘o trabalho, a saúde
e a liberdade’, produtora de uma enxurrada de
falsas ‘reivindicações’. Mesmo quando a usam a
serviço de causas muito justas, ela os serve mal,
podendo voltar-se contra elas.7

Apesar de não ser incontestável, essa


primeira abordagem é contundente e não apenas Villey,
mas diversos outros autores a adotam, não se
restringindo aos direitos humanos e fundamentais, mas à
interpretação de qualquer norma. Tal abordagem

primeiras instâncias no Estado do Pará aponta para uma mudança de


paradigma, muito embora o TJ-PA mantenha a visão conservadora.
Trata-se, em sentido geral, de conflito entre direitos individuais e
sociais fundamentais. Ver: AI 201330045580 PA (TJ-PA)
7
VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos. MARTNIS
FONTES: São Paulo, 2007. p. 12.
interpretativa será analisada mais adiante.
Além do arrazoado brevemente, o problema é
potencializado pelas dúvidas provenientes da
horizontalização (p. ex.: em que situações atos privados
serão vinculados aos direitos fundamentais? Haverá um
método de fundamentação pelo juízo para: a) considerar
o ato vinculado? e; b) verificar se o ato realmente viola
os direitos fundamentais?) e, acrescente-se ainda, com a
capacidade atribuída ao órgão de primeira instância de
aplicar, pelo seu entendimento, um controle de
constitucionalidade difuso8.

A DOUTRINA DA AÇÃO ESTATAL E A TEORIA


SCHWABE

Resgato aqui a conceituação de Virgílo


Afonso da Silva9 acerca da doutrina da Ação Estatal
(State Action): a doutrina da state action procura
determinar quando um ato privado que viole direitos

8
Tal possibilidade abre uma grande margem na qual decisões judiciais
podem ser realizadas, praticamente, de forma discricionária,
bastando o juízo fundamentar sua decisão, sem um método
adequado, em direitos fundamentais, expressos ou não na Carta
Magna, ignorando quaisquer outras normas e favorecendo o
decisionismo. A crítica aqui não é ao controle difuso, mas a
ausência de um método no qual se fundamentar (tema discutido
no próximo tópico).
9
SILVA, Vírgilio Afonso da. A Constitucionalização do Direito: os
direitos fundamentais nas relações entre particulares.
MALHEIROS: São Paulo, 2011. p. 99.
fundamentais, especialmente o direito de igualdade,
pode ser objeto de controle judicial.
Não apenas o conceito da doutrina do State
Action, mas também seus fundamentos e limites na
vinculação dos atos de particulares encontram inúmeras
controvérsias. Uma delas, de maior importância para o
nosso tema, é a razão da opção de Virgílio Afonso da
Silva pelo conceito exposto: a assistematicidade e
casuísmo das decisões na equiparação dos atos
particulares a atos do Estado.
As decisões assistemáticas e casuísticas
impedem que qualquer particular tenha segurança ao
realizar os seus atos, contribuindo para o sentimento de
insegurança jurídica por estar “pisando em ovos”, ou
seja, o fato de que qualquer ato poderá ser objeto de
vinculação aos direitos fundamentais (de textura aberta,
como já brevemente arrazoada) e possível sanção por
parte do Poder Público10.
A jurisprudência nacional tem dado atenção a

10
Em análise da jurisprudência americana, podemos verificar a
manobra argumentativa de equiparação de atos privados a atos
públicos nos casos Shelley v. Kramer, em que a Suprema Corte
norte-americana decide no sentido de que um contrato (privado)
que proíbe a venda de propriedade para indivíduos não-brancos
não fere a igualdade de direitos, mas a decisão de primeiro grau
que julgou o contrato como correto era uma ação estatal
(judicial) em favor da discriminação e, portanto, passível de
invalidação, juntamente com o contrato. Ver também: Burton v.
Wilmington Park Authority. Em que pese se tratar de decisões
estrangeiras, o problema argumentativo ultrapassa fronteiras e é
passível de análise.
esta equiparação em alguns temas importantes, como o
mandado de segurança em face de diretores de escolas
particulares11 e habeas corpus em face de hospitais e
asilos12.
Para fugir desse problema metodológico de
equiparação na doutrina do State Action, podemos citar
a Teoria de Jürgen Schwabe, que não pretende equiparar
os atos privados à atos estatais, mas imputar ao estado a
responsabilidade na omissão em regulamentar os atos
dos particulares de acordo com os direitos
fundamentais.
Destarte, um particular que, em nome de um
direito fundamental, acabe por “ofender” direito
fundamental de outrem não será responsabilizado, pois,
conceitualmente, essa violação a direito fundamental
não pode ser realizada entre particulares e a
responsabilidade seria, consequentemente, do Estado,
caso este não tenha proibido o ato do particular que
ofendeu o direito fundamental de terceiro.
A ideia de que o Estado teria uma
“responsabilidade objetiva” quanto a ações de
particulares em que omitiu regulamentação, causa
estranheza. Para Stern13, essa responsabilidade seria

11
RT 554/113; RT 738/286.
12
RT, 574/400; RT, 577/329.
13
STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik Deutschland. §
76. Iii. 1. p. 1551. apud SILVA, Virílio Afonso da. A
inaceitável, visto que nos casos “legislativamente
omissos”, o Estado, no máximo, reconhece a ação, mas
não necessariamente dela participa.
É mister avaliar que, mesmo em dois
modelos centrais (de equiparação e de imputação) na
horizontalização dos direitos fundamentais, há
controvérsias relevantes a serem tratadas e, embora não
resolvidas, serão abordadas à título de conclusão do
trabalho.

A INTERPRETAÇÃO NORMATIVA, A
PONDERAÇÃO E O RISCO DO DECISIONISMO
JUDICIAL.

O conflito entre direitos fundamentais é


inevitável e ocorre de maneira incessante. Enquanto um
modelo de decisão não for implantado sem sérias
controvérsias, as decisões judiciais terminam se
fundamentando por meio da ponderação e interpretação
da Constituição.
Quando a subsunção do caso concreto à regra
(norma) é possível devido a clareza da última 14,

Constitucionalização do Direito: os direitos fundamentais nas


relações entre particulares. p. 106.
14
E mesmo neste caso, é possível a discussão sobre clareza de normas
e o método de interpretação. Com base no tema, a sugestão para
pesquisas é o texto de Martin Stone “Focalizando o Direito: o
que a interpretação jurídica não é”.
dificilmente haverá problemas de decisão 15. Estes
problemas, no entanto, são facilmente encontrados na
horizontalização dos direitos fundamentais, visto que as
normas possuem textura aberta e as legislações são, em
sua maior parte, omissas quanto a este avanço
doutrinário que começa a se tornar também
jurisprudencial.
As decisões que horizontalizam os direitos
fundamentais, portanto, para fins de fundamentação
judicial, podem ser consideradas como equiparáveis aos
hard cases16, e na lição de Ronald Dworkin, poderíamos
adotar uma solução com base em princípios.
Não apenas nos limitando à recorrente
decisão pelos princípios, suscito a técnica da
ponderação entre princípios/direitos fundamentais. Tal
técnica, como arrazoada por Robert Alexy, busca uma
maneira escorreita de balancear os princípios,
atribuindo-os pesos e alocando-os, conforme o caso
concreto, à uma fórmula para determinar uma decisão.

15
Estes problemas ainda ocorrem se analisada a margem aberta pelo
controle difuso com o decisionismo observado neste tópico.
16
O juiz, ao optar pela aplicabilidade da horizontalização no hodierno
momento, dificilmente encontrará uma regra (norma) que
possibilite tal interpretação e deverá recorrer à princípios e
direitos fundamentais para evadir-se da necessidade da
fundamentação na regra. Para fins práticos, a regra seria
inexistente e os princípios seriam utilizados. Como visto na nota
de rodapé nº 2, os juízes de primeira instância ignoram os
requisitos expressos no art. 561, CPC ao considerarem a função
social da posse como um quinto requisito.
São louváveis e encorajadas todas as
tentativas de criação de mecanismos objetivos para
sistematizar decisões judiciais em casos difíceis. No
entanto, não podemos olvidar de problemas inerentes à
própria técnica da ponderação.
Como abordado por George Marmelstein17, a
ponderação enfrenta dificuldades que posso clssificar
como de ordem objetiva e subjetiva. A
incomensurabilidade dos direitos fundamentais, por si
mesma, seria um problema de ordem objetiva, visto que
ponderar o “imponderável”, ou seja, aquilo que não
poderia ser passível de hierarquização, é uma
contradição conceitual.
De ordem subjetiva e de maior interesse para
nosso tema, constam: 1) a Subjetividade de Valores,
situação em que os valores de determinada comunidade
se alteram significativamente, seja geograficamente ou
no tempo, para alterar a atribuição de pesos nos direitos
fundamentais. 2) o decisionismo judicial, este em que a
ideologia e valores pessoais do julgador afetam
significativamente a maneira em que a ponderação pode
ser realizada, podendo as causas serem deferidas ou
indeferidas no “mero sorteio de distribuição do

17
MARMELSTEIN, George. A difícil arte de ponderar o
imponderável: reflexões em torno da colisão de direitos
fundamentais e da ponderação de valores. apud SARLET, Ingo.
et. al. Direitos, Deveres e Garantias Fundamentais.
JUSPODIUM: São Paulo, 2011. p. 441 a 488.
processo”.
Por todo o exposto aqui e no artigo de
Marmelstein, termino por apontar o último problema
observado por Marmelstein: o consequente
enfraquecimento dos direitos fundamentais pela
incerteza nas decisões.

CONCLUSÕES

Diante deste cenário, inevitável é apontar que


conclusões determinísticas são pouco prováveis. É
possível demonstrar, no entanto, as necessidades de
sistematização e a definição de uma jurisprudência de
valores adequada, ou seja, aquela que se determina antes
mesmo do caso concreto, evitando as decisões ad hoc
casuísticas (jurisprudência de interesses) ora
mecionadas.
Tal jurisprudência de valores advém não de
uma responsabilidade única do Poder Público e seus
órgãos, mas da participação relevante da doutrina que,
sem justificativas, tem se limitado, em grande parte, a
conceituar brevemente a horizontalização de direitos
fundamentais, sem a observância crítica dos problemas
advindos dela. Estes problemas não são motivos para
negação da implementação de tal teoria de
horizontalização, mas barreiras a serem necessariamente
superadas para que a horizontalização dos direitos
fundamentais consiga atingir seus objetivos.

REFERÊNCIAS

MARMELSTEIN, George. A difícil arte de ponderar o


imponderável: reflexões em torno da colisão de direitos
fundamentais e da ponderação de valores. apud
SARLET, Ingo. et. al. Direitos, Deveres e Garantias
Fundamentais. JUSPODIUM: São Paulo, 2011.

SILVA, Vírgilio Afonso da. A Constitucionalização do


Direito: os direitos fundamentais nas relações entre
particulares. MALHEIROS: São Paulo, 2011.

STERN, Klaus. Das Staatsrecht der Bundesrepublik


Deutschland. apud SILVA, Virgílio Afonso da. A
Constitucionalização do Direito: os direitos
fundamentais nas relações entre particulares.
MALHEIROS: São Paulo, 2011.

VILLEY, Michel. O direito e os direitos humanos.


MARTNIS FONTES: São Paulo, 2007.
RESERVA DO POSSÍVEL X MÍNIMO
EXISTENCIAL: A INTERPRETAÇÃO
NOS CASOS CONCRETOS E AS
CONSEQÜÊNCIAS NA EFETIVAÇÃO
DOS DIREITOS SOCIAIS NO BRASIL.
Fernanda Regis da Luz Fernandes18
1 – Introdução
Uma discussão interessante que se vê dentro da
seara dos Direitos Sociais é sobre a possibilidade de
exigência judicial destes direitos. A questão de serem
prestações do Estado e por isso serem atrelados a
questões econômicas trazem sempre a discussão de duas
teorias importantes: a reserva do possível e o mínimo
existencial. O entendimento destas teorias e a
interpretação referente a elas têm efeito direto na
prestação destes direitos pelo Estado, gerando, portanto,
sérios impactos nas políticas públicas como um todo. O
que se observa em alguns casos é que a prestação
quando reconhecida para um individuo pode ao mesmo
tempo prejudicar outras prestações, até mesmo em
sentido mais difuso. Como devem se comportar o
Estado em suas três frentes de atuação para resolver os
confrontos de princípios que resultam disso (os

18
Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia – ICJ/UNAMA. Membra do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito Constitucional-GEPDC da
UNAMA.
princípios que giram em torno das teorias acima citadas)
e quais são os posicionamentos da doutrina e
jurisprudência sobre o assunto. Inicialmente, neste
resumo expandido, será feita esta análise mais teórica,
ficando ainda para uma próxima oportunidade a análise
de decisões concretas em diversos níveis judiciais e os
impactos destas decisões na sociedade.

2 – Reserva do Possível x Mínimo existencial: a


forma de interpretação e o impacto na efetivação dos
Direitos Sociais

Lenio Luiz Streck diz que a Constituição


brasileira tem caráter dirigente, ou seja, certa autonomia
em relação à política, mas um problema sério na prática:
“a Constituição é dirigente quando se trata de discutir os
interesses das camadas dominantes; e é apenas uma
“carta de intenções” quando se discutem os interesses
dos excluídos sociais”. (2008, p.199). Trata-se aqui da
idéia errônea para aplicação da reserva do possível,
muitas vezes alegada como escudo para as omissões
estatais, levando a indagação nestes casos de que seria a
reserva do possível então um princípio maior que a
Dignidade da Pessoa Humana. Se “todo poder emana do
povo”, como não atender as demandas sociais que
batem à porta do judiciário? Ao mesmo tempo, como
preservar a tripartição dos poderes e o orçamento
democraticamente aprovado, por exemplo? Como e
quando ponderar estes conflitos.
Para Streck (2008) os princípios são a
reintrodução do mundo prático no direito (depois do
fracasso da fase liberal-formal-burguesa). O autor
defende que é nesse contexto de Constituição Dirigente
(ou seja, de autonomia em relação a política) que devem
ser analisadas as respostas jurídicas às crescentes
demandas por efetivação de direitos sociais: não pode
ser utilizado um discurso de forma utilitarista e servindo
a diversos interesses que não da Sociedade. O autor
analisa a necessidade de se exigir uma responsabilidade
política dos juízes, “que devem decidir com base em
argumentos de princípios e não de política” (2008,
p.211).
A Constituição Brasileira, extensa e
abrangente, listou expressamente onze direitos sociais
no seu artigo 6º e é neste cenário que já surge à idéia do
mínimo existencial. Para Barroso (2006, p.38) esta idéia
está diretamente ligada ao princípio da dignidade
humana que “expressa um conjunto de valores
civilizatórios incorporados ao patrimônio da
humanidade. (...) Seu núcleo material elementar é
composto do mínimo existencial, locução que identifica
o conjunto de bens e utilidades básicas para a
subsistência física e indispensável ao desfrute da própria
liberdade. O autor traz ainda uma idéia de quais seriam
os direitos abarcados por este mínimo existencial:
“parece haver razoável consenso de que inclui: renda
mínima, saúde básica e educação fundamental.”
(BARROSO, 2006, p. 38-39). Neste mesmo sentido,
Ana Paula Barcellos:

O mínimo existencial, como exposto, é


exatamente o conjunto de circunstancias
materiais mínimas a que todo homem tem
direito; é o núcleo irredutível da dignidade da
pessoa humana. É, portanto, a redução máxima
que se pode fazer em atenção aos demais
princípios (menor interferência possível na
competência de legislativo e executivo e menor
custo possível para a sociedade). Pela
ponderação, portanto, se extrai da norma
pragmática que consagra o princípio da
dignidade da pessoa humana um núcleo básico,
que é transformado em regra diretamente
sindicável pelo judiciário: o mínimo existencial.
(2002 apud CRUZ, 2010, p.116-117)

Estas reflexões em conjunto com o princípio da


proporcionalidade já ajudam a balizar os direitos sociais
passiveis de exigência judicial, sem ser limitado a isso
logicamente. Já a idéia de reserva do possível como
limitador da efetivação dos direitos sociais está ligada a
idéia de escassez. Nas palavras de Álvaro Ricardo de
Sousa Cruz:
É preciso ficar claro que a economia contribui
para a complexidade e para o risco de
continência no Direito. Contudo, percebe-se
também que grande parte de nossa doutrina
procura fechar os olhos para esse fenômeno.
Conseqüência disso tem sido o despreparo de
nossos juízes, promotores e advogados para
lidarem com a complicação/riqueza que a
economia traz para o Direito: a escassez dos
bens! (2010, p.121)

Desta forma, a atuação do executivo e do


legislativo é base fundamental para a efetivação dos
Direitos Sociais, pois estes devem ser privilegiados no
orçamento público ao qual estão submetidos, e
considerando aqui a reserva do possível, afinal a
demanda é infinita e os recursos finitos, além do que as
escolhas de alocação dos recursos são feitas de forma
democrática e não seria dever do judiciário alterar
decisões legitimamente tomadas no Estado democrático.
Porém sobre isso, afirma Paulo de Tarso Brandão:

Pode-se dizer que afastar o poder judiciário da


implementação das políticas públicas
simplesmente com o argumento de que o
orçamento é peça insuperável e suficiente para a
realização de direitos fundamentais,
especialmente coletivos, é negar o princípio
democrático da tripartição das funções do
Estado. (...) De outro lado, pensar-se em
participação do poder judiciário na
implementação de políticas públicas, sem que
este tenha um mínimo de mecanismos capazes de
identificar democraticamente os interesses da
sociedade civil, é garantir voluntarismo que, da
mesma forma, fere de morte o Estado
Democrático de Direito. (2008, p. 314)

O que de fato já se observa nas decisões dos


tribunais brasileiros é a idéia do mínimo existencial
desconstruindo em algumas situações a aplicabilidade
da reserva do possível, conforme, por exemplo, julgado
abaixo do STJ:

O indivíduo não pode exigir do estado


prestações supérfluas, pois isto escaparia do
limite do razoável, não sendo exigível que a
sociedade arque com esse ônus. Eis a correta
compreensão do princípio da reserva do
possível, tal como foi formulado pela
jurisprudência germânica. Por outro lado,
qualquer pleito que vise a fomentar uma
existência minimamente decente não pode ser
encarado como sem motivos, pois garantir a
dignidade humana é um dos objetivos principais
do Estado Democrático de Direito. Por este
motivo, o princípio da reserva do possível não
pode ser oposto ao princípio do mínimo
existencial. (STJ - REsp: 1041197 MS
2008/0059830-7, Ministro HUMBERTO
MARTINS, T2, 25/08/2009)

O problema para alguns autores é o argumento


utilizado pelos magistrados para as decisões. Para
Álvaro Ricardo de Souza Cruz, o risco do ativismo ou
mesmo da omissão estão sempre presente nos
argumentos de aplicação destes direitos. Para o autor os
operadores do direito correm o risco de por um lado “se
sentirem ‘melhores’ do que os ‘políticos’ e pretenderem
se substituir a eles. De outro, o risco de subserviência ao
Executivo de modo a transformar os discursos de
aplicação do judiciário em elementos estratégicos de
legitimação da ação governamental.” (CRUZ, 2010,
p.126)
Uma análise mais reflexiva para a explicação
destes fatos é feita por Barroso que analisa que a
redemocratização e seus efeitos, a nova era
constitucional (“verdadeiramente normativa”), a
constitucionalização dos direitos infra-constitucionais, e
os direitos sociais tem tido sua evolução quase ao
mesmo tempo, ou seja, em uma democracia ainda em
amadurecimento. Isso tudo junto com a recente era
“pós-positivista”, que para Barroso (2006, p.27) é a
superação do positivismo, com o retorno da ética ao
Direito, trazendo consigo as discussões acerca das
distinções e formas de aplicações de regras e princípios:
assim como para as regras cabe a subsunção, para os
princípios cabe a ponderação.

A denominada ponderação de valores ou


ponderação de interesses é a técnica pela qual se
procura estabelecer o peso relativo de cada um
dos princípios contrapostos. Como não existe um
critério abstrato que imponha a supremacia de
um sobre o outro, deve-se, à vista do caso
concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a
produzir um resultado socialmente desejável,
sacrificando o mínimo de cada um dos princípios
ou direitos fundamentais em oposição.
(BARROSO, 2006. P.32)

Entretanto, a técnica de ponderação é


preocupação de alguns juristas. Para Cruz (2010) o
problema da técnica da “jurisprudência dos valores”
adotada pelo Supremo Tribunal Federal, é ser
transformada em justificativa “para dar suporte a planos
econômicos inconstitucionais ou para garantir a
inefetividade dos direitos sociais em razão do princípio
da “reserva do possível”. Para o autor, a técnica foi
importada como uma superação da práxis positivista,
mas está dando margem para o subjetivismo do juiz, que
decide utilizando muitas vezes de convicções ético-
políticas. Afirma o autor:

Contudo, denunciamos aqui é o emprego


estratégico desse “discurso”: com ele o Supremo
julga constitucional contribuições sobre os
aposentados porque se não fosse assim o Regime
Geral da Previdência iria implodir; com ele o
Supremo nega na via concentrada uma
manifestação direta sobre a constitucionalidade
do Plano Collor, eis que se não fosse assim a
inflação iria parar na estratosfera; com ele o
Supremo adverte publicamente o Governo para
alterar seu plano de contingenciamento elétrico
de modo a garantir o abastecimento público.
Aqui os argumentos ligados à reserva do
possível e do equilíbrio orçamentário se
tornam espúrios, eis que traduzem apenas
“argumentos de política” e desconsideram na sua
argumentação os direitos fundamentais, o código
binário do direito e os “argumentos de
princípio”. (2010, p.126-127)

Para Ana Paula Barcellos, apesar de necessária,


o processo de ponderação ainda precisa ser
desenvolvido. Neste sentido a autora afirma que “o
processo da ponderação confere ao órgão jurisdicional
um poder muito mais amplo do que o que lhe é
conferido ordinariamente.” (2006, p.59). Barcellos
sugere a necessidade de que se criem parâmetros para a
ponderação, para que não haja resultados graves para o
sistema jurídico principalmente em se tratando de
assuntos de grande relevância (como o ora tratado nesta
pesquisa): “Por essas razões, a questão que hoje parece
da maior relevância no estudo da ponderação diz
respeito à necessidade de estabelecer parâmetros de
controle para esse processo, tanto normativos, como
argumentativos.” (BARCELLOS, 2006, p.59)

3 – Considerações Finais

Parcialmente ainda, por razão da pesquisa estar


incompleta, chega-se a uma idéia inicial de que a
ponderação de princípios ou interesses é a via eleita
pelos tribunais para a resolução das questões pertinentes
a conflitos entre reserva do possível e mínimo
existencial. Entretanto, o perigo deste processo está na
possibilidade de arbitrariedade ou discricionariedade
das decisões judiciais. Afinal, por mais que o mínimo
existencial esteja diretamente ligado ao principio da
dignidade humana, a reserva do possível se não
respeitada, irá afetar todo o planejamento das prestações
do Estado (organizadas em orçamento), o que irá sem
dúvida prejudicar diretamente a assistência básica do
estado à coletividade. Daí a necessidade defendida por
Ana Paula Barcellos, entre outros, de um controle
dessas decisões através de parâmetros de orientação
para este processo. A indagação ainda a ser respondida
com a pesquisa dos casos concretos é se estão sendo
observados alguns parâmetros na pratica das decisões
ou está havendo discricionariedade e arbitrariedade no
processo de ponderação.

4 – Referencias Bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e


Filosóficos do novo direito constitucional brasileiro
(Pós-Modernidade, Teoria Crítica e Pós-Positivismo).
In: BARROSO, Luis Roberto (Org.) A nova
interpretação constitucional: Ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. 2º ed. Rio de Janeiro:
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de Justicia Constitucional, v. 13, p. 17-32, 2009.
Disponivel em: http://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/synthesis/article/view/743
3/5388. Acesso em 02/04/2017.

BARCELLOS, Ana Paula de. Alguns parâmetros


normativos para a Ponderação constitucional. In:
BARROSO, Luis Roberto (Org.) A nova interpretação
constitucional: Ponderação, direitos fundamentais e
relações privadas. 2º ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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políticas públicas e orçamento. In: OLIVEIRA NETO,
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os obstáculos à concretização da Constituição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. pp.303 a 315.

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. Um olhar crítico-


Deliberativo sobre os Direitos Sociais no Estado
Democrático de Direito. In: PEREIRA NETO,
Cláudio; SARMENTO, Daniel (org). Direitos
sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais
em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. pp.87-
136.

STRECK, Lenio Luiz. Constituição e hermenêutica


em países periféricos. In: OLIVEIRA NETO, José
Rodrigues de. (Org.) Constituição e estado social: os
obstáculos à concretização da Constituição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. pp.197-218
HERMENÊUTICA JURÍDICA E
ATIVISMO JUDICIAL – REFLEXÕES
SOBRE JULGADOS DA CORTE
SUPREMA BRASILEIRA

ADARA KARYNE CARNEIRO CORTÉS19


MADSON SOARES LOBATO20

I – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

O presente resumo tem por fito a análise do


ativismo judicial na seara constitucional, precipuamente
a atuação do Supremo Tribunal Federal brasileiro; a
partir de princípios regentes da hermenêutica
constitucional, leituras da doutrina pátria e estrangeira,
bem como análise de casos em concreto. Buscar-se-á
avaliar os efeitos jurídicos e sociais dos julgados da
Corte Constitucional sob o primado da
fundamentalidade dos direitos sob o princípio da

19
Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA.
adara.cortes.ac@gmail.com
20
Acadêmico do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA. Membro
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Hermenêutica Constitucional-
GEPHC. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Pessoas e
Relações Familiares-GEPPRG. Monitor de Direito Empresarial
II. Membro do Grupo de Extensão Economia Solidária. Membro
da Liga Jurídica do Pará-LAJUPA e Membro do Grupo de
Pesquisa Novo Código de Processo Civil- LAJUPA.
madsonslobato@gmail.com
dignidade da pessoa humana, sem olvidar a estrutura do
sistema jurídico brasileiro.
O paradigma de efetivação dos direitos
fundamentais por vezes distancia-se da realidade social,
pois não disponibiliza ao indivíduo a melhor ou a
mínima garantia de ter seu direito devidamente ajustado,
adimplido. Desse modo é imprescindível a criação de
outras formas para o cumprimento. A Constituição
Brasileira de 1998 em seu artigo 5°, XXXV, prescreve
que “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O ativismo
judicial é uma das maneiras de garantia da equidade, ou
seja, a justiça do caso concreto, porém faz-se mister a
observação dentro de limites principiológicos, evitando
a discricionariedade e a arbitrariedade.
Sendo assim, a coletividade - como um grande
organismo vivo que é - deve garantir outros meios para
que os direitos plasmados na Constituição Federal de
1988 permaneçam gerando eficácia jurídica e social.
Será que esse meio de validação de direitos
fundamentais é por via ativista do Poder Judiciário ou a
Constituição consegue eficácia sem meios
hermenêuticos para a concretização de direitos?
Veremos como proposta de instigar o pensar nesse
sentido.
II- O ATIVISMO JUDICIAL BRASILEIRO

É possível perceber que o Supremo Tribunal


Federal- STF, nos últimos anos, tem desempenhado de
forma ativa a vida institucional brasileira acerca de
decisões de questões nacionais levando ao alcance
político, a implementação de políticas públicas e
questões morais em temas controversos na sociedade.
Então, entra em cena o ativismo judicial no sistema
brasileiro.
O Ativismo Judicial é possível compreender
como sendo uma atitude de modo proativo de interpretar
a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. É
muito comum observar o ativismo judicial em
momentos de omissão legislativa, de certo
deslocamento entre a classe política e a sociedade civil.
Assim, traz a ideia de participação ampla e intensa do
Poder Judiciário na concretização de valores
constitucionais, interferindo ainda na esfera de atuação
dos outros poderes. O Judiciário, de forma a participar
ativamente, toma como postura a aplicação direta da
Constituição a situações não expressas no texto
constitucional, independentemente da manifestação do
legislador ordinário; a declaração de
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do
legislador e a imposição de condutas ou abstenções ao
Poder Público, em especial em matérias de politicas
públicas.
De modo positivo, o ativismo judicial tem
atendido às demandas da sociedade por meio do Poder
Judiciário, que não puderam ser atendidas pelo
Legislativo. Contudo, apresenta pontos negativos, pois
deixa explícitas as dificuldades enfrentadas pelo Poder
Legislativo, transparecendo a crise de
representatividade. No entanto, faz-se necessário
abordar sobre as objeções à crescente intervenção
judicial na vida brasileira, o ativismo judicial.
A primeira objeção é o risco para a
legitimidade democrática. Isso porque os membros do
Poder Judiciário não são eleitos pelo povo, mas que,
embora não tenham sido eleitos, é inegável dizer que
eles desempenham um poder politico capaz de invalidar
atos dos outros dois poderes. Com isso, entra em cena a
dificuldade contra majoritária, que quer dizer que existe
a possibilidade de um órgão não eletivo, em especial o
Supremo Tribunal Federal se sobressair a uma decisão
do Presidente da República ou do Congresso Nacional,
membros estes que são escolhidos pela vontade popular.
E então, a legitimidade para tal decorre da
previsibilidade na Carta Magna, ao atribuir esse poder
ao Judiciário. Por isso, a jurisdição constitucional bem
exercida é mais uma garantia do que um risco à
democracia.
A segunda objeção é o risco de politização da
justiça, na qual somente cabe ao juiz agir em nome da
Constituição e das leis; deve ser deferente para com as
decisões razoáveis tomadas pelo legislador e respeitar a
presunção de validade das leis e também cabe a ele não
olvidar que o poder que exerce é representativo, mesmo
não sendo eleito, razão pela qual deve estar em sintonia
com o sentimento social, quando possível. Assim,
reflete na ambiguidade, direito é política e direito não é
política. É política quando a sua criação é resultado da
vontade da maioria, manifestada na Constituição e nas
leis, sua aplicação está atrelada à realidade social e
política e também quando os juízes interferem
subjetivamente com juízos de valor que formula. E
direito não é política quando admite escolhas livres,
tendenciosas e partidarizadas.
A terceira objeção é a capacidade institucional
do Judiciário e seus limites. O Brasil, pautado em um
sistema de separação de poderes independentes, mas
harmônicos entre si, com base na Teoria da Tripartição
dos poderes de Montesquieu, o chamado “checks and
balances”, separa as funções e os poderes em três:
Legislativo, Executivo e Judiciário, exercendo suas
funções típicas e atípicas, de modo a impedir o
surgimento de instâncias hegemônico, exercendo um
controle recíproco das atividades de cada um.

III- CASOS CONCRETOS NO SUPREMO


TRIBUNAL FEDERAL.

O ativismo Judicial tem entrado em cena em


questões de suma importância no cenário brasileiro ao
se manifestar, como será mostrado, acerca de casos
como o do aborto do feto anencéfalo; união
homoafetiva; cotas raciais e aborto de três meses.
Neste caso, houve a interpretação dos artigos
124,126 e 128, inciso I e II, do Código Penal, de modo
que, pretende-se o reconhecimento do direito da
gestante de submeter-se ao procedimento sem estar
compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer
outra forma de permissão do Estado. A Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental n°54, mais
conhecida como ADPF 54, garantiu o aborto de feto
anencéfalo tendo sido julgada procedente. Esta ação foi
proposta em 2004 relatado pelo Ministro Marco Aurélio,
mas somente foi julgada em 2012. A decisão não
descriminalizou o aborto, nem tampouco criou exceções
para tal, mas apenas não considerou como crime o
aborto do feto anencéfalo. A votação repercutiu
amplamente de forma midiática e contou com a
participação de protestos de grupos religiosos – na qual
são contra o aborto de feto anencéfalo – e recebeu
críticas favoráveis de médicos e feministas.
Outro caso que repercutiu foi acerca da União
Homoafetiva, na qual foi julgada procedente em 2011 a
ação da ADPF 132 e da ADIN 4277 que reconheceu
este como entidade familiar para casais do mesmo sexo,
no sentido de interpretar conforme a Constituição
Federal para excluir qualquer significado do artigo 1723
do Código Civil que impeça o reconhecimento da união
entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e
desde que atendidos os requisitos exigidos para a
constituição da união estável entre homem e mulher; de
modo que os mesmos direitos e deveres dos
companheiros nas uniões estáveis estendam-se aos
companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.
E ainda, a decisão recebeu críticas favoráveis dos
grupos LGBT´s e afins.
O tema da Política de Instituição de Cotas
Raciais foi analisado pela ADPF 186 julgando
constitucional em 2012 a política de cotas étnico-raciais
para seleção de estudantes da Universidade de Brasília e
julgou improcedente a ADPF 186 ajuizada pelo Partido
Democratas. E ainda, o relator ministro Ricardo
Lewandowski afirmou que as políticas de ação
afirmativa adotadas pela Universidade de Brasília
estabelecem um ambiente acadêmico plural e
diversificado, e têm o objetivo de superar distorções
sociais historicamente consolidadas. A justificação para
tal situação é o fato de os negros, na história do Brasil
Colonial terem sofrido com as desigualdades e os
preconceitos, seguindo a linha de pensamento do
ministro Luiz Fux ao sustentar que a Constituição
Federal impõe uma reparação de danos pretéritos do
país em relação aos negros, com base no artigo 3º,
inciso I, da Carta Magna, que preconiza, entre os
objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária.
E o mais recente julgamento do STF em 2016
foi a consideração de que aborto nos primeiros três
meses não é crime. Contudo, tem eficácia apenas para
um caso concreto julgado. Com base no voto do
ministro Luís Roberto Barroso, a criminalização do
aborto nos primeiro trimestre da gestação viola os
direitos sexuais e reprodutivos da mulher, o direito à
autonomia de fazer suas escolhas e o direito à
integridade física e psíquica. E assim, confere
interpretação conforme a Constituição Federal acerca
dos artigos 124 e 126 do Código Penal, de forma a
excluir do seu âmbito de incidência a interrupção
voluntaria da gestação efetivada nos primeiros três
meses, haja vista que, com âmbito em conhecimentos na
área da saúde, em três meses ainda não foi formado o
córtex cerebral do feto para ser desenvolvidos
sentimentos e racionalidade.
O Supremo Tribunal Federal, dentre as suas
atribuições, é conhecido por ser o Guardião da
Constituição. Assim, para realizar a interpretação e a
guarda da Constituição a doutrina estabeleceu critérios
para auxiliar o intérprete, com o escopo de evitar
decisões arbitrárias e sem fundamentos. Daí surgem os
princípios de interpretação constitucional como
instrumentais, da maneira que deve socorrer e nortear o
intérprete no momento de solucionar os conflitos. Tais
princípios não estão expressos na Constituição, mas são
pacificados pela doutrina e jurisprudência, quais sejam:
da supremacia da Constituição; da presunção de
constitucionalidade das leis e atos normativos do Poder
Público; da interpretação conforme a Constituição; da
unidade da Carta Magna; da razoabilidade ou da
proporcionalidade e da efetividade.

IV-CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término é possível inferir que a


interpretação do Supremo Tribunal Federal tem
objetivado garantir e defender direitos e garantias
fundamentais em suas recentes decisões, apesar da não
concordância geral. Há também a abertura do processo
constitucional, ao permitir a intervenção de terceiros
interessados na Corte Constitucional na finalidade de
auxiliar o STF a decidir o conflito posto. É o que pode
observar nas decisões das ADPF e ADIN que requerem
conhecimento de outras áreas, nos casos observados
neste resumo. Desse modo, o Tribunal fundamenta suas
decisões em princípios, regras e convicções nos limites
propostos pela Constituição.
É muito comum que em situações em que
envolvam casos difíceis- hard cases- o sentido da norma
deverá ser fixado pelo juiz, haja vista que a solução do
problema não se encontra prontamente expressa na
Carta Magna ou em legislações especificas e por isso
dependerá da criatividade do juiz, que deverá justificar
de forma válida o seu itinerário lógico e suas escolhas.
Entende-se, assim, que uma vez que a solução não está
expressa, o intérprete deverá recorrer a elementos
externos ao direito posto. Ainda assim, existem variados
tipos de intérpretes ao qual cada um recorre a caminhos
diferentes. Há alguns que pretendem extrair da
Constituição suas melhores potencialidades, a fim de
realizar a maior extensão dos princípios e direitos
fundamentais. Outros não recorrem à Constituição para
extrair o seu melhor, e preferem prestar maior
deferência ao legislador ordinário. E conclui-se que nem
todos os juízes pensam de maneira igual, de modo que
utilizam métodos hermenêuticos diferenciados, e assim,
é possível inferir que o resultado não é baseado em um
princípio, mas tão somente no fim.
Destarte, o Supremo Tribunal Federal tem
participado de forma ativa, graças ao fenômeno do
Ativismo Judicial em que passou a interpretar a
Constituição e as normas vigentes omissas, causando
enorme repercussão geral para a sociedade brasileira.

V-REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS:

BARROSO, Luís Roberto. Constituição, Democracia e


Supremacia Judicial: Direito e política no Brasil
Contemporâneo. Disponível em
http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/theme
s/LRB/pdf/constituicao_democracia_e_supremacia_judi
cial.pdf. Acesso em: 03 de abril de 2017.

_____. Judicialização, Ativismo Judicial e


Legitimidade Democrática. Disponível em:
http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/f
ile/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf. Acesso em: 03 de
abril de 2017.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito


Constitucional. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

MACHADO, Caetê. Interpretação Constitucional e


ativismo judicial: a sociedade aberta dos intérpretes
como fundamento de legitimação nas decisões do
Supremo Tribunal Federal. Disponível em:
http://www.repositorio.uniceub.br/bitstream/235/5140/1
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http://www.stf.jus.br/portal/principal/principal.asp.
Acesso em: 02 de abril de 2017.
Tavares, André Ramos. Curso de Direito
Constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva,2011.
O SUBJETIVISMO NO TRIBUNAL DO
JÚRI E OS REFLEXOS NO
GARANTISMO PENAL
KARLA EMANUELLE CORDOVIL MUNIZ21
MADSON SOARES LOBATO22

METODOLOGIA

A pesquisa acadêmica será realizada a partir de


análises bibliográficas de livros, revistas, artigos e
periódicos, cujas indagações descritivas procurarão
descobrir os trâmites do Tribunal do Júri e seus distintos
aspectos teóricos (jurídico) e práticos (social), além da
junção. Partindo do pressuposto do reconhecimento da
magnitude do direito penal midiático e do
subjetivismos, pretende-se demonstrar indagações de
vertentes reflexivas do aspecto legal e/ou moral

21
Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA. Membro do
Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional- GEPC. Membro do
Grupo de Estudo e Pesquisa Bioética e o Direito à Vida-UFPA.
karlaecmuniz@outlook.com
22
Acadêmico do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA. Membro
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Hermenêutica Constitucional-
GEPHC. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Pessoas e
Relações Familiares-GEPPRG. Monitor de Direito Empresarial
II. Membro do Grupo de Extensão Economia Solidária. Membro
da Liga Jurídica do Pará-LAJUPA e Membro do Grupo de
Pesquisa Novo Código de Processo Civil- LAJUPA.
madsonslobato@gmail.com
existente ou não em decisões proferidas pela Corte
Popular.

OBJETIVOS

São diversificados os objetivos pré-existentes e


pretendidos por essa produção acadêmica, tais como:
demonstrar a construção histórica e evolutiva do punir
social sobre diversos entendimentos práticos-
doutrinários; analisar a legitimidade da sociedade em
julgar seus semelhantes; compreender os critérios
adotados pelo juízes de fato em suas decisões; discutir
admitindo diferentes ideias, favoráveis ou não, acerca
do subjetivismo em julgados do Tribunal do Povo;
correlacionar a necessidade da sociedade de interpretar
o caso concreto com os princípios constitucionais e
objetivos do Estado Democrático de Direito.

I- NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
A história do punir se confunde muito com a
evolução humana por estarem intrinsecamente ligadas.
É notório que parte de nossa espécie, homo sapiens,
cometeu ou cometerá algum ilícito penal, isto porque
possuímos uma sociedade complexa e heterogênea em
diversos contextos em modelo de análise. Sendo assim,
faz-se mister meios eficientes para a apuração e
verificação de culpa do transgressor da norma,
tornando-se imprescindível que todo o processo ocorra
de forma adequada ao caso e vinculada ao conceito de
equidade, para que não haja figuras escusas na função
de punição estatal, em particular do Tribunal do Júri.
Na construção evolutiva da aplicação da pena a
humanidade transitou em diferentes meios, esses
formados pelo: período da vingança privada, período da
vingança divina, período da vingança pública e o
período humanitário. A vingança privada preponderava
a “lei” do mais forte, a reação da ação imprimida não
guardava proporções e vinculação em nenhum requisito,
apenas a “sede” de obter sua pretensão como desconto
do sofrido. Surge, então, o talião, o Código de
Hamurabi, rei da Babilônia (séc. XXIII, a.C.),
conhecido pela frase do “olho por olho, dente por
dente”. O período da vingança divina consistia na
satisfação da divindade ofendida no ato criminoso pelo
transgressor, era o meio de aplicação das penas,
demonstrava-se um critério de natureza religiosa,
teocrática e sacerdotal, os deuses do saber espiritual
eram inquestionáveis para os viventes da época. O
período da vingança pública caracterizava-se pelo
objetivo de segurança do soberano, caracterizava-se
através de penas amedrontadoras, severas e cruéis para
quem ousasse ir de contra aos mandos e costumes, a
pena de morte era a regra. Predominava o arbítrio
judicial, a desigualdade perante a justiça e a
desumanidade das penas. Por fim, o período
humanitário representou e representa uma reação contra
todo o passado de crueldade, desumanidade e
fragilidade probatória, todavia deve ser analisado de
outro paradigma, isto é, da modernidade e das garantias
atualmente previstas em decorrência da evolução dos
direitos humanos.
Não há como negar o desenvolvimento da
execução de penas na história da humanidade, porém
não se pode afirmar que o atual modelo adotado pela
República Brasileira é o mais adequado, justo,
igualitário para com os submetidos. Mostra-se
imprescindível a análise do ponto de vista
argumentativo-reflexivo para o conhecer dos métodos
utilizados, assim pretendemos adiante.

II- O TRIBUNAL DO JÚRI


O Tribunal do Júri é uma instituição secular
cuja origem remonta as primitivas sociedades humanas,
sendo a palavra "Júri" oriunda do latim "jurare",
significando "fazer juramento", em alusão ao juramento
realizado pelas pessoas que constituirão o Tribunal
Popular. No Brasil, sua criação ocorreu 1822, e
competia ao referido Tribunal julgar os crimes de
imprensa. Posteriormente, com a promulgação da
Constituição de 1824, o Tribunal do Júri passou a ser o
órgão competente para julgar os crimes cíveis e
criminais. O Código de Processo Criminal do Império
(1832) ampliou o julgamento para quase todas as
infrações penais. Com o advento da Constituição
Federal de 1988, a competência da Instituição do Júri
passou a ser julgar os crimes dolosos contra a vida (art.
5°, XXXVIII, “d”).
Outrossim, segundo a Lei 11.689/2008, a qual
versa sobre o procedimento do Tribunal Popular, neste
as decisões sobre condenação e absolvição do réu serão
tomadas pelo Conselho de Sentença, formado por
pessoas do povo, seguindo os próximos quesitos:
materialidade do crime (se o delito aconteceu); autoria
(se o acusado praticou o delito o qual lhe imputaram); se
o acusado dever ser absolvido, causas de diminuição da
pena e atenuantes, causas de aumento e qualificadoras,
etc. Essas decisões são tidas de acordo com a
consciência e imparcialidade dos jurados, ou seja, é o
cidadão, sob juramento, que irá decidir acerca do crime,
sendo que o presidente do Júri, isto é, o juiz de direito,
irá apenas externar essas decisões. No Tribunal do Júri
quem decide é a sociedade. Dessa maneira, após o
veredicto dos jurados, auxiliado pelos quesitos, os quais
foram analisados pela subjetividade do supracitado
Conselho, o juiz, por meio de sentença, determinará a
sanção penal, no caso de condenação.
II.A- O DIREITO PENAL MIDIÁTICO
A mídia brasileira é uma grande formadora da
opinião pública, incorporando no todo a ideia de um
direito penal máximo, repressivo e altamente
intervencionista, resultando, assim, em uma expressiva
e negativa influência sobre a sociedade, no sentido de
opinar sobre o endurecimento da repressão penal como
modo de prevenção e diminuição dos índices de
criminalidade, apesar do ordenamento jurídico brasileiro
pender ao Garantismo Penal.
Destarte, tal influência midiática afeta
diretamente o âmbito penal, pois a mídia, ao dar uma
“especial” (e muitas vezes sensacionalista) atenção aos
crimes que chocam a sociedade, como no caso dos
crimes dolosos contra a vida, pode influenciar
diretamente as decisões jurídicas, como por exemplo, os
julgamentos no Tribunal do Júri. Toda essa manipulação
feita pelos meios de comunicação de massa gera pré-
conceitos na mente das pessoas, bem como pré-
condenações, fazendo com que elas clamem por
punição, criando uma sociedade extremamente punitiva,
a qual não valoriza os direitos, as garantias e os
princípios constitucionais penais.
No caso do Tribunal do Júri, essa interferência
é perigosa, pois os jurados que são pessoas do povo, já
iriam julgar os casos de maneira pré-concebida,
influenciados pelo conteúdo nada imparcial apresentado
pela mídia. Apesar da existência do direito à liberdade
de imprensa, ele não é absoluto, uma vez que se deve
observar e respeitar os direitos fundamentais dos
indivíduos, elencados no art. 5° da CF/88. Sendo assim,
os veículos midiáticos formam a opinião subjetiva de
cada cidadão, os quais, por não possuírem acesso pleno
às verdadeiras informações sobre os fatos divulgados,
acabam acreditando naquilo que lhes é repassado. Tal
circunstância pode ser tornar um verdadeiro atentado às
garantias fundamentais quando há o julgamento dos
réus por seus pares no Tribunal Popular.
II.B- O GARANTISMO PENAL
Há de considerar a importância do garantismo
como modelo de efetivação das normas constitucionais,
sobretudo, nos aspectos influenciadores na
caracterização das normas de inferior escala na ordem
apontada na pirâmide de Hans Kelsen (1881-1973), qual
seja, as infraconstitucionais, regulamentadoras da
maneira que o Estado exercerá com exclusividade o jus
puniend, (Código Penal e Processual). A Constituição
como detentora dos direitos e garantias fundamentais
merece a completa e plena observância, na medida de
seus próprios limites.
Segundo o magistrado e professor Elder
Lisboa, (2012 p. 172 e 173). “As garantias estão
asseguradas pela Constituição Federal, com índole
democrática, e devem nortear a atividade legislativa
infraconstitucional, a fim de garantir a todos os
indivíduos a aplicação da pena com justiça penal
adequada”. A justiça penal adequada, consideramos, é
aquele que engloba os princípios do direito
constitucional, penal e processual, garantias surgidas no
decorrer da história evolutiva dos direitos humanos de
caráter particular (regional) e universal. Os postulados
garantidores da tutela mais adequada ao indivíduo
advêm do conceito maior de justiça social. Sendo assim,
o indivíduo externo ao fato penal (crime) não pode
querer que suspendam as garantias de um outro que
ocorreu em fato criminoso, pois poderá, futuramente,
também ser sujeito de uma eventual suspensão em suas
garantias também.
Dessarte, a CF/88 estabelece vários princípios,
direitos e garantias constitucionais penais para o
individuo, dentre eles o Devido Processo Legal (art. 5°,
LIV), a Presunção de Inocência (art. 5°, LVII), o Juiz
Natural (art. 5°, XXXVII e LII), a Ampla Defesa e o
Contraditório (art. 5°, LV), etc.
O Princípio da Motivação das Decisões tem
previsão no art. 93, IX da CF/88 c/c art. 381, III do CPP
e consiste na exposição de motivos de fato e de direito,
ou seja, é a justificativa do juízo, na qual ele
fundamenta sua decisão, é um dever do juiz realizar tal
ato, sob pena de nulidade. Ao tocante no Tribunal do
Júri é inexistente ou é de difícil constatação o presente
princípio como vinculante aos juízes de fato. Para estes,
a decisão que mudará a vida de um indivíduo tão
cidadão quanto, é tomada de acordo com a experiência
de vida e o sentir no momento do julgado, ou seja, é
uma decisão totalmente de cunho subjetivo.
II.C- O SUBJETIVISMO NO TRIBUNAL DO JÚRI
Segundo o dicionário Aurélio, o subjetivismo é
a tendência para a subjetividade, a propensão em
considerar e avaliar as coisas de um ponto de vista
meramente pessoal. Em relação ao Tribunal do Júri, se
pode notar tal propensão, justamente pelo fato do
Conselho de Sentença não necessitar fundamentar as
suas decisões acerca da condenação do acusado, pois
basta a sua íntima convicção para tanto. Ocorre que a
falta do conhecimento técnico-jurídico dos jurados não
os tornam totalmente capazes para utilizarem-se dos
meios garantidores de um veredito mais adequado ao
fato criminoso. As influências externas, principalmente
da mídia, na vida dos jurados poderão levá-los a um
entendimento equivocado da tipificação penal, lato
sensu, podendo com isso atribuírem juízos de valor
emitidos por terceiros.
Desse modo, pelo fato dos jurados não estarem
vinculados a uma fundamentação das decisões, como o
magistrado, é que se questiona se essas decisões, por
receberem influências externas e por vezes
tendenciosas, realmente devem ser consideradas válidas,
bem como se não feririam alguns dos princípios,
direitos e garantias constitucionais do indivíduo, pois
não há critérios específicos para os juízes de fato
decidirem acerca do caso concreto, eles só precisam se
utilizar do subjetivismo, sendo que com isso o
pronunciamento das decisões sobre o evento criminoso
fica à margem do ideal do que se espera de justiça.

III- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, após a análise da evolução


histórica da aplicação da pena, se notou que a
humanidade desde sempre procurou meios para punir o
imputado pela prática de crime. Ademais, tal procura
não poderia ser diferente, mesmo em se tratando do
Tribunal do Júri, pois, como anteriormente mostrado em
seu surgimento e procedimento, nesse Tribunal as
decisões são pautadas na íntima convicção dos jurados,
isto é, tais decisões não precisam de motivação, basta o
sentir do Conselho de Sentença no momento do julgado
para se decidir sobre o futuro de um indivíduo.
Ocorre que as pessoas do povo que possam vir
a compor um corpo de jurados no Tribunal Popular
provavelmente seriam influenciadas pelos meios de
comunicação de massa, os quais na maioria das vezes
não são imparciais, como foi exposto ao longo da
pesquisa. Assim, as decisões sobre os julgados seriam
oriundas de influências externas, as quais buscam impor
a ideia de um direito penal altamente punitivo, sem a
observância dos direitos, garantias e princípios
constitucionais penais do individuo. Justamente por este
fato, é que essas decisões de caráter subjetivista no
Tribunal do Júri se mostram questionáveis, uma vez que
não necessitam de justificativa.
Outro ponto análise importantíssimo foi o do
Garantismo Penal, pois este serve como norteador para
o desenvolvimento da atividade legislativa
infraconstitucionais, como muito bem ilustrado pelo
brilhante magistrado Elder Lisboa. Só há um Estado
Democrático de Direito quando as garantias, os direitos
das pessoas são respeitados.
Dessa maneira, se buscou não atacar a
importância do Tribunal do Júri, mas sim fazer
indagações acerca das suas decisões subjetivistas.

IV- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


COSTA, Elder L. Ferreira da. Direito Criminal
Constitucional: uma visão sociológica e humanística
.parte geral. arts. 1 ao 120. 1. ed. Belém: Paka - Tatu,
2011.

LAURENTINO, João P. Gomes; MELO, Shade D.


Monteiro de. O poder midiático na esfera do Direito
Penal: Repercussões de uma sociedade punitiva.
Revista Transgressões: Ciências Criminais em Debate,
v.1, n. 2, p.66-84, Rio Grande Do Norte, 2013.
Disponível em:
<www.egov.ufsc.br/.../o_poder_midiatico_na_esfera_do
_direito_penal_repercussoes_d...>. Acesso em: 13 de
abr. de 2017.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL-


TJDF. O Tribunal do Júri.
HIPÓTESE POSITIVISTA DE JOSEPH
RAZ: O LUGAR DOS FATOS NO
UNIVERSO DOS JULGAMENTOS

Carlos Fernando Cruz da Silva23

DISCUSSÃO

Os debates contemporâneos a respeito da


Teoria do Direito são marcados pela investigação de
inúmeras discussões conceituais e, em especial, pela
discussão sobre o “conceito de Direito”. Esse debate,
que teve dentre seus grandes expoentes os teóricos
Hebert Hart e Ronald Dworkin, envolve frequentemente
as questões filosóficas entre o que ficou conhecido
como distinção entre ser e dever-ser (sein/sollen).
Positivistas e não-positivistas travam
fervorosos e intricados debates a respeito dessas
temáticas. Em geral, os partidários do positivismo
jurídico vinculados à filosofia analítica deixam
transparecer uma forte crença na separação desses dois
planos, o que os permite propor certas teorias puramente
descritivas a respeito do fenômeno jurídico.
Dentre as teorias que pretendem explicar o

23
Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Federal do Pará (UFPA) na linha de pesquisa
Direitos Humanos e Inclusão Social.
fenômeno jurídico, Joseph Raz se destacou ao realizar
sua análise sobre o Direito a partir de noções
relacionadas à racionalidade prática. A pretensão de Raz
é explicar o Direito em termos de razões e da ideia de
autoridade de forma a construir uma teoria abrangente
sobre o fenômeno jurídico, isto é, uma teoria capaz de
explicar certos aspectos do fenômeno jurídico
independentemente de variáveis como tempo, lugar e
cultura.
Esse parece ser um dilema interminável na
teoria jurídica que, nas precisas palavras de Geertz
(1997) consistiria em saber o lugar dos fatos no
universo dos julgamentos.
Trata-se de um objetivo extremamente árduo
de ser cumprido, pois sabemos que normas variam
conforme os grupos sociais de referência. Diferenças
profundas existem entre práticas normativas existentes,
por exemplo, em países ocidentais, tribos africanas e
comunidades balinesas. A proposta de Joseph Raz,
portanto, fica comprimida entre dois marcos de
reprovação comuns em teorias com essa pretensão: não
pode ser algo extremamente concreto, sob pena de
deixar de capturar algum elemento necessário da
realidade, e não pode ser algo extremamente abstrato,
sob pena de ser inútil.
Manter-se nesse meio-termo não se constitui
em tarefa fácil. Apesar disso, Joseph Raz construiu uma
das mais sólidas Teorias do Direito contemporâneas, seu
rigor e precisão conceitual a transformaram em grande
adversária dos não-positivistas. Afora outras questões
que podem ser suscitadas sobre a proposta de Raz a
respeito do fenômeno jurídico, este estudo pretende
analisar, em que medida, a hipótese positivista a respeito
da identificação do conteúdo do Direito, proposta por
Joseph Raz, pode ser aceita de forma abrangente.
Embora existam inúmeras variações entre
teorias positivistas, Raz (1985b) identifica três teses
fundamentais do que se pode chamar de positivismo
jurídico: (1) a tese social; (2) a tese moral; (3) a tese
semântica.
Esta investigação se circunscreve à análise da
tese social e, em especial, à versão da tese social
proposta por Joseph Raz. Segundo Raz (1985b, p. 55,
tradução nossa), a tese social pode ser resumida da
seguinte forma: “o que é e o que não é Direito é uma
questão de fato social”.
Em outra passagem, Raz reelabora a hipótese
positivista da seguinte forma:

(...) posto que, em virtude da tese social, o que é


Direito e o que não é Direito e a identificação do
Direito não supõe argumentos morais, então, se
segue, que a conformidade a valores ou ideias
morais não é condição para que algo seja Direito
ou juridicamente obrigatório (1985b, p. 56,
tradução nossa).

O positivismo jurídico exclusivo de Raz está


ancorado em certas teses fundamentais, quais sejam: (1)
tese da autoridade: é característica permanente do
Direito a sua reivindicação de autoridade; (2) razões
excludentes e protegidas: a pretensão de autoridade
significa que o Direito requer que as pessoas assumam
os enunciados jurídicos como razões excludentes e
protegidas, aptas a cancelar balanços de razões de
primeira ordem; (3) tese social forte ou tese das fontes:
o que é e o que não é Direito é uma questão estritamente
de fato social, isto é, não avaliativa.
A tese social forte constitui um dos núcleos
do positivismo raziano. Segundo Raz (1985b), existem
dois argumentos principais em favor da tese das fontes:
(1) o argumento de que a tese reflete adequadamente
nossa compreensão de Direito; e (2) o argumento de que
existem razões adicionais para se aderir a essa
concepção.
Para Raz (1985a), o critério principal a partir
do qual identificamos ordenamentos jurídicos está
centrado na ideia de fontes sociais, no sentido de que,
enunciados jurídicos são aqueles que emanam de certas
fontes, tanto que reproduzimos distinções analítico-
conceituais a respeito de aplicação do Direito, criação
do Direito e desenvolvimento do Direito quando se
discutem decisões judiciais. Essas distinções
pressupõem, portanto, que o Direito emana de certas
fontes sociais e seu conteúdo pode ser identificado
independentemente de apelo a razões morais.
Outro ponto importante é o fato de que, se
compreendermos o Direito como detendo função social
autoritativa, destinada a emitir razões excludentes e
protegidas para cancelar balanços de razões, a tese
social forte se torna uma hipótese adequada para
explicação dessas características.
O argumento raziano em favor do positivismo
exclusivo pode, contudo, ser questionado a partir da
necessidade do processo interpretativo para
identificação do conteúdo do Direito. Raz afirma o
seguinte:

Eu digo “As pessoas devem fazer Ø”. Você me


pergunta: “o que você quer dizer com isso?” e eu
respondo “é uma regra que elas devem fazer Ø”.
Com base na primeira interpretação, fiz a mesma
afirmação duas vezes, usando sentenças
diferentes. Com base na segunda, primeiro eu
disse que há uma razão e, posteriormente,
explicitei-a. Para manter simples a análise, irei
subscrever a segunda interpretação.
Independentemente da interpretação que se
adote, fica claro que as regras são razões para
ação (2010, p. 44-45).
A última afirmação de Raz deixa certas
contradições. Afirmar que regras são razões para ação
significa identificar de forma rígida regras e razões.
Essa afirmação causa um eclipse sobre os processos de
interpretação que se articula com regras existentes. É
como se houvesse um salto entre regras e razões, sem a
necessidade de mediação por processos interpretativos.
Tomando como paradigma o modelo
ocidental de Estado de Direito, temos que, com a
promulgação de textos legislativos, dá-se publicidade a
um conjunto de signos agrupados em documentos que
inexoravelmente precisam ser compreendidos a partir
dos processos de representação da comunidade política
a que estão relacionados.
Poder-se-ia argumentar que a interpretação
consiste em ato praticado, exclusivamente, pelos atores
sociais que estão inseridos na prática jurídica e que o
objetivo de Raz não foi a realização de uma descrição
ou análise sociológica sobre decisões judiciais ou
práticas judiciais, mas em elaborar uma teoria analítico-
descritiva do Direito de tipo filosófico. Portanto, poder-
se-ia afirmar que seu ponto de vista, seria do cientista
jurídico, um locus neutro em relação a valores e, além
disso, não-interpretativo.
Caso se afirme que os cientistas jurídicos não
necessitam interpretar os signos jurídicos, no sentido de
que sua atividade se circunscreve a compreendê-los,
estar-se-ia reproduzindo a distinção já criticada por
Gadamer (1997) entre compreensão, interpretação e
aplicação.
Embora não seja este especificamente o
argumento de Gadamer a favor da unicidade das
atividades de compreensão, interpretação e aplicação; é
possível sustentar a seguinte hipótese: apesar de as
pessoas, eventualmente, utilizarem essas noções em
contextos diferentes para se referir a fenômenos sociais
diferentes, o processo gnosiológico subjacente a estas
noções é essencialmente idêntico.
De forma exemplificativa, poder-se-ia
afirmar que, em um contexto jurídico, é perfeitamente
claro e distinguível o momento em que os magistrados
estão compreendendo os signos jurídicos, o momento
em que os estão interpretando e o momento em que
estão aplicando esses signos.
Tal afirmação confunde a unidade
gnosiológica com a unidade temporal das noções
anteriormente apontadas. As pessoas podem utilizar em
sua linguagem ordinária essas noções de atividades para
se referir a fenômenos que acontecem em momentos
espaço-temporais distintos, contudo, o processo
gnosiológico subjacente a essas atividades é
formalmente idêntico. Independente do momento
temporal-cronológico, isto é, seja no “momento de
compreensão”, no “momento de interpretação” ou no
“momento de aplicação”, o sujeito diante do signo
necessitará, inicialmente, fazer com que esse signo lhe
faça sentido, ou seja, fazer dele uma representação
adequada em seu imaginário, uma representação do que
ele é e do que, a partir dele, eventualmente, se pretende
que se faça.
Em resumo, as noções de compreender,
interpretar e aplicar podem ser utilizadas para se referir
a atividades espaço-temporalmente distintas, porém, o
processo gnosiológico a elas subjacente não se
distingue.
Nesse sentido, se Raz afirmou que regras são
razões, e se para a transformação de regras em razões há
necessariamente um processo de compreensão que, do
ponto de vista gnosiológico, não se distingue de
interpretar e aplicar, é possível afirmar que, mesmo a
teoria tendo sido desenvolvida do ponto de vista de um
cientista jurídico, a necessidade interpretativa frente aos
signos jurídicos é inexorável.
Se as razões jurídicas formam, como afirma
Raz (2010), o conteúdo do Direito, é possível afirmar
que se pode identificar o conteúdo do Direito sem apelar
para valores? As razões para agir são identificáveis
independentemente de apelo a valores? É possível
interpretar sem avaliar?
Uma das estratégias frequentes dos filósofos
de tradição analítica, destinada a reforçar seus
argumentos, consiste em fixar de forma rígida o sentido
das noções a que se está fazendo referência para, em
seguida, ponderar sobre “possibilidades ou
24
impossibilidades conceituais” .
Com base nessa estratégia, os defensores do
positivismo jurídico exclusivo podem argumentar que,
quando tratam da ideia de apelar a valores, não estão
negando que os signos jurídicos sejam conhecidos com
base nos elementos de pré-compreensão dos cientistas
jurídicos, mas que, no próprio processo de identificação
das razões jurídicas, é desnecessário apelar de forma
expressa ou elíptica a enunciados avaliativos, bastando
que se faça referência a elementos exclusivamente
factuais contidos no imaginário de pré-compreensão do
sujeito.
Ainda que formulada nesses termos, a tese do
positivismo jurídico exclusivo raziano fica dependente
de pressuposições como: (1) a existência de um amplo
vocabulário não comprometido por expressões
avaliativas; e (2) a existência de um amplo consenso a

24
Hipoteticamente, poderíamos definir “amigo” como a pessoa em
relação a qual não se pode praticar um ato de traição. Nesse
sentido, poder-se-ia afirmar que é “conceitualmente impossível”
trair um amigo, pois, caso tenha sido praticado um ato de traição
contra a pessoa, isso significará que ela não é sua amiga.
respeito do sentido de todas as expressões postas como
signos jurídicos.
Se, por qualquer motivo, o legislador viesse a
promulgar legislações em linguagem que requeresse a
utilização de juízos avaliativos, a identificação das
razões jurídicas em termos positivistas ficaria abalada.
Da mesma maneira, a inexistência de um amplo
consenso a respeito do sentido de determinado signo,
faria com que o intérprete necessitasse realizar uma
seleção entre sentidos possíveis e, sendo uma “seleção”,
necessitaria, portanto, avaliar os sentidos em disputa.
O que fazer diante de situações em que o
legislador insculpe, em textos normativos, noções como
igual consideração, respeito ou dignidade, como ocorre
na Constituição Federal brasileira de 1988? Há a
possibilidade de identificar o conteúdo dessas
expressões (razões para agir/conteúdo do Direito) sem
apelar a enunciados avaliativos?
A hipótese positivista de Joseph Raz, de que a
identificação do conteúdo do Direito independe de apelo
a enunciados avaliativos, não pode ser compreendida de
forma tão abrangente como, em um primeiro momento,
se poderia crer. Existem inúmeras variáveis factuais a
serem cumpridas para que a identificação do conteúdo
do Direito independa de considerações avaliativas.
Exemplo típico desse fenômeno ocorre com a
Constituição Federal de 1988 em que o sentido de
inúmeras expressões não é compartilhado
consensualmente de forma objetiva na comunidade de
intérpretes constitucionais.
Nesse sentido, para não ser falsa, a hipótese
raziana sobre a identificação do conteúdo do Direito
necessita ser restringida. Por exemplo, poderia ser
reformulada em termos de que, em alguns casos, a
identificação do conteúdo do Direito pode ser realizada
independentemente de apelo a enunciados avaliativos.
Contudo, isso pode ser caro às pretensões de Raz, pois
sua hipótese ficaria muito mais próxima de uma
afirmação de natureza sociológica de característica
localizada, do que de uma afirmação geral de natureza
filosófica.

REFERÊNCIAS

GEERTZ, Clifford. O Saber Local - Novos Ensaios em


Antropologia Interpretativa. Petrópolis: Editora Vozes,
1997.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método.


Petrópolis, Vozes, 1997.

RAZ, Joseph. Authority, Law and Morality. The


Monist, vol. 68, nº. 3. Illinois: The Hegeler Institute,
1985a.
__________. La autoridade del Derecho: Ensayo
sobre Derecho y Moral. 2ª Ed. Universidad Nacional
Autónoma de México. 1985b.

__________. Razão Prática e Normas. Campus


Elsevier. Rio de Janeiro. 2010.
A CONTRIBUIÇÃO DA
HERMENÊUTICA JURÍDICA PARA
DISTINÇÃO DOS OBJETIVOS
FUNDAMENTAIS DO ART. 3º DA
CF/88
Jaqueline Ribeiro Barreto25
Jéssica Ribeiro Barreto26

1- Considerações Iniciais:

O processo de redemocratização brasileira que


culminou com a promulgação da Constituição Federal
de 1988 trouxe, em seu art. 3º, os Objetivos
Fundamentais da República Federativa do Brasil como
diretrizes essenciais a serem perseguidas pelo Estado.
Nesse sentido, elenca-se o questionamento sobre o nível
de concretização das finalidades constitucionais
estabelecidas há 28 anos atrás. Tal discussão se mostra
pertinente diante da crise de efetividade em face da
atuação dos Poderes Públicos, tendo em vista que esses
objetivos deveriam nortear toda e qualquer atividade

25
Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA. Membro
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional- GEPC.
26
Acadêmica do 5º semestre de Direito do Instituto de Ciências
Jurídicas da Universidade da Amazônia- ICJ/UNAMA. Membro
do Grupo de Estudo e Pesquisa em Constitucional- GEPC.
estatal.
Assim, objetiva-se compreender o papel do rol
dos objetivos fundamentais da República na atualidade.
Diante disso, lança-se mão da reflexão da hermenêutica
jurídica de modo a possibilitar a interpretação do art. 3º
da CF/88, bem como estabelecer mecanismos de
aplicação da referida norma constitucional.

2- Reflexões metodológicas

A interpretação de um determinado
ordenamento jurídico consiste em buscar ou atribuir
sentidos às diretrizes normativas. Desse modo, a
atividade dos operadores do direito e também dos
agentes públicos se faz importante na aplicação
concreta, das promessas constitucionais do art. 3º da
CF/88, cabendo perquirir questões como qual seria o
entendimento sobre os Objetivos e quais seriam suas
aplicações nas políticas públicas.
Nesse ínterim, destaca-se a existência da
sociedade democrática pluralista como fator
fundamental de justificação para empregar elementos
metajurídicos como meio de solução de impasses
sociais. Isso é devido à crise contemporânea do direito
na qual exprime a dificuldade em harmonizar a vontade
objetiva da norma com a sua aplicação concreta.
Para tratar da concretização dos objetivos
fundamentais da CF/88, elenca-se a interpretação
histórica e teleológica, como também é necessário
através de pesquisas bibliográficas e dados estatísticos.

3 - O rol de objetivos fundamentais do art. 3º da


CF/88 e possíveis tentativas de cumprimento

De acordo com Lenio Luiz Streck, “toda


interpretação começa com um texto” (STRECK, 2008,
p. 211). Sendo assim, diante da disposição
constitucionais dos Objetivos Fundamentais República
Federativa do Brasil elencado pela CF/88, inicia-se uma
atividade reflexiva acerca de suas funções e aplicações,
quais sejam in verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da


República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

Não obstante, da leitura do art. 3º da Carta


Maior Brasileira, bem como a redação de outros
dispositivos constitucionais, pode-se depreender,
segundo STRECK e MORAIS (2013), que o espírito da
Constituição Federal traz um viés social de cunho
dirigente e prestacional – tanto é verdade que a redação
dos incisos apresentam verbos no infinitivo,
pressupondo ações positivas. Assim, desenha-se um
conjunto de diretrizes que visam balizar decisões e
políticas estatais de todos os entes públicos, a fim de
concretizar tais fins na realidade sócio-jurídica
brasileira.
Diante disso, o rol dos objetivos fundamentais
da CF/88, tidos como promessas constitucionais da
modernidade, nas palavras de STRECK e MORAIS
(2013) apresentam alguns avanços desde a entrada de
sua vigência. Pode-se destacar, por exemplo, a 8ª
posição internacional da economia do Brasil conforme
divulgação da CNN Money do estudo do Fundo
Monetário Internacional em 2016; as conquistas das
atuações como Plano Brasil sem Miséria, Programa
Fome Zero e Bolsa Família referenciado
internacionalmente pela Organização das Nações
Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO); o
reconhecimento ONU Mulheres em relação à Lei Maria
da Penha como um dos melhores instrumentos no
enfrentamento a violência de gênero; a implantação do
sistema de cotas sociais para acesso às universidades
públicas e etc.
No entanto, é inegável que ainda persiste a
necessidade de ratificar e consolidar esse rol de
finalidades constitucionais como base fundamental e
horizonte hermenêutico das práticas administrativas
(OHLWEILER, 2010) em face de diversas
problemáticas como, o valor de 51.5 do Brasil no
intervalo de 2010-2015, estimado pela ONU, no índice
GINI referente a desigualdade de distribuição de renda;
a taxa de analfabetismo no aporte de 12,9% de
brasileiros com idade entre 55 e 64 anos no ano de 2015
conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e entre outros.
É nesse cenário que se reflita a baixa
aplicabilidade da Carta Maior Brasileira nos programas
de estado – e não de governo – que evidencia a
importância de um “controle hermenêutico” da
Constituição (STRECK, 2008), e, principalmente do art.
3º da CF/88, uma vez que a interpretação profunda do
texto constitucional possibilitará o estabelecimento de
mecanismos para a sua aplicação, tendo em vista que
essas duas atividades são inter-relacionadas na leitura
hermenêutica do Direito.
Além disso, vale destacar o ensinamento
de Leonardo Ohlweiler acerca da observância das
promessas do art. 3º em sede de políticas públicas:
Qualquer política pública, desta forma, deve
estar vocacionada para fazer acontecer (...) os
objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil indicados no artigo 3º da Constituição
Federal (...). Tais indicações já se constituem por
si em indicações de políticas públicas, sequer
havendo liberdade de ação política para os
Poderes Públicos desprezarem tais fundamentos.
A constituição erigiu como importantes bens
para a comunidade, por exemplo, a solidariedade
e a proibição de práticas discriminatórias. Cabe
ao Estado desenvolver programas de políticas
públicas que internalizem tais bens jurídicos no
imaginário da sociedade, sendo importante que
os cidadãos igualmente assumam a
responsabilidade fenomenológica de fazer
acontecer tais indicações constitucionais,
exigindo ações governamentais em tal direção.
(OHLWEILER, 2010, p. 296-7.)

Isto posto, através do reconhecimento da força


normativa da Constituição (STRECK, 2008) e de sua
efetiva aplicação nas políticas públicas enquanto um
conjunto de atividades interventivas estatais, realizadas
pelos agentes públicos, com fins de concretizar – efetiva
e eficientemente – os objetivos fundamentais da
República ou as promessas constitucionais não-
cumpridas da modernidade. (OHLWEILER, 2010)
Nesse sentido, posiciona-se também Margarida
Camargo (2003), na medida em que resgata a teoria
gadameriana para compreender o texto que está sendo
estudado, busca-se o sentido adequado através da
interpretação e a sua aplicação no plano fático. Esse
binômio interpretação-aplicação no processo
hermenêutico é imprescindível para a concretização das
normas jurídicas como um todo, mas é vital para a
efetivação dos objetivos fundamentais do art. 3º da
CRFB, uma vez que estes constituem como o pano de
fundo de toda e qualquer ação estatal.
Nesse contexto, ressalta-se a teoria
hermenêutica de Gadamer, uma vez que este a
compreensão de um texto – e, nesse caso, de uma
norma constitucional – é uma atividade ligada a
vivência existencial do intérprete, ao qual deve
reconhecer a contribuição do passado e seu contexto
histórico de elaboração da norma jurídica e conectá-lo
ao momento presente da interpretação e aplicação da
norma, formando a sua tradição. A partir desse ponto, o
intérprete, consciente da tradição a que está inserido
juntamente com a norma, delimitará o horizonte de
interpretação e aplicação da mesma, qual seja o seu
âmbito de incidência. (CAMARGO apud GADAMER,
2003)

Assim, elenca-se a importância de uma


interpretação contemporânea aos anseios do povo
brasileiro para a sua aplicação concreta das promessas
da modernidade como um horizonte norteador das ações
estatais, tendo em vista a tradição histórica de afirmação
de uma sociedade igualitária. Desse modo, diante do
cenário brasileiro de pouca efetividade nas demandas
sociais, depreende-se os seguintes entendimentos do art.
3º da CF/88:

a) Construir uma sociedade livre, justa e solidária:

Este fim constitucional procura formar uma


sociedade baseada em três pontos basilares, quais
sejam a Liberdade (entendida no seu sentido amplo,
tanto no sentido de ação, quanto em sua acepção de
manifestação), a Justiça (assegurar os preceitos da boa-
fé, da honestidade assim como os direitos e garantias
fundamentais) e a Solidariedade (cultivar ações que
promovam a integração coletiva).

b) Garantir o desenvolvimento nacional;

Tornar o Brasil em um país desenvolvido em


relação aos seus indicadores sociais, como distribuição
de renda; níveis de qualificação educacional-
profissional; promover a competitividade no mercado
internacional; avançar nos índices de desenvolvimento
humano, preservação do meio ambiente e
desenvolvimento de práticas sustentáveis e entre
outros.
c) Erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais;

Diante da pluralidade das 5 regiões, busca-se


diminuir a disparidade de índices socioeconômicos no
que tange à renda per capita, acesso à saúde e
educação, oportunidades de trabalho, saneamento
básico, entre outros.

d) Promover o bem de todos, sem preconceitos de


origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.

Promover a equidade e assegurar direitos das


minorias entre os diversos segmentos sociais a exemplo
das mulheres, dos afrodescentes, dos povos indígenas,
das crianças e idosos, movimentos LGBT’s.

4 – Considerações Finais

Por conseguinte, a reflexão acerca dos


Objetivos Fundamentais do art. 3º da Constituição
Federal Brasileira se demonstra de elevada importância
no que tange a concretização dos direitos e garantias
fundamentais. Para tanto, desde a promulgação da
Carta Maior, é inegável que avanços foram
conquistados. No entanto, diante da persistência do
cenário de desigualdades nos indicadores sociais,
destaca-se a relevância da reafirmação dessas
finalidades em toda e qualquer ação estatal de modo a
terem o seu potencial máximo de concretização.
Assim, de acordo com Lenio Streck, “ o direito
é um saber prático-normativo e que deve servir para
resolver problemas e concretizar as promessas da
modernidade que ganharam espaço nos textos
constitucionais” (2008, p. 213). Desse modo, nas lições
do referido autor, é necessário aplicar a hermenêutica
não somente ao direito, mas principalmente à
Constituição para resolver sua baixa efetividade no
sentido de cumprir as promessas constitucionais feitas
no art. 3º da CF/88. (STRECK, 2008)
Logo, depreende-se a importância de uma
interpretação hermenêutica dos objetivos fundamentais
da República elencados no art. 3º da CF/88, os quais
devem constituir, nos termos de Leonardo Ohlweiler
(2010), uma filosofia constitucional e política para a
Administração Pública na medida em que esta possui
um dever-poder de edificar uma sociedade nos moldes
do referido dispositivo constitucional, concretizando o
plano constitucional do Estado Social estabelecido pela
Carta Maior Brasileira.

Referências

CAMARGO, Margarida Maria Lacombe.


Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao
estudo do Direito / Margarida Maria Lacombe
Camargo; prefácio de Vicente Paulo Barreto. – 3.ed. –
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Sociais. - Rio de Janeiro: IBGE, 2016 146 p. - (Estudos
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Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti;
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ALIMENTAÇÃO E A AGRICULTURA. Superação da
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STRECK, Lenio Luiz. Constituição e hermenêutica em


Países Periféricos. In Constituição e Estado Social: os
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STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, Jose Luis Bolzan de.


Comentário ao artigo 3º. In: CANOTILHO, J. J. Gomes;
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Disponível em:
<http://hdr.undp.org/en/composite/IHDI> Acesso
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