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APÓSTOLO JOÃO

Poucas vidas humanas passaram por tão grande transformação interior quanto a
de João, apóstolo de Cristo, filho de Zebedeu e Salomé e irmão de Tiago – o
maior. Dotado de um caráter impulsivo que o fazia reagir energicamente diante
dos seus opositores, intransigente no que dizia respeito às suas crenças e, talvez
por isso mesmo, com fortes inclinações para o poder, João seria apelidado por
Jesus de Boanerges que quer dizer filho do trovão.

No entanto, os anos de convivência com o Mestre, gradativamente, fariam


aparecer um novo ser. Aos poucos a intolerância, a sede de vingança e os
aspectos megalomaníacos, deixariam de existir e surgiria um novo João, o
discípulo a quem Jesus amava e o filho do trovão se tornaria então no apóstolo do
amor.

Apóstolo que gozou da mais íntima familiaridade com Jesus, João praticamente
acompanhou seu Mestre em todos os grandes acontecimentos de sua vida, sendo
testemunho de seu sofrimento e glória. A ele Jesus confiaria sua mãe, Maria, e a
ele diria uma das frases mais enigmáticas dos evangelhos, respondendo a Pedro
que queria saber o que seria de João:

“Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu”.

Mas o que mais chama a atenção nos evangelhos é o grande amor que João sentia
pelo seu Mestre. Sua devoção a causa de Cristo e seu respeito aos ensinamentos
que recebeu, seriam traduzidos na trajetória que percorreria após a morte de
Jesus, no seu intenso trabalho de evangelização.

Seu evangelho, o único escrito por quem testemunhou os fatos, se tornaria o livro
mais lido do mundo.

Ouçamos agora João nos contar como tudo começou e como tudo parecia não ter
mais fim.

“Eis me aqui em Éfeso, velho, bastante velho, mas lúcido suficiente, graças ao
Senhor, para deixar o meu testemunho de Sua vida e obra.

Muitos de meus companheiros foram mortos, mas quis a graça do Senhor que este
seu humilde filho sobrevivesse a perseguições, prisões e torturas para poder lhes
contar um pouco, apenas um pouco, de todas as maravilhas que vi e presenciei.

Lembro-me como se hoje fosse. Havíamos conhecido um homem que, como eu,
também se chamava João. Ele pregava no deserto e dizia que fora enviado por
Deus para dar testemunho da Luz que estava por vir. Não era ele a Luz, mas sua
coragem e determinação logo chamou a minha atenção e de meus companheiros.

Gostávamos de ouvir aquele homem pregar. Aquela voz que clamava no deserto e
que falava de justiça, de igualdade e que batizava os que ansiavam pelas boas
novas que ele anunciava.

Uma manhã, estávamos, eu , meu irmão Tiago, Simão – depois chamado Pedro –
e André seu irmão, ouvindo o que João pregava quando alguém passou ao nosso
lado. “Eis o Cordeiro de Deus”, disse o Batista. Mais tarde, aquele mesmo homem,
que alguns diziam ser o Homem de Nazaré, nos procurou nas margens do mar da
Galiléia quando nos preparávamos para mais um dia de trabalho, consertando
nossas redes de pesca. Suas palavras, seu semblante, seus gestos, sua crença nos
novos tempos que estavam por surgir, com o arrependimento e a iminência do
advento do reino de Deus, contagiou a todos nós. E logo percebemos que
estávamos diante do Messias, diante de Cristo o Ungido. E nós, simples
pescadores, nos sentimos honrados e o seguimos então, de aldeia em aldeia.

E muitas coisa eu vi e presenciei. Estive com ele nas bodas de Caná e o vi


transformar água em vinho, expulsar os vendilhões do templo e pregar dizendo
que aquele que não nascer de novo, não poderá ver o reino de Deus.

Outras vezes cruzamos com João Batista, mas fomos batizados por Jesus, pois o
Batista dizia que era necessário que “Ele crescesse e que eu diminuísse, pois Ele
veio de cima e eu vim da Terra”.

Qual não foi nosso espanto quando deixamos a Judéia a caminho da Galiléia,
passando pela Samaria, terra de nossos inimigos, e vimos Jesus, contrariando
nossos costumes, conversar com uma mulher que além de tudo era uma
samaritana que muito provavelmente nos recusaria abrigo. Intempestivo como era
naqueles tempos ousei propor ao Mestre que mandasse descer fogo do céu para
os consumir. E fui então duramente repreendido: “Vós não sabeis de que espírito
sóis”. Começávamos a compreender então que ele não era apenas Mestre dos
Judeus e dos homens, mas sim de todos os seres viventes.

Muitas curas milagrosas presenciamos. Algumas, novamente para nosso espanto,


feitas no Sábado, o dia consagrado ao Senhor. Mas Jesus dizia “Meu Pai trabalha
no Sábado e eu também”. Mas o que de mais grandioso tenhamos visto, talvez
tenha sido o milagre da transfiguração que presenciamos, em parte, no Monte
Tabor.

E embora ele dissesse que devíamos trabalhar não pela comida que perece mas
pela comida que permanece pela vida eterna, o vimos transformar 5 pães e 2
peixes em alimentos que saciaram mais de 5 mil pessoas.

Ele e a natureza pareciam ser Um e Ele aplacava as tempestades e andava sobre


as águas e dizia que nós, seus discípulos iríamos ceifar onde ele estava semeando.
Ao sairmos da sinagoga de Cafarnaum, onde Ele havia pregado, deu—nos mais
uma lição ao salvar a mulher adúltera de apedrejamento. Coramos todos de
vergonha quando ele nos perguntou: “Quem não tiver pecado que atire a primeira
pedra”.

Os acontecimentos então se sucederam muito rapidamente. Jesus ressuscitou a


Lázaro. E suas ações milagrosas já eram então conhecidas por muitos. E os
fariseus sentiram-se então ameaçados. Temiam que todos cressem em Jesus e
então os romanos tirariam deles o poder e eles perderiam o seu lugar. Começava
a perseguição.

Quando entramos em Jerusalém, com os ramos de palmeira e Jesus sentado em


cima de um jumento, como diziam as Escrituras, já havia um prenúncio de morte
e traição.

Recebemos então nossas últimas instruções e um pedido para que não nos
dispersássemos e fossemos cada um para uma parte do mundo. Tranqüilizou-nos
ao dizer que não nos preocupássemos em saber como falar ou o que dizer. Tudo
nos seria concedido naquela hora pois não seríamos nós a falar e sim o Espírito de
nosso Pai que falaria em nós.

Mas na última ceia que fizemos, ouvi estarrecido que um de nós haveria de traí-lo.
Aquilo me chocou tanto que instintivamente reclinei minha cabeça em seu peito,
como se eu pudesse reconfortá-lo. Tudo o que nos disse, porém, pode ser
resumido em uma só frase: “Ameis uns aos outros, como eu vos amei”.

“Eu, João, irmão vosso e companheiro


convosco na aflição, no reino, e na
perseverança em Jesus, estava na ilha
chamada Patmos por causa da palavra de
Deus e do testemunho de Jesus.

Eu fui arrebatado em espírito no dia do


Senhor, e ouvi por detrás de mim uma
grande voz, como de trombeta, que dizia:
O que vês, escreve-o num livro, e envia-o
às sete igrejas: a Éfeso, a Esmirna, a
Pérgamo, a Tiatira, a Sardes, a Filadélfia
e a Laodicéia.”

Assistimos inertes a sua prisão. E fazendo valer o prestígio de minha família, pude
entrar no sinédrio e acompanhar então aqueles momentos mais terríveis de minha
vida, ao ver o meu amado Mestre açoitado, esbofeteado, coroado com espinhos e,
por fim, crucificado. Foi neste momento, tendo me aproximado junto com sua
mãe, Maria, o mais perto possível da cruz que O sustentava, que O ouvi dizer
agonizando: “Mulher, eis ai o teu filho” e me disse então: “Eis ai tua mãe”. Ele me
confiava então a guarda de sua mãe ou, quem sabe, seria o contrário.

E tudo se consumou e nós seus discípulos nos escondemos com medo e soubemos
então por Maria Madalena que a pedra do seu túmulo havia sido retirada. Eu e
Pedro corremos ao sepulcro e eu fui o primeiro a chegar mas parei na soleira. E
Pedro entrou e constatou que seu corpo não estava mais lá. E eu entrei também e
confirmei com meus próprios olhos.

Mais tarde saberíamos que, como Ele havia previsto, ressuscitara e, para nossa
alegria, Ele nos visitaria e sopraria sobre nós o Espírito Santo. E outras vezes Ele
apareceria e nos abençoaria. Tudo conforme nos dissera e tudo como estava
escrito.

E chegou o dia de Pentecostes e quando estávamos todos reunidos, o Espírito


Santo baixou sobre nós e repentinamente começamos a falar noutras línguas e
com havia gentes de todos os lugares, ficaram espantados em ouvir sua própria
língua e julgaram-nos bêbados. Mas Pedro falou então à multidão e nós, os
apóstolos, compreendemos mais uma vez que era a hora de iniciarmos nossa
missão. Nós, os doze, teríamos a partir de então uma só missão, um só objetivo.

Muitos venderam suas propriedades e partiram para levar a palavra do Senhor. E


como Ele nos havia ensinado e pelo poder a nós concedido, em Seu nome, eu e
Pedro curamos, com a impostação de mãos, a um coxo e então, como Ele, fomos
levados ao sinédrio, mas já não tínhamos medo e já não podíamos deixar de falar
o que tínhamos visto e ouvido. E o clamor do povo já era tanto que só restou aos
fariseus soltar-nos.

E assim começamos nossa missão, levando a boa nova aos homens de boa
vontade. Logo a reação, no entanto, se fez surgir e fomos levados ao cárcere e
açoitados. Mas regozijava-mos por estar padecendo pelos que afrontaram Jesus e
o Anjo do Senhor sempre esteve conosco em nossas horas mais difíceis.

Em Samaria, onde outrora meu espírito impetuoso e vingativo pedira ao Senhor


que carbonizasse com fogo celestial aqueles impuros, pude, dessa vez, com a
ajuda de Filipe, purificá-los com o calor da presença divina.

Pregamos em toda Israel e já éramos muitos. E Saulo aquele que nos perseguia
foi então convertido e junto com ele e Barnabé fomos levar a palavra do Senhor a
Chipre e foi lá, na Antióquia, que nós fomos chamados pela primeira vez de
cristãos. Notícias tristes porém chegaram ao nosso conhecimento. Herodes
mandara matar meu irmão Tiago e prendera Pedro novamente. Tudo pela glória
do Senhor.

Voltamos então à Jerusalém para realizarmos uma grande assembléia e discutir


nossos futuros destinos. De lá parti para Éfeso e percorri boa parte da Ásia
edificando igrejas e ensinando aquilo que me fora ensinado. Muitos novos
discípulos de Cristo foram formados então. Árduo foi o nosso trabalho, pois Éfeso
era uma grande cidade romana onde os pagãos adoravam seus falsos deuses no
gigantesco templo de Artêmis. Mas Paulo que passara anteriormente por lá fizera
um excelente trabalho. Não obstante, quando lá cheguei havia muitos falsos
profetas, charlatões de toda espécie que iludiam o povo desvirtuando os
ensinamentos de Cristo. Mostrei-lhes que os verdadeiros espíritos provêm de Deus
e não da Terra e que era preciso colocá-los à prova, pois como Paulo havia
previsto, após sua partida lobos verozes haveriam de penetrar no seio da
comunidade.

No poder estava o cruel imperador romano Domiciano e as perseguições contra os


cristãos recrudesceram o que me obrigou a partir repentinamente. Fui à Roma ter
com Pedro mas a fúria do Imperador me alcançou e fui levado novamente ao
cárcere onde tentaram me envenenar mas o Anjo do Senhor deu-me o sinal
salvador.

Resolveram então desterrar-me exilando-me na hostil e solitária Ilha de Patmos,


onde fui condenado a trabalhos forçados nas pedreiras e minas.

Não poupavam nem um velho como eu. Mas eu o fazia de bom grado e sempre
em nome do Senhor. Em minhas horas vagas recolhia-me em uma pequena gruta,
que fiz de minha casa, onde podia meditar frente a imensidão do Mar Egeu. Ali
descansava e ali escrevia.

E no dia do Senhor, estando eu em minha solitária caverna, fui arrebatado em


espírito e ouvi detrás de mim uma grande voz, forte como uma trombeta. Dizia-
me a voz que eu deveria escrever um livro e enviá-lo, como orientação, às sete
igrejas da Ásia. Foi então que vi no meio de sete castiçais de fogo alguém
semelhante ao Filho do Homem que dizia que eu não temesse pois quem lá estava
era o primeiro e o último. Postei-me aos seus pés e recebi a ordem de escrever
todas as coisas que eu havia visto, as que são e as que hão de acontecer. Tive
então uma grande e assustadora revelação, uma visão tremenda de coisas que
brevemente deverão acontecer. Tudo escrevi e tudo enviei às sete igrejas,
anunciando aos nossos perseguidos irmãos cristãos, conforme me fora dito, que
Cristo triunfaria sobre os poderes do mal.

Muito me foi revelado e só então pude compreender as palavras de Jesus quando


disse que eu haveria de permanecer até que Ele viesse.

Permaneci em Patmos por 18 meses e quando o Imperador Domiciano foi


assassinado e Nerva assumiu o poder de Roma, houve por bem reconsiderar
muitas punições e reparar muitas injustiças. E libertaram-me então e retornei a
Éfeso para dar continuidade ao meu trabalho onde cumpri a promessa de relatar
tudo o que vi e testemunhei. Havia muitas coisas a serem ditas mas o
fundamental era que todos entendessem que no princípio era o Verbo e o Verbo se
fez carne e habitou entre nós e pudemos então ver sua glória, a glória que o filho
único recebe do Pai, cheio de graça e de verdade.

Existem, porém, muitas outras coisas que Jesus fez mas se fosse escrevê-las,
todas elas, o mundo todo não poderia conter os livros que seriam escritos.

Mais um imperador passou e outro assumiu, mas a palavra do Senhor ficou e quis
Ele que eu vivesse bastante e tivesse paciência e sabedoria para esperar o
momento certo. E agora, já centenário, sinto que, como cada um dos meus onze
irmãos, cumpri o meu dever.

Acredito que minha hora chegou e meus discípulos julgam-me tão velho que fico
sempre repetindo a mesma coisa:” Filhinhos, amai-vos uns aos outros”. Digo-lhes
então que é mandamento do Senhor. Ademais, se só isso for feito, terá sido o
bastante”.

JOÃO – LIBRA

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