Você está na página 1de 4

32 Linguagens audiovisuais e cidadania

LINGUAGENS AUDIOVISUAIS
E CIDADANIA
Abandonar preconceitos e procurar compreender as formas de
expressão audiovisual é um exercício de cidadania necessário na escola

A principal fonte de informação na so- grandes progressos já conseguidos, hCi ainda


ciedade contemporânea é a televisão. É, algumas inquietações que merecem uma re-
portanto, através da linguagem audiovisual flexão.
que vem se formando a visão de mundo das E impossivel pensarmos em formar
novas gerações. Mais do que isso ainda, o um cidadão sem cuidar de construir uma
hábito de receber comunicação através da visão historica pela qual ele possa avaliar a
TV está reorganizando a forma de expressão herança cultural que lhe molda o pensamen-
das crianças e dos jovens. Frases curtas, to e a ação.
elipses, não linearidade na expressão do No caso das relações da educação com
pensamento são algumas articulações ex- as linguagens audiovisuais no Brasil, essa
pressivas que as novas gerações vêm exerci- visão encontra-se desarticulada pela falta de
tando, produzindo perplexidade e incom- informação histórica. A grande maioria dos
preensáo por parte de pais e professores. professores desconhece, por exemplo, que a
É preciso entender que as novas ger- histliria do cinema educativo começa, entre
ações refletem os modelos culturais do seu nos, na década de 20r.
tempo nas formas de expressão que adotam. No momento de encarar o trabalho
Do mesmo modo, a distância que se esta- com vídeo na sala de aula, no entanto, esse
belece no diálogo entre as gerações é tnm- professor toma-se vítima de 'uma série de
bem determinada pela carga cultural medos e preconceitos historicamente sedi-
traduzida pelos adultos. mentados na prática pedagógica.
A escola e os professores vêm procu- Assim, veja se estas frases não lhe são
rando reduzir essas dificuldades trazendo familiares:
para as salas de aula a discuss~ode vídeos, - prof~xsor que passo jilrninho gosta de
filmes e programas de TV. Apesar dos matar aulus!
- filminho rleixa os ali~nnsrnuitu indi.l-ri-
A AUTORA
I
plinados!
- eu níio enrendo nada de cinema, nclo me
kfanlia Fra
"-c r arrisco a passnrfiImir117o!
Piuicsbura w u i u i a uu Denartamcnto de Cinema,
R Adia e Te44 Escola de 4 ;fies e
- osfilmes educnrivn.~são muito chatos!
A.rks da US mdsfranc@ Esse espiri to negativo foi laboriosa-
mente construído a partir de inúmeros pro-
uma abordagem hisfiir~ç;~Crimunicaqão R: 1Sãuraqão. S á ~ i
1. Siibre o ahhunto: MORETTIN, Eduardo. Cinenrci t-(l~tc(~lljil'o:
kiulo: CCA-ECA-USPIMixIema. n.4. çet.Ide7. 1495. p. 13- 19.
Comunicação & Educação, São Paulo, (91: 32 a 35, maio/ago. 1 997 33

jetos mal realizados de utilização das lin- superficiais trata-os como apoios pedagógi-
guagens audiovisuais na educação. Quem cos ao professor, sem desenvolver, de forma
quiser desenvolver, hoje, uma atividade pro- mais detalhada, as possíveis mudanças
dutiva e bem-sucedida com vídeos em sala qualitativas que tais recursos podem trazer h
de aula, precisa buscar resposta a essa deter- prática da construção do conhecimento.
minação histórica não só entre os colegas Vem ainda da década de TO uma
resistentes, mas também no fundo de si tendência, que resultou num temor com-
mesmo, pois com certeza ainda restam algu- preensível entre professores, de que a tec-
mas dessas dúvidas no coraçáo de cada nologia pudesse reduzir ou mesmo subszi-
professor. tuir o docente como transmissor principal
6 preciso reconhecer que as difiçul- do conhecimento aos alunos.
dades são genuinas e historicamente Herdeira mais direta de um pensamen-
constniídas, nilo cabendo espaço para senti- to educacional que, na década de 20, orien-
mentos individuais de incapacidade ou tou, no mundo todo, a criação das chamadas
culpa. "Cinemazografias Educativas", desen-
Para o professor poder formar sua volveu-se, na década de 80, a chamada
cidadania audiovisrial docente 6 preciso Leitura Critica dos Meios.
discutir os medos e preconceitos, reco- Nos anos 20 as instituições educa-
nhecer suas competências enquanto espec- cionais, religiosas e familiares promoveram
tador/telespectador e pAr em foco essa pes- o que chamo de julgamento moral do cine-
soa social que gosta de TV e de cinema e o ma comercial, do cinema de lazer que se
profissional-professor que pode levar essa produzia e que seduzia definitivamente
competência para a sala de aula como apoio grandes massas da população, principat-
h atividade didática. mente crianças e jovens. O julgamento re-
Somente reconhecendo os vícios de sultou numa condenação. ao mesmo tempo
origem e respondendo com sinceridade em que consagrava o reconhecimento de
àquelas frases acima relembradas, será pos- que, realmente, o cinema era capaz de flazer
sível reverter o peso das experiências a mbeça do publico.
frustradas. A produção de um cinema educativa
passou, então, n ser desenvolvida em todo o
mundo. Desde as versões mais genéricas -
CIDADANIA E PRÁTIÇA como filmes de lazer produzidos especial-
PEDAGQGICA mente para crianças e jovens dentro de
padrões aceitáveis pelas instituições - até
Linhas de pensamento diferentes po- filmes didáticos realizados dentro de rígidas
dem ser identificadas na abordagem das re- normas pedagógico-cinematográficas.
lações das linguagens audiovisuais com a Não vou ser radical dizendo que tudo
educação no Brasil. isso era muito chato, mas devo reconhecer
A Tecnologia Educacional, desen- que esse foi o terreno fertil onde cresceu o
volvida principalmente durante a década de preconceito de que falei acima.
70, nomeia hoje como recursos audiovi- Ainda que sem a radicalização da pos-
suais: cinema. video, TV. slides sonoriza- tura antiga, a Leitura Crítica dos Meios
dos. multimídia. Nas suas abordagens mais não tem ido muito além dos limites de uma
Linguagens audiovisuais e cidadania

anilise de conteúdo das emissões audiovi- gatar a alegria do contato humano entre pro-
suais em geral, deixando sempre no ar a in- fessores e alunos. E gostoso desvendar jun-
c6moda dúvida de se a TV, o cinema e o tos o sentido dos vídeos. Os profes~oresque
video não são um mal necessário para o já definiram essa metodologia sabem com
mundo contemporineo. que renovado interesse são saboreados al-
guns conteúdos antes apenas tolerados co-
Não podemos nos esquecer, no en- mo ineviiiiveis.
tanto, de que, enquanto a educação se de- Mas a verdadeira lição de cidadania
bate nesses terrenos, os meios audiovi- que a exploração renovada do audiovisual
suais continuam sendo consumidos larga- pode trazer aos estudantes é a partir da com-
mente pelas pessoas, pniporcionanda um preensão dos aspectos mais relevantes dessa
derrame de informação que, mesmo sem linguagem: o desenvolvimento da leitura
tratamento pedagógico, transforma-se das formas de expressão audiovisual.
em fermaçáo. O aspecto mais importante para iniciar
esse procesqo de leitura é o entendimento de
Modos de ver o mundo, de sentir. de atuar que cada peça audiovisual expressa "um
s2o orientados pela rnídia e aceitos como ponto de vista" - o do autor. Esse ponto de
modelos. E a contemporaneidade se cons- vista deve confrontar-se com aquele do
tr6i não pejo passe de rnAgica da tecnologia, leitor/espectador. A compreensão mais pm-
mas pela sedução da linguagem carregada funda do sentido da comunicação se dará
pelas tecnologias diversas, 5s quais o públi- exatamente na mescla, no confronto entre
co é indiferente. Tanto faz ver Rambo no essas opiniões. Os par,?metros de verdade e
cinema, na TV ou no vídeo. O bom é ver mentira d5o lugar a uma vis50 mais ampla.
Rambo, de preferéncia várias vezes, nos três orientada por matrizes culturais, históricas,
suportes. científicas, populares.
Esse exercicio se fará naturalmente, na
medida em que a mesma peça audiovisual
CIDADANIA: UM PRESENTE pode e deve ser usada por vários profes-
PARA O FUTURO sores, que farão dela suas interpretações es-
pecializada~a partir de sua área de conheci-
O bom é ver, espectar. E definitiva- mento e da sua bagagem cultural e pessoal.
mente o prazer de verlouvir a grande mági- Também a bagagem pessoal e cultural
ca sedutora das linguagens audiovisuais. do aluno precisa ser explorada nos debates
Por isso mesmo tão persuasiva e pedagági- que se promovem a partir das motivações
ca. Não creio que tenha mais nenhuma audiovisuais. O conhecimento já não é mais
eficicia tentar negar ou minimizar esse fes- o do professor, repetido pelo aluno, mas sim
tival dioniçíaco. Um século de cinema plas- toma-se algo a ser adquirido e manipulado
mou esse hábito psicossocial de buscar ale- no jogo do raciocínio, da criação de re-
gria no jogo de verlouvir. A TV invadiu com lações de saberes vários, no desenvolvimen-
esse prazer os espaços pessoais da casa e o to da competência de interpretar as fontes
vídeo resgatou o rever, o (rejsentir. de informação reconhecendo, antes dos
A escola precisa encontrar, na parceria contetidos, as linguagens próprias de cada
com o prazer audiovisual, a forma de res- mídia.
ComunicaçAo & Educação, Sào Paulo, (91:3 2 a 35,maio/aqo. 1 997 35

A cidadania é o exercicio de adaptação cisamos deixar para as crianças e jovens.


entre ou dese+jose deveres do eu-pessoal e Compreendendo, antes de mais nada, as
do eu-social. Na formação do cidadão para diferenças, sobretudo de expressão. que j5
viver no mundo contradithrio que o progres- marcam a convivência entre geraqões.
so vem construindo n i o cabem mais di- A turma de hoje não é incompetente
taduras de pontos de vista. Lidar com as para escrever. Seus modelos de comuni-
pluralidades é o grande desafio que se apre- cação são diferentes. Melhores, piores? Im-
senta ;io homem d o futuro. possivet definir sem reconhecer as dife-
Desenvolver a capacidade de leituras renças. Quem sabe a leitura conjunta das
plurais das informações com que as midias linguagens audiovisuais, entre professores e
nos bombardeiam diariamente, torna-se um alunos, não ajude a recuperar o respeito mu-
exercício virtual de cidadania para a vida fu- tuo dessas gerações. construindo as bases
tura. Aprender a respeitar e a conviver com para um crescimento comum sem o peso ali-
as diferenças é um grande legado que pre- toritirio das "verdades".

Resumo: A linguagem audiovisual do cinema Abstract The audio-visual language of, cin-
e da televisao tem formado a visao de mundo ema and television has formed lhe new gen-
das novas gerações. Daí a necessidade de se erations'view of the world. Hence it is irnport-
abandonar os preconceitos e trabalhar com ant to abandon prejudices and to deal with it
elas no espaço pedagiigico da escola. Esse B within the pedagogical space of school. This
um exercicio de cidadania que se impóe, pos- exercise of citizenship is absolutely necessary
sibilitando que professores e estudantes de- in order to enable teachers and students t o
senvolvam a compreensáo das formas de ex- develop a comprehension of the different
pressão audfovisual e o respeito as dife- formç of audio-visual expression.
renças.
Key-words: audio-visual, citizenship, educa-
Palavras-chave: audiovisual, cidadania, edu- tion, cinema
caçao, cinema

Você também pode gostar