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HOMILÉTICA

Guia de Estudos

Facilitador: Valdinei Aparecido Ferreira

1a Edição
Potyguara – São Paulo – 2017
PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA GERAL DA IPIB:
Áureo Rodrigues de Oliveira

PRESIDENTE DA FECP:
Heitor Pires Barbosa Junior

MINISTRO DE EDUCAÇÃO DA IPIB:


Marcos Nunes da Silva

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO TEOLÓGICA:


Clayton Leal da Silva

DIRETOR DA EAD-FECP:
Reginaldo von Zuben

AUTOR:
Valdinei Aparecido Ferreira

CAPA E PROJETO GRÁFICO:


Camyla Barreto e Daniel Vega

DIAGRAMAÇÃO:
Ana Paula Pires

ILUSTRAÇÕES:
FOTOLIA

REVISÃO:
Dorothy Maia

EDIÇÃO:
Reginaldo von Zuben e César Marques Lopes

Reservados todos os direitos desta edição. É proibida a reprodução total ou


parcial dos textos e do projeto gráfico desta obra sem autorização expressa de
autores, organizadores e editores.
Apresentação

Estamos iniciando nova etapa na vida da nossa igreja em


termos de educação teológica. Não se trata apenas de incorpo-
rar uma nova ferramenta que está em evidência nas instituições
educacionais, mas sobretudo de cumprir de modo mais efetivo o
mandado da grande comissão dada por Jesus à igreja: “Ide, fazei
discípulos, batizando, ensinando...”. A igreja, portanto, tem essa
tarefa de ensinar e cuidar da formação dos seus membros, capaci-
tando-os para a missão.
Como igreja de tradição reformada, trazemos também esta
herança da ênfase e do cuidado no ensino, não apenas da sua
liderança, mas de seus membros como um todo. Entendemos
que a fé cristã, baseada na revelação que nos foi dada em Cris-
to e testemunhada nas Escrituras, não prescinde do esforço da
inteligibilidade. Como bem sinalizou Anselmo de Cantuária, um
grande teólogo medieval, “creio para entender” (credo ut intelli-
gam); por outro lado, a fé requer o entendimento (fides quae-
rens intellectum)!
Democratizar a possibilidade de uma formação teológica a
irmãos e irmãs que não têm a oportunidade de frequentar pre-
sencialmente uma faculdade representa, sem dúvida, grande
avanço e empenho na tarefa de cumprir a grande comissão, sen-
do fiel à nossa tradição reformada.
No anseio de que nossa igreja seja abençoada, mas também
meio de bênção, nossos votos de uma jornada proveitosa!

Rev. Áureo R. Oliveira


Presidente da Assembleia Geral da IPIB
FUNDAÇÃO EDUARDO CARLOS PEREIRA

É muito interessante o texto bíblico em que o apóstolo Pau-


lo, mesmo preso em Roma, pede para que Timóteo traga a sua
capa e os livros, principalmente pergaminhos, a fim de estudar
(2Timóteo 4.13). Até no final da sua vida e ministério, o apóstolo
dos gentios não deixa de se dedicar aos estudos e de se preparar
para conhecer e ensinar com zelo e presteza a Palavra do Senhor.
O Curso Livre de Teologia da Fundação Eduardo Carlos Pereira
(FECP) surge para abençoar muitos irmãos e irmãs com interesse
em, por meio do estudo da teologia, servir a Deus com mais zelo,
segurança e presteza. Nosso desejo é que, de fato, este Curso seja
meio pelo qual a ação poderosa de Deus se manifeste na vida de
todos os estudantes, irmãos e irmãs em Cristo. Com isto, a FECP
atende aos anseios da IPI do Brasil em garantir acesso ao curso de
Teologia não só aos candidatos e candidatas ao sagrado ministé-
rio, mas também a oficiais, liderança, membros e outros interessa-
dos, tanto da IPI do Brasil como de outras denominações cristãs.
Como cristãos, cremos que o Espírito Santo desperta, cha-
ma e capacita pessoas para atuarem nos diversos ministérios
da Igreja. Isto ocorre por causa da necessidade de edificação e
orientação do povo de Deus no mundo, bem como para o cum-
primento da missão de Deus em meio aos desafios do nosso
contexto. Deus faz a parte dele e nós temos a nossa. Temos
responsabilidades no que se refere à busca de excelência na
vida cristã, ao cumprimento da vontade de Deus em nossa vida
e à vitalidade da igreja no testemunho da graça e do amor divi-
nos. Diante destas responsabilidades, é fundamental o estudo
da Palavra de Deus, da história da igreja, da teologia cristã e das
ferramentas para o exercício pastoral e atuação como líderes
cristãos, tudo visando à boa preparação para desempenharmos
a privilegiada condição de servos e servas, sem deixarmos de
ser amigos e amigas do Senhor Jesus.
A exemplo do apóstolo dos gentios, sejamos dedicados nos
estudos e ricamente abençoados nesta caminhada de aprendi-
zagem e crescimento.

Deus abençoe a todos nós.


SUMÁRIO

MÓDULO 1:
Pensando a pregação e o pregador

1. A magia da fala em público ...........................................................09


2. O que é homilética? ........................................................................12
3. Sobre o pregador e a pregadora. ..................................................14

MÓDULO 2:
Aprendendo a construir um sermão

1. O processo de construção de um sermão ...................................31


2. Tipos de sermões ...........................................................................43
3. Exemplo ilustrativo .........................................................................48

MÓDULO 3:
Refletindo sobre a comunicação da pregação

1. O pregador e a pregadora no púlpito ..........................................59


2. O recolhimento necessário para concentração ..........................61
3. O momento da entrega da mensagem .......................................62
4. Exemplo ilustrativo .........................................................................66
MÓDULO 1
Tema: Pensando a pregação e o pregador
Homilética

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Olá caro estudante, seja bem-vindo à disciplina “Homilética”.


Neste primeiro módulo veremos o renascimento da arte
de falar em público. Se para a sociedade em geral Homilética
é uma redescoberta do encanto da palavra dirigida pelo ora-
dor aos seus ouvintes, no contexto da Igreja cristã esta é uma
disciplina de séculos.
Ainda neste módulo, nos ocuparemos da pessoa do prega-
dor ou da pregadora e do conteúdo de sua pregação. A pre-
gação possui semelhanças com as demais formas de fala em
público, mas tem também diferenças significativas.
Ao final deste módulo, você será capaz de: 1. Compreender a
importância da fala em público e a necessidade de se preparar
para esse tipo de exposição; 2. Valorizar a centralidade de Cristo
na sua mensagem e a importância das Escrituras como base
da pregação; 3. Olhar com cuidado para a vida de pregador ou
pregadora e observar as disciplinas que precisam ser cultivadas
para que haja êxito no ministério da pregação.

JJ 1. A MAGIA DA FALA EM PÚBLICO

A arte de falar em público se recusa a deixar o palco, apesar de


todas as críticas possíveis e das constantes mudanças no mundo
da comunicação. Essa nobre arte parece ultrapassada cada vez
que políticos medianos vociferam seus chavões das tribunas le-
gislativas ou cada vez que se usa o termo “sermão” para se referir
a uma bronca dada por alguém. Nesses contextos, as oratórias
religiosa e política parecem reminiscências de algo que teve algu-
ma importância no passado da humanidade, mas que parece ter
sido superada por novas formas de comunicação humana.
Em 2008, o jovem senador por Illinois, Barack Obama, es-
tava na corrida para ocupar a Casa Branca. Ele viajou para a

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Alemanha e reuniu 200 mil pessoas diante do Portão de Bran-


demburgo, enquanto outros cinco milhões assistiam a seu dis-
curso pela televisão.

PARA PENSAR:
O que há de tão fascinante na experiência de ouvir uma pessoa
que fala para uma multidão ou para algumas
dezenas de pessoas? Será verdade que depois
da escrita, da televisão e da internet ninguém
mais quer ouvir pessoas discursando?

Durante muitos anos o “Jornal Nacional”, da Rede Globo de


Televisão, apresentou um quadro em que o jornalista Arnaldo
Jabor fazia minidiscurso de pouco mais de um minuto e meio.
Sempre que o ouvia, eu me perguntava: se não houvesse mais
espaço para discursos, o “Jornal Nacional” não abriria espaço
para uma reflexão nesse formato. Talvez o maior impulso para
a retomada da arte de falar em público tenha vindo da internet.
TED Talks são palestras entre 10 e 20 minutos que se tornaram
atração mundial. As conferências TED contabilizam mais de um
bilhão de visualizações por ano (Anderson, 2016, p.12). O que são
as TED Talks? Um indivíduo diante de uma plateia utilizando voz,
gestos e expressões faciais para transmitir, por meio de suas pa-
lavras, ideias que podem inspirar aqueles que estão ouvindo.
Curiosidade para saber aquilo que o orador dirá e admiração
pela coragem de alguém que assume um lugar diante do públi-
co certamente estão entre as razões do fascínio permanente

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Homilética

da oratória. Olhar nos olhos daquele que fala, conectar-se com


suas emoções e acompanhar sua linha de raciocínio são expe-
riências propiciadas a quem presencia um discurso, seja ele re-
ligioso, político ou educacional. O texto escrito e a mensagem
visual proporcionam experiências comunicativas importantes
para os seres humanos, entretanto, a oratória oferece um tipo
de experiência comunicacional que continua sendo única. Os
maus oradores e os encantos da tecnologia não sepultaram, e
é de supor que não haverão de sepultar, a arte de falar de cora-
ção para coração.
Diagnósticos da situação das igrejas evangélicas no Brasil
e no mundo encaminham-se, via de regra, para a denúncia da
baixa qualidade das mensagens proclamadas dos púlpitos cris-
tãos. Entretanto, ao invés de gastar tempo e energia apontan-
do os numerosos problemas da pregação na atualidade, nosso
foco será oferecer oportunidade para desenvolvimento de suas
habilidades comunicacionais. Duas coisas são altamente posi-
tivas na atualidade: primeiro, as pessoas estão indo às igrejas
para ouvir o que falam os pregadores, ou seja, há algum interes-
se pela Palavra de Deus. Segundo, isto se dá num contexto cul-
tural mais amplo de renascimento da palavra falada. Logo, num
tempo e contexto como o nosso, os bons comunicadores são
bem-vindos e haverão de oferecer contribuições valiosas para
o fortalecimento do povo de Deus, bem como para a expansão
do Evangelho de Cristo.

PARA PENSAR: O RENASCIMENTO DA PALESTRA


Eu pretendo convencer você de uma coisa: por mais que sejam
importantes hoje, as aptidões para falar em público se torna-
rão fundamentais no futuro.
Por causa de nossa conectividade cada vez maior, uma das mais

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

antigas aptidões da humanidade vem sendo reinventada na era


moderna. Estou convencido de que, no futuro, mais ainda do
que hoje, aprender a apresentar ideias ao vivo a outras pessoas
será uma qualificação absolutamente essencial para:
• Qualquer criança que queira adquirir confiança.
• Qualquer um que, formado, queira iniciar uma carreira
séria.
• Qualquer um que deseje progredir na profissão.
• Qualquer um que se interesse por uma questão.
• Qualquer um que pretenda construir uma reputação.
• Qualquer um que aspire a conhecer outras pessoas ao
redor do mundo que compartilhem essa paixão.
• Qualquer um que se proponha a catalisar uma ação de
impacto.
• Qualquer um que deseje deixar um legado.
• Qualquer um, e ponto final.
(Anderson, 2016, p. 205)

JJ 2. O QUE É HOMILÉTICA?

É a disciplina teológica dedicada ao estudo e ao ensino da


pregação da Palavra de Deus no contexto da Igreja cristã. A Ho-
milética possui um lado bastante prático que se concentra nas
técnicas para elaboração e comunicação de um sermão, mas
também é tarefa sua a reflexão sobre a teologia que fundamen-
ta a pregação cristã. Portanto, seu objeto de estudo consiste em
como pregar, por que pregar, o que pregar e para quem pregar.
A amplitude de questões envolvidas no trabalho homiléti-
co faz perceber sua conexão com outras áreas do estudo teo-
lógico, como por exemplo as disciplinas bíblicas de Exegese e
Hermenêutica, as matérias ligadas à Teologia Sistemática e ao

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Homilética

pensamento cristão e as áreas de Ciências Humanas ligadas à


compreensão dos seres humanos em seu contexto e tempo, co-
nhecimento este objeto de História, Psicologia, Sociologia e An-
tropologia. Sem diminuir a importância das disciplinas citadas,
não é exagero afirmar que elas servem bem à atividade homilé-
tica. Pode-se dizer que quanto maior for o domínio do pregador
e da pregadora das disciplinas bíblicas, teológicas e das discipli-
nas de apoio das Ciências Humanas melhor será o seu trabalho
na elaboração de sermões. A técnica homilética será de pouca
utilidade ao pregador, se lhe faltar o conteúdo para a pregação.
A boa sintonia entre a Homilética e as demais disciplinas te-
ológicas será a responsável pela transição da mera técnica para
o estado da arte. A Homilética enquanto técnica pode ser re-
sumida à capacidade de ler um texto bíblico, interpretá-lo cor-
retamente e elaborar um esboço claro para comunicação aos
ouvintes da mensagem contida no texto. A transição da técnica
para a arte ocorre quando os elementos da técnica continuam
presentes, mas soma-se a eles a intertextualidade, o diálogo
com as demais disciplinas teológicas e com os outros ramos do
conhecimento humano, a leitura do contexto histórico e cultu-
ral bem como das necessidades dos ouvintes. Tudo isso tempe-
rado pela experiência de vida do pregador e da pregadora e sua
singularidade humana.
Assim, como não se forma uma pianista ou violinista em um
ano, tampouco se forma um pregador num espaço curto de
tempo. A técnica para execução das notas musicais se aprende
relativamente rápido, já a execução de uma partitura como arte
é um processo longo que requer muita dedicação. Falemos, a
seguir, um pouco da pessoa do pregador e da pregadora.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

CURIOSIDADE:
O termo “homilética” deriva do substantivo grego “homilia”,
que significa literalmente “associação”, “companhia”, e do verbo
“homileo”, que significa “falar”, “conversar”. O Novo Testamento
emprega o substantivo “homilia” em 1Coríntios 15.33 “[...] as
más conversações corrompem os bons costumes”.
O termo “homilética” surgiu durante o Iluminismo, entre os
séculos XVII e XVIII, quando as principais disciplinas teológicas
receberam nomes gregos, como, por exemplo, dogmática,
apologética e hermenêutica.
O termo “homilética” firmou-se e foi
mundialmente aceito para referir-se à
disciplina teológica que estuda a ciência,
a arte e a técnica de analisar, estruturar
e entregar a mensagem do Evangelho
(Reifler, 1999, p. 11).

JJ 3. SOBRE O PREGADOR E A PREGADORA

O pensador cristão existencialista Sören Kierkegaard escre-


veu o seguinte:

Muitas vezes ouvimos alguém desejar ter sido con-


temporâneo deste ou daquele grande homem,
deste ou daquele acontecimento, imaginando que
isto poderia torná-lo um grande personagem. Tal-
vez. Melhor seria desejar ser contemporâneo de si
mesmo (apud Muraro e Cintra, 2001, p. 107).

Sobre os ombros de pregadores e pregadoras pesam no-


mes de gigantes da pregação cristã, tais como: Agostinho, João

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Homilética

Crisóstomo, Martinho Lutero, João Calvino, Charles Spurgeon,


Billy Graham, dentre outros. Isto para ficar somente entre os
grandes nomes do passado. Kierkegaard vem em nosso socorro
ao lembrar-nos de que o grande desafio para cada pregador e
pregadora é “ser contemporâneo de si mesmo”. Cada pregador
ou pregadora é chamado por Deus para proclamar o evangelho à
sua geração. O que se diz a respeito de Davi pode-se aplicar a cada
pregador ou pregadora: “Porque, na verdade, tendo Davi servido
à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu,
foi para junto de seus pais e viu corrupção” (At 13.36).
Este é o chamado para ser contemporâneo de si mesmo. O
pregador ou a pregadora não pode viver no passado ou no fu-
turo. O lugar do pregador e da pregadora é o presente de sua
geração. Eles devem saber passear pelo passado e sondar o fu-
turo, mas seu compromisso é com a interpretação da vontade
de Deus para os seus contemporâneos. Os poucos nomes que
se elevam na história da pregação tornaram-se célebres porque
mergulharam nas questões de seu tempo e fizeram brilhar a luz
da Palavra entre seus irmãos.
O pastor e escritor Rick Warren conta que certa vez lhe per-
guntaram se ele era o sucessor do evangelista Billy Graham.
Prontamente ele respondeu que Billy Graham não tinha su-
cessores, pois era o pregador de uma era que havia passado.
É possível aprender muito com os gigantes da pregação, mas
imitá-los é um erro que deve ser evitado.

3.1. Pregação e Palavra de Deus


O conteúdo básico da pregação é proveniente da Pala-
vra de Deus. Um pregador cristão empenha seu esforço, sob a
direção do Espírito Santo, para compreender e explicar o signi-
ficado de um texto bíblico aos seus ouvintes. O conhecimento
e a familiaridade com as Escrituras são ponto de partida para
a pregação cristã. Sem a base das Escrituras o caminho para

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

heresias e tolices está aberto.


Recordo-me de que, quando era seminarista, tomei um ônibus
num domingo após o culto. Meu destino era a cidade de Lon-
drina. No trajeto, assentou-se ao meu lado um rapaz vestido
de terno e gravata e logo iniciamos uma conversa amistosa.
Quando soube que eu era seminarista, começou a me pergun-
tar sobre as disciplinas do curso teológico e, à medida que ia
relatando o conteúdo do curso, percebia o entusiasmo daque-
le rapaz aumentando. A certa altura, ele me interrompeu ex-
clamando: “Ah, meu irmão, como eu gostaria de estudar. Po-
rém, tenho pregado tanto que não tenho tempo sequer para
ler a Bíblia”. Fiquei triste e constrangido ao ouvir isso, pois ele
não estava falando de brincadeira. Infelizmente, muitos prega-
dores pregam a si mesmos, pregam usos e costumes de sua
igreja, pregam técnicas de pensamento positivo etc. O com-
promisso do pregador ou da pregadora cristã reformada é
com a exposição fiel do conteúdo da Palavra de Deus. Vejamos
alguns textos bíblicos:

“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como


obreiro que não tem de que se envergonhar, que
maneja bem a palavra da verdade” (2Tm 2.15).

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para


nos ensinar o que é verdadeiro e para nos fazer
perceber o que não está em ordem em nossa vida.
Ela nos corrige quando erramos e nos ensina a fa-
zer o que é certo. Deus a usa para preparar e capa-
citar seu povo para toda boa obra” (2Tm 3. 16-17).

“Acima de tudo, saibam que nenhuma profecia nas


Escrituras surgiu do entendimento do próprio pro-
feta, nem de iniciativa humana. Esses homens fo-
ram impulsionados pelo Espírito Santo e falaram da
parte de Deus” (2Pe 1.20-21).

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Homilética

A centralidade, a autoridade e a utilidade das Escrituras na


pregação estão expressamente declaradas nos textos citados.
A Confissão de Fé de Westminster (Cap. I, Art. VI) resume da
seguinte forma a razão pela qual devemos fidelidade à Palavra
de Deus na pregação:

Todo o conselho de Deus concernente a todas as


coisas necessárias para a glória dele e para a sal-
vação, fé e vida do homem, ou é expressamente
declarado na Escritura ou pode ser lógica e clara-
mente deduzido dela.

PARA PENSAR: NENHUMA BÍBLIA


James Warren Jones nasceu numa família pobre, num povoado
rural em Lynn, Indiana, nos Estados Unidos. Desde cedo, revelou
sua vocação religiosa. Em 1953, fundou sua igreja em Indianá-
polis. Destacou-se como líder religioso ao criar um centro para
recuperação de dependentes químicos e ao defender a integra-
ção racial. O movimento pelos direitos civis demoraria ainda uma
década para surgir no cenário nacional norte-americano.
A igreja fundada pelo jovem pastor de Indiana cresceu tanto que
atraiu a atenção dos políticos. Contou, por exemplo,
com o apoio do vice-presidente dos Estados Uni-
dos, Walter Mondale. Quando a sua igreja deci-
diu adquirir 25 mil acres para um novo projeto,
a esposa do então presidente Jimmy Carter,
Rosalyn Carter, ofereceu-lhe carta de recomen-
dação. Na lista de doadores para o Templo do
Povo, assim era chamada a sua igreja, apareciam
alguns milionários da época.
No ano de 1978, o líder religioso James Warren Jones e sua igreja

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tornaram-se conhecidos mundialmente. A imprensa internacio-


nal, atônita, divulgava o maior suicídio coletivo da história, envol-
vendo 913 pessoas, sendo 275 crianças e 12 bebês. As pessoas, a
começar pelas crianças, beberam uma mistura de suco de frutas,
cianeto e analgésicos preparados pelo médico Lawrence Shact.
Aqueles que se recusaram a beber foram mortos a tiros. Os pou-
cos sobreviventes que conseguiram fugir narraram os horrores
dos gritos e dos disparos. O fato ocorreu na Guiana e foi coman-
dado por James Warren Jones, mais conhecido como Jim Jones.
Perguntamo-nos: como um movimento religioso, nascido
dentro do universo evangélico, pôde tomar esse rumo? A res-
posta encontra-se na observação registrada por um dos guar-
das que vistoriou o acampamento após a tragédia. Esse policial
observou que não havia nenhuma Bíblia na fazenda de Jim Jo-
nes. Na observação despretensiosa daquele policial encontra-
mos uma chave importante para a explicação da tragédia: re-
mova-se a Bíblia do centro da vida religiosa e a religião estará
livre para descer aos abismos da perversão; remova-se a Bíblia
do centro da vida religiosa e as pessoas estarão suscetíveis à
manipulação dos “inspirados” de plantão. Por isso, o apóstolo
Paulo, com veemência, proclamava: “Mas, ainda que nós ou
mesmo um anjo vindo do céu vos pregue um evangelho que vá
além do que vos temos pregado, que seja maldito” (Gl 1.8).
Valdinei Aparecido Ferreira

3.2. Pregação e centralidade de Cristo


A pregação cristã difere do monoteísmo judaico, com o qual
compartilha o Antigo Testamento, pela centralidade de Cristo na
leitura e na interpretação das Escrituras. Sem a chave hermenêu-
tica do Cristo, doador da salvação pela graça, corre-se o risco
de leituras moralistas ou extravagantes da Bíblia. O princípio

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Homilética

de leitura da Bíblia tendo Cristo como centro foi ilustrado pelo


próprio Jesus, após a sua ressurreição, na sua conversa (homilia)
com dois discípulos no caminho para Emaús. Veja a seguir:

Então Jesus lhes disse: “Como vocês são tolos! Como


custam a entender o que os profetas registraram nas
Escrituras! Não percebem que era necessário que o
Cristo sofresse essas coisas antes de entrar em sua
glória?”. Então Jesus os conduziu por todos os escri-
tos de Moisés e dos profetas, explicando o que as
Escrituras diziam a respeito dele (Lc 24.25-27).

A pregação apostólica manteve a fidelidade da centralidade


de Cristo na exposição das Escrituras. No dia do Pentecostes, o
apóstolo Pedro recorreu ao profeta Joel e ao livro dos Salmos
para argumentar que aquilo que neles estava registrado havia
se realizado na pessoa de Jesus. Leia com calma e atenção o
capítulo 2 do livro de Atos dos Apóstolos. Para efeito de nossa
argumentação, citarei apenas a parte referente à leitura cristo-
cêntrica feita por Pedro dos Salmos de Davi. Veja:

Irmãos, permitam-me dizer com toda convicção


que o patriarca Davi não estava se referindo a si
mesmo, pois ele morreu e foi sepultado, e seu tú-
mulo ainda está aqui, entre nós. Mas ele era profe-
ta e sabia que Deus havia prometido sob juramento
que um de seus descendentes se sentaria em seu
trono. Davi estava olhando para o futuro e falando
da ressurreição do Cristo, que não foi deixado en-
tre os mortos nem seu corpo apodreceu no túmulo.
Foi esse Jesus que Deus ressuscitou, e todos nós so-
mos testemunhas disso (At 2.29-32).

A leitura que o apóstolo Paulo faz do Antigo Testamento

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

centraliza-se na pessoa e na obra de Cristo. Por exemplo, ao falar


da lei mosaica, afirma com toda clareza que ela se realiza na pes-
soa de Cristo: “Pois Cristo é o propósito para o qual a lei foi dada.
Como resultado, todo o que nele crê é declarado justo” (Rm 10.4).
Um cuidado que se deve ter com a leitura cristológica da Bí-
blia é a interpretação alegórica. Embora muitos pais da Igreja
tenham feito esse tipo de leitura, a exegese reformada tem sido
sempre muito cuidadosa em relação à arbitrariedade desse tipo
de interpretação. Por leitura cristológica nos referimos ao fato
de que as muitas histórias da Bíblia convergem para a história
de Cristo. O teólogo anglicano N.T. Wright explica isso da se-
guinte forma: “A Bíblia conta inúmeras histórias, mas apenas
uma história geral, uma única grande narrativa, que se oferece
como a verdadeira história do mundo” (Wright, 2015, p.142). O
pregador deverá ser capaz de explicar como as diferentes histó-
rias estão relacionadas com o grande enredo de criação, queda
e redenção. Um dos pregadores contemporâneos mais habili-
dosos nesse tipo de pregação cristológica é o pastor Timothy
Keller. Segue abaixo o modo claro como ele expõe o assunto:

Somente se pregarmos sempre Cristo poderemos


mostrar de que maneira a Bíblia toda faz sentido
[...]. E se você estiver pregando o texto em que José
resiste à tentação da esposa de Potifar, ou aquele
em que Josias está lendo perante a nação reunida a
Lei esquecida de Deus, ou o texto em que Davi bra-
vamente enfrenta Golias; e aí você extrai a lição para
a vida — fugir da tentação, amar a Escritura e con-
fiar em Deus no perigo —, mas encerra o sermão aí?
Nesse caso, você estará simplesmente reforçando
o modelo pessoal de salvação do coração humano.
Seu sermão será compreendido como um encora-
jamento aos ouvintes para que obtenham a bênção

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Homilética

de Deus através do viver correto. Se todas as vezes


você não associar o texto, de modo enfático e claro,
com a salvação em Cristo e se não mostrar como ele
nos salvou resistindo à tentação, cumprindo perfei-
tamente a Lei, tomando sobre si os gigantes finais
do pecado e da morte — tudo por nós, como nosso
substituto —, você estará apenas confirmando mo-
ralistas em seu moralismo. Somente quando enfati-
zarmos o evangelho, que somos pecadores amados
em Cristo — tão amados que não temos de nos de-
sesperar quando erramos, tão pecadores que não
temos direito algum de nos sentirmos orgulhosos
quando fazemos algo certo —, poderemos ajudar
nossos ouvintes a escapar de um mundo moralista
espiritualmente bipolar (Keller, 2017, edição Kindle).

DICA:
Recomendo para aprofundamento do modo como é possível
ler as Escrituras e pregar tendo Cristo como centro a leitura
de livro “Deuses Falsos” do mesmo Tim Keller. De
modo exemplar, o autor expõe as histórias
do Antigo Testamento, como por exemplo de
Jacó, Raquel e Lia, fazendo-as convergir para
o clímax cristológico.

3.3. Pregação e oração


A pregação deve ser precedida pela oração, feita em oração

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

e entregue aos ouvintes em oração. O alvo da pregação não é


apresentação de um conjunto de ideias a respeito de Deus e da
vida humana, mas a comunicação da Palavra vinda do trono da
graça. Só tem algo para dizer às pessoas o pregador ou a pre-
gadora que é assídua diante de Deus em oração. Muitos prega-
dores querem falar a respeito de Deus, mas se recusam a gas-
tar tempo em oração. Porém, só tem algo a dizer a respeito de
Deus para os seres humanos o pregador ou a pregadora que se
apresenta diariamente em oração diante dele. Veja como a rela-
ção entre Palavra e oração é apresentada pelo profeta Isaías: “O
Senhor Deus me deu língua de eruditos, para que eu saiba dizer
boa palavra ao cansado. Ele me desperta todas as manhãs, des-
perta-me o ouvido para que eu ouça como os eruditos” (Is 50.4).
Há erudição para a mente, mas quem busca uma Igreja cristã
está à procura da Palavra de erudição para a alma. O trabalho
de estudo e pesquisa do pregador ou da pregadora precisa ser
banhado na oração. No ministério da pregação nada de valor se
alcança sem oração.
A oração não é um dom concedido a alguns cristãos e ne-
gado a outros. A oração é um aprendizado e como qualquer
aprendizado requer que se exercite para que se consiga apren-
der. A oração como qualquer outro exercício precisa de regula-
ridade para que os benefícios adquiridos sejam conservados e
expandidos. Aquele que deseja aprender matemática precisará
fazer contas, ou se quiser aprender um novo idioma precisará
balbuciar as primeiras palavras e arriscar algumas frases mais
longas. Se quiser tocar piano, precisará exercitar-se ao piano.
Com a oração não é diferente; se você quiser aprender a orar,
se almeja familiaridade com a oração, precisará abrir seu cora-
ção e orar regularmente.
Uma lembrança importante: se a oração é algo que dever ser
aprendido, e para ser aprendido precisará prática do exercício,
significa também que haverá espaço para erro e para diferentes

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Homilética

experiências. O único erro que não se deve cometer em matéria


de oração é deixar de orar.

3.4. Pregação e frutos


A teologia reformada sustenta que a Igreja de Cristo é iden-
tificada pela pregação fiel da Palavra de Deus e pela adminis-
tração dos sacramentos. Espera-se que a pregação bíblica seja
usada pelo Espírito Santo para converter pecadores e para edi-
ficar as pessoas convertidas que são reunidas numa igreja. Um
ministério de pregação deve ser avaliado por estes dois frutos:
conversões e santificação.
Uma distinção importante foi estabelecida por Tim Keller
entre um mau e um bom sermão e a diferença entre um bom
sermão e um sermão excelente. Vejamos:

Concluí que a diferença entre um sermão ruim


e um bom sermão depende em grande medida
do pregador — dos seus dons e habilidades e
da preparação da mensagem. Entender o texto
bíblico, extrair dele um esboço e um tema claros,
elaborar um argumento convincente, enriquecê-
lo com ilustrações tocantes, metáforas e
exemplos práticos, analisando de forma incisiva
as motivações do coração e seus pressupostos
culturais e fazendo aplicações específicas à vida
real, todas essas coisas exigem um trabalho
demorado. Preparar um sermão como esse
exige horas de dedicação, e conseguir elaborá-
lo e apresentá-lo de forma hábil exige anos de
prática. Contudo, embora a diferença entre um
mau sermão e um bom sermão seja sobretudo
responsabilidade do pregador, a diferença entre
uma boa pregação e uma pregação excelente
depende principalmente da ação do Espírito
Santo no coração do ouvinte bem como no do
pregador (Keller, 2017, edição Kindle).

23
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Um pregador ou uma pregadora não deve se orientar pela


busca de sucesso ou fama, mas pela produção de frutos. Isto en-
volve a consciência clara do chamado para pregar a Palavra de
Deus e da nobreza de sua missão, todavia, envolve igualmente a
percepção de que, em última instância, os resultados pertencem
sempre a Deus. É isto que aprendemos com o apóstolo Paulo:
“Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem cres-
tes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei,
Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus” (1Co 3.5-6).
Não podemos deixar este tópico sobre os frutos sem mencio-
nar o que foi dito pelo maior de todos os pregadores, Jesus: “Eis
que o semeador saiu a semear. E, ao semear, uma parte caiu à
beira do caminho; foi pisada, e as aves do céu a comeram” (Lc 8.5).
Jesus ensina-nos com essa parábola que sua mensagem tem
o poder de mudar vidas, mas nem todas as vidas são transfor-
madas. Quando isso ocorre, devemos lembrar que o problema
não está na semente e sim no tipo de solo que recebe a semen-
te. Tratando-se de resposta à Palavra de Deus, o solo também
importa. A Palavra é semeada no coração, e a resposta do cora-
ção importa para que a Palavra produza uma nova vida.
O evangelho tem poder para mudar vidas, mas não mudará
aquelas que o recebem com arrogância e zombaria, não mudará
aquelas que o recebem de modo superficial, tampouco mudará
aquelas que o sufocam plantando coisas demais no coração –
preocupações com o futuro, com a riqueza e com os prazeres.
A missão do pregador é semear a boa semente e alertar cada
ouvinte para que examine que tipo de solo é o seu coração. A
Igreja não pode ser confundida com clube de entretenimento
religioso, cuja mensagem agradará a todos os ouvintes. Não
há atividade religiosa que dê jeito em solo ruim, em resposta
inadequada à graça de Deus. Não há atividade religiosa que
possa tornar o evangelho atrativo para o solo duro, não há
programa religioso que possa fazer fértil o solo ou que possa

24
Homilética

resolver o problema de uma vida sufocada pelos espinhos do


dinheiro e dos prazeres.
O Mestre terminou a parábola do semeador clamando aos
seus ouvintes: “quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” (Lc 8.8).
Diante do alerta, o pregador ou a pregadora deve ajudar cada
ouvinte a perguntar a si mesmo: “Que tipo de solo tem sido o
meu coração para a Palavra de Deus?”.

PARA PENSAR: IGREJA E PALAVRA NA CONFISSÃO DE FÉ


DE WESTMINSTER
Esta Igreja Católica tem sido ora mais, ora menos visível. As
igrejas particulares, que são membros dela, são mais ou menos
puras conforme neles é, com mais ou menos pure-
za, ensinado e abraçado o Evangelho, admi-
nistradas as ordenanças e celebrado o culto
público (Cap. XXV, Art. IV).

3.5. Pregação e humildade


O amplo tratado de homilética escrito por A.W. Blackwood
afirma que “pregação significa a verdade divina através da per-
sonalidade ou a verdade de Deus apresentada por uma per-
sonalidade escolhida, para ir ao encontro das necessidades
humanas” (1965, p. 15). Um dos traços mais marcantes da per-
sonalidade de um pregador é a humildade, e um dos sinais de
um coração humildade é a percepção das próprias fraquezas.
Abraão revelou-se medroso, Moisés não era um bom orador,
Gideão tinha péssima autoestima, Pedro era impulsivo, Paulo

25
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

era doente. Isto para ficar apenas com os mais conhecidos. Cla-
ramente pode-se afirmar que a Bíblia não foi escrita para polir a
biografia de nenhum de seus personagens.
No centro da narrativa bíblica está Deus. É ele quem escolhe
pessoas que são fracas. Na verdade, parece ter uma predileção
pelos fracos, pois a Escritura registra que: “Deus escolheu as
cousas fracas do mundo para envergonhar as fortes” (1Co 1.27).
A lembrança da persistência dessa estratégia divina – escolher
os fracos – ao longo de toda a Escritura é muito importante para
a nossa vida hoje. Quando pensamos em fazer qualquer traba-
lho no reino de Deus, executar qualquer atividade como cristão,
imediatamente vem à nossa mente a seguinte ideia: “Preciso ser
forte para que Deus abençoe o meu trabalho” ou ainda “preciso
ser forte para que Deus possa usar a minha vida”. Grande enga-
no! Deus pode sim usar nossos “pontos fortes” para o seu reino,
mas ele também gosta de usar as nossas fraquezas. Mas o que
é uma fraqueza? Uma fraqueza é qualquer coisa que você não
consegue alterar na sua vida. Pode ser a sua origem modesta,
a sua saúde frágil, alguma limitação intelectual ou emocional.
Uma fraqueza não é um pecado, é apenas um limite.
A cultura pop de nossos dias impressiona-se grandemente
com as embalagens. O guru da Apple, Steve Jobs, gastava na pre-
paração das embalagens o mesmo tempo e energia que investia
na construção dos produtos. Ele sabia o quanto os consumidores
valorizam as embalagens. Paulo, referindo-se ao evangelho, pro-
clamava: “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para
que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7).
Na lógica do evangelho isto significa: quanto menos de você,
mais de Deus e, assim, mais do poder dele haverá em sua vida.
O poder não está na embalagem (no pregador ou na pregado-
ra), mas em seu conteúdo (o evangelho).
O pregador ou a pregadora não deve se envergonhar de
suas fraquezas, mas deve unir-se a Paulo e confessar: “porque

26
Homilética

o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza” (2Co 2.9), ou ainda,


à semelhança da grande nuvem de testemunhas de Hebreus
11, começar a aprender a “tirar força da fraqueza” (Hb 11.34).

CURIOSIDADE: O PRÍNCIPE DOS PREGADORES


Esse é o título dado a Charles Haddon Spurgeon (1834-1892),
pregador batista calvinista que viveu na Inglaterra. Filho e neto
de pastores, Spurgeon foi um autodidata no estudo da teologia,
e para alimentar a preparação dos seus sermões, manteve
durante toda a vida o hábito de ler não somente comentários
bíblicos, mas também livros teológicos mais densos.
Entretanto, nos primeiros anos de seu ministério,
Spurgeon recebeu cartas anônimas que
apontavam defeitos que ele deveria corrigir
em seus sermões. Anos depois Spurgeon
revelou isso e mostrou-se grato dizendo
que gostaria de conhecer a pessoa que lhe
enviava as cartas, pois foram muito úteis no
seu aperfeiçoamento no púlpito.

3.6. Pregação e disciplina pessoal


O trabalho pastoral não é uma corrida de 100 metros rasos.
Se comparado a uma corrida, certamente estará mais para a
maratona. Pregação sistemática da Palavra de Deus diante de
uma congregação é um trabalho que exige esforço e perseve-
rança. A disciplina pessoal pode ser dividida em duas partes:

a. Disciplina orientada por objetivos imediatos. O pregador


ou a pregadora precisa separar uma quantidade adequada de

27
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

tempo a cada semana para se dedicar ao estudo e à preparação


das mensagens que entregará ao povo de Deus. A preparação
semanal de mensagens não deve ser feita com a sobra do tempo,
ou seja, depois de feitas as reuniões das comissões, encaminha-
das as questões administrativas, cumpridos os compromissos
ministeriais de caráter representativo e social. A cada semana, o
pregador ou a pregadora precisa separar tempo para oração, lei-
tura e estudo do texto bíblico que será objeto da pregação, coleta
de anotações e reflexão geral sobre o assunto que será prega-
do. Falaremos mais adiante sobre isso, mas deve separar tempo
para redigir seu sermão e para revisá-lo antes de ir ao púlpito.

b. Disciplina orientada por objetivos de longo prazo. O pre-


gador ou a pregadora não deve ir à Bíblia somente a trabalho,
isto quer dizer: somente para fazer sermões. A leitura pessoal
regular da Palavra de Deus é essencial para o desenvolvimento
da personalidade do pregador. À leitura da Bíblia soma-se a lei-
tura regular de livros, jornais e revistas que não estão conecta-
dos imediatamente aos sermões que estão sendo preparados.
A disciplina permanente de estudo é responsável pela elevação
do nível da cultura geral do pregador e em algum momento
será útil na elaboração de mensagens específicas.

Evitemos, neste tópico, a ideia de que a disciplina pessoal é


somente estudo e leitura. Isto levaria a preparação de sermões
para a aridez intelectual. O pregador precisa ser disciplinado
também no contato com as pessoas. Se for pastor ou pastora,
a visitação e o aconselhamento são meios que Deus usa para
tornar o pregador sensível às necessidades de seu rebanho.
Por fim, pregação é trabalho pesado e requer boas condições
de saúde para seu exercício. Alimentação adequada, boa quali-
dade do sono e atividade física regular estão diretamente ligadas
ao bom desempenho do raciocínio, da memória e da fala.

28
Homilética

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

A pregação da Palavra de Deus tem sido decisiva para pro-


dução de mudanças ao longo da História. Tornaram-se célebres
os sermões de Agostinho sobre a Queda de Roma e os sermões
de Lutero e Calvino sobre a Reforma da Igreja na Idade Média.
Na Idade Moderna, coube ao pregador batista Martin Luther
King Jr. influenciar os rumos da história dos Estados Unidos com
seus sermões fervorosos pelo fim da segregação racial. O púl-
pito possui uma conexão importante com a vida da sociedade
e não é incomum que Deus suscite pregadores ou pregadoras
para tocar nas chagas de uma nação e empurrá-la rumo à cura.
É possível perceber algum tipo de preocupação com os
rumos da nação nos púlpitos de nosso país? Você consegue
recordar-se de mensagens que tenha ouvido nessa direção nos
últimos tempos?

29
MÓDULO 2
Tema: Aprendendo a construir um sermão
Homilética

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Neste segundo módulo chegamos ao aspecto prático da dis-


ciplina de Homilética. Talvez numa primeira leitura tudo pareça
muito confuso ou poderá até transmitir a impressão de que a
elaboração completa de um sermão segundo os passos apre-
sentados aqui é algo muito difícil, quase inalcançável. Esta é só
uma primeira impressão, persista no estudo e nas orientações
e tenho certeza de que você conseguirá.
Poderá ser útil nesta etapa revisitar as disciplinas de Intro-
dução Histórico-literária do Antigo Testamento e do Novo Tes-
tamento, assim como as disciplinas de Exegese. A Homilética se
ergue a partir do conhecimento e das habilidades adquiridas
em outras disciplinas do curso, por isso, gaste algum tempo re-
visitando as disciplinas mencionadas.
Ao final deste módulo, você será capaz de: 1) Analisar um texto
bíblico tendo em vista a elaboração de um sermão; 2) Compreen-
der as partes essenciais de um sermão; 3) Dar os passos para con-
fecção de um sermão com base nas orientações apresentadas.

JJ 1. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DE UM SERMÃO

1.1. Escolha do texto bíblico


Uma das questões mais angustiantes para pregadores e
pregadoras iniciantes é a escolha do texto bíblico que funda-
mentará a mensagem. Deve-se registrar que não há um úni-
co método para a escolha do texto bíblico, e o pregador ou a
pregadora poderá experimentar diferentes métodos ao longo
de sua vida. Tudo que será dito a seguir pressupõe a vida de
oração e comunhão com Deus.
A elaboração de sermões é um processo dinâmico feito sem-
pre em íntima comunhão com o Espírito Santo. A seleção do
texto bíblico a ser pregado e as necessidades dos ouvintes que

31
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

serão contempladas pela pregação devem brotar sempre do re-


lacionamento com Deus.

1.1.1. Planeje com antecedência os assuntos dos sermões


A leitura diária da Bíblia e o contato com as necessidades
da congregação propiciarão “insights” (percepções, intuições)
sobre assuntos que o pregador ou a pregadora poderá tratar
em seus sermões. O planejamento ajudará a filtrar quais são
os textos bíblicos apropriados para cada sermão. Na agenda do
pregador ou da pregadora aparecerão, por exemplo, as grandes
celebrações do cristianismo (Páscoa, Natal, Pentecostes etc.) e
as datas significativas da vida cultural do país (Dia das Mães, Dia
dos Pais, Semana da Pátria etc.).

1.1.2. Mantenha um banco de ideias


É altamente recomendável que o pregador ou a pregadora
mantenha uma pasta (ou caderno) com anotações de assuntos
e textos bíblicos sobre os quais poderá vir a pregar. Sempre que
encontrar um texto (comentário bíblico, notícia etc.) que julgar
ser útil para um sermão futuro, você deve arquivá-lo.

1.1.3. Utilize toda a riqueza das Escrituras


Alguns pregadores e pregadoras pregam somente em textos
paulinos. Outros pregam somente passagens dos evangelhos. E
ainda outros pregam somente no livro dos Salmos. Nem sem-
pre pregadores e pregadoras se dão conta de quão repetitivos
podem se tornar. A Bíblia é uma biblioteca inesgotável, assim,
de tempos em tempos cada pregador ou pregadora deve inspe-
cionar a lista de textos nos quais pregou nos últimos anos para
conferir se tem pregado “toda Escritura”. É importante que a es-
colha de textos alterne entre Antigo Testamento e Novo Testa-
mento, entre Epístolas e Evangelhos, entre lei e profetas, entre
poesia e livros históricos etc.

32
Homilética

Em resumo, o processo de escolha de um texto bíblico ocorre


numa relação dinâmica de pregador ou pregadora com a Pala-
vra de Deus e pregador ou pregadora com as necessidades dos
ouvintes. Quanto mais aplicado for o pregador ou a pregadora
ao estudo e ao preparo de suas mensagens, maior facilidade
terá para escolher um texto bíblico adequado para cada oca-
sião. Quanto mais amoroso e atento for às necessidades dos
seus ouvintes, maior precisão terá na exposição e na aplicação
do texto à vida das pessoas.

1.2. Estudo interpretativo do texto


A finalidade da Exegese e da Hermenêutica é tornar o tex-
to bíblico compreensível ao ouvinte em sua lógica, desenvolvi-
mento e mensagem. A interpretação faz a ligação entre o texto
bíblico, o contexto no qual foi originalmente escrito e a realida-
de na qual estão inseridos os ouvintes atuais. O pregador ou a
pregadora deve ter o cuidado para não pregar a sua pesquisa. O
trabalho de pesquisa tem a finalidade de compreender o texto
para que se possa interpretá-lo e aplicá-lo aos ouvintes. É muito
desagradável quando o pregador ou a pregadora ocupa a maior
parte da mensagem com detalhes históricos e técnicos de um
texto. Muitas vezes é possível ver estampada na face dos ouvin-
tes a pergunta “por que precisamos saber disso?”. A pesquisa
exegética e o trabalho hermenêutico servem para dar seguran-
ça a quem prega de que sua compreensão do texto bíblico é
adequada, ou seja, não está se usando o texto como pretexto e
fora do contexto histórico e gramatical.
Propomos o seguinte roteiro para interpretação de texto bí-
blico que servirá como base de um sermão:

1.2.1. Leia o texto várias vezes em silêncio e em voz alta


O objetivo dessa leitura é ter o primeiro contato e perceber
as primeiras impressões que o texto causam no leitor. A leitura

33
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

em voz alta ajuda na percepção do ritmo e das ênfases do tex-


to. Nessa etapa é preciso dar atenção à pontuação do texto e à
composição dos parágrafos.

1.2.2. Consulte o vocabulário em português


A língua é dinâmica e muitas vezes palavras utilizadas em
nossas traduções, principalmente na Bíblia Almeida e Atuali-
zada, não são conhecidas. É preciso cuidado para que prega-
dor ou pregadora não se exponha a interpretações embara-
çosas do vocabulário bíblico. Recordo ter ouvido exposição da
parábola do bom samaritano em que o intérprete cometeu
uma gafe ao interpretar uma palavra com outro sentido. O
versículo era o seguinte: “E, chegando-se, pensou-lhe os fe-
rimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre
o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou
dele” (Lc 10.34).
Na ocasião, o pregador afirmou, com referência ao texto aci-
ma, que “pensar” os ferimentos significava refletir sobre o sofri-
mento alheio. Se tivesse simplesmente se dado ao trabalho de
checar um bom dicionário, ele saberia que “pensar”, naquele
contexto, significa “enfaixar”.
O pregador ou a pregadora deve ser modesto na sua apro-
ximação com o texto e certificar-se de que compreendeu o sen-
tido mais óbvio. Muitos pregadores se envaidecem por “enxer-
gar” no texto algo que ninguém observou antes. O problema é
que, na maioria dos casos, não conseguiram sequer entender
aquilo que é básico na mensagem do texto bíblico.

1.2.3. Leia o que vem antes e aquilo que vem depois do


texto escolhido
Trata-se do contexto textual. No caso de uma epístola, por
exemplo, é importante entender a temática geral. No caso de
histórias narrativas do Antigo Testamento é preciso observar se

34
Homilética

a passagem é um episódio dentro de uma história mais extensa.


Um recurso amplamente disponível em nossos dias são as in-
troduções que as Bíblias Comentadas disponibilizam para cada
livro. Obviamente, não devem ser a única fonte de consulta,
mas são um bom começo, pois providenciam de forma objetiva
as seguintes informações: autoria, data e contexto histórico, ên-
fases principais e breve esboço do livro.

1.2.4. Volte para o texto e estude-o a partir de perguntas


Segue abaixo uma lista de questões que podem ser formula-
das para interpretação segura de um texto bíblico:
a. Qual é o gênero textual da passagem?
b. Há textos paralelos (principalmente no caso dos evangelhos)?
c. Há palavras (em português) que são desconhecidas? Preci-
so consultar o dicionário?
d. Como as outras traduções/versões apresentam o texto?
e. Quais são as peculiaridades do texto (palavras que se re-
petem, perguntas, contrastes, conclusões etc.)?
f. Há algum termo bíblico/teológico no texto que é frequente
nas Escrituras?
g. Que tipo de costumes de época são citados na passagem?
h. A que campo da atividade humana o texto faz referência
(economia, guerra, artes, educação etc.)?
i. Quais assuntos/temas estão presentes no texto?
j. Quais são as divisões principais do texto?
k. O que é surpreendente, chocante e desafiador no texto?
l. Como a passagem se encaixa na mensagem da Bíblia como
um todo?
m. Como o assunto tratado no texto é visto na teologia re-
formada?
Nesta altura você já deve ter percebido que elaborar um
sermão é um trabalho árduo. Não poderia ser diferente, pois o
pregador ou a pregadora está lidando com o livro mais sublime

35
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

da História e com a mensagem mais preciosa, isto é, a recon-


ciliação do pecador com o seu Deus. Sobre a importância de
levantar perguntas diante do texto bíblico, Reifler nos lembra:

A mensagem bíblica encontra-se no texto bíblico


em si, não em nós. Somos apenas portadores da
mensagem divina presente na Bíblia. Por isso, te-
mos de bombardear o texto bíblico com perguntas,
analisá-lo, expô-lo e interpretá-lo, se quisermos co-
municá-lo (1999, p. 31).

1.3. Formulação de uma ideia central


A ideia central de um sermão é uma ponte entre o significa-
do do texto para os primeiros ouvintes e suas implicações para
os ouvintes da atualidade. Observe que não se trata da “única
ideia central” possível a partir do texto bíblico, mas sim de “uma
ideia central” para aquele sermão específico. Assim, se o mes-
mo pregador ou pregadora estudar o mesmo texto algum tem-
po depois (meses ou anos), obterá uma ideia central diferente
da anterior. O texto não mudou, mas o contexto do pregador ou
da pregadora e as necessidades dos ouvintes certamente mu-
daram. Por esta razão a Teologia atribuiu um papel tão decisivo
ao Espírito Santo na comunicação da Palavra de Deus.
A convicção da teologia bíblica reformada está fundamen-
tada no princípio de que o Espírito Santo fala às pessoas por
meio das Escrituras. É isso que declara a Confissão de West-
minster no Capítulo sobre a “Escritura Sagrada”, onde está
escrito: “o Juiz Supremo em cuja sentença nos devemos fir-
mar não pode ser outro senão o Espírito Santo falando na
Escritura” (Cap. I, Art. X).
É trabalho do Espírito Santo coordenar esta delicada opera-
ção representada no gráfico que segue:

36
Homilética

ESPÍRITO SANTO

TEXTO BÍBLICO
ESPÍRITO SANTO

ESPÍRITO SANTO
PREGADOR E CONTEXTO
CONTEXTO SERMÃO SOCIAL ATUAL

OUVINTES E
NECESSIDADES

ESPÍRITO SANTO

PARA PENSAR E AGIR:


Para exercitarmos o processo de formulação de uma ideia cen-
tral a ser pregada num sermão, peço que leia Mateus 20.1-16.
Trata-se da parábola proferida por Jesus que tem como enre-
do a contratação de trabalhadores para trabalhar numa vinha.
Tente imaginar algumas possíveis ideias centrais. A seguir, veja
nos exemplos que seguem prováveis resultados da formulação
de uma ideia central. Lembre-se do modo como se chega a uma
ideia central: por meio da ação misteriosa do Espírito Santo que

37
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

entrelaça os elementos do texto bíblico, do


contexto de pregador ou pregadora, das ne-
cessidades dos ouvintes e do contexto social.

Exemplos de “Ideia Central” a partir de Mateus 20.1-16:

1. A parábola dos trabalhadores na vinha trata das motiva-


ções corretas no serviço do reino de Deus. Trataremos hoje so-
bre como você pode cultivar uma motivação correta no serviço
do reino de Deus.
2. A parábola dos trabalhadores na vinha trata de um problema
muito comum entre os cristãos: a murmuração. Falarei hoje sobre
como você pode identificar a murmuração e vencê-la na sua vida.

EM RESUMO
A formulação de uma ideia central é o ponto de chegada do
processo interpretativo de um texto bíblico e o início do proces-
so de elaboração da comunicação da mensagem. De posse de
uma ideia central clara, o pregador ou a pregadora passará à
elaboração de um esboço.

1.4. Construção de um esboço


A finalidade principal de um esboço é dar fluência à comu-
nicação do sermão. O esboço de boa qualidade não chama

38
Homilética

atenção para si, mas cativa a atenção dos ouvintes e auxilia na


persuasão quanto à verdade do conteúdo apresentado pelo
pregador ou pregadora. O esboço bem feito é uma obra de
imaginação comunicativa, logo combina regras gerais da boa
comunicação e deixa espaço para a criatividade na pregação.
Na elaboração do esboço, o pregador ou a pregadora deve ter
em mente os seguintes princípios:
Concisão. O número de tópicos de um esboço deve ser sufi-
ciente para comunicação da mensagem aos ouvintes. Em geral,
de três a cinco pontos bastam para um bom esboço. Se precisar
de mais que cinco tópicos, reavalie se não seria o caso de pregar
duas mensagens sobre o texto e/ou tema. A concisão é valiosa
na construção da sentença de cada tópico do sermão. Boa regra
também é evitar a divisão em subtópicos (tópico 1, seguido de
1.1; 1.2; 1.3;1.4 etc.).
Coerência. Os tópicos do sermão devem ter coerência ló-
gica e temática entre si. É preciso cuidado para que um tópico
não esteja em contradição com os demais. Isto desvia a atenção
dos ouvintes. A coerência resulta do bom equilíbrio entre a ideia
central e o texto bíblico. Jamais deve figurar no esboço um tó-
pico que não tenha coerência com a ideia central do sermão e
com o texto bíblico. Cada tópico apresenta um aspecto da ideia
central que está sendo tratada.
Progressão. A cada tópico o ouvinte deve perceber o de-
senvolvimento da argumentação do pregador ou da pregado-
ra. Se um tópico é mera repetição do anterior, mas com outras
palavras, não deve figurar no sermão. A progressão pode ir do
menor para o maior, do periférico para o central, daquilo que
está mais distante do ouvinte para aquilo que lhe é próximo.
É fundamental que haja desenvolvimento da argumentação na
passagem de um tópico para outro. Isto cria no ouvinte expec-
tativa por aquilo que será acrescentado.
Harmonia. Um sermão deve ser harmonioso na distribuição

39
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

dos tópicos. Não é boa técnica homilética gastar metade do


tempo do sermão no primeiro tópico e passar rapidamente pe-
los tópicos seguintes. É muito difícil que cada tópico tenha exa-
tamente a mesma extensão nem deve o pregador ou a prega-
dora perseguir este tipo de medida. Entretanto, é desejável que
a diferença de extensão entre eles seja pequena e não chame a
atenção dos ouvintes.

PARA PENSAR:
“Uma das maiores causas da prolixidade na pregação é a falta
de objetividade. Isso acontece quando não há uma ligação en-
tre os elementos da pesquisa sermônica formando um
todo. Em muitos sermões, o título segue uma dire-
ção, as divisões outra, o texto fica à parte – e
o assunto proposto não é bem apresentado”
(Moraes, 2005, p. 102).

1.5. Desenvolvimento de uma conclusão


A conclusão de um sermão não é apenas uma formalidade,
ou seja, uma parte que deve constar obrigatoriamente ao final da
mensagem. O propósito da conclusão é apresentar ao ouvinte a
resposta que Deus pede dele. Isto fica evidente no ministério do
primeiro pregador do Novo Testamento, o profeta João Batista.

[...] sendo sumos sacerdotes Anás e Caifás, veio a


palavra de Deus a João, filho de Zacarias, no deser-
to. Ele percorreu toda a circunvizinhança do Jordão,

40
Homilética

pregando batismo de arrependimento para remissão


de pecados [...] Então, as multidões o interrogavam, di-
zendo: Que havemos, pois, de fazer? Respondeu-lhes:
Quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem;
e quem tiver comida, faça o mesmo. Foram também
publicanos para serem batizados e perguntaram-lhe:
Mestre, que havemos de fazer? Respondeu-lhes: Não
cobreis mais do que o estipulado. Também soldados
lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele lhes disse:
A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e con-
tentai-vos com o vosso soldo (Lc 3.2-3,10-14).

De um modo muito forte aparece na conclusão o amor de


Deus pelos ouvintes. A conclusão evidencia-lhes tudo o que
Deus fez por eles e como o Eterno está ao lado deles para aju-
dá-los a fim de que consigam obedecer e fazer o que lhes é pe-
dido. Um bom roteiro para orientar a elaboração da conclusão
é fazer a si mesmo, ao final do sermão, as seguintes perguntas:

• Que atitude preciso tomar?


• Que pecado devo confessar?
• Que assunto preciso resolver?
• Que mandamento devo obedecer?
• Que prática devo abandonar?
• O que devo priorizar na vida?
• Que ídolo devo renunciar?
• Que compromisso devo assumir?

O sermão deve ser pregado na convicção de que é um instru-


mento para que a voz de Deus seja ouvida, e a conclusão deve
se guiar pela certeza de que a Palavra de Deus produzirá frutos
na vida dos ouvintes (Is 55.11).

1.6. Retornando à introdução


Repare que deixamos a introdução para o final. Sim, pois

41
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

uma vez que o pregador ou a pregadora tenha elaborado a


ideia central que será pregada, construído os tópicos de sua
mensagem a partir da ideia central e firmemente conectados ao
texto bíblico escolhido e, por fim, chegado a uma conclusão, a
resposta que Deus está pedindo ao seu povo, ele ou ela poderá
voltar ao início e pensar o modo mais adequado para introduzir
o sermão aos seus ouvintes.
A personalidade do pregador ou da pregadora, sua experiên-
cia e cultura aparecem com muita clareza na elaboração da intro-
dução. Brevidade e objetividade são fundamentais na introdução
do sermão. Os propósitos da introdução são: captar a atenção do
ouvinte e fazer a transição para a apresentação da ideia central
que será pregada a partir do texto bíblico lido. O desafio, porém,
é comunicar isto de um modo leve e capaz de despertar identifi-
cação entre ouvintes e pregador ou pregadora.
A honestidade é um elemento fundamental na elaboração
da introdução. Recordo a honestidade porque, como uma das
finalidades da introdução é captar a atenção dos ouvintes, isto
pode tentar o pregador ou a pregadora ao sensacionalismo ou a
brincadeiras duvidosas somente para conquistá-los. Os primei-
ros minutos da mensagem são fundamentais para despertar o
interesse dos ouvintes, por isso a introdução deve ser pensada
com bastante cuidado.
Os recursos para introduzir um sermão são praticamente
inesgotáveis. Entretanto, a regra central é que o pregador ou
a pregadora precisa ser capaz de estabelecer a relação entre o
conteúdo da introdução e o tema do sermão. Se não for assim,
a introdução ficará como uma parte estranha no corpo do ser-
mão, ainda que seja algo interessante e edificante.

1.7. Finalmente, redigindo o sermão por inteiro


Depois deste percurso, a tarefa de redigir o sermão por com-
pleto não será algo tão difícil para o pregador. Em nossa cultura

42
Homilética

evangélica brasileira, em que já existe resistência ao hábito


do estudo para pregar, o que se dirá do costume de escrever
um sermão do começo ao fim! Aqui não estamos tratando de
leitura de sermão escrito, mas tão somente da consolidação
do trabalho de pesquisa e do registro daquilo que se levará ao
púlpito para edificação dos ouvintes. A questão das vantagens
e desvantagens da leitura de um sermão será tratada no
módulo seguinte.
A redação do sermão representa um passo enorme de cla-
reza para o pregador ou a pregadora. Quando o sermão não
está escrito, além de se perder em divagações, muitas vezes o
pregador ou a pregadora reformula a mesma ideia várias vezes
enquanto fala aos ouvintes. Um sermão não escrito que dura de
40 a 50 minutos poderá, se estiver escrito, ser reduzido para 20
ou 30 minutos. A razão é simples: ao escrevermos, nossas ideias
passam pelo filtro de uma construção mental mais rigorosa e
as redundâncias são eliminadas do texto. A escrita do sermão
também é importante para o desenvolvimento dos argumentos
de cada tópico e para elaboração de frases de transição de um
tópico para outro no sermão.
Um cuidado importante é a redação do sermão preservan-
do-se o tom de oralidade. O pregador ou a pregadora deve es-
crever seu sermão pensando que as pessoas ouvirão o conte-
údo e não que ele será entregue impresso para que elas leiam.
Grande parte da dificuldade na comunicação de um sermão es-
crito vem da não observância desta regra básica. Com o passar
do tempo o pregador ou a pregadora vai se habituando ao tom
mais coloquial e se desprendendo da formalidade que quase
sempre acompanha a redação de textos.

JJ 2. TIPOS DE SERMÕES

Tradicionalmente, os sermões têm sido classificados em três

43
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

tipos: temático, textual e expositivo. Um cuidado que se deve


ter com a classificação dos tipos de sermões é recordar que eles
são estruturas a serviço da clareza da mensagem. Torna-se um
problema quando a preocupação com o tipo do sermão rouba
o lugar da dinâmica representada no gráfico da página 37. A. W.
Blackwood, décadas atrás, já alertava para este perigo:

O método leva-nos a uma definição de termos e a


uma classificação de tipos. Em certos livros antigos
o sistema tornou-se tão complicado como um livro
texto de Anatomia. Esta forma de encarar a obra do
pregador não apelava muito à sua imaginação. Por
vezes a tarefa de preparação para o púlpito amea-
çava tornar-se pouco mais do que juntar ossos, em
número suficiente para demonstrar o esqueleto de
uma verdade morta há muitos anos. Se esta crítica
parecer severa demais, pergunte-se a um ministro
de idade o que aproveitou do estudo da Homiléti-
ca. Em mãos erradas, o ensino da Homilética, como
ciência, contribuiu bastante para o baixo nível do
púlpito (Blackwood, 1965, p. 21).

Com essa ressalva de que métodos e classificações estão a


serviço da comunicação da mensagem não o contrário, pode-
mos ir adiante sobre os tipos clássicos de sermões.

2.1. Temático
É o sermão cuja estrutura dos tópicos é proveniente do tema
do sermão. Embora o pregador ou a pregadora conte, neste
tipo de sermão, com maior liberdade para estruturar os tópi-
cos, o texto bíblico básico deve dar suporte ao tema escolhido.
Se não fosse assim, o que vimos a respeito da construção do
sermão não se aplicaria a este tipo. A ideia central que funda-
menta o tema deve ter respaldo bíblico sólido. Entretanto, no
sermão temático, o pregador ou a pregadora conta com maior

44
Homilética

liberdade para construir o esboço sem seguir obrigatoriamente


a ordem de ideias e assuntos apresentados no texto bíblico.
Este tipo de sermão presta-se muito bem a ocasiões espe-
ciais tais como formaturas, funerais, aniversários, inaugurações.
Sua ligação com a argumentação mais lógica e didática também
favorece o uso para ensino de temas doutrinários.

2.2. Textual
É aquele tipo de sermão no qual a estrutura dos tópicos
emerge do próprio texto bíblico. Neste caso, o trabalho do
pregador ou da predadora é construir sua ideia central e
apresentá-la seguindo a ordem presente no próprio texto bí-
blico. Às vezes, a estrutura se apresenta na forma de frases
prontas extraídas do texto; outras, palavras extraídas do texto
representam a estrutura de tópicos. É possível ainda construir
a estrutura de um sermão a partir da apresentação do texto
bíblico por meio da análise de perguntas como: Quem? Onde?
Quando? Por quê? Para quê?
Por sua própria natureza, o sermão textual trabalhará com
uma porção bem delimitada de texto bíblico. Uma vez que a
ideia é estruturar o sermão a partir do próprio texto bíblico –
e recordando que um sermão deve trabalhar com três ou no
máximo cinco tópicos –, o pregador ou a pregadora não poderá
escolher uma porção muito extensa das Escrituras, uma vez que
poderá ficar com mais de uma dezena de tópicos.

2.3. Expositivo
Trata-se do tipo de sermão cujo esboço é feito intencional-
mente a partir da passagem bíblica, quase sempre seguindo a
ordem do próprio texto escolhido. A ideia básica deste tipo de
sermão é, como o nome diz, a exposição do conteúdo bíblico. É
um recurso bastante utilizado para apresentação de séries de
sermões baseadas num determinado livro da Bíblia. O grande

45
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

perigo deste tipo é o pregador ou a pregadora transformar o


sermão num comentário repetitivo e enfadonho daquilo que
já foi lido. A principal virtude é pregar em passagens que mui-
tas vezes o pregador ou a pregadora deixaria de lado por sua
escolha própria.

PARA PENSAR:
“Que tipo de sermão devo pregar? Assim: nossa pregação deve
ser textual (fiel ao texto pelo qual optamos), escriturística (bíbli-
ca em seu contexto doutrinário, dogmático e ético), cris-
tológica (em seu conteúdo principal) e prática (em
sua aplicação às necessidades reais de nos-
sas igrejas)” (Reifler, 1999, p. 29).

2.4. Uma avaliação dos tipos de sermões


Estes modelos ainda são úteis? Eles serão úteis se o pregador
ou a pregadora subordiná-los ao propósito da mensagem e da
ocasião. Por exemplo, se a proposta for pregar sobre determi-
nada Epístola, o modelo expositivo será útil na construção das
mensagens; já para livros históricos, com narrativas longas, a
técnica do sermão textual poderá ser mais dinâmica e ajudar
melhor na elaboração do esboço. Se a ideia é examinar deter-
minado assunto com a Igreja – por exemplo, depressão, ira,
gratidão etc. –, talvez utilizar a técnica temática represente um
ganho para a apresentação da mensagem.

46
Homilética

Observa-se liberdade cada vez maior em relação à estrutura


de apresentação da mensagem bíblica em nossos dias. O prin-
cípio a ser seguido é aquele segundo o qual o texto bíblico deve
determinar a essência do sermão. Entretanto, a forma como as
pessoas ouvem e aprendem deve determinar a estrutura de sua
mensagem. Leia o que afirma Rick Warren:

Se você tem alguma noção sobre comunicação,


sabe que deve começar com o ouvinte, para que ela
seja efetiva. Se eu ficar aqui e falar em um idioma
que você não conhece, posso dizer a verdade mais
importante do mundo, mas você não vai entendê-
-la. Pode ser verdade, pode salvar sua vida, mas, se
você não me entende, é irrelevante. Algo pode ser
verdadeiro e irrelevante? Claro que sim, pois é pre-
ciso que seja formulado para ser compreendido.
O texto deveria determinar a substância de sua
mensagem, mas o modo como as pessoas ouvem
e aprendem deveria determinar a estrutura da
mensagem. Jesus deu forma a esta verdade em
cada sermão que pregou. Mesmo que você esteja
pregando sobre uma única passagem, é obrigado
a aplicar a verdade dessa passagem, mas não está
obrigado a organizar os tópicos na ordem do texto.
Não tem que fazer isso. Está obrigado a ensinar a
verdade do texto, mas não a forçar a organização. Se
não acredita nisso, gostaria de vê-lo organizar alguns
dos capítulos de Provérbios. Vai-se para todos os la-
dos e em rumos diferentes de um versículo a outro.
Não há um único exemplo no Novo Testamento em
que Jesus ou qualquer outro tenha exposto totalmen-
te um texto – dando um esboço, analisando as pala-
vras e fazendo um comentário – versículo por versí-
culo. Estude como Jesus usou o Antigo Testamento.
O principal disso? Você está mais interessado na or-
dem literária do texto ou em facilitar que as pesso-
as o apliquem? (Warren, 2008, mimeografado).

47
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ 3. EXEMPLO ILUSTRATIVO

Apresento a você um exemplo de um sermão escrito, con-


tando com os itens e as características que trabalhamos ante-
riormente. Leia o sermão e, a seguir, os comentários que deixo
na forma de dicas homiléticas.

ANSIEDADE Mateus 6.25-33


São três horas da manhã. Tudo está silencioso na sua
casa, todos dormem. O cachorro dorme, o gato dorme, seu
cônjuge dorme profundamente. Você não consegue dormir. Mas
você precisa dormir, porque às 8 horas estará no trabalho. Não
é qualquer trabalho, é o seu novo trabalho, seu primeiro dia
no novo trabalho. Você está começando num novo emprego.
Vai encarar um novo escritório, uma nova equipe. Você sabe
que a economia não vai bem, foi difícil conseguir este trabalho!
O mercado está cada vez mais competitivo e você terá de
apresentar resultados, se quiser ficar no emprego. Se você tem
23 anos, será o seu primeiro trabalho depois da faculdade. Se
está com 35 anos, tem filhos que dependem de você e uma fa-
mília para cuidar, portanto, tem de dar certo. Se tem 45 anos,
você não é mais um menino e esperam consistência na sua vida
profissional. Se está com 55 anos, não é hora de ficar tentando
aventuras profissionais e você diz para si mesmo: “Já passei da
idade”. Se você tem 65 anos e a aposentadoria está chegando,
começa a fazer as contas e a pensar no novo estilo de vida que
terá pela frente. Bem, não importa qual seja o momento ou a
fase de sua vida, você sempre terá de lidar com as seguintes
questões: vou dar conta do recado? Vou conseguir suportar as
pressões? Vou conseguir pagar minhas despesas? Não importa
se tem 25, 35, 45, 55 ou 65 anos, você pode perder o sono em

48
Homilética

algum momento de sua vida!


Comecei dizendo que eram 3 horas da manhã e você não con-
seguia dormir. Então você olha novamente no relógio e já são 4
horas da manhã. Você ajeita o travesseiro numa posição melhor
e percebe uma dor no pescoço, passa a mão e sente um volume
diferente e então pensa: “Meu Deus, será que é um tumor? Será
que estou com câncer? Será que vou morrer? E se tiver que fazer
quimioterapia e trabalhar no meu novo emprego? Será que o pla-
no de saúde vai cobrir? Será que é uma doença pré-existente?”.

(Aqui se dá o final da introdução e a transição para o es-


boço e a apresentação da ideia central do sermão)

Tudo isto pode ser resumido numa única palavra: ansieda-


de! O ansioso possui mente fértil para imaginar problemas, mas
mente muito fraca para enxergar soluções. Mas o que significa
ficar ansioso? Que significa uma madrugada insone? Significa
que você é um ser humano, uma pessoa! Não significa que você
seja um desequilibrado, não significa que você seja um fracas-
sado na vida, não significa que você não tenha fé, não significa
que você não esteja preparado para a vida. Significa apenas:
“eu sou um ser humano e seres humanos sentem ansiedade”. E
ouça isto: não significa que você não seja um cristão verdadeiro!
Cristãos também sentem ansiedade!
A questão central é a seguinte: você pode ser, e será, visita-
do pela ansiedade. Você não pode ser dominado por ela. Você
pode e será visitado pela ansiedade, mas precisa aprender a
não ser aprisionado pela ansiedade. Jesus foi visitado pela an-
siedade, mas ele não se deixou aprisionar pela ansiedade. No
Getsêmani, ele orou insistentemente suplicando que, se fosse
possível, que aquele cálice fosse afastado dele. Ele transpirou

49
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

tão intensamente que seu suor se transformou em sangue, mas


ele venceu a ansiedade. Ele se levantou e saiu do Getsêmani em
paz, com a cabeça erguida. Você pode ser visitado por momentos
de ansiedade, mas você precisa aprender a não ser aprisionado
por ela.
A boa notícia é que Jesus nos ensina a lidar com a ansiedade!
Hoje a ansiedade é chamada de mal do século, é tema de revis-
tas acadêmicas e de revistas de comportamento. A ansiedade
foi um dos temas tratados no Sermão do Monte. Veja como Je-
sus nos ensina a lidar com a ansiedade.

1. A vida é mais...
Veja novamente o que disse Jesus: “Por isso, vos digo: não
andeis ansiosos pela vossa vida, quanto ao que haveis de comer
ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que haveis de ves-
tir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que
as vestes?” (Mt 6.25).
A vida é mais do que os prazeres da mesa, a vida é mais que
os prazeres da sociabilidade, a vida é mais do que diversão, a
vida é mais do que obrigação, a vida mais do que o sucesso
ou o fracasso. A vida é mais do que a aparência. A vida é mais
do que juventude ou velhice. A vida é mais do viver casado ou
viver solteiro. A vida é mais do que o elogio ou a crítica que
recebemos. A vida tem disso tudo, mas não pode ser reduzida
a nenhuma destas coisas. O problema com a ansiedade é que
ela faz com que a vida seja menos e não mais – menos alegria,
menos contemplação, menos apreciação da beleza da criação.
A ansiedade faz com que a vida seja menos sono e sonho e mais
insônia e pesadelos.
Rob Bell, pastor norte-americano, conta que estava de férias
com seus filhos numa praia. Eles estavam andando pela praia e

50
Homilética

os meninos estavam pegando pequenas conchas. Eram meni-


nos pequenos e faziam aquilo pela primeira vez. A cada conchi-
nha que encontravam eles vibravam. De repente eles avistaram
uma enorme estrela do mar boiando. O filho mais velho cor-
reu dentro d’água na direção da estrela do mar. Quando estava
bem perto, retornou! Olhava para o pai e para o irmãozinho.
Parecia indeciso. Não sabia se avançava ou retornava. O pai en-
tão gritou: “Vá em frente, pegue a estrela!”. Ele respondeu: “Eu
não posso! Eu não posso!”. E completou: “As minhas mãos estão
cheias, papai! Eu não consigo pegar a estrela!”.
Que imagem preciosa para a ansiedade. O ansioso enche as
suas mãos com as conchas e não pode pegar a estrela que de-
seja. Não é que as coisas e causas que ele está abraçando não
sejam boas; são boas, o que não é boa é a ansiedade. O ansioso
pensa que está tornando sua vida maior, quando, na verdade,
está tornando-a menor do que ela realmente pode e deve ser.
A vida é mais do que uma porção de conchinhas em nossas
mãos. A vida é mais do que a nossa conta bancária. A vida é
mais do que nossa posição social. A vida é mais do que nossos
títulos. A vida é mais do que aquilo que comemos, bebemos e
vestimos! A vida é mais do que isso, ensina Jesus!

2. A vida vale mais


Mas justamente porque a vida é mais do que todas estas coi-
sas, ela também vale mais do que todas estas coisas. Se a vida é
mais, significa também que ela vale mais! Veja o que disse Jesus:
“Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajun-
tam em celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porven-
tura, não valeis vós muito mais do que as aves?” (Mt 6.26).
Para ensinar o valor da vida, Jesus gostava de recorrer à com-
paração com as aves. Em outra passagem, em Lucas, assim

51
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

disse Jesus: “Não temais! Bem mais valeis do que muitos par-
dais” (Lc 12.7). Pardais nunca foram muito apreciados. Canários
são apreciados pelo seu canto! Águias são apreciadas pelo seu
porte e precisão no voo e na caça! Mas os pardais, pobres par-
dais! Você já viu algum exército com um pardal desenhado na
sua bandeira? Águias, sim! Pardais, nunca! Veja os seguintes ver-
sículos: “Não se vendem dois pardais por um asse?” (Mt 10.29).
Para você que se distraiu, pergunto: se dois pardais custam
um asse, quanto terei que pagar por quatro pardais? Veja a res-
posta! “Não se vendem cinco pardais por dois asses?” (Lc 12.6).
Não eram quatro a resposta lógica e matemática? Sim! O quinto
pardal é brinde para agradar o cliente! Você acha que nós inven-
tamos as promoções?!
Jesus escolheu a mais comum das aves, os pardais, para ilus-
trar essa verdade sobre o cuidado divino. Sobre os pardais ele
disse que nenhum está em esquecimento diante de Deus e que
nenhum cairá em terra sem o consentimento do Pai (Mt 10.6 e
Lc 12.29). Isto inclui o quinto pardal, aquele que entrou no ne-
gócio como brinde!
Max Lucado afirmou: “A sociedade tem a sua cota de quintos
pardais. O que eles têm em comum é um sentimento de peque-
nez” (Max Lucado).
Não há quem em algum momento da vida já não tenha se
sentido o quinto pardal ou o patinho feio! Eis algumas situa-
ções: “Não ser escolhido por nenhum dos dois times de futebol
na infância”; “Ter sido o único a não ser convidado para a festa”;
“Ser abandonado pelos pais na infância”; “Ver o cônjuge fazer as
malas para nunca mais voltar”; “ Levantar todos os dias e ir para
um trabalho completamente enfadonho”.
Agora ouça novamente o que Jesus disse no sermão do mon-
te: “Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves?” (Mt

52
Homilética

6.26). Você pode se sentir em algum momento como um quinto


pardal! Você pode ficar ansioso, mas Deus quer que você saiba,
hoje, que a sua vida vale muito mais! Você pode tentar reduzir a
sua vida ao seu bem-estar físico e à sua aparência, mas Deus diz
para você hoje: “A vida é muito mais do que isso!”.

Conclusão
A ansiedade é uma espécie de droga que vicia as pessoas.
A ansiedade rouba a energia que pode ser dedicada ao dia de
hoje e faz com que se entre no dia seguinte já esgotado. Lem-
bre-se: a ansiedade nunca vai fortalecê-lo para o dia de ama-
nhã, vai apenas enfraquecê-lo!
Talvez você esteja se perguntando: “Como é que eu saio dis-
to? Como eu posso enfrentar a ansiedade inevitável diante da
vida?”. Você só pode dizer “não” para a ansiedade quando dis-
ser “sim” para o reino de Deus em primeiro lugar. Veja: “Buscai,
pois, em primeiro lugar, o seu reino e a sua justiça, e todas estas
coisas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).
Reino de Deus aqui é sinônimo da vontade de Deus. Como é
que você busca o reino de Deus? Buscando a vontade de Deus
e desejando a vontade dele para sua vida. A ansiedade crôni-
ca é o resultado de entulharmos a nossa vida com buscas sem
nenhuma sintonia com aquilo que Deus realmente deseja para
nós. Ficamos ansiosos porque queremos agradar aos outros;
ficamos ansiosos porque queremos impressionar outras pes-
soas. Ficamos ansiosos porque fazemos dívidas para comprar
coisas com o propósito de impressionar pessoas das quais nem
sequer gostamos. Ficamos sobrecarregados porque queremos
provar o nosso valor para os outros. Jesus está dizendo: a sua
vida é muito mais do que isto, portanto, não apequene a sua
vida. A sua vida vale muito mais do que isso! A sua vida tem

53
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

valor eterno! Convide Cristo para ocupar o centro de sua vida


e não haverá espaço para a ansiedade. As coisas encontrarão
o lugar certo na sua vida. Faça agora a entrega de tudo aquilo
que tem ocupado o centro de sua vida e, consequentemente,
deixado você ansioso. Faça isto, tenho certeza de que você vai
experimentar a paz de Cristo tomar conta da sua vida. Faça isto
e tenho certeza de que você vai dormir muito bem esta noite e
irá trabalhar, amanhã, cheio de disposição.

Apontamentos homiléticos
Introdução
Observe que a técnica utilizada na introdução é a criação de
uma pequena história do cotidiano. Este recurso tem a vanta-
gem de sugerir imagens e produzir identificação do ouvinte com
a mensagem. É importante observar que a história criada preci-
sa estar bem ligada ao assunto da mensagem e precisa funcio-
nar como preparação para o anúncio da ideia central.

Ideia central
A ideia central está enunciada da seguinte forma no sermão:
“A questão central é a seguinte: você pode ser, e será, visitado
pela ansiedade. Você não pode ser dominado por ela. Você pode
e será visitado pela ansiedade, mas precisa aprender a não ser
aprisionado pela ansiedade [...] Jesus nos ensina a lidar com a
ansiedade”. A ideia central caracteriza-se da seguinte forma:

a. Ligação com o assunto da mensagem, neste caso, ansiedade,


b. Conexão com o texto bíblico,
c. Direcionamento para as necessidades do ouvinte.

A apresentação da ideia central deve deixar claro qual é o

54
Homilética

assunto do sermão, sua fundamentação no texto bíblico e a


relação com as necessidades do ouvinte. Certamente haverá
muitas maneiras de se formular a ideia central, mas estes três
elementos precisam estar presentes. Sem a ideia central o ser-
mão pode ser apenas informação bíblica sem nenhuma cone-
xão com a vida dos ouvintes. Outra função importante é fazer a
transição para os tópicos que virão em seguida. O esboço que
se segue deve representar uma resposta aprofundada ao que
foi enunciado na ideia central.
É bom relembrar aqui que a ideia central de um sermão
é uma ponte entre o significado do texto para os primeiros
ouvintes e suas implicações para os ouvintes da atualidade.
Não se trata da única ideia presente no texto, mas da ideia para
o sermão e a questão. A ideia central brota da dinâmica her-
menêutica conduzida pelo Espírito Santo entre: texto bíblico, do
contexto do pregador ou da pregadora, das necessidades dos
ouvintes e do contexto social.

Esboço
Escolhi um sermão com apenas dois tópicos para mostrar
que o pregador ou a pregadora não deve ficar aprisionado a
estruturas fixas. O ideal é que tenha entre três e cinco tópicos,
mas o que deve guiar a feitura dos tópicos é a pergunta se a
estrutura desenvolve satisfatoriamente a ideia central e se ela
comunica bem o conteúdo do sermão aos ouvintes. Neste caso,
a opção apenas por dois tópicos representa uma escolha que
facilita a memorização, afinal é fácil lembrar: a vida é mais e a
vida vale mais.
No esboço deve-se observar a introdução de uma história ilus-
trativa extraída da experiência do pastor Rob Bell com seus filhos.
O uso desse recurso perto da metade do sermão é importante
para não perder a atenção dos ouvintes. Em geral, a estrutura
narrativa das histórias capta a atenção das pessoas e faz com que

55
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

elas escutem para saber o final. Aqui vale também a regra: não
use histórias que não tenham ligação com o assunto tratado.
No segundo tópico do sermão foram trabalhados mais tex-
tos bíblicos explicativos e feita uma citação de Max Lucado.
Uma questão ética importante é sempre citar a fonte quando
o pregador ou a pregadora se apropriar de uma frase de mais
impacto que não foi formulada por ele.

Conclusão
Duas coisas são importantes na conclusão de um sermão:
a resposta que Deus espera dos ouvintes e o papel de Cristo.
Vamos ver como isso aparece neste sermão.
Um recurso importante é fazer as perguntas que estão na
mente das pessoas. Isto foi feito no sermão da seguinte forma:
“Talvez você esteja se perguntando: Como é que eu saio disto?
Como eu posso enfrentar a ansiedade inevitável diante da vida?”.
Lembre-se que um sermão não é um discurso sobre Deus ou so-
bre a Bíblia, mas é a Palavra que Deus dirige àqueles que estão
ouvindo. Na expressão da Confissão de Fé de Westminster é o
Espírito Santo falando por meio da Escritura. Assim, não tenha re-
ceio de dirigir-se diretamente aos ouvintes formulando pergun-
tas práticas e apontando a decisão que precisam tomar.
A outra parte importante da conclusão é apontar para Cristo.
Isto aparece no sermão da seguinte forma: “Você só pode dizer
‘não’ para a ansiedade quando disser ‘sim’ para o reino de Deus
em primeiro lugar [...]. A sua vida vale muito mais do que isso! A
sua vida tem valor eterno! Convide Cristo para ocupar o centro
de sua vida e não haverá espaço para a ansiedade e as coisas
encontrarão o lugar certo na sua vida. Faça agora a entrega de
tudo aquilo que tem ocupado o centro de sua vida e, consequen-
temente, deixado você ansioso. Faça isto, tenho certeza de que
você vai experimentar a paz de Cristo tomar conta da sua vida.”
Neste ponto talvez alguns se perguntem: devo fazer um

56
Homilética

apelo? Sim, você está fazendo um apelo e deve apenas indicar


como as pessoas devem prosseguir. Alguns pedem para que as
pessoas levantem a mão, que se dirijam à frente para um mo-
mento de oração. No contexto de grandes cidades, como São
Paulo, optamos por um cartão de decisão que fica nos bancos
e as pessoas são orientadas a preenchê-lo e a assinalarem se
desejam o contato pastoral.

JJ ANTES DE VIRAR A PÁGINA

Finalizando este módulo sobre a elaboração do sermão e


pensando no próximo sobre a comunicação, isto é, o contato
com os ouvintes, sugiro abaixo uma série de perguntas que jul-
go úteis ao pregador no processo de confecção de mensagens
bíblicas com a finalidade de transformar a vida dos ouvintes.
Uma das grandes dificuldades é aprender a descartar parte
das informações obtidas na pesquisa para elaboração de um
sermão. Depois de realizadas as leituras e feitas as anotações, o
pregador ou a pregadora achará muito útil para elaboração de
seu sermão fazer as seguintes perguntas:

• O que Deus me chama a proclamar? (ideia central)


• O que os ouvintes precisam saber? (informação)
• Por que eles precisam saber disso? (motivação)
• O que posso fazer para ajudar a lembrá-los da mensa-
gem? (ilustração/história/exemplo)
• O que eles precisam fazer? (aplicação)
• Qual a melhor forma de estruturar a mensagem?
(comunicação)

Experimente utilizar essas perguntas antes de redigir seu


sermão. Elas ajudarão muito no resultado final. Vá em frente.

57
MÓDULO 3
Tema: Refletindo sobre a comunicação
da pregação
Homilética

JJ PARA INÍCIO DE CONVERSA

Olá cara estudante, seja bem-vinda ao terceiro módulo da


disciplina de Homilética.
Se compararmos a atividade de pregação ao teatro chega-
remos à conclusão de que o pregador – ou a pregadora – é, ao
mesmo tempo, o escritor da peça e o ator que a apresenta ao
público. Valendo-nos da metáfora, percebemos que os dois er-
ros mais comuns são: primeiro, o ator subir ao palco sem um ro-
teiro claro daquilo que será dito; segundo, o ator ter gasto tem-
po considerável na escrita de seu roteiro, mas ter negligenciado
a preparação para a apresentação no palco. Evidentemente que
se trata de uma analogia, mas muitos pregadores e pregado-
ras descuidam da preparação para a comunicação do conteúdo
que foi preparado. No módulo anterior vimos os cuidados ne-
cessários com a preparação do sermão; neste módulo veremos
a importância de se dedicar à comunicação da mensagem.
Ao final deste módulo, você será capaz de: 1) Descobrir o
que funciona melhor para você na proclamação do sermão; 2)
Perceber que precisa construir uma rotina de preparação; 3) Va-
lorizar a conexão com os ouvintes no momento da pregação.

JJ 1. O PREGADOR E A PREGADORA NO PÚLPITO

Um sermão pronto representa boa dose de esforço empreen-


dido pelo pregador ou pregadora, mas o trabalho propriamente
dito ainda não acabou. A tarefa do pregador ou da pregadora
terminará somente com a proclamação do sermão. Assim, en-
tre o término da mensagem e sua entrega à congregação have-
rá mais atividade a cumprir. Muitos pregadores e pregadoras se
contentam com o trabalho de estudar o texto bíblico, elaborar
um esboço e recheá-lo com ilustrações; feito isto, se dão por sa-
tisfeitos. É preciso dedicar tempo para a preparação específica

59
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

da comunicação do sermão. Bons sermões podem se perder


pelo fato de o pregador ou a pregadora ter negligenciado sua
preparação para a proclamação.
Nunca é demais lembrar que a pregação envolve dispêndio
extraordinário de energia, e ninguém ocupa um púlpito com êxi-
to por longos anos se negligenciar a necessidade de preparação
adequada para este honroso ministério. Vejamos alguns elemen-
tos essenciais para o êxito na entrega da mensagem bíblica.

1.1. Descobrindo a melhor forma de entregar a mensagem


Estar na posse de um sermão escrito por inteiro não signi-
fica necessariamente lê-lo, mas se a opção for pela leitura, isto
também irá requerer preparação prévia. Todo sermão precisa
ser revisado, a fim de que sejam eliminados erros gramaticais
e outras impropriedades. Devemos recordar que, embora seja
desejável um tom coloquial no sermão, deve-se seguir a norma
culta da língua portuguesa.
Feita a revisão do texto, é recomendável que o pregador
ou a pregadora grave a si mesmo lendo o sermão. Isto soa-
rá estranho no início, mas fornecerá uma boa ideia da fluên-
cia do sermão e dos pontos que devem ser enfatizados. Se a
opção for pela leitura do sermão no púlpito, o pregador ou a
pregadora deve praticar essa leitura muitas vezes, pelo me-
nos cinco vezes, a fim de ganhar fluência e naturalidade. En-
tretanto, levar um sermão escrito para o púlpito não significa
necessariamente ler cada frase. O pregador ou a pregadora
pode memorizar a maior parte do conteúdo e olhar o texto
apenas para sua orientação. A vantagem deste método é que
ele combina a segurança de ter um texto escrito para apoio e
a espontaneidade da fala livre. O problema é que nem todos
os pregadores e pregadoras conseguem memorizar a maior
parte do sermão. Uma terceira opção é levar para o púlpito
somente o esboço com a indicação das ideias da introdução,

60
Homilética

a ideia central e os tópicos acompanhados de algumas frases


centrais. Neste caso, o que se pode ganhar em espontanei-
dade, poderá ser perdido em precisão. Outra desvantagem é
tornar o sermão mais longo, uma vez que o pregador ou a pre-
gadora correrá o risco de formular o mesmo pensamento com
frases diferentes.
Cada opção tem vantagens e desvantagens. Entretanto,
como a pregação está muito vinculada à personalidade do pre-
gador ou da pregadora, cada um deverá descobrir a forma que
funciona melhor para a sua situação. O importante é ter em
mente que, seja qual for a forma utilizada, isso irá requerer
mais tempo de preparação, além daquele que já foi empregado
para elaboração da mensagem.

JJ 2. O RECOLHIMENTO NECESSÁRIO PARA


CONCENTRAÇÃO

As horas que antecedem a proclamação da Palavra devem


ser marcadas por recolhimento da parte do pregador ou da
pregadora. Isto não significa incomunicabilidade total com as
pessoas da Igreja ou da família, mas o afastamento para um
ambiente tranquilo que possibilite momentos de orações e de
concentração na mensagem. Pode ser que num determinado
dia, o pastor ou a pastora precise marcar uma reunião com de-
terminada comissão da Igreja antes do culto, mas isto não deve
ser a regra. Aconselhamento ou conversas para resolução de
conflitos também devem ser evitados. Com sabedoria e pru-
dência se encontrará outro momento para o cumprimento des-
sas tarefas. Em nossas Igrejas é bem comum que presbíteros
e diáconos procurem o pastor minutos antes do início do culto
para falar de problemas da membresia, que precisam ser resol-
vidos. Com amor e cuidado, o pastor ou a pastora deve deixar
claro para eles que a prioridade daquele dia é a adoração, que

61
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

a pregação é a mensagem vinda de Deus para a congregação e


nada deve atrapalhar esse propósito.

JJ 3. O MOMENTO DA ENTREGA DA MENSAGEM

A jornada do pregador ou da pregadora até o púlpito deve


ser marcada pela consciência da relevância de seu trabalho.
Como “despenseiro dos mistérios de Deus” (1Co 4.1-2) deve
ser fiel na sua missão. Deus usará a mensagem do púlpito para
abrir o coração das pessoas que ouvem, para erguer aqueles
que estão abatidos e para lançar por terra o orgulho daqueles
que confiam em si mesmos. A proclamação fiel da Palavra de
Deus produz frutos de salvação e edificação. O Espírito Santo
abençoa o texto sagrado exposto de tal modo que pecadores
e pecadoras se arrependem, feridos são sarados e famintos e
sedentos são saciados com alimento em abundância. Pela ins-
trumentalidade do púlpito, o Deus eterno guia o seu rebanho
em segurança na sua jornada neste mundo.

3.1. Atitude e aparência


Falemos primeiro da atitude do portador da Palavra quando
está no púlpito. Pregador ou pregadora deve ir ao púlpito com
dois sentimentos: segurança e humildade. Segurança porque
está preparado, porque a mensagem que irá proclamar veio da
parte de Deus e é a mais valiosa da face da terra. Humildade
porque ela é somente um instrumento nas mãos de Deus, o
poder e a glória pertencem a Deus.
Esta combinação de segurança e humildade faz com que o
pregador ou a pregadora não preste atenção em si mesmo ou
se preocupe com aquilo que as pessoas estão pensando a res-
peito dele. De certo modo, o pregador ou a pregadora acaba
se esquecendo de si mesmo. Humildade e segurança desembo-
cam no desenvolvimento da autenticidade no exercício da pre-

62
Homilética

gação. Os ouvintes percebem que o pregador ou a pregadora


não está fazendo “tipo” ou tentando passar uma boa impressão
tão somente para agradá-los.
Quanto à atitude é preciso lembrar ainda que a mensagem
de amor do evangelho não pode ser apresentada num espírito
que não seja o de amor e respeito genuíno por todos os ouvin-
tes. No Brasil, torna-se cada vez mais comum pregadores e pre-
gadoras empregarem linguagem jocosa e a imitação de pessoas
e/ou grupos que são citados de modo negativo no sermão. Em-
bora isso possa divertir os ouvintes, deve-se ter em conta que
a cultura urbana se mostra reticente a este tipo de abordagem.
Timothy Keller, comentando o modo pelo qual o apóstolo Paulo
pregava, faz as seguintes observações:

Paulo está rejeitando o assédio verbal (que usa a


força da própria personalidade, a sagacidade ou
o desdém mordaz), as declarações recebidas com
aplausos e que encontram eco nos preconceitos, no
orgulho e nos temores da multidão; está rejeitando
histórias manipuladoras ou técnicas que subjugam
o público com espetáculos de destreza verbal, sa-
gacidade ou erudição (Keller, 2017, edição Kindle).

Muitas vezes são inevitáveis o confronto e a citação de discor-


dância com pontos de vista sustentados por determinados gru-
pos. Se este for o caso, faça isso de modo respeitoso e amoroso.
O pregador ou a pregadora não deve deixar nenhuma dúvida de
que se esforçou para entender as razões daquele grupo ao qual
ele faz objeção. A única possibilidade de ironia no púlpito é do
pregador em relação a si mesmo, jamais em relação aos outros.
No que diz respeito à aparência, o pregador ou a pregadora
deve evitar os extremos do desleixo e da vaidade. Deve vestir-
-se e apresentar-se com sobriedade. Cada cultura possui um

63
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

“dress-code” (regras para trajes) para cada situação. O desleixo


ou o exagero na arrumação levarão a atenção dos ouvintes para
o pregador ou a pregadora e não para a mensagem. O objetivo
nesta questão da aparência deve ser a realização daquela bela
expressão do hino: “Que a beleza de Cristo se veja em mim”. O
ministério da pregação, feito sob o poder do Espírito, só pode
fazer aquilo que o Espírito Santo faz, isto é, mostrar a beleza e a
glória de Cristo (Jo 16.12-15).

3.2. Voz e contato visual


O sermão pregado somente alcançará seu objetivo se aquele
ou aquela que fala conseguir estabelecer conectividade com os
ouvintes. A voz e o contato visual são os dois recursos mais pre-
ciosos para o estabelecimento desta conectividade. A voz não é
somente um recurso para transmitir ideias, mas é fundamental
para despertar sentimentos e emoções que resultam numa de-
cisão por parte do ouvinte. O recurso de ouvir-se numa gravação
é importante para que o pregador ou a pregadora tenha ideia
do modo como utiliza sua voz. O ritmo, as pausas e a ênfase em
determinadas frases são valiosos recursos no contato com os
ouvintes. Poderá ser útil para o pregador ou a pregadora uma
consulta com o profissional de fonoaudiologia para orientação
de cuidados no emprego da voz.
Ainda sobre a voz na apresentação do sermão, um cuidado
especial deve ser dado à dicção correta. O objetivo da pregação
é que as pessoas ouçam o conteúdo daquilo que está sendo pro-
clamado, porém muitas vezes uma dicção defeituosa ou a fala
acelerada atrapalham a absorção da mensagem e impedem o
estabelecimento de conectividade entre o pregador e o ouvinte.
O contato visual também é fundamental para a comunicação.
O pregador ou a pregadora que só olha para suas anotações
transmitirá insegurança ou parecerá que não se importa com
seus ouvintes. Se olhar para um único ponto passará a ideia de

64
Homilética

timidez. O contato visual deve sinalizar para os ouvintes que a


presença deles foi percebida e que o pregador ou a pregadora
está se dirigindo a cada um deles. Por isso, é importante percor-
rer todo o auditório com o olhar. As pessoas reagem positiva-
mente quando percebem que a presença delas foi notada e que
o pregador ou a pregadora está se dirigindo a elas.

PARA PENSAR: DEVO GRITAR NO SERMÃO?


“O pregador dinâmico é aquele que varia o estilo, o ritmo, o tom
e os gestos. Quem fica eternamente esbravejando faz com que
o ouvinte feche os ouvidos. A mensagem melancólica faz com
que a congregação caia em sono profundo. O palhaço só faz o
auditório rir. A vitalidade e a variedade têm de ser equilibradas,
não ofensivas ou agressivas, mas agradáveis e convida-
tivas. A boa retórica está na vitalidade do prega-
dor e na variedade de seu estilo. Lembre-se
de que vitalidade não é sinônimo de gritaria”
(Reifler, 1999, p. 97).

3.3 Recursos de apoio ao conteúdo


As igrejas contam em nossos dias com recursos visuais am-
plos para projeção de textos e imagens. Minhas observações
referem-se especificamente ao uso da projeção nos sermões.
Entendo que em palestras e aulas a dinâmica pode ser diferen-
te. Assim, tendo em vista que o objetivo da pregação é o esta-
belecimento de conectividade entre o pregador ou a pregadora

65
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

e os ouvintes, e que a voz e o contato visual são os elementos


fundamentais, o uso de projeção deve ser feito com moderação
para que não se perca o contato entre o pregador ou a prega-
dora e seu auditório. O uso do projetor é útil para destacar o
esboço do sermão, auxiliar na leitura de versículos adicionais,
citar algum texto de outra autoria e para mostrar imagens e/ou
pequenos vídeos que ilustrem o conteúdo do sermão.
O problema mais frequente com o uso da projeção é o pre-
gador ou a pregadora ficar lendo longos trechos que foram
projetados. Pior do que isso é o pregador ou a pregadora estar
falando e a pessoa responsável pelo controle dos slides come-
çar a mudar as telas. Se o próprio pregador ou pregadora for
controlar a troca de slides, deve conferir tudo com antecedência
para não gastar tempo acertando o material quando estiver no
púlpito ou, pior ainda, não conseguir mudar os slides na hora
da mensagem.
A ideia é que os recursos sirvam como apoio e não como
concorrente de atenção dos ouvintes. Se usados com modera-
ção e precisão, essas ferramentas de comunicação podem enri-
quecer os sermões.

JJ 4. EXEMPLO ILUSTRATIVO

Veja a seguir mais um exemplo de sermão escrito, contando


com os itens e as características que trabalhamos no Módulo 2.
Leia o sermão e, a seguir, os comentários que deixo na forma de
apontamentos homiléticos.

O QUE DEUS QUER DE VOCÊ


Miquéias 6.1-8
Os livros proféticos são os mais contundentes quanto ao tema

66
Homilética

paz e justiça. O profeta Miquéias viveu no oitavo século antes de


Cristo e forma com os profetas Isaías, Oséias e Amós uma espécie
de “quarteto fantástico” de profetas. Mas o que fazia um profeta?
O profeta era um defensor da paz e da justiça em nome de Deus
e sob a orientação de Deus. Ser um defensor da paz e da justiça
implicava ser também um defensor dos mais fracos e vulnerá-
veis. O profeta falava, e ainda fala, por meio de seus escritos, em
nome de Deus à consciência dos seres humanos.
Miquéias falou ao povo de Israel num tempo de corrupção in-
tensa. Proprietários de terras gananciosos, aliados a políticos e
juízes corruptos e a líderes religiosos inescrupulosos juntavam-
se para expulsar trabalhadores de suas terras. Veja comigo:

“[...] e edificais a Sião com sangue e a Jerusalém,


com perversidade. Os seus cabeças dão as senten-
ças por suborno, os seus sacerdotes ensinam por
interesse, e os seus profetas adivinham por dinhei-
ro; e ainda se encostam ao Senhor, dizendo: Não
está o Senhor no meio de nós? Nenhum mal nos
sobrevirá” (Mq 3.10-11).

O que pode parecer contraditório, pelo menos num primei-


ro momento, é que essa sociedade injusta e cheia de violência
era também extremamente religiosa. Os cultos no templo eram
bem frequentados, os sacrifícios eram abundantes. Vejam que,
de modo interrogativo, o profeta revela a lógica que predomi-
nava entre as pessoas:

“Com que me apresentarei ao Senhor e me inclina-


rei ante o Deus excelso? Virei perante ele com holo-
caustos, com bezerros de um ano? Agradar-se-á o
Senhor de milhares de carneiros, de dez mil ribei-
ros de azeite? Darei o meu primogênito pela minha

67
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

transgressão, o fruto do meu corpo, pelo pecado da


minha alma?” (Mq 6.6-7).

A lógica perversa descrita por Miquéias revela-se no modo


equivocado como a pergunta é feita: “Com que me apresentarei
ao Senhor e me inclinarei ante o Deus excelso?” (Mq 6.6). A
pergunta correta não deveria recair sobre o que apresentar
diante do Senhor, mas sobre como apresentar-se diante do
Senhor: a prioridade não é o que, mas sim como, isto é, com a
atitude correta.

(Final da introdução e transição para o esboço e apresen-


tação da ideia central do sermão)

Em épocas de grande corrupção, violência e injustiça, como


essa em que viveu o profeta Miquéias, é fácil desanimar e
ficar deprimido diante do quadro geral. Em épocas como a do
profeta Miquéias e num tempo como o nosso, é natural que
perguntemos: O que posso fazer? Como devo viver? Como Deus
deseja que eu me comporte? Miquéias não deixou seu povo
sem resposta e também não nos deixa sem resposta. De modo
claro e contundente, sem que fosse profeta presbiteriano, ele
resumiu em três pontos o que Deus pede da vida de cada um de
nós. Deus quer da sua vida: justiça, misericórdia e humildade.
Vejamos:

1. Pratique a justiça
Miquéias não estava inovando, pois a preocupação com a jus-
tiça perpassa toda a Bíblia. A lei de Moisés é um esforço para es-
tabelecer relações humanas justas. Não devemos esquecer que a
segunda parte da tábua da lei diz respeito à justiça: “honrar pai e

68
Homilética

mãe, não matar, não adulterar, não furtar, não mentir e não co-
biçar”. Além de Moisés, os outros profetas falaram, sem cessar,
da justiça. No livro dos Salmos, a mensagem de justiça também
se faz presente. Mas, que é a justiça na Bíblia? “Tsadekah” em he-
braico é a palavra utilizada. “Tsadekah” não possui a conotação
de mera retribuição, mas de ação que corresponde à essência
humana. Ser justo é agir de forma humana, de forma correta.
Antes de ser escrita em qualquer código, a busca pela justiça
foi escrita no código da vida; não pode haver comunidade, não
pode haver paz sem justiça.

2. Ame a misericórdia
A segunda coisa que diz o profeta é: ame a misericórdia. Mi-
sericórdia é abrir espaço em nosso coração para a miséria do
outro. Sem misericórdia não há inclusão e transformação numa
sociedade. Sem misericórdia não há pontes, mas somente mu-
ros. Sem amor à misericórdia as pessoas perdem a capacidade
de sonhar com um mundo melhor. Uma sociedade sem miseri-
córdia é uma sociedade anestesiada.
É com tristeza que olho a geração que cresceu no Brasil de-
mocrático e constato: trata-se da geração da vitória individual
e do fracasso coletivo. Todo mundo sabe o que quer fazer com
sua vida, onde quer chegar, quais são suas metas pessoais e
profissionais, mas não sabemos somar forças para resolver os
grandes problemas da coletividade: os problemas do bairro, da
cidade e do país. Porém, quando vivemos em sociedade, ou há
dignidade para todos ou não haverá paz para ninguém.
Amar a misericórdia é manter no coração e na vida um es-
paço para o outro. Na forte expressão de Albert Camus, exis-
tencialista francês, chega um momento na vida que a gente en-
tende, ou deveria entender, “que é desonesto ser feliz sozinho”.

69
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Vejam o que Miquéias disse: “ame a misericórdia”. Não se tra-


ta apenas de ser misericordioso por obrigação ou por constrangi-
mento, mas se trata de amar a misericórdia, isto é, ter alegria em
ajudar, em doar e em doar-se, alegria em socorrer o necessitado.

3. Seja humilde
O ápice das recomendações aparece nesta terceira e última
recomendação: seja humilde. Aquele que anda com o Deus mi-
sericordioso será misericordioso com seu próximo. Aquele que
anda com o Deus justo agirá com justiça com o seu vizinho.
Aquele que anda diante de Deus andará com humildade. Seja
humilde. Veja como este texto foi interpretado numa paráfrase
contemporânea:

“Mas ele já deixou claro como devemos viver: o que


fazer, o que ele procura em homens e mulheres.
É muito simples: Façam o que é correto e justo ao
próximo, sejam compassivos e leais em seu amor e
não se levem tão a sério – levem Deus a sério” (Mq
6.8 – Versão “A Mensagem”).

O mundo já tem gente chata demais, não seja mais um deles!


Não se leve tão a sério, seja humilde. Mas leve Deus a sério. Não
tente zombar de Deus. A humildade é transformadora. A humil-
dade fala pelo exemplo. Li uma entrevista com o bispo anglicano
Desmond Tutu, grande amigo e colaborador de Nelson Mandela
na luta pelo fim da segregação racial na África do Sul. O entrevis-
tador perguntou ao bispo Desmond Tutu quando foi que ele se
tornou anglicano. Veja a história que o entrevistador escreveu:

“Ele disse que ainda era criança quando havia na


África do Sul a regra segundo a qual se numa cal-

70
Homilética

çada se encontrassem uma pessoa negra e uma


branca, a pessoa negra deveria se colocar de lado
e curvar-se durante a passagem da pessoa branca.
Desmond Tutu estava na rua com sua mãe quan-
do veio na direção deles um homem alto, branco
e bem vestido. Antes que eles se colocassem de
lado e se curvassem, aquele homem antecipou-se,
pôs-se ao lado na calçada e curvou-se enquanto
o menino e a mãe passaram por ele. O pequeno
Desmond Tutu ficou espantado com aquele gesto
inusitado. Imediatamente, como toda criança, co-
meçou a perguntar para a mãe: ‘Mamãe por que
ele fez isto? Por que ele se curvou e não nós?’. A
mãe respondeu: ‘Filho, porque ele é um cristão, um
pastor anglicano’. Desmond Tutu disse que naquele
dia ele decidiu que seria um pastor anglicano”.

Tolstói escreveu que todos pensam em mudar o mundo,


mas ninguém pensa em mudar a si mesmo. A humildade abre
e mantém abertas as portas para a mudança pessoal, e aquele
que está disposto a mudar a si mesmo pode ajudar a mudar o
mundo. A humildade abre as portas para a mudança pessoal.
Humildade não é um tema fácil, mas é um assunto essen-
cialmente cristão. Veja o que o escritor C.S. Lewis disse sobre
a humildade:

“Se alguém quer adquirir a humildade, creio poder


dizer-lhe qual é o primeiro passo: é reconhecer o pró-
prio orgulho. Aliás, é um grande passo. O mínimo que
se pode dizer é que, se ele não for dado, nada mais
poderá ser feito. Se você acha que não é presunçoso,
isso significa que você é presunçoso demais”.

71
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

Conclusão

No pequenino livro de Miquéias foi registrada uma das mais


preciosas promessas do Antigo Testamento, a promessa do
nascimento de Jesus, nosso salvador: “E tu, Belém-Efrata, pe-
quena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de
ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são
desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade [...]. Este
será a nossa paz” (Mq 5.2,5a).
Não há quem não lute para viver de modo justo. Não há
quem não lute para ser justo ou para ser misericordioso. Não
há quem não lute contra o orgulho e a vaidade: eu luto, você
luta! Mas não conheço outra forma mais eficaz de diminuir o
espaço do orgulho no meu coração senão deixando que Jesus
ocupe mais espaço nele, ou seja, andando dia a dia com Deus.
Não conheço outra forma de enfrentar uma vida egocêntrica
senão tornando-a cristocêntrica.
Para nós, cristãos, Cristo é o modelo supremo de nossa vida.
Miquéias, em meio àquele caos de injustiças, orgulho e violên-
cia, vislumbrou no nascimento de Jesus a nossa paz. Por isso,
quero convidá-lo a olhar para Jesus. Se você quer viver uma vida
justa, compassiva e humilde, mesmo em meio a uma sociedade
injusta, violenta e cheia de arrogância como a nossa, olhe para
Jesus, aquele que foi justo num mundo cheio de leis e injusti-
ça; olhe para Jesus, aquele que foi misericordioso num mun-
do cheio religiosidade, mas tantas vezes vazio de generosidade
e solidariedade; olhe para Jesus, aquele que, sendo o próprio
Deus, não teve medo de ser humilde e viver entre nós, e viver
entre nós como servo!

72
Homilética

Apontamentos homiléticos
Introdução
Na construção da introdução do sermão acima foi utilizada a
técnica da contextualização histórica da passagem bíblica. Trata-
-se de uma contextualização simples, pois é para uma pregação
e não uma aula. Certamente numa aula, a contextualização po-
deria ser mais detalhada. Quando se prega a partir de livros do
Antigo Testamento, principalmente aqueles que são menos visi-
tados, este é um recurso interessante e necessário para o enten-
dimento da mensagem. Além da citação de data, autoria e local,
é útil recorrer às passagens dos capítulos anteriores que possam
contribuir para o entendimento do texto base do sermão.

Ideia central
A ideia central está formulada da seguinte forma no sermão:
“Em épocas como a do profeta Miquéias e, num tempo como o
nosso, é natural que perguntemos: O que posso fazer? Como
devo viver? Como Deus deseja que eu me comporte? Miquéias
não deixou seu povo sem resposta e também não nos deixa
sem resposta. De modo claro e contundente, sem que fosse
profeta presbiteriano, ele resumiu em três pontos o que Deus
pede da vida de cada um de nós. Deus quer da sua vida: justiça,
misericórdia e humildade”.
Lembre-se que na formulação da ideia central os seguintes
elementos devem estar presentes:

a. Ligação com o assunto da mensagem, neste caso, o que


Deus quer da vida dos ouvintes;
b. Conexão com o texto bíblico;
c. Direcionamento para as necessidades do ouvinte.

Não há problema que o esboço seja enunciado dentro da


ideia central. No caso acima são enunciadas as palavras-chave

73
Curso Livre de Teologia EAD-FECP

de cada tópico e reserva-se para o tópico o imperativo: “Prati-


que” ... “ame” ... “seja”.

Esboço
Esse tipo de esboço é o mais fácil de ser elaborado, uma vez
que as divisões brotam do próprio versículo escolhido. O acrés-
cimo do imperativo dá a cada tópico o caráter de aplicação, ou
seja, a pergunta: o que devo fazer? Já está respondida em cada
tópico: devo praticar a justiça, devo amar a misericórdia e devo
andar com humildade.
Destaco que o esboço deriva da ideia central e esta nasce
da dinâmica hermenêutica conduzida pelo Espírito Santo entre:
texto bíblico, contexto do pregador ou da pregadora, necessi-
dades dos ouvintes e contexto social. Apenas a título de exem-
plo, se a dinâmica hermenêutica conduzisse o pregador ou a
pregadora a elaborar um sermão a partir de todo o capítulo 6
de Miquéias, o esboço a seguir seria perfeitamente aceitável a
partir das seguintes perguntas feitas por Deus:

a. Tenho maltratado você? (6.1-3)


b. Tenho pedido muito de você? (6.4-8)
c. Tenho aprovado o que você fez com os outros? (6.9-12)
d. Tenho abençoado seus esquemas? (6.13-16)

Nunca é demais lembrar que a construção de um sermão é


sempre um processo de escolha seletiva. Entretanto, a seleti-
vidade não significa arbitrariedade, pois depende da dinâmica
hermenêutica e da coerência entre o que será dito na mensa-
gem e o conteúdo do texto bíblico. A seletividade – construir a
ideia central e o esboço a partir de um versículo ou de um capí-
tulo inteiro – está vinculada à ênfase que se firma no coração do
pregador ou da pregadora, sob a orientação do Espírito Santo
de que aquela é a mensagem a ser entregue do púlpito.

74
Homilética

No terceiro tópico do sermão destaco a história de Des-


mond Tutu para ilustrar o conceito de humildade. Histórias
têm um poder incrível de captar a atenção dos ouvintes e
despertar emoções por meio da identificação. Outro ponto a
ser destacado no desenvolvimento do conteúdo do esboço é
a citação de frases. A regra é não abusar da quantidade no
sermão e que as frases realmente tenham a ver com o argu-
mento desenvolvido. Vale recordar a questão ética importante
do crédito de atribuir a frase ao seu autor. Apropriar-se do
pensamento de alguém sem dar o devido crédito é fraude e
não deve ter lugar no púlpito.

A Conclusão
Desenvolvendo a perspectiva cristocêntrica de pregação, é
preciso evitar as armadilhas do moralismo comportamental.
Um sermão não é uma aula de ética, é uma oferta de esperança
para a vida. Se de um lado ele mostra como cada pessoa está
longe do padrão divino, por outro lado, mostra o que Cristo
fez para que pudéssemos viver uma vida que agrada a Deus.
Como isso aparece nesse sermão? Primeiro no link com a pro-
fecia sobre o nascimento do Messias. Segundo, apontando
para a luta que cada pessoa trava para alcançar o padrão di-
vino. Aqui é importante que o pregador ou a pregadora se in-
clua também no fracasso. Veja como isso é formulado no ser-
mão: “Não há quem não lute para viver de modo justo. Não há
quem não lute para ser justo ou para ser misericordioso. Não
há quem não lute contra o orgulho e a vaidade: eu luto, você
luta! Mas não conheço outra forma mais eficaz de diminuir o
espaço do orgulho no meu coração senão deixando com que
Jesus ocupe mais espaço nele, ou seja, andando dia a dia com
Deus. Não conheço outra forma de enfrentar uma vida ego-
cêntrica senão tornando-a cristocêntrica”. Terceiro, no convite
para olhar para Jesus.

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Curso Livre de Teologia EAD-FECP

JJ CONCLUSÃO DA DISCIPLINA

Parabéns. Você perseverou e cumpriu uma etapa importan-


te na sua preparação para o desenvolvimento das habilidades
em Homilética. Ao longo dos três módulos examinamos as se-
guintes questões: por que pregar?, o que pregar?, como pregar?
e para quem pregar? A Homilética é uma disciplina para a qual
convergem as demais disciplinas, portanto, o progresso feito
em outras disciplinas do curso teológico produzirá benefícios
diretos para o trabalho da pregação.
A Homilética também está profundamente entrelaçada à
própria vida com todas as suas alegrias e dores. Desse modo, é
natural que o amadurecimento pessoal a partir das diferentes
experiências que o pregador ou a pregadora vai acumulando ao
longo da vida também seja refletido no púlpito. Pregar é uma
arte fascinante e desafiadora, por isso, quanto mais experiência
um pregador ganha no púlpito, maior é sua consciência de que
precisará continuar aprendendo sempre.

76
Homilética

JJ BIBLIOGRAFIA BÁSICA

ANDERSON, C. Ted Talks: o guia oficial para falar em público. Rio


de Janeiro: Ed. Intrínseca, 2016.

BLACKWOOD, A. W. A preparação de sermões. São Paulo: Aste, 1965.

BUTTRICK, D. Uma breve teologia da pregação. In: McKim, D. K.


Grandes temas da tradição reformada. São Paulo: Pendão Real, 1999.

KELLER, T. Pregação: comunicando a fé numa era de ceticismo.


São Paulo: Vida Nova, 2017 (Kindle Edition).

KNOX, John. A integridade da pregação. São Paulo: ASTE, 1964.

MORAES, J. Homilética: da pesquisa ao púlpito. São Paulo: Vida


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MURARO, Rose Marie e CINTRA, Raimundo. As mais belas ora-


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______. O perfil do pregador. São Paulo: Vida Nova, 2011.

WARREN, R. Cómo preparar un mensaje: predicando para cambiar


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WRIGHT, N.T. Surpreendido pelas Escrituras: questões atuais de-


safiadoras. Viçosa: Ultimato, 2015.

77
JJ ANOTAÇÕES
JJ ANOTAÇÕES

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