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Dicionário de trabalho e tecnologia

Article in Trabalho Educação e Saúde · August 2014


DOI: 10.1590/S1981-77462014000200014

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Raphael Jonathas da Costa Lima


Universidade Federal Fluminense
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RESENHAS REVIEWS 457

Dicionário de trabalho e tecnologia . Antonio jugação entre (novos) processos de trabalho e


David Cattani e Lorena Holzmann (Org.), Porto formas inovadoras de tecnologia decorre, o mais
Alegre, Zouk, 2011, 494 p. das vezes, a precarização que de alguma forma
atinge os indivíduos em seu espaço profissio-
Raphael Jonathas da Costa Lima nal com reflexos sentidos nas demais esferas do
Universidade Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro seu cotidiano, notadamente na familiar.
<raphaeljonathas@gmail.com> A constatação acima apontada, afinal, con-
diz com a argumentação (trivial, é verdade, mas
Organizado por Antonio David Cattani e Lorena fundamental) segundo a qual a precarização foi
Holzmann, o Dicionário de trabalho e tecnologia, o efeito negativo mais percebido e discutido pe-
publicado em 2011, já em sua segunda edição, las análises que margearam o panorama que en-
tem como propósito capturar e reunir inúme- volveu as modificações no mundo do trabalho,
ros aspectos que vêm configurando o mundo do sobretudo, no último quarto do século XX, po-
trabalho e orientando um conjunto de mudan- tencializadas por avanços produtivos e organi-
ças cuja maior profusão passou a ser verificada zacionais configurados, dentre outras formas,
na fase que se estende das últimas décadas do pela constituição de clusters e distritos indus-
século XX ao início de século XXI. Obra de triais espalhados por Europa, Estados Unidos e,
caráter coletivo e multidisciplinar, o dicionário finalmente, Brasil. Isso porque, historicamente,
contou com a contribuição de 62 especialistas a implantação (e manipulação) de práticas ino-
de diferentes áreas, os quais se desdobraram vadoras de organização da produção industrial
na composição de 107 verbetes dedicados a su- tem sido associada à intensificação do controle,
marizar aspectos referentes à implementação da vigilância e da exploração do trabalho, suce-
da tecnologia ao trabalho. Trata-se da evolução didos estes pelo enfraquecimento da ação sin-
editorial de uma obra originalmente publicada dical, fenômeno por sua vez acompanhado da
em 1997 com apenas cinquenta verbetes e sob o sistemática ameaça aos direitos e às conquistas
título Trabalho e tecnologia: dicionário crítico, dos trabalhadores, preocupações frequentemente
renomeada em 2002 para Dicionário crítico de presentes nesse debate.
trabalho e tecnologia e, finalmente, em 2006, Inovações emblemáticas, como a introdução
quando ganhou o título atual, reunindo 96 ver- por Henry Ford da linha de montagem movida
betes e incorporando outros autores. a volante magnético, em sua fábrica de High-
Conforme a caracterização feita na apresen- land Park, Michigan, nos Estados Unidos, em
tação, os organizadores do dicionário têm como 1913 – entendida como um avanço sem prece-
finalidade principal oferecer uma obra capaz dentes na indústria automobilística, a despeito
de dimensionar as grandes transformações no de ter se apropriado de princípios mecânicos já
mundo do trabalho (resultantes de inovações conhecidos – tornaram-se emblemáticas pelo que
tecnológicas, gerenciais e institucionais), o au- passaram a significar em termos de ordena-
mento do não trabalho/desemprego e seus efeitos mento social, organização e controle das forças
danosos, segundo eles preocupações já bastante sociais do trabalho pelo empreendimento capi-
disseminadas entre acadêmicos, trabalhadores talista em expansão (Beynon, 1995). Nessa época,
e suas organizações. Nesse sentido é que pro- origina-se o conjunto de processos reunidos sob
curam apresentar um panorama o mais com- o nome de fordismo, praticamente consensuais
pleto possível acerca de conceitos específicos nas práticas empresariais subsequentes, até a
unificados sob a alça das macrocategorias tra- sua crise, nos anos 1970. O dicionário contempla
balho e tecnologia. Outrossim, em sua quase o fordismo com uma caracterização extrema-
totalidade, o dicionário oferece ao leitor um ma- mente fiel ao que de fato veio a representar para
terial com extrema coesão, podendo-se mesmo a indústria: uma inovação simultânea no chão
perceber uma enorme uniformidade nos argu- de fábrica e nas dimensões macroeconômicas e
mentos e também nas avaliações feitas pelos institucionais. Em consonância com um conjunto
autores acerca dos efeitos identificados nos de práticas (racionalização, separação entre
processos tratados por cada verbete. Ponto que concepção e execução do trabalho e a indivi-
pesa a favor do dicionário. Em outros termos, dualização na prescrição e execução de tare-
prevalece o argumento segundo o qual da con- fas) reunidas sob a nomenclatura de taylorismo

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(concebidas por Frederick Taylor), o fordismo vam pela incorporação dessas inovações geren-
avançou em sua finalidade de estabelecer um no- ciais, organizacionais e tecnológicas inaugura-
vo princípio de disciplinamento fabril e um das ano após ano.
novo mecanismo de extração de mais-valor via Vale ressaltar que, logo na apresentação, os
intensificação do trabalho. organizadores da obra destacam a centralidade
O aparato de procedimentos técnico-geren- da inovação tecnológica ao recordarem ser ela
ciais aglutinados a partir da combinação fordis- uma componente inquestionável do trabalho,
mo-taylorismo aparece de forma bem sistemati- uma vez que “produz artefatos e processos que,
zada no dicionário, assim como processos como cada vez mais, passam a mediar o liame entre o
o toyotismo, o just in time e o kanban, os quais homem e a natureza” (p. 12), não se entendendo
constituem a fase posterior de desenvolvimen- essa relação exatamente como saudável, pois
to das forças produtivas do capitalismo. Essa implica um progressivo sufocamento das forças
etapa está mais relacionada à segunda metade sociais do trabalho. De fato, é inquestionável que,
do século XX, quando se instaura um regime de no decorrer do seu desenvolvimento histórico,
acumulação (flexível) caracterizado pelo fim do o capitalismo vem procurando beneficiar o pro-
compromisso fordista e composto pelo amplo cesso de trabalho (e não o trabalhador), alme-
quadro de reestruturação produtiva que in- jando alcançar um maior grau de eficiência e de
cluiu, além de alterações tecnológicas e na or- produtividade, sobretudo em detrimento do
ganização do trabalho, a reorganização de fir- poder das organizações trabalhistas.
mas, o estabelecimento do fluxo financeiro em Portanto, cabe aqui superar a perspectiva
rede e o deslocamento regional incessante de histórica de enxergar unicamente a ruptura
empresas, confirmando assim o princípio bási- entre o par ciência/tecnologia e o conjunto de
co do capitalismo de buscar novos espaços para forças sociais e econômicas do qual faz parte.
reinvestir seu capital excedente e reequilibrar Esse entendimento de renovação na relação en-
sua taxa de lucros (Harvey, 2005). tre tecnologia e sociedade se manifesta no tra-
O dicionário também caracteriza aqueles tamento conferido pelos autores às sociologias
instrumentos concebidos como estratégias de da ciência, da tecnologia e, naturalmente, do
resistência frente ao avanço avassalador das trabalho, convergindo com a afirmação de Bra-
mudanças tecnológicas dentro das empresas. O verman (1987) de não se instituir um cenário
verbete ‘ação sindical em face da automação’ de hostilidade à ciência e, por consequência, à
mostra como o aperfeiçoamento técnico da pro- tecnologia. Deve-se apenas questionar os seus
dução visa fragilizar os trabalhadores, seja pelo empregos como instrumentos de criação, per-
seu ajuste ao princípio da polivalência, seja petuação e aprofundamento do fosso que separa
pela prática da redução de postos de trabalho. classes sociais. Implica afirmar que a tecnologia
Em contrapartida, a ‘ação sindical em face da não pode ser acusada de produzir relações so-
automação’ e a ‘greve’ se colocam como os dis- ciais, em geral conflituosas e de subordinação,
positivos capazes de promover modificações porque em sua essência ela é o resultado e não
nas relações de produção e, sobretudo, na es- a causa dessas relações representadas pelo capi-
trutura de poder, usando a rigor os sindicatos tal e que favorecem o processo de acumulação
como a forma institucional mais expressiva de no seio da engrenagem capitalista. Pois bem,
ação coletiva com essa finalidade. E a processos como ciência e tecnologia estão intimamente
particularmente problemáticos e polêmicos, como ligadas, o dicionário não poderia desconsiderar
‘degradação do trabalho’ e ‘divisão sexual do este fato e, como resultado, confere certa rele-
trabalho’, somam-se outros fenômenos, como vância a processos tais como ‘inovação’, ‘bio-
‘informalidade’, ‘tecnociência’, ‘teletrabalho’, poder’ e ‘nanotecnologia’, enfatizando ainda a
‘autogestão’ e ‘economia solidária’, que ajudariam relação entre ‘tecnociência e trabalho’, ‘tecno-
a reduzir o fosso de poder que historicamente logia e desenvolvimento’, de forma a evitar o
vem separando empresários e trabalhadores no determinismo tecnológico que caracteriza, em
seio da economia capitalista. Essas novas formu- especial, a sociologia (do trabalho). Não obs-
lações conferem um caráter mais diversificado tante, ao lançar luz sobre a tecnologia e sua re-
ao dicionário ao passo que são fortes provas de lação com processos científicos e inovadores, o
que os estudos sobre trabalho sempre se reno- dicionário não abdica de assinalar os fenômenos

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Reviews 459

que, quase obrigatoriamente, surgem imbrica- Referências


dos a essa dinâmica, a exemplo daqueles rela-
cionados à saúde do trabalhador (‘ergonomia’, BEYNON, Huw. Trabalhando para a Ford: trabalha-
‘ergologia’, ‘lesões por esforços repetitivos’ e dores e sindicalistas na indústria automobilística.
‘qualidade de vida no trabalho’). 2. ed. Paz e Terra: São Paulo, 1995.
Cabe aqui suscitar que, possivelmente, o
único porém desse dicionário com cerca de 470 BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital monopo-
páginas é o fato de, em hipótese alguma, se tra- lista: a degradação do trabalho no século XX. 3. ed.
tar de uma obra orientada a iniciantes no assunto. LTC Editora: Rio de Janeiro, 1987.
Por outro lado, revela-se uma preciosíssima fonte
de consulta para pesquisadores com relativa ex- HARVEY. David. A produção capitalista do espaço.
periência e algum aprofundamento nos diversos 2. ed. Editora Annablume: São Paulo, 2005.
debates colocados, o que justifica a aparente
falta de didatismo que o material deixa trans-
parecer em diversos momentos. Essa dificul-
dade é ligeiramente amenizada através da inclu-
são, ao final do manuscrito, de um índice por
assuntos e verbetes, ferramenta extremamente
Democracia, federalismo e centralização no
útil à medida que permite fazer correlações en-
Brasil. Marta Arretche. Rio de Janeiro, Editora
tre os tópicos elencados e, comparativamente,
FGV/Editora Fiocruz, 2012, 232 p.
atestar a maior ou menor ocorrência de cada um
no seio do debate.
Francisco José da Silveira Lobo Neto
Não obstante tal constatação, esse dicioná- Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação
rio temático, indiscutivelmente, é uma obra de Oswaldo Cruz, Manguinhos, Rio de Janeiro, Brasil.
grande utilidade para os estudiosos e interessa- <lobo@fiocruz.br>
dos no tema e, desde já, ocupa a condição de
item de consulta obrigatória em língua portu- O livro de Marta Arretche trata da democracia,
guesa. Ele permite não só compreender de for- do federalismo e da centralização. Temas funda-
ma sistematizada o percurso da degradação do mentais na sociedade radicada neste país con-
trabalho no século XX como identificar os mais tinental que, desde 15 de novembro de 1889 se
significativos instrumentos elaborados para mi- constituiu, pelo decreto n. 1 do Governo Provi-
tigar seus efeitos. Igualmente, conforme salien- sório, como Federação.
tam Cattani e Holzmann na apresentação a esta A autora, ao trabalhar seu objeto, prioriza o
edição, almeja-se aqui oferecer uma obra capaz aprofundamento da ordem constitucional atual,
de transpor o caráter tradicionalista dos dicio- no qual revela sua trajetória de cientista social
nários, satisfeitos apenas em disponibilizar ao e cientista política, recorrendo às referências
leitor a gênese e o desenvolvimento histórico de que lhe oferecem a História e o Direito, na elu-
conceitos. Conforme entendem, o que orientou cidação dos fatos e na construção de sua análise
a publicação foi a possibilidade de subsidiar o interpretativa.
seu público alvo com os instrumentos capazes Importante mencionar, desde já, o rigor meto-
de qualificar as investigações que porventura dológico da organização da obra composta de
estejam em curso. Nesse sentido, não se trata de cinco capítulos, cada um deles com sua especi-
um glossário repleto de definições desassociadas, ficidade e todos se integrando para conformar
mas de um preciso mapeamento a respeito das a unidade do livro, “apresentado originalmente
questões abordadas pelas mais renomadas pu- como tese de livre-docência defendida no De-
blicações e evidenciadas durante os principais partamento de Ciência Política na Universidade
eventos científicos nacionais e internacionais. de São Paulo” (p. 24), em 2007. A própria autora
nos diz, na Introdução, que “embora cada ca-
pítulo possa ser lido separadamente, o livro
tem uma unidade teórica e analítica” (p. 13), no
“objetivo de examinar ‘se’ e ‘como’ Estados fede-
rativos produzem efeitos centrífugos sobre a

Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 12 n. 2, p. 457-462, maio/ago. 2014

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