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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA – UFJF

METODOLOGIA DO ENSINO EM ARTES

PROPOSIÇÃO: Tornar-se professora de arte, professor de arte


TEMA: Cultura Visual
EDU139-2022.3-A

ANA CAROLINA GOMES NOGUEIRA


PROFESSORA OLGA EGAS
O Efeito Disney na Cultura Visual e o papel da Arte-educação na Mediação Cultural

Introdução

“[...] E viveram felizes para sempre” é um clichê comum, facilmente reconhecido por
qualquer um, adulto ou criança, que tenha consumido produtos de mídia voltados a público
infantil em algum momento da vida - em especial produtos Disney. Alguns temas são
frequentemente notados em filmes da Disney: Amor verdadeiro entre uma princesa boa e
gentil e um príncipe alto, rico e bonito; Um beijo que quebra a maldição ou abençoa a
princesa; Um final feliz onde todas as pontas narrativas se amarram perfeitamente, onde cada
vilão recebe o fim que merece e os protagonistas vivem felizes para sempre. Porém, o
conteúdo e as mensagens contidas nos aparentemente inocentes filmes animados vão além
dos chavões amplamente conhecidos dos contos-de-fadas modernos: nestas mídias tão
frequentemente consumidas e amadas pelas crianças, uma série de padrões, mensagens,
conceitos e preconceitos são constantemente reafirmados e naturalizados. Não é necessário
ser um pai ou mãe preocupado, pesquisador da área ou educador para que essa conjuntura
suscite uma série de perguntas, como: De onde vem estes padrões visuais e sociais
representados nos filmes voltados a audiência infanto-juvenil? De que forma eles se fazem
perceber nestes produtos de mídia e como se manifestam no inconsciente e no consciente
infantil? De que forma estes padrões e conceitos, tão amplamente reproduzidos, representam
e moldam a sociedade em que vivemos? Qual seu papel e influência na construção da cultura
visual, e qual o papel da arte-educação em abordar e explorar estas conjunturas? Neste artigo,
alguns destes questionamentos serão colocados em análise na tentativa de discorrer sobre e
quem sabe elucidar questões relacionadas a esse setor tão expressivo da indústria cultural e
do entretenimento infanto-juvenil.

● O oligopólio Disney

Um gigante no setor cultural, a Walt Disney é uma das empresas mais bem-sucedidas, em um
dos setores mais poderosos de qualquer economia: o entretenimento. Somente inovando
constantemente e ampliando os limites de sua animação e dos negócios, a empresa conseguiu
passar de um estúdio de animação de sucesso moderado para uma experiência de
entretenimento completa – contando com parques temáticos, merchandising, navios de
cruzeiro e muito mais, alcançando o exorbitante valor de mercado de US$ 238,9 bilhões.

Possuindo e controlando uma fatia gigantesca do mercado do entretenimento moderno, o


oligopólio Walt Disney Company inegavelmente tem não só impacto cultural, mas a detenção
quase completa da indústria cultural mundial, exercendo enorme influência no que
consumimos, como consumimos e porque consumimos. A companhia é um excelente
exemplo de como a cultura visual popular, distribuída através da mídia de massa, encantou
gerações de jovens (e até adultos) por quase 90 anos com contos-de-fadas recontados e
histórias animadas que nos mostram histórias de amor, fantasia, tristeza e triunfo. Conforme
observado por Tavin e Anderson (2003), “O conhecimento de si mesmo e do mundo é
frequentemente construído, em parte, por meio de formas particulares de cultura visual
popular, de filmes de animação a programas de televisão”. Mas a pergunta que fica é: O que a
Disney realmente quer nos dizer?

Esse questionamento, imediatamente, não é tão simples de ser respondido: As mensagens e


ideologias construídas nas histórias da Disney praticamente não foram examinadas (durante a
maior parte de seus 90 anos) pelos educadores devido à sua persistente resistência à cultura
popular e visual na escola. Há muitas razões para um exame mais minucioso dos filmes da
Disney (e outros produtores de mídia mainstream), duas razões proeminentes sendo sua
representação de mulheres e papéis de gênero e sua representação de outras raças colocadas
dentro de um pano de fundo histórico maliciosamente construído, mas convincente.

Em The Postman Always Rings Thrice: Visual Culture, Disney and Technology in Society,
McMaster questiona, ainda sobre tais representações:

Que impacto essas representações têm na tomada de decisão e na democracia


da sociedade quando eles podem controlar as imagens a que somos expostos
na TV, na internet e nos noticiários? Eles têm o poder de alterar nossas visões
de mundo, limitando o que vemos e como vemos através da filtragem de
conteúdo que nos apresenta uma versão que adere às suas ideologias
corporativas e preconceitos capitalistas baseados no consumidor. A Disney
está no topo de um enorme conglomerado de mídia que possui TV (ABC),
TV a cabo, internet, estúdios de música, empresas de produção de mídia,
revistas e parques temáticos. O inventário dos meios de comunicação que a
Disney tem à sua disposição e a influência inerente contida neles apenas
começa a descrever o quão vasta é a Disney e quão longe seus negócios e
ideais estão alcançando. Conforme observado pelo documentário Mickey
Mouse Monopoly (2001), a Disney “exerce uma tremenda influência na [...]
cultura popular nacional e internacional”.
Levando em conta a influência inegável e de proporção homérica na cultura visual e na
sociedade, parece incoerente não trazer este objeto de estudo para dentro das salas de aula,
em um ensejo que parece permear diversas áreas da educação, mas talvez mais
proeminentemente ainda a área da arte-educação. Nesse sentido, mais atenção deve ser dada
ao treinamento de arte-educadores para que eles possam envolver seus alunos sobre os meios
de comunicação de massa e a cultura jovem. Talvez essa ideia deva ser levada ainda mais
longe; e seja fundamental para os educadores de hoje se familiarizarem com as novas mídias
e tecnologias populares, ou se tornarem analfabetos digitais.

● A cultura visual e a cultura popular dentro da Arte-educação

Concordamos com Cunha (1995) que ensinar “[...] a ver o implícito e o velado é uma das
atribuições do ensino de arte”. Nesse sentido, os Estudos da Cultura Visual propõem
relacionamentos, sobreposições e somas de conteúdos, técnicas e abordagens de diferentes
áreas do conhecimento, se tornando elementares na formação infantil, ampliando o escopo da
arte-educação e se estendendo desde o que vestimos até o que assistimos, incluindo artes
visuais, belas-artes, publicidade, arte folclórica.

Aqui citamos Baliscei (2018) em sua dissertação PROVOQUE, quando infere que:

O que se propõe com os Estudos da Cultura Visual e com teorias e


metodologias pós-modernas para o ensino de Arte não é a substituição dos
conteúdos e muito menos o esquecimento e o engavetamento da produção
artística erudita valorizada ao longo dos séculos. Ao invés disso, incentiva-se
que as imagens da cultura da mídia - que há tantos anos vêm sendo evitadas
pelos/as profissionais, currículo e espaços escolares - sejam inseridas e
debatidas nas discussões educativas. Além de preocupar-se com as técnicas
tradicionais e com a produção artística histórica, os Estudos da Cultura Visual
voltam seus olhares para as visualidades pós-modernas e para as
representações culturais, políticas, ideológicas e afetivas que elas sugerem.

Apesar da satisfação e dos significados que as imagens da cultura da mídia provocam aos
indivíduos infantis, no espaço escolar, essas visualidades continuam sendo “[...] rotuladas
com uma tarja de censura, jogadas numa espécie de limbo, sacralizadas ao avesso -
demonizadas - e classificadas como inadequadas para as salas de aula. Em vez de serem
vistas como um conjunto complexo de narrativas que possibilitam construções de sentidos e
interpretações críticas dos fenômenos nos quais estão inseridas, tais
criações/produtos/imagens são, muitas vezes, entendidos como fúteis/alienadoras feitas para
um aglomerado de corpos subestimados, massa homogênea, passiva, ignorante, recipientes
que veem/desejam/consomem sem pensar ou refletir (Berté e Tourinho, 2014).”

Argumenta-se aqui que a cultura visual e a mídia devem ser parte integrante de nossa
educação e que desempenham um papel crucial no desenvolvimento de gerações futuras
perspicazes e criticamente conscientes. Em particular, este papel vital deve ser elaborado no
campo da educação artística. A velocidade e o avanço da tecnologia tornam a inclusão dessa
função ainda mais central e com necessidade urgente de implementação. A integração da
cultura visual deve ser aplicada, em diferentes graus, aos currículos de todos os níveis de
ensino, uma vez que a cultura visual popular não se limita a empreendimentos comerciais ou
artísticos, ela abrange todos e cada um dos elementos dos signos e símbolos de nosso mundo
visual.

Diante da soberania que as imagens da Disney apresentam no universo escolar, citamos Valle
(2015) quando infere que, em salas de aulas, a partir de exercícios de investigação visual
crítica e inventiva, as imagens fílmicas, entre outras produções, podem “[...] converter-se em
aparatos para desencadear estudos instigantes e profícuos no campo social, envolvendo
discussões sobre questões de gênero, credo, liberdade, respeito, cidadania e educação.” Dado
o amplo apelo e autoridade que produtos culturais Disney detém sobre mentes jovens e
maduras, a ideia aqui é instrumentalizar essas mídias, transformá-las em discussões, análises
e problematizações que aguçem o olhar crítico; afastando o público infantil do lugar de
telespectador passivo esperado pela indústria cultural, onde o público a serve “[...] não apenas
para consumir seus produtos, mas também para comprar as sociologias fabricadas e os
retratos raciais e históricos fraturados que são apresentados como quase verdades
(McMaster).”

● O “espetáculo da inocência”: A Pedagogia Cultural Disney

Ainda sobre a cultura visual e a construção de mundo ao redor desta, Tavin e Anderson
(2003) dizem:

As organizações que produzem, distribuem e regulam grande parte do


imagens visuais populares na contemporaneidade sociedade são instituições
comerciais que têm acesso a recursos (dinheiro, cultura capital e mídia) e
operam no interesse de maximização do lucro. Tendo em vista que ganho
individual é o ethos predominante de maioria das corporações, o poder é
usado para manter o status quo e mantê-lo em curso com o mínimo de atrito
possível. Em nossa cultura visual, isso se traduz em corporações
contribuindo na construção de uma visão de mundo onde imagens
alternativas e ideias que criticam e desafiam a cultura dominante são
relegados ao ostracismo. As empresas que constroem essa perspectiva
higienizada são os professores do novo milênio.

E é assim que das lojas para os parques temáticos, dos parques temáticos para os programas
de TV e dos programas de TV para os filmes, como que em um processo retroalimentador, os
“locais” da Disney ajudam a promover uma visão particular do mundo que se torna
normalizada por meio do que Steinberg & Kincheloe (1997) chamam de “pedagogia
cultural”. Esta forma de pedagogia refere-se ao processo de ensino e aprendizagem por meio
de locais sociais, muitas vezes fora das instituições educacionais. A Disney fornece locais
poderosos para a pedagogia cultural onde aprendemos sobre o mundo e nosso relacionamento
social.

Essas experiências podem ajudar a forjar identidades individuais e coletivas. A Disney atrai
muitos de nós por meio de um processo afetivo complexo em que negociamos nossas
crenças, valores, desejos e expectativas no reino do prazer e significado. Além disso, nossas
identidades são fluidas e dependem de elaboradas conjunturas de histórias, eventos e relações
(Omer, 1992). No entanto, embora as identidades sejam sempre multidimensionais e
dependentes de numerosos fatores idiossincráticos, elas permanecem amarradas a sistemas
comunitários de discurso. Sendo assim , nossas identidades são moldadas e limitadas, em
parte, por códigos linguísticos disponíveis, signos culturais e representações. Esses códigos,
signos e representações podem promover ou apoiar preconceitos, limitar interesses sociais
particulares e frustrar as possibilidades de agência humana (Giroux, 1994).

E quais são os códigos, signos, mensagens e representações passados aos consumidores?


Segundo Santos (2015) a Disney, sempre encoberta pela atraente aparência de inocência
pueril, formula um universo cultural amplamente conservador em seus valores, sendo que
através do emprego de estratégias como esquecimento histórico deliberado, percepção
seletiva, estigmatização de formas desviantes, naturalização de condições normativas e
higienização da realidade social, reitera uma noção de mundo hegemonicamente branco,
heterossexual e de classe média.
Pode-se então, concluir que os valores disseminados pelos produtos culturais-midiáticos são
amplas ferramentas de manutenção do status quo e dos princípios hegemônicos, se
perpetuando estereótipos e preconceitos por meio do que Giroux (2001) afirma como “[fazer]
da inocência um espetáculo, [escondendo-se] atrás dela, separando o poder corporativo da
cultura corporativa que cria uma fantasia que nunca precisa ser questionada”. A seguir, nos
debruçaremos um pouco sobre estereótipos, como são representados nas mídias Disney e suas
especificidades. Para seguir com tais análises, nos apoiaremos principalmente nas teses de
Letaief (2015) e Baliscei (2018).

● Estereótipos de Gênero e Sexualidade

Este trecho, retirado da tese Stereotypes in Disney 's Classics: A Reflection and Shaping of
American Culture, sumariza bem os estereótipos de gênero e sexualidade perpetuados pelas
personagens femininas nos filmes da Disney. Nele, Letaief (2015) sintetiza:

Escrito e dirigido principalmente por homens como Clyde Geronimi, John


Musker e Ron Clements, os clássicos da Disney parecem ser uma fonte de
estereótipos de gênero. O viés em relação ao gênero é altamente perceptível,
pois a equipe da Disney parece apresentar os homens de forma positiva,
concentrando-se em seu direito patriarcal, que os privilegia e os insere no
controle do gênero feminino. As mulheres, por outro lado, são afetadas pelas
visões estereotipadas dos criadores dos filmes de animação: são delineadas
como heroínas domésticas, bonitas e jovens que atraem os homens ou
mulheres mais velhas pouco atraentes, cujo físico ou ações as impedem de
conquistar a admiração e o afeto dos homens. Essas mulheres mais velhas,
[...] compartilham algumas características masculinas, o que as torna
transgressoras de gênero. Por isso elas, como “gays”, passam a ser
associadas à vilania nos clássicos da Disney, principalmente devido ao seu
comportamento queer. Seguindo as representações acima, os clássicos da
Disney parecem conter três conjuntos principais de estereótipos de gênero,
que são: a mulher doméstica versus o patriarca masculino, jovens heroínas
atraentes versus mulheres repulsivas mais velhas e protagonistas
sexualizadas versus personagens homossexuais malignos.

Seguindo esta análise, pode-se discorrer sobre estes padrões sendo notados em diversos
filmes, principalmente os em que protagonizam as princesas. Um exemplo é a posse de
habilidades domésticas quase como naturais e elementares nas personagens, principalmente
nas nomeadas princesas clássicas da Disney. Aurora limpa, coleta frutas no bosque e vive tal
qual uma camponesa; Branca de Neve limpa a Casa dos Anões inteira assim que a descobre;
e Cinderela vive como uma espécie de empregada para suas meia-irmãs e madrasta,
cozinhando, limpando e as servindo. Outras temáticas extremamente ocorrentes são o
auto-sacrifício em nome do amor (ou do interesse amoroso masculino) como visto no caso de
Ariel e Pocahontas, o instinto cuidador e materno inato como observado em Branca de Neve,
Jasmine, Cinderela e Dama, ou ainda a existência as sombras de um personagem masculino
cuja chegada parece parece dar sentido a sua vida, como notado em Ariel, Branca de Neve,
Aurora, e outras. Todos estes padrões são carregados de um machismo sistêmico que é
empurrado ao público infantojuvenil e influenciam e alteram suas ideias e identidades.

Da mesma forma pode-se notar os estereótipos visuais, onde a maioria das princesas
apresentam características fenotípicas anglo-saxônicas, e os quais até as princesas
não-brancas apresentam características “embranquecidas”; outras características também são
majoritárias e privilegiadas entre as protagonistas, como a jovialidade, a magreza, a
sexualização (muitas vezes precoce) e a adoção de características hiper-femininas como
cabelos longos, vestidos, olhos grandes, adereços delicados.

Em oposição, as vilãs apresentam características contrastantes, sendo muitas vezes mulheres


de meia-idade ou mais velhas, corpulentas ou muito magras, que possuem características
transgressoras a feminilidade, como vozes grossas, autoritariedade, ambição e frieza. Assim,
a exibição de performance de gênero não convencional torna-se imediatamente
ridicularizada, estigmatizada e rotulada como errada. As mulheres de meia-idade e mais
velhas são frequentemente relegadas aos papéis antagônicos ou então secundários,
representadas como seres mágicos assexuais, como sábias avós e fadas madrinhas. Esses
personagens muitas vezes confortam as traumatizadas jovens heroínas apaixonadas e
sacrificam-se para garantir a normalização heterossexual.

Em um uníssono conceitual, os personagens masculinos passam por semelhante dicotomia.


Ao longo de sua tese PROVOQUE, Baliscei (2018) perpassa por uma série de análises sobre
as masculinidades propostas nos filmes da Disney, e chega na seguinte conclusão:

[...]identificamos padrões nos comportamentos e caracterizações dos heróis


e vilões. Por exemplo, todos os heróis e vilões analisados envolvem-se em
lutas e fazem uso de armas ou de magia para agredir outros personagens.
Outra repetição localizada é que, salvo Jafar e Shan Yu, todos os outros
protagonistas e antagonistas censuram comportamentos de coadjuvantes por
considerá-los "menos masculinos". Ademais, Ping parece ser o único herói
que não manifesta desejos heterossexuais, enquanto Gaston é o único vilão
que o demonstra, o que pode ser interpretado como uma associação entre
heroísmo e heterossexualidade e maldade e homossexualidade. Constatamos
também que todos os heróis têm rostos e corpos com traços suavizados que
remetem ao padrão de beleza ocidental, ao passo que todos os vilões
possuem traços exagerados que remetem ao estranho e ao abjeto. Fera é o
único protagonista representado com acessórios femininos [...]; e entre os
vilões, apenas Gaston e Shan Yo são caracterizados exclusivamente com
peças de roupa tradicionalmente masculinas, os demais usam [...] [adereços
que] podem ser tomados como indícios de feminilidade. [...] Por exemplo,
com exceção de Ping, nenhum outro protagonista ou antagonista demonstra
desejos homossexuais - ao contrário, muitos deles até mesmo repreendem
trocas de afetos entre sujeitos masculinos. Constatamos também que
nenhum herói ou vilão é representado chorando [...] e que, com exceção de
Naveen, tanto os heróis como os vilões não são representados realizando
atividades domésticas e tampouco são mostrados com seus familiares.

● Estereótipos Raciais e Étnicos

Em Aladdin, o mundo árabe é retratado como um lugar brutal e todos os personagens


malignos são de pele escura. O filme também aponta que os latinos são frequentemente
retratados como chihuahuas, de aparência desleixada (ou suja) e se metendo em problemas,
relegando-os à ilegalidade. Os africanos ou negros são representados por corvos, macacos,
orangotangos ou hienas; falando gírias, mal-comportados, simplórios e estranhos (Giroux,
1996). Poussant (2001) usa o exemplo da versão mais recente de Tarzan que, como todos
sabemos, se passa na África, mas não apresenta nenhum negro, não deixando ninguém com
quem as crianças africanas possam se identificar prontamente. Ele afirma que isso promove a
supremacia branca, especialmente quando visto por crianças em um cinema africano.

Uma forma final pela qual a Disney cria realidades falsas ou gera informações enganosas é
em sua representação de eventos históricos. Giroux (2001) afirma que a Disney reescreve a
história omitindo os aspectos sociais mais polêmicos, políticos e significativos que acabam
banalizando eventos históricos importantes como as relações entre os peregrinos e os nativos
americanos. Giroux define Pocahontas como um excelente exemplo, negligenciando os
detalhes pungentes do colonialismo e do genocídio em favor de uma espécie de propaganda
ou história “embranquecida” de uma perspectiva eurocêntrica.

A bondade é uma qualidade inerente aos protagonistas brancos. Estes últimos assumem a
tarefa de orientar e auxiliar os outros. Tarzan, um herói branco, é apresentado como o líder
das selvas africanas. Ele está ao lado de seu povo e é ele quem os salva no final. Em Peter
Pan, o jovem herói branco corajosamente liberta Tigrinha das garras dos piratas. Sendo o
“epítome da bondade”, os heróis se envolvem em lutas intermináveis contra os poderes do
mal que residem nos personagens de mulheres de meia-idade ou vilões homossexuais e,
eventualmente, triunfam.

Também vale notar que mesmo em suas tentativas mais recentes de representação étnica e
multicultural, a Disney falha em construir narrativas, personagens e situações que sejam
representativos destas culturas minoritárias de fato. Letaief (2015) afirma:

[...] um olhar mais atento aos novos clássicos revela que eles não tiveram
muito sucesso em seguir o multiculturalismo. A fraqueza do
multiculturalismo da Disney reside na adoção de heróis e heroínas étnicos
americanizados. No clássico Mulan, Li Shang, protagonista do filme, assim
como Mulan falam com sotaque americano perfeito. Os dois protagonistas
de Mulan parecem sino-americanos e não puramente chineses. Em Aladdin,
clássico inspirado em "As mil e uma noites", o herói árabe “parece e soa
como um americano de cara nova”. Jasmine, a heroína do último filme, tem
um tom de pele mais claro do que as outras mulheres do filme. Pocahontas,
a princesa nativa americana, exibe um conhecimento perfeito da língua
inglesa, e ela a domina bem. Americanizar os protagonistas pretende
impulsionar as pessoas que compartilham as mesmas etnias que eles a se
assimilar à cultura americana, o que vai contra os princípios do
multiculturalismo. Ver os heróicos protagonistas se parecerem com os
americanos visa espalhar os valores e o estilo de vida americanos e sugere
que os outros - personagens minoritários - são inferiores.

E assim , padrões de gênero, estereótipos raciais e imprecisões históricas são mensagens


transmitidas por meio da cultura visual popular, que não são tão difíceis de reconhecer ou
descobrir quando olhamos para gigantes da mídia como a Disney com um olhar crítico.
Então, por que é tão difícil permitir que esse olhar crítico tenha um lugar na educação
artística? A Disney é apenas um exemplo, mas poderoso, do tipo de imagens duradouras e
poder persuasivo que uma forma de cultura visual popular pode exercer. Como cita
McMaster, “É nosso trabalho (como educadores) continuar levantando questões,
responsabilizar produtores culturais visuais como a Disney, e não suspender 'nosso
julgamento crítico' de filmes infantis ou outras formas de mídia visual.”

Referências:

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MASCULINIDADES, ENSINO DE ARTE E PEDAGOGIAS DISNEY, 2018.

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