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empre haverá dificuldades para implantar práticas de responsabilidade

S social empresarial e as razões são muitas, começando pelo fato de envolver


uma diversidade de questões que se traduzem em direitos, obrigações e
expectativas de diferentes públicos, internos e externos à empresa. Os diferentes
entendimentos a respeito da empresa e de sua relação com a sociedade e com o
meio ambiente são mais uma fonte de complicação. Acrescente ainda que tudo
isso é feito concomitantemente às atividades da empresa em busca de resultados
econômicos favoráveis. Um modo tradicionalmente bem-sucedido de enfrentar
uma situação complexa é por meio da desagregação de seus componentes. Esse
é o esquema usado por Carroll, um dos principais expoentes do movimento da
responsabilidade social empresarial cuja obra tem sido uma fonte inesgotável
de inspiração.

2.1 AS QUATRO DIMENSÕES DA RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

A definição de responsabilidade social empresarial feita por Carroll em um arti-


go de 1979 continua sendo uma das mais citadas, e o modelo conceituai que ele
desenvolveu tornou-se a base de muitos programas e modelos de gestão da res-
ponsabilidade social. Sua definição é a seguinte: a responsabilidade social das
empresas compreende as expectativas econômicas, legais, éticas e discricionárias
que a sociedade tem em relação às organizações em dado período 1• Carroll con-
cebeu essas dimensões como seções de uma pirâmide, como mostra a Figura 2.1.

1
Carroll, 1979, p. 500.

43
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

Figura 2.1 Pirâmide da responsabilidade social de Carroll

Fonte: Adaptado de Carrol l, 1991, p. 42.

As responsabilidades econômicas remetem ao fato de que a empresa deve ser


lucrativa. Essa é a primeira e principal responsabilidade social da empresa, pois,
como afirma Carroll, antes de qualquer coisa, ela é a unidade econômica básica
da sociedade, e como tal tem a responsabilidade de produzir bens e serviços que
a sociedade deseja e vendê-los com lucro. Todos os demais papéis que a empresa
vier a desempenhar estão condicionados a essas responsabilidades. Por isso, ela
está representada pela seção na qual a pirâmide se assenta.
A responsabilidade legal vem em seguida. No momento em que a sociedade
aprova o sistema econômico, permitindo que as empresas assumam seu papel
produtivo como parte da efetivação de um contrato social, ela impõe suas regras
básicas, as leis sob as quais elas devem operar. Desse modo, a sociedade espera
que as empresas cumpram sua missão econômica dentro de uma estrutura legal.
Em outras palavras, significa jogar seguindo as regras do jogo.
A terceira dimensão é a responsabilidade ética. Embora as duas primeiras
responsabilidades incluam normas éticas, há comportamentos e atividades não
cobertos por leis ou aspectos econômicos do negócio, mas que representam expec-
tativas dos membros da sociedade. Enquanto a responsabilidade legal refere-se à
expectativa de atuar conforme a lei, a responsabilidade ética refere-se à obrigação
de fazer o que é certo e justo, evitando ou minimizando causar danos às pessoas.

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CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

A responsabilidade discricionária ou volitiva é a quarta dimensão do modelo


de Carroll, e, diferentemente das demais, ocorre sem uma sinalização precisa por
parte da sociedade, ficando a cargo de escolhas e julgamentos individuais. Por esse
motivo, o autor manifestou dúvidas se era correto entendê-la como uma respon-
sabilidade das empresas2 • Posteriormente, Carroll substituiu a palavra discricio-
nária por filantrópica, considerando-a como uma restituição à sociedade de parte
do que a empresa recebeu3 • Essa dimensão abrange ações em respostas às expec-
tativas da sociedade de que as empresas atuem como bons cidadãos, tal como o
comprometimento em ações e programas para promover o bem-estar humano.
É a menos importante das quatro dimensões, embora possa ser bastante apreciada
e desejada, como a cereja de um sorvete4 •
Assim, a responsabilidade social empresarial total impõe o cumprimento simul-
tâneo das responsabilidades econômicas, legais, éticas e filantrópicas. Colocado
em termos mais pragmáticos, significa que a empresa deve, ao mesmo tempo, ser
lucrativa, obedecer às leis, atender às expectativas da sociedade e ser boa cidadã.
As dúvidas de Caroll com relação à dimensão filantrópica da responsabilidade
social desde seu primeiro artigo nunca foram abandonadas, e, mesmo com o enor-
me sucesso do modelo das quatro dimensões e sua representação gráfica em forma
de pirâmide, ele continuou estudando e procurando novos conceitos. Anos depois,
Schwartz e Carroll desenvolveram um novo modelo que aperfeiçoou o anterior,
conferindo-lhe novas perspectivas conceituais para entender as questões relacio-
nadas com a responsabilidade social empresarial e suas práticas efetivas. Eles o
denominaram modelo dos três domínios da responsabilidade social empresarial5.

2.2 0 MODELO DOS TRÊS DOMÍNIOS DA RESPONSABILIDADE SOCIAL

Esse modelo surge com as críticas feitas ao modelo das quatro responsabilidades,
representado pela pirâmide mostrada na Figura 2.1. Schwartz e Carroll percebe-
ram que o uso da pirâmide pode gerar confusões ou formas inadequadas de uso.
A primeira deficiência é a de sugerir que existe uma hierarquia entre as quatro
responsabilidades e, o que é pior, de que a responsabilidade filantrópica é a mais
importante de todas por estar localizada no topo da pirâmide. A segunda limita-
ção é mais séria, e Carroll já a reconhecia em seu trabalho pioneiro: o modelo da
pirâmide não captura integralmente as interações entre as quatro responsabilida-
des. Para contornar esse problema, Carroll usou linhas pontilhadas para separar

2
Id., p. 500.
3
Id., 1991, p. 44.
4
Id., p. 45.
5
Schwartz e Carroll, 2003, p. 503-530.

45
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

as seções correspondentes às responsabilidades na representação piramidal, ape-


sar de reconhecer que este é um recurso insatisfatório que não consegue captar
integralmente os elementos relacionados ou os pontos de tensão entre as quatro
responsabilidades6 • Por isso, no novo modelo foram usados círculos para indicar
os três campos ou domínios da responsabilidade social empresarial, a saber: do-
mínio econômico, legal e ético, como mostra a Figura 2.2.

Figura 2.2 Modelo dos três domínios da responsabilidade social empresarial

(ii i)
Exclusivamente
Ético

(iv) (vi)
Econômico/ Lega 1/ Ético
Ético (vii)
Econômico/
Legal/Ético

(i) (v) (i i)
Exclusiva mente Econômico/ Exclusivamente
Econômico Legal Legal

Fonte: Schwartz e Carroll, 2003, p. 509.

No modelo dos três campos ou domínios da responsabilidade social das em-


presas, a filantropia deixou de ser uma dimensão específica por várias razões. Uma
delas é que os autores entendem que, em muitos casos, é difícil distinguir entre ati-
vidades éticas e filantrópicas, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. Além
disso, a filantropia pode estar sendo praticada apenas por interesses econômicos7•
O campo econômico refere-se às atividades voltadas à produção de impactos
econômicos positivos, diretos e indiretos, entendidos como maximização de lucro
ou do valor das ações. Atividades para incrementar as vendas ou para evitar litígios
são exemplos de impactos econômicos diretos; ações para melhorar a imagem da
empresa ou para elevar a motivação dos empregados são exemplos de impactos

6
Id., p. 505.
7
Id., p. 506.
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustent abi lidade empresaria l

indiretos. O campo da responsabilidade legal refere-se às respostas dadas pela


empresa com relação às normas e aos princípios legais, podendo ser vistas sob
três grandes categorias: conformidade legal, medidas para evitar litígios e medi-
das antecipatórias às leis, conforme resumidas na Figura 2.3.

Figura 2.3 Modelos dos três domínios da responsabilidade social: domínio legal

a) passiva ou acidental: a em presa faz o que desej a e


aci dentalmente atende à lei. Está fo ra do campo legal.

b) restrita: a empresa é legalmente compelida a faze r alguma


Conformidade coisa em função de lei, que de outro modo não faria.
legal
• a empresa procura operar em loca is
c) oportunista onde as exigências legais são f rouxas.
Domínio legal { • a empresa t i ra vantagens das lacunas
da lei para certas atividades.

Evitação de litígios: ações voltadas para evitar litígios e comportamentos


negligentes, por exem plo, encerrando a produção de
produtos perigosos ou de atividades prej ud iciais ao
meio ambiente.

Antecipação: ações que antecipam as mudanças nas leis.

Fonte: Construção própria a partir de Schwartz e Carroll, 2003, p. 509-510.

O domínio ético refere-se às responsabilidades da empresa diante das expectati-


vas da população em geral e dos stakeholders relacionados, envolvendo imperativos
éticos domésticos e globais. Esse domínio da responsabilidade social pode se dar me-
diante três padrões éticos gerais. Um deles, o padrão convencional, corresponde ao
que se denomina na filosofia moral de relativismo ético. São os padrões e as normas
sociais aceitas como necessárias para o funcionamento das empresas pelas indús-
trias onde elas atuam, pelas associações profissionais e pela sociedade, incluindo
acionistas, clientes, empregados, competidores e outros stakeholders. Como essas
normas sociais variam entre diferentes grupos sociais, uma forma de se contornar
essa limitação é mediante a elaboração e aplicação de códigos formais de ética.
Outro padrão ético geral é o consequencialista, segundo o qual as ações são
julgadas ou decididas pelas suas consequências. Uma ação é considerada con-
sequencialista se promove o bem social ou se o seu propósito é produzir a maior
quantidade de benefícios líquidos, ou o menor custo líquido, comparativamente
às outras alternativas. O terceiro padrão ético geral é o deontológico, que envolve
as noções de obrigação e dever como motivadores das ações 8 •

8
Id., p. 512.

47
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

A grande novidade desse modelo é a sobreposição de domínios da responsabi-


lidade, formando sete segmentos que representam sete categorias de responsabili-
dade social empresarial. A superposição ideal encontra-se no centro da Figura 2.2
(segmento vii), no qual os três campos da responsabilidade social estão presentes
simultaneamente. Os segmentos que representam domínios exclusivos (segmen-
tos i, ii e iii) e os que representam interseções de domínios dois a dois (segmentos
iv, v e vi) criam situações que devem ser exploradas porque pertencem ao mundo
dos negócios. Por exemplo, as atividades do segmento (i) são de natureza exclu-
sivamente econômica, voltadas para obter benefícios diretos e indiretos, como
mostrado anteriormente. Elas podem ser ilegais ou apresentar conformidades do
tipo passivo, como descrito na Figura 2.3.
O modelo permite identificar a importância ou a ênfase dada aos diferentes
domínios da responsabilidade social, como ilustra a Figura 2.4. As Figuras 2.4A,
2.4B e 2.4C representam empresas cuja responsabilidade social está concentrada
em um dos três domínios. A primeira poderia ser o caso de uma empresa que se
orienta em matéria de responsabilidade social pela teoria do acionista. O ideal é
alcançar um perfil como o da Figura 2.4D, no qual os três domínios da responsa-
bilidade social encontram-se em equilíbrio.

Figura 2.4 Responsabilidade social empresarial: perfis

A B

Econômico Legal

e D

Ético

Fonte: Schwartz e Carroll, 2003, p. 524.

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CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

Esse modelo de responsabilidade social empresarial apresenta limitações re-


conhecidas por seus autores. Por exemplo, ao estabelecer domínios distintos
surgem categorias de responsabilidade social exclusivas, quando se sabe que to-
das elas se combinam de modo inseparável. Ações consideradas exclusivamente
econômicas podem estar conforme as leis e padrões éticos, e as meramente le-
gais podem ter implicações econômicas e estar em conformidade com padrões
éticos9, mesmo no caso de conformidade restrita como definido na Figura 2.3.
As limitações apontadas pelos autores são, por assim dizer, amigáveis, e com o
tempo certamente elas serão superadas ou minimizadas enquanto outras irão
aparecer. Porém, as maiores limitações desse modelo, bem como as do modelo
das quatro responsabilidades, não são as reconhecidas pelos seus autores, mas
sim o fato de ambos não considerarem questões ambientais como uma dimensão
específica. Esses autores não desconhecem a existência dessas questões e muitos
dos exemplos que oferecem referem-se a elas, porém são tratadas como aspectos
das demais, geralmente como questões econômicas e legais.
Questões ambientais, como componentes da responsabilidade social das
organizações, já são fatos amplamente aceitos e fazem parte das medidas para
se alcançar o desenvolvimento sustentável. Por exemplo, para a Comissão da
Comunidade Europeia, a responsabilidade social das empresas é um conceito
por meio do qual elas passam a integrar preocupações sociais e ambientais nas
operações de seus negócios e nas interações com outras partes interessadas 10 •
De acordo com a International Organization for Standardization (ISO), a maioria
dos entendimentos atuais sobre responsabilidade social explora a inter-relação
entre os aspectos e impactos econômicos, ambientais e sociais das atividades
de uma organização, o que o associa ao tema do desenvolvimento sustentável11.
Com efeito, a definição de responsabilidade social constante da norma ABNT
NBR ISO 26000 é a seguinte:

Responsabilidade de uma organização pelos impactos de suas decisões e atividades na


sociedade e no meio ambiente, por meio de um comportamento ético e transparente que:

• contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e o bem-estar


da sociedade;
• leve em consideração as expectativas das partes interessadas;

9
Id., p. 520-521.
10
Comissão da Comunidade Europeia, 2002, p. 5.
11
ISO, 2004.

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Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

• esteja em conformidade com a legislação aplicável e seja consistente com as nor-


mas internacionais de comportamento; e
• esteja integrada em toda organização e seja praticada em suas relações 12 •

2.3 PROBLEMAS ANTIGOS E TRAJETÓRIAS CONVERGENTES

O movimento do desenvolvimento sustentável e o da responsabilidade social


empresarial têm origens antigas e distintas. Este último começa associado à ques-
tão da pobreza na Idade Moderna, época em que surgem as empresas. Como se
sabe, a pobreza tem sido uma constante na história da humanidade. Na Europa,
durante a Idade Média, as iniciativas para aliviar o sofrimento dos pobres, que
formavam grandes contingentes urbanos e rurais, estiveram sob a influência da
doutrina da caridade cristã, fosse por meio de auxílios diretos como esmolas,
confrarias, mesas dos pobres e hospitais, fosse por meio de práticas de resignação
frente à pobreza, lembrando que Cristo nasceu em um lar humilde e permane-
ceu pobre a vida toda. A ideia de que a riqueza acumulada nesta vida por uma
pessoa poderia condená-la ao inferno foi um dos grandes impulsionadores da
prática da caridade cristã, elevada à categoria de virtude pelos filósofos do cris-
tianismo como Santo Tomás de Aquino (1226-1274) 13• Na época não se usava a
palavra filantropia.
Na era moderna surgiram as políticas da pobreza, não mais centradas na ca-
ridade cristã, mas como atribuição do Estado, como é caso da lei dos pobres da
Inglaterra, no início do século XVII. Um historiador da pobreza mostra que as
palavras beneficência e benemerência surgiram para ocupar o lugar da carida-
de, bem como a palavra filantropia, que só foi introduzida no século XVIII 14• O
desmonte do sistema de produção baseado nas corporações de ofícios agravou
o problema da pobreza, pois, em geral, elas proviam ajuda aos seus membros na
velhice e amparavam as suas viúvas, órfãos e enfermos. Em muitos países e regiões
os governantes assumiram a responsabilidade como provedores de auxílios aos
desempregados, desvalidos e desafortunados para minimizar seus sofrimentos
e restabelecer a ordem, pois não raro a miséria era causa de revoltas sangrentas.
Não se cogitava eliminar a pobreza, mas mitigar os seus efeitos.
As políticas para os pobres começaram a ser praticadas em Estados absolutis-
tas. Com o triunfo das ideias liberais, o debate sobre a responsabilidade perante

12
ABNT, 2010 (grifo nosso).
13
Veja por exemplo a condenação à acumulação de riqueza na Terra em Mateus 6.19 e os conselhos ao jovem rico
para vender seus bens e dar aos pobres a fim de ganhar um tesouro no céu em Mateus 19.17 e Marcos 10.17, en-
tre tantas outras passagens semelhantes no Novo Testamento.
14
Mollat, 1989, p. 290.

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CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabi lidade empresaria l

os pobres tomaria outro rumo. O liberalismo baseia-se na doutrina do individua-


lismo que, como explica Hayek, Prêmio Nobel de Economia de 1974, não cogita se
os humanos são ou devem ser egoístas. O ponto central dessa doutrina é a ideia
de que os humanos, por serem limitados em seus poderes de imaginação, criam
escalas de valores que apenas incluem uma parcela limitada das necessidades da
sociedade. Como são escalas parciais e cada um produz a sua, inevitavelmente
elas são conflitantes, concluindo daí que cada um deve seguir seus próprios va-
lores. Para Hayek é perfeitamente possível a convergência entre os objetivos indi-
viduais e os fins sociais que são os objetivos de muitos indivíduos. Dentro dessa
corrente de pensamento, a ajuda humanitária, a filantropia e outras formas de
auxílio aos pobres, que ocupam quase integralmente o espaço da responsabili-
dade social empresarial no início, passa a ser uma decisão dos seus proprietários
como indivíduos, uma vez que são os juízes supremos de seus próprios objetivos15•
Outras considerações somaram-se às questões da pobreza, como o respeito à
diversidade humana, o combate à corrupção, a promoção da qualidade de vida
no trabalho e o cuidado com o meio ambiente, enriquecendo o movimento da
responsabilidade social com novas abordagens teóricas e práticas.
O movimento do desenvolvimento sustentável tem suas origens nos movi-
mentos ambientalistas que começaram a se formar em meados do século XIX. A
expansão da industrialização e da ocupação de áreas para exploração agrícola e
mineral gerou efeitos deletérios sobre o meio ambiente de muitas regiões, o que
provocou o surgimento de diversas iniciativas, geralmente lideradas por cientis-
tas e artistas, com o objetivo de criar áreas protegidas das ações humanas e onde
a vida selvagem pudesse ser preservada. O Parque Nacional de Yellowstone, nos
Estados Unidos, é considerado a primeira dessas áreas e marco importante do
movimento ambientalista. Na luta por áreas protegidas, o debate que ocorreu no
final do século XIX e início do século XX entre dois expoentes dessas iniciativas,
John Muir e Gifford Pinchot, teve enorme importância para o aprofundamento das
questões ambientais, debate que continua nos dias atuais entre duas correntes do
pensamento ambientalista, a preservacionista e a conservacionista. Muir, artesão,
agricultor, naturalista e escritor, defendia que essas áreas deveriam ser protegidas
de qualquer uso humano, inclusive dos povos indígenas que a habitavam. Apenas
a recreação e a contemplação eram admissíveis. Ele e seus seguidores usavam a
palavra preservar, surgindo daí a corrente preservacionista. Pinchot, engenheiro
florestal, e seus seguidores defendiam a exploração dessas áreas mediante crité-
rios que permitissem a sua utilização permanente e usavam a palavra conservar,

15
Hayek, 1984, p. 76.

51
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

surgindo daí a corrente conservacionista 16• Muitos veem em Pinchot um precursor


do desenvolvimento sustentável17 , com o que os autores deste livro concordam.
Ao final dos anos 1960, uma variedade de crises ambientais torna-se evidente
e expõe a sua face perversa do ponto de vista social. Apesar de toda a degradação
causada, a imensa maioria dos humanos vivia em condições precárias. Diversos
eventos promovidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e suas agências,
como a Unesco, debateram esses problemas e incentivaram a busca de soluções.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado em
Estocolmo em 1972, é uma referência importante do movimento do desenvolvi-
mento sustentável. Uma das suas principais contribuições foi vincular a questão
ambiental à social e, desse modo, também é um marco na aproximação com o
movimento da responsabilidade social. A divulgação do Relatório Brundtland em
1987 e a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
em 1992, no Rio de Janeiro, são alguns dos inúmeros eventos do movimento do
desenvolvimento sustentável. A definição de desenvolvimento sustentável cons-
tante nesse relatório é a seguinte:

Desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem com-


prometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades18 •

Essa definição mostra que o desenvolvimento é constituído por dois pactos


geracionais. O primeiro é um pacto intrageracional, ou seja, entre os membros da
geração existente no momento e que se manifesta pelo atendimento das necessi-
dades básicas do presente para todos. O segundo é um pacto intergeracional, isto é,
entre a geração do momento e as futuras e que se manifesta pela preocupação em
não comprometer a possibilidade de as gerações futuras de proverem as suas neces-
sidades, o que leva à necessidade de atuar sobre o meio ambiente e usar os recursos
naturais com prudência e sabedoria. Resumindo, é uma proposta de desenvolvi-
mento socialmente includente e que respeita o meio ambiente para que ele possa
fornecer os recursos necessários à subsistência humana de modo permanente, pois
a Terra é a morada dos humanos e espera-se que continue sendo indefinidamente.

2.4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A ideia de um mundo melhor para todas as gerações sem prejudicar o meio am-
biente é um objetivo social desejado, o que faz com que ela seja popular no mundo

16
McCormick, 1992, p. 30-32.
17
Diegues, 1996, p. 29.
18
Comissão Mu ndial sobre Meio Ambiente e Desenvolvim en to, 1991, p. 46.

52
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

todo. Críticas ao desenvolvimento sustentável não faltam, desde as amigáveis, que


aceitam a ideia mas colocam dúvidas quanto à sua efetividade, até as mais duras,
como as que entendem ser esta mais uma trapaça do capitalismo, razão pela qual
muitas empresas teriam aderido ao movimento com uma celeridade até então
nunca vista. Há um calcanhar de Aquiles nesse movimento. Ele só faz sentido se
for globalizado, e aí começam a aparecer as pedras no caminho. Se já é problemá-
tico encontrar denominadores comuns para ações localizadas no departamento
de uma empresa sobre assuntos do seu cotidiano, o que se esperar quando o que
está em jogo são os interesses de nações soberanas?
O movimento do desenvolvimento sustentável baseia-se na percepção de que
a capacidade de carga da Terra não poderá ser ultrapassada sem que ocorram
grandes catástrofes sociais e ambientais. Mais ainda, já há sinais evidentes de que
em muitos casos os limites aceitáveis foram ultrapassados, como atestam diversos
problemas ambientais gravíssimos, como o aquecimento global, a destruição da
camada de ozônio estratosférico, a poluição dos rios e oceanos, a extinção ace-
lerada de espécies vivas, bem como os sérios problemas sociais, como a pobreza
que afeta bilhões de humanos, os assentamentos urbanos desprovidos de infraes-
truturas mínimas para uma vida digna, a violência urbana, o tráfico de drogas e as
epidemias globalizadas, como a AIDS e o ebola. Estes problemas globais só po-
dem ser resolvidos com a participação de todas as nações, governos em todas as
instâncias e sociedade civil, cada uma em sua área de abrangência. As empresas
cumprem papel central nesse processo, pois muitos problemas socioambientais
foram produzidos ou estimulados pelas suas atividades.
Para contornar esse problema magno, duas estratégias foram construídas. Uma
delas responde pelo lema pensar globalmente e agir localmente. Isso significa que
não se deve esperar por condições ideais nos planos internacionais e nacionais para
só então começar a agir. A empresa não precisa, por exemplo, esperar que a legis-
lação do país onde esteja localizada adote uma dada convenção da Organização
Internacional do Trabalho para tratar melhor seus empregados. A outra estraté-
gia foi desagregar os elementos constitutivos do desenvolvimento sustentável em
dimensões, assim como fez Carroll com relação à responsabilidade social em-
presarial. Muitos esquemas de desagregação foram propostos, como o de Ignacy
Sachs, que se tornou um dos mais conhecidos. A sua proposta inicial considerava
as seguintes dimensões da sustentabilidade, assim resumida:

1. a sustentabilidade social trata da consolidação de processos que promo-


vem a equidade na distribuição dos bens e da renda para melhorar substan-
cialmente os direitos e condições de amplas massas da população e reduzir
as distâncias entre os padrões de vida das pessoas;

53
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

2. a sustentabilidade econômica possibilita a alocação e gestão eficiente dos


recursos produtivos, bem como um fluxo regular de investimentos públicos
e privados;
3. a sustentabilidade ecológica refere-se às ações para aumentar a capacidade
de carga do planeta e evitar danos ao meio ambiente causados pelos proces-
sos de desenvolvimento, por exemplo, substituindo o consumo de recursos
não renováveis por recursos renováveis, reduzindo as emissões de poluentes,
preservando a biodiversidade, entre outros;
4. a sustentabilidade espacial refere-se a uma configuração rural-urbana equi-
librada e uma melhor solução para os assentamentos humanos;
5. a sustentabilidade cultural refere-se ao respeito pela pluralidade de solu-
ções particulares apropriadas às especificidades de cada ecossistema, cada
cultura e cada local19 •

Posteriormente, outras dimensões foram incluídas, como a dimensão po-


lítica, ressaltando a necessidade de consolidar os processos democráticos
como condição para a participação de todos no processo de desenvolvimento.
O desenvolvimento sustentável tem como ideia central a oposição a qualquer
tipo de proposta autoritária. Também foi incluída a dimensão institucional rela-
cionada com a atividade pública e suas relações com outras instâncias da socie-
dade, pois não basta apenas garantir direitos e alocar recursos para os processos
de desenvolvimento, é preciso fazer com que cheguem a todos com eficiência.
De acordo como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a dimen-
são institucional mostra a orientação política e o esforço despendido pelo poder
público para realizar e sustentar as mudanças necessárias para promover o de-
senvolvimento sustentável, como gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D),
acesso à Internet, comitês de bacias hidrográficas, conselhos municipais que se
reúnem pelo menos uma vez por ano para orientar atividades nas áreas de saú-
de, educação, meio ambiente, direitos da criança e do adolescente, promoção
do desenvolvimento local e outras 2 º.
A proposta básica do desenvolvimento sustentável é que cada constituinte da
sociedade contribua para tomar efetivos aqueles pactos intra e intergeracionais
comentados anteriormente, cada qual atuando em suas respectivas áreas de abran-
gência. No âmbito das organizações em geral e das empresas em particular, o nú-
cleo duro de sua contribuição para com o desenvolvimento sustentável passou
a consistir em três dimensões: a econômica, a social e a ambiental. A Figura 2.5

19
Sachs, 2004, p. 15-16, e 1993, p. 24-27.
20
IBGE, 2012.

54
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

representa essas três dimensões por meio de círculos que se interceptam, repre-
sentação que já se tornou bastante conhecida. A redução a essas três dimensões
não implica perda ou abandono das outras dimensões citadas, mas uma concen-
tração no que é específico da atuação das organizações. Assim, uma organização
ou uma empresa sustentável seria, portanto, aquela que orienta as suas atividades
para alcançar resultados positivos nessas três dimensões da sustentabilidade que
lhe são específicas.

Figura 2.5 Dimensões da sustentabilidade organizacional

Dimensão econômica

Desenvolvimento
sustentável

Dimensão Dimensão
social ambienta l

Fonte: Elaborado pelos autores.

2.5 EMPRESA SUSTENTÁVEL

Contribuir para o desenvolvimento sustentável é o objetivo dessa empresa, e a


responsabilidade social, o meio para tornar a sua contribuição efetiva2 1, como re-
presentado na Figura 2.6. Como se vê, as responsabilidades econômica, social e
ambiental nessa figura equivalem, respectivamente, às dimensões da sustentabi-
lidade econômica, social e ambiental da Figura 2.6.

21
Marrewijk, 2003, p. 95-105.

55
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

Figura 2.6 Responsabilidade social e sustentabilidade organizacional

Sustentabilidade
Responsabilidade Organizacional
Organizacional

Responsabil idade
econômica

Fonte: Marrewijk, 2003.

Da confluência desses dois movimentos, o da responsabilidade social e o


do desenvolvimento sustentável, surge o conceito de empresa sustentável, que
representa a culminância de uma longa trajetória na qual a gestão empresarial
foi paulatinamente assumindo compromissos com as demandas da socieda-
de, como representado na Figura 2.7. Seguir a legislação e honrar contratos é o
patamar mínimo que se espera de qualquer empresa, o que significa estar em
conformidade com as leis em vigor, evitar litígios e antecipar as mudanças na
legislação. Cada uma das formas de atendimento das expectativas sociais tam-
bém passa por uma evolução que começa com o atendimento às normas legais
relacionadas. No campo da saúde e da segurança do trabalho, as demandas so-
ciais em grande parte foram reguladas por lei na maioria dos países, muitas de-
las atendendo às disposições constantes em convenções e recomendações da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). É o caso do Brasil, com as normas
sobre segurança e medicina do trabalho constantes na Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT).
O movimento da qualidade teve dois grandes fatores impulsionadores: de
um lado, as exigências estabelecidas nos contratos de fornecimento de maté-
rias-primas e produtos e as legislações de defesa do consumidor; de outro, as
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

contribuições da qualidade para as estratégias empresariais. A evolução nessa


área passou de uma abordagem inspecionista do tipo "passa, não passa" para
outra, baseada na construção coletiva da qualidade, centrada nos processos
administrativos e operacionais, e daí para o conceito atual de excelência empre-
sarial. As normas de gestão da qualidade, como as da série ISO 9000, e os prêmios
da qualidade, como o Malcon Baldrige, nos Estados Unidos, o Prêmio Europeu da
Qualidade e o Prêmio Nacional da Qualidade, no Brasil, estabelecem como pa-
tamar mínimo a necessidade de atender às normas legais e aos contratos, bem
como a outros requisitos com os quais se comprometeram voluntariamente. Com
a abordagem da melhoria contínua presente nessas normas e prêmios pretende-
-se que esse patamar seja superado ao longo do tempo.

Figura 2.7 Evolução das expectativas sociais

Agir de acordo com

Sustentabilidade ... os limites da natureza

Responsabilidade social ... as necessidades da comunidade

Gestão do meio ambiente ... a proteção ao meio ambiente

Qualidade ... as expectativas dos consumidores


Saúde , segurança no trabalho e
qualidade de vida no trabalho
... as necessidades dos empregados

Práticas de negócios corretas, conformidade ... as leis, regulamentos e contratos

hoje

Fonte : Hitchcock e Willard, 2006, p. 12 .

A evolução da gestão ambiental empresarial também seguiu caminho similar


à da qualidade. A pressão exercida pelas legislações ambientais fez com que as
empresas passassem a controlar a poluição gerada nos processos produtivos para
não a lançar ao meio ambiente. A constatação de que os poluentes são matérias-
-primas e energia compradas e desperdiçadas propiciou uma nova abordagem de
gestão, baseada na prevenção da poluição. A gestão ambiental alinhada com as
estratégias empresariais tem sido estimulada pelo crescimento da preocupação
ambiental por amplos setores da sociedade, que têm pressionado as autoridades
para tornar as leis mais rigorosas e sua fiscalização mais efetiva. Vem daí, em gran-
de parte, as práticas para antecipar as mudanças nas leis e para evitar litígios em
torno de danos ambientais e dos ressarcimentos decorrentes.

57
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

Mas não é somente devido à pressão externa que essa área caminhou. Muitas
empresas e entidades empresariais se engajaram espontânea e ativamente na for-
mulação de propostas de gestão ambiental coerentes com os objetivos do de-
senvolvimento sustentável, criando para isso modelos de gestão que procuram
economizar materiais e energia, substituir insumos obtidos de recursos naturais
não renováveis por insumos provenientes de recursos renováveis, eliminar subs-
tâncias tóxicas, entre outras providências. Também com relação à gestão ambien-
tal vale o que foi dito para a qualidade. A implantação e operação de sistemas de
gestão ambiental de acordo com os requisitos da norma internacional ISO 14001
têm como patamar mínimo aceitável o atendimento da legislação aplicável e dos
programas, acordos e códigos de conduta que assumiram voluntariamente.
Diversos modelos de gestão empresarial foram criados para incorporar as di-
mensões da sustentabilidade, conforme a perspectiva do desenvolvimento sus-
tentável. O modelo que será mostrado em seguida está afinado com esses dois
movimentos em convergência, o da responsabilidade social e o do desenvolvi-
mento sustentável, e tem como pressuposto básico que a responsabilidade social
das empresas é contribuir para a superação das crises sociais e ambientais que
comprometem os pactos geracionais mencionados anteriormente.

2.5.1 O modelo tripie bottom line


O modelo conhecido por tripie bottom line (tríplice linha de resultados líquidos)
foi desenvolvido pela empresa de consultoria britânica SustentaAbility e tomou-
-se popular no ambiente empresarial com o livro Cannibals with forks (Canibais
com garfo e faca), de John Elkington, um dos sócios dessa empresa, publicado
em 1997. A ideia central do modelo faz parte dos esquemas de desagregação do
conceito de desenvolvimento sustentável mostrados anteriormente. O uso da lin-
guagem de resultados líquidos é familiar no ambiente empresarial, acostumado,
desde a sua origem, a buscar resultado líquido na forma de lucro, resultado que
a contabilidade consagrou como a última linha da demonstração dos resultados
dos exercícios financeiros (bottom line).
No âmbito empresarial, a dimensão econômica reconhece que uma empre-
sa precisa gerar lucro e ter o seu valor de mercado aumentado, gerando riquezas
para seus acionistas. Porém, o conceito de lucro contábil, uma das linhas de resul-
tados líquidos, apurado da maneira convencional, não é suficiente quando o que
está em pauta é o desenvolvimento sustentável. Outras formas de capital, além do
econômico, devem ser consideradas, juntamente com as questões ambientais e
sociais. Com efeito, o capital econômico é constituído pelo capital físico (prédios,
máquinas, equipamentos etc.) e pelo capital financeiro. Competência profissional,
experiência, habilidade e motivação do pessoal também devem ser consideradas,

58
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

pois são componentes do capital humano da empresa. É uma espécie de truísmo


dizer que o conhecimento é o principal fator de competitividade das empresas na
sociedade do conhecimento, como muitos denominam a sociedade atual. No en-
tanto, apenas alguns bens intangíveis resultantes desse capital integram o capital
econômico convencional como, por exemplo, as marcas, patentes e outras formas de
conhecimentos explícitos e amparados pela legislação de propriedade intelectual.
Outras deficiências ligadas ao lucro convencional referem-se aos custos so-
ciais e ambientais não registrados pela contabilidade convencional. Esses custos
representam as externalidades, um conceito-chave para o modelo em questão. A
externalidade é um fenômeno externo ao mercado e que não afeta o seu funcio-
namento. As externalidades ocorrem quando a empresa provoca impactos em
pessoas ou organizações não envolvidas em suas transações. Podem ser externa-
lidades positivas ou negativas, dependendo se o impacto melhora ou prejudica o
bem-estar dessas pessoas ou organizações. Por exemplo, a poluição de uma fábri-
ca é uma externalidade negativa pelos efeitos nocivos que causa aos seres vivos e
não vivos e representa um custo ambiental e social para a sociedade. A empresa
que instalou equipamentos para captar e tratar os poluentes, que adota práticas
de gestão para evitar a poluição na fonte e ressarce os danos causados está inter-
nalizando esses custos, ou seja, está reduzindo os custos sociais produzidos pelas
externalidades negativas. Por isso, é necessário que a empresa avalie os custos de
suas extemalidades a fim de considerá-los para obter o resultado líquido referente
à dimensão econômica da sustentabilidade.
Um conceito fundamental desse modelo é o de capital natural e de como con-
siderá-lo para obter resultado líquido na esfera ambiental. O capital natural en-
volve os recursos naturais, que são a origem de tudo que os humanos produzem
para suprir suas necessidades. A palavra recurso deve ser entendida de modo
pleno, envolvendo bens e serviços ambientais. Os bens ambientais referem-se às
fontes de matérias-primas, sendo, geralmente, classificados como renováveis ou
não renováveis, embora essa classificação seja enganosa quando se consideram
os processos de manejo e a dimensão temporal segundo a perspectiva humana.
Com efeito, um recurso tecnicamente renovável, como um aquífero, toma-se não
renovável caso a sua taxa de exploração seja maior que sua taxa de renovação. Os
serviços ambientais envolvem bens intangíveis proporcionados pela natureza,
como polinização, circulação do ar, regulação do clima, ciclos biogeoquímicos
da água, do oxigênio, do gás carbônico, do nitrogênio e de outros que regeneram
os elementos presentes em quantidade limitada no meio ambiente, fazendo que
com isso se mantenha a vitalidade dos ecossistemas22 •

22
Barbieri, 2011.

59
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

Há divergências a respeito de como considerar a sustentabilidade dos recursos


naturais. Segundo o conceito de sustentabilidade fraca, o capital natural não dife-
re das demais formas de capital, como o econômico e, desse modo, são perfeita-
mente substituíveis entre si. Assim, o importante é a manutenção e a ampliação do
montante total de capital, independentemente de quais sejam seus componentes.
Segundo o conceito de sustentabilidade forte, essas formas de capital são com-
plementares e uma não pode substituir completamente a outra. A concepção de
sustentabilidade fraca está descartada pela proposta de Elkinton, pois ele separa o
capital natural em capital crítico e capital renovável, recuperável ou substituível. A
questão é, segundo o autor, saber como as diferentes formas de capital são afetadas
pelas atividades da empresa, se são sustentáveis no patamar das pressões a que
estão submetidas e se o nível total de pressão está suficientemente entendido23.
A sustentabilidade social requer a noção de capital social, que não se restringe
ao capital humano na forma de saúde, habilidades e educação do pessoal inter-
no. Deve incluir também a saúde da sociedade e a criação de riquezas. O autor
entende por capital social "a capacidade que surge da prevalência da confiança
da sociedade ou em partes dela, e um dos seus maiores benefícios é a diminui-
ção do atrito social" 24. Um grau de confiança elevado dos stakeholders internos
e externos contribui para melhorar os demais recursos da organização e é um
fator-chave para a sustentabilidade da empresa a longo prazo. A falta de confian-
ça funciona como uma espécie de taxação em todas as atividades econômicas
praticadas pela empresa25 .
A confiança entre parceiros reduz os custos de transações, que são aqueles com
os quais as empresas arcam para fazer valer os contratos e defender os direitos
decorrentes. Envolvem custos para obter informações, renegociar contratos em
andamento, fiscalizar a execução contratual, resolver conflitos durante a execu-
ção, proteger direitos e outros valores associados às transações da organização.
A reputação é uma questão-chave relacionada com o conceito de capital social e
está fortemente vinculada à conduta da empresa nas três dimensões da sustenta-
bilidade26. Os capitais intelectual, natural e social, do mesmo modo que o capital
econômico na forma de ativos tangíveis e intangíveis, podem ser aumentados ou
diminuídos ao longo do processo de produção. A ideia é que todas as formas de
capital aumentem ao longo do tempo por meio de uma gestão econômica, social
e ambientalmente responsável.

23
Elkington, 2001, p. 83.
2
• Id., p. 90.
25
Id. , ibidem.
26
Miles e Covin, 2000 e Orlitzky, Schmidt e Rynes, 2003.

60
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

O modelo tripie bottom line ganhou popularidade, é citado com muita frequên-
cia e inspirou diversas variações. Uma dessas variações é o modelo dos 3Ps, de pro-
fit, peopie e pianet (lucro, pessoas e planeta), que representam as três dimensões da
sustentabilidade: econômica, social e ambiental, respectivamente. Como mostra
a Figura 2.8, a responsabilidade social, que se apoia no desempenho dessas três
dimensões, é a viga que suporta a sustentabilidade empresarial27 •

Figura 2.8 O modelo de organização sustentável dos 3Ps

Sustentabilidade
empresarial

Responsabilidade social empresarial

p p p
R E L
o o A
F p N
1 L E
T E T

Fonte: Marrewijk, 2003, p. 101.

Na realidade, o modelo dos 3Ps não avança com relação ao modelo dos três
resultados líquidos. Pelo contrário, enquanto este é um modelo de aplicação
geral usado para empresas, entidades públicas, cooperativas e outras organiza-
ções da sociedade civil sem fins lucrativos, o modelo dos 3Ps tem sua aplicação
restrita apenas às empresas, na medida em que associa a dimensão econômica
ao lucro. Já o modelo tripie bottom line tem sido aplicado a organizações não
empresariais, como órgãos públicos e governos locais, e recomendado por orga-
nizações sérias, como o International Council for Local Environmental Initiatives
(ICLEl) 28• A ideia é que as organizações de qualquer natureza, inclusive as do
setor público, também necessitam explicitar suas contribuições nessas três di-
mensões da sustentabilidade.

27
Marrewijk, 2003, p. 101. Fonte do autor: Wemple e Kaptein, da Erasmus University, de Roterdã.
28
ICLEI, 2003.

61
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

O ceticismo a respeito desses modelos de organização sustentável não é escas-


so. Em parte, pela dificuldade de tratar tantas questões complexas simultanea-
mente, muitas delas estranhas aos métodos e práticas de gestão convencional,
como é o caso da inclusão do capital social e natural, o que torna necessário o
desenvolvimento de novos instrumentos de trabalho. E, em parte, porque existe
a expectativa de que, nas empresas, as considerações econômicas convencionais
acabem sendo privilegiadas. Como disse um crítico ao modelo, corre-se o risco
de que as três linhas de resultados líquidos ( tripie bottom line) tornem-se apenas
uma única linha (singie bottom line), ou seja, um modelo centrado nos resultados
econômicos, acrescido de comprometimentos dúbios a respeito das responsa-
bilidades sociais e ambientais29 • Com mais razão ainda pode-se dizer o mesmo
do modelo dos 3Ps, que corre o risco de virar apenas o P de profit (lucro) e, o que
seria ainda pior, com o lucro calculado de acordo com os métodos contábeis con-
vencionais. Sempre haverá o uso indevido de um modelo de gestão que ganhou
prestígio no ambiente empresarial, como é caso do tripie bottom line. Porém, a
utilização conscienciosa do modelo ou de suas variações permite obter melho-
rias em todas as dimensões da sustentabilidade.
Uma questão problemática a respeito da operacionalização dos modelos de
sustentabilidade empresarial refere-se à necessidade de fazer com que as três di-
mensões caminhem em sincronia. A ênfase em um dos resultados líquidos não é
satisfatória, segundo o modelo de organização sustentável mencionado ou suas
variações. Por outro lado, não faz sentido esperar que todas as condições este-
jam presentes para começar a agir. Felizmente, existe uma grande quantidade
de princípios, diretrizes e instrumentos criados para dar suporte a uma gestão
compromissada com a ideia de organização sustentável, como será mostrado nos
próximos capítulos deste livro.
Os modelos apresentados no início deste capítulo incluíam a ética empresarial
como um componente da responsabilidade social, mas os modelos finais deixaram
de considerá-la de modo explícito. Isso não significa abandono ou falta de priori-
dade para com esse assunto. Ao contrário, a ética é considerada um componente
tão importante que deve ser tratado de modo transversal, permeando todas as
atividades empresariais. Por isso, este livro dedicará os dois próximos capítulos
apenas a esse tema.

29
Norman e MacDonald, 2004, p. 245-247.

62
CAPÍTULO 2 Responsabilidade social e sustentabilidade empresaria l

TERMOS E CONCEITOS IMPORTANTES

• Capital físico • Empresa sustentável


• Capital humano • Expectativas sociais
• Capital natural • Externalidades
• Capital social • Gestão ambiental
• Conservacionisrno • Movimento da qualidade
• Desenvolvimento sustentável • Preservacionisrno
• Dimensões da sustentabilidade • Responsabilidade social
• Domínios da responsabilidade social • Tripie bottom line

QUESTÕES PARA REVISÃO

1. Discuta as quatro responsabilidades sociais do modelo da pirâmide. Apresente as


críticas feitas a elas, não só as que constam deste capítulo, mas também as que você
julgar procedentes.
2. Quais os argumentos que os autores do modelo dos três domínios da responsabili-
dade social usaram para justificar a não inclusão da filantropia?
3. Além da ausência da filantropia, quais as outras novidades que esse modelo apresenta
com relação ao da pirâmide?
4. Retorne ao modelo dos três domínios da responsabilidade social empresarial repre-
sentado pela Figura 2.2 e apresente exemplos de atividades que pertençam a cada
urna das seções dessa Figura.
5. Discuta o debate conservacionista x preservacionista, com o objetivo de reconstituir
a trajetória de movimentos sociais importantes que deram origem ao movimento do
desenvolvimento sustentável.
6. Com o movimento do desenvolvimento sustentável surgiram expressões corno agricul-
tura sustentável, turismo sustentável, cidades sustentáveis, organizações sustentáveis,
entre tantas outras. Procure em outros textos e na Internet as definições associadas
a tais expressões, lembrando que com relação à última há urna definição neste capí-
tulo. Depois responda: quais os elementos recorrentes presentes nessas definições?
7. Continuando com a questão anterior, verifique as críticas e objeções feitas ao desen-
volvimento sustentável e, em especial, quando esse conceito é aplicado às organiza-
ções empresariais.
8. Apresente exemplos de externalidades negativas associadas às atividades de urna
empresa que você conhece. Depois, identifique meios para eliminá-las ou neutra-
lizá-las.
Responsabilidade social empresarial e empresa sustentável

9. Reveja a evolução das expectativas ilustrada na Figura 2.7 e apresente exemplos de


práticas empresariais relacionadas com cada uma das expectativas mencionadas e
como elas integram o entendimento de responsabilidade social associada ao conceito
de desenvolvimento sustentável.
10. Sobre o modelo do tripie bottom line, discuta: ( a) a sua ideia central; (b) as suas prin-
cipais vantagens; (c) as suas principais críticas e objeções e (d) as diferenças com
relação ao modelo dos 3Ps.

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