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TENDÊNCIAS ATUAIS DA PESQUISA EM LINGÜÍSTICA APLICADA

Maria Aparecida Garcia LOPES-ROSSI


Universidade de Taubaté - UNITAU

Resumo. Este artigo apresenta, em linhas gerais, as tendências atuais da pesquisa


em Lingüística Aplicada (LA) e os métodos de pesquisa mais utilizados na área a fim
de familiarizar o estudante iniciante em Lingüística Aplicada com o tema. Inicia-se
com uma rápida incursão pelos focos de interesse dos lingüistas e complementa-se
com comentários sobre o percurso da LA como área de pesquisa, seu caráter
interdisciplinar e sobre as principais características das pesquisas em LA.

1 Apresentação do artigo

Este artigo apresenta, em linhas gerais, as tendências atuais da


pesquisa em Lingüística Aplicada (LA) e os métodos de pesquisa mais
utilizados na área a fim de familiarizar o estudante iniciante em Lingüística
Aplicada com o tema. Inicia-se com uma rápida incursão pelos focos de
interesse dos lingüistas e complementa-se com comentários sobre o percurso
da LA como área de pesquisa, seu caráter interdisciplinar e sobre as principais
características das pesquisas em LA.

2 Breve comentário sobre focos de interesse dos lingüistas

A Lingüística pode ser definida, de acordo com Lobato (1986), como o


estudo científico da linguagem verbal humana (língua oral e escrita). Como
ciência, busca responder, no aspecto geral: "o que há nas línguas humanas
que lhes atribui caráter único e as distingue dos demais sistemas de
comunicação?"; no aspecto específico, busca responder: "o que as diferentes
línguas têm em comum e o que as diferencia entre si?".

O início da Lingüística como ciência moderna é marcado pela publicação


de Cours de Linguistique Générale, do lingüista suíço Ferdinand de Saussure,
em 1916. Os inúmeros aspectos da língua passíveis de estudo - ou
subsistemas da língua – originaram, a partir dessa data, diferentes áreas de
estudo da Lingüística, em diferentes épocas. Alguns momentos de
concentração de interesse em algumas áreas (não são as únicas possíveis), de
acordo com Castro (1993), são: anos 30: fonologia; anos 40 e início dos 50,
morfologia; final dos anos 50 e anos 60, sintaxe e semântica.
Nessas áreas, privilegia-se a língua "em si mesma" e "por si mesma".
Alguns autores usam o termo "Lingüística" num sentido estrito (micro),
considerando como pertencentes a essa ciência apenas as áreas de fonologia,
morfologia e sintaxe, como Roulet (1978, p. 81). O fenômeno lingüístico é
descrito de maneira predominantemente formalista, a partir de um número
restrito de princípios e de um corpus de análise (pressuposto do método
positivista), como comentam Mussalim e Bentes (2001). Nota-se que o objeto
de estudo dessa fase da Lingüística é a língua, “concebida simplesmente como
um código ou um sistema de sinais autônomo, transparente, sem história e fora
da realidade social dos falantes”.

Essa atenção ao sistema e não aos episódios de uso da linguagem talvez


justifique, em parte, que um questionamento sobre o ensino de língua
portuguesa e de línguas estrangeiras tenha sido retardado até o final dos anos
70 do século XX.

A partir dos anos 60, a atenção dos pesquisadores voltou-se para o uso e o
funcionamento lingüístico com implicações que são próprias às condições de
produção real da língua, ou seja, para a atividade discursiva com todos os
fatores nela envolvidos. Com freqüência, passa-se a falar em linguagem mais
do que em língua. Passaram a integrar os estudos lingüísticos – "Lingüística"
entendida agora num sentido macro – , além dos anteriormente citados, temas
como: contexto, falante, ouvinte, referente, enunciado, enunciador, espaço de
interação, fatores socioculturais, entre outros. Algumas das áreas surgidas a
partir de então (não necessariamente nesta ordem) foram: semântica
argumentativa, sociolingüística, psicolingüística, pragmática, lingüística textual,
análise do discurso, análise da conversação, lingüística histórica (numa
perspectiva diferente da do séc. XIX), lingüística aplicada (no seu início,
entendida como subárea da Lingüística).

Marcuschi e Salomão (2004, p. 15), comentando um conjunto de textos


sobre fundamentos epistemológicos da Lingüística moderna, afirmam: “A
Lingüística não se recusa a analisar todos os problemas que dizem respeito a
aspectos formais e estruturais, processos comunicativos e interativos,
cognitivos e (sócio)históricos que envolvem o ser humano em suas atividades

2
diárias. Afinal, a linguagem é o maior empreendimento conjunto do ser humano
e não pode ser cercado de um lado apenas.”

A partir dessa nova perspectiva, o fenômeno lingüístico passou a ser visto


como um fenômeno sócio-cultural, fundamentalmente heterogêneo e em
constante processo de mudança. Em decorrência dessa mudança de enfoque
dos estudos da linguagem, práticas de uso da linguagem em situações
específicas antes consideradas fora do escopo da Lingüística passaram a
interessar aos estudos lingüísticos. A concepção de língua ampliou-se e sua
definição, como comenta Marcuschi (2005, p. 152), pode ser:

A língua não é sequer uma estrutura; ela é estruturada


simultaneamente em vários planos, tais como o fonológico, o
sintático, o semântico e o cognitivo, que se organizam no
processo de enunciação. A língua é um fenômeno cultural,
histórico, social e cognitivo que varia ao longo do tempo e de
acordo com os falantes: ela se manifesta no seu funcionamento
e é sensível ao contexto.

3 O desenvolvimento de outras áreas relacionadas à Educação

Nessa época em que os focos de interesse dos lingüistas se


diversificaram e ampliaram, também ocorriam desenvolvimentos significativos
em outras ciências relacionadas à educação. Como comentam Williams e
Burden (1997), a psicologia cognitiva, a partir dos anos 60, voltou-se a
estudos sobre atenção, percepção, memória, funcionamento da mente. Na
área específica da aprendizagem, o psicólogo Jean Piaget desenvolveu a
teoria construtivista, segundo a qual a criança participa ativamente do processo
de aprendizagem, desde o nascimento, na construção de um sentido pessoal
para o mundo a partir de suas próprias experiências. Outro enfoque
psicológico relacionado ao contrutivismo foi o humanismo, cujo principal
representante, Carl Rogers, defendeu uma aprendizagem significativa
relacionada a pensamentos, sentimentos, emoções dos alunos, com respeito
às suas diferenças.

Também as traduções para o ocidente (em 1962 e 1978) de textos do


psicólogo russo Vygotsky contribuíram muito para as pesquisas sobre ensino
e aprendizagem. Esse autor demonstrou que o ser humano dá sentido ao
mundo pela interação diária com as pessoas, desde o nascimento. A

3
construção das funções psíquicas da criança foi vinculada à apropriação da
cultura humana, por meio de relações interpessoais na sociedade à qual
pertence. A criança se desenvolve à medida que, orientada por adultos ou
companheiros, se apropria da cultura elaborada pela humanidade. A
linguagem é um fator importante para o desenvolvimento mental da criança,
exercendo uma função organizadora e planejadora de seu pensamento, ao
mesmo tempo que lhe permite interagir socialmente e adquirir conceitos sobre
o mundo que a rodeia, apropriando-se da experiência acumulada pela
humanidade no decurso da história social.

4 A Lingüística Aplicada (LA)

Nesse contexto de ampliação dos horizontes dos estudos lingüísticos e


educacionais, a partir dos anos 60, cresceu a preocupação entre os lingüistas
com o ensino de línguas, como comenta Celani (1992), de forma que a
Lingüística Aplicada (LA) se constituiu uma área de pesquisa. Inicialmente a LA
foi entendida como subárea da Lingüística. Até hoje é assim classificada pelo
CNPq. Voltava-se apenas ao ensino e aprendizagem de línguas e era
considerada consumidora e não produtora de teorias. Nessa concepção, já
ultrapassada, a LA subordinava-se à Lingüística, como as outras áreas citadas
no item 2.

Na concepção atual, a LA é considerada como área interdisciplinar,


empenhada na solução de problemas humanos que derivam dos vários usos
da linguagem, de acordo com Celani (1992, p. 20) e (1998, p. 132). Assim, de
acordo com a autora, uma visão pluri/multi/interdisciplinar da LA poderia ser
representada por uma integração com muitas outras áreas, tais como:

Comunicação Social .............. Didática


..........
Psicologia cognitiva Lingüística
Educação Aplicada Lingüística
História Sociologia
Psicologia do desenvolvimento

4
Moita Lopes (1996, p. 114), a respeito dessa visão interdisciplinar da LA,
afirma:
O lingüista aplicado, partindo de um problema com o qual as
pessoas se deparam ao usar a linguagem na prática social e
em um contexto de ação, procura subsídios em várias
disciplinas que possam iluminar teoricamente a questão em
jogo, ou seja, que possam ajudar a esclarecê-la.

Não há dúvida de que a interface da LA com a Lingüística é muito forte


uma vez que o objeto de estudo de ambas é a língua, ainda que em
perspectivas diferentes. No entanto, deve-se notar que, dependendo do tema
e do objetivo da pesquisa em LA, a interdisciplinaridade pode ser maior com
algumas áreas específicas. Alguns exemplos: pesquisas sobre problemas de
ensino e aprendizagem relacionados a aspectos de interação professor-aluno
beneficiam-se muito de teorias da Psicologia e da Educação; pesquisa sobre
aprendizagem de segunda língua com enfoque em dificuldades gramaticais
específicas beneficiam-se de teorias lingüísticas; pesquisa sobre
caracterização de gêneros discursivos da esfera jornalística ou publicitária
utilizam-se de teorias da Comunicação Social; pesquisas sobre o ensino de
tópicos gramaticais em grande variação na língua falada necessitam de
fundamentos teóricos da sociolingüística.

O ensino de línguas – materna e estrangeiras – sempre foi uma área de


forte atuação da LA e vem passando por mudanças de concepção muito
significativas. A idéia de que a língua poderia ser estudada apenas como um
sistema de regras foi substituída pela de que a linguagem deve ser
considerada pela escola numa dimensão bem mais ampla. Os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN; BRASIL, 1998, p. 20), capitalizando
conhecimentos das últimas décadas da Lingüística e da Lingüística Aplicada,
propõem que as atividades de ensino de língua materna tenham sempre em
foco a linguagem

[...] como ação interindividual orientada por uma finalidade


específica, um processo de interlocução que se realiza nas
práticas sociais existentes nos diferentes grupos da sociedade,
nos distintos momentos de sua história. [...] Nessa perspectiva,
língua é um sistema de signos específico, histórico e social,
que possibilita a homens e mulheres significar o mundo e a
sociedade. Aprendê-la é aprender não somente palavras e
saber combiná-las em expressões complexas, mas apreender

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pragmaticamente seus significados culturais e, com eles, os
modos pelos quais as pessoas entendem e interpretam a
realidade e a si mesmas. Interagir pela linguagem significa
realizar uma atividade discursiva: dizer alguma coisa a alguém,
de uma determinada forma, num determinado contexto
histórico e em determinadas circunstâncias de interlocução.

Um rápido exame em cadernos de resumos de congressos da área,


como os do Congresso Brasileiro de Lingüística Aplicada (CBLA) e os do
Intercâmbio de Pesquisas em Lingüística Aplicada da PUC-SP (InPLA), mostra
que temas como gêneros discursivos no ensino de leitura e produção escrita,
caracterização de gêneros discursivos, formação de professores, práticas
docentes, afetividade e cognição, novas tecnologias no ensino, educação a
distância, práticas discursivas em ambientes educacionais, entre muitos outros,
passaram a integrar a pauta das pesquisas em LA.

Embora ressaltemos essa significativa contribuição da LA para o ensino


de línguas, é importante lembrar que essa ciência não se restringe apenas ao
ensino. De acordo com Moita Lopes (1996, p. 123):

Há uma preocupação cada vez maior em LA com a


investigação de problemas de uso da linguagem em contextos
de ação ou em contextos institucionais, ou seja, há um
interesse pelo estudo das pessoas no mundo.

Kleiman (1998, p. 70) comenta que o foco de interesse da LA não é a


linguagem em si, mas o conhecimento das práticas de uso e de aprendizagem
da língua em instituições, porque seu conhecimento pode ajudar a entender os
fatores que condicionam as práticas institucionais (sociais). Nesse sentido,
afirma a autora, a LA tem relevância social “uma vez que as práticas
institucionais, em geral, inibem o desenvolvimento dos grupos minoritários”.

As linhas de pesquisa predominantes na LA atual, de acordo com Celani


(1998, p. 136), são:

• interação em contextos institucionais e informais, incluindo-se neste


caso contextos específicos tais como, negócios, sala de aula,
médico/paciente, análise crítica do discurso;

• interação em aprendizagem, incluindo letramento, aprendizagem de


segunda língua, interações transculturais e intraculturais em contexto

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pedagógico. O foco das pesquisas é sociocultural, discursivo e
psicológico;

• aquisição e desenvolvimento da linguagem (materna e estrangeira) e


ensino de língua, incluindo aquisição e desenvolvimento de escrita,
leitura, habilidade oral;

• tradução, do ponto de vista da teoria, da prática e do ensino.

Celani (1998, p. 142) conclui seu artigo comentando a seguinte frase de


Faure (1992; apud Celani, 1998): "O pesquisador interdisciplinar, mais do que
qualquer outro, é um nômade, um rei sem reino". A autora comenta que não há
problema em ser nômade "se isso significar liberdade, amplitude de ação".
Quanto a ser um rei sem reino, pergunta: "há lugar para reinos no domínio do
saber?"

5 Métodos de investigação científica em Lingüística e Lingüística


Aplicada

De acordo com Salomon (1993), a metodologia científica é a disciplina que


ensina o "caminho", quer dizer, as normas técnicas que devem ser seguidas na
pesquisa científica. Uma pesquisa (ou investigação) científica pressupõe o
emprego de método científico, definido por Lakatos e Marconi (1991, p. 83) como:
“o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança e
economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos válidos e verdadeiros – ,
traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e auxiliando as decisões do
cientista”.

O estudioso de qualquer matéria deve cultivar o espírito científico. Nas


palavras de Cervo e Bervian (1983, p. 18), isso “é, antes de mais nada, uma
atitude ou disposição subjetiva do pesquisador que busca soluções sérias, com
métodos adequados, para o problema que enfrenta. Essa atitude não é inata na
pessoa. É conquistada ao longo da vida, à custa de muitos esforços e exercícios”.

Os conceitos de ciência e de método científico têm sido objeto de


controvérsia através dos tempos, como comenta Lobato (1986). A tendência
atual é a rejeição da existência de um método científico unificado, válido para

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qualquer ciência. Aceita-se uma multiplicidade de métodos de investigação,
sendo esses métodos variáveis de ciência para ciência.

Vejamos esquematicamente o que se observa em termos de métodos de


pesquisa na Língüística, de acordo com Lobato (1986) e Coracini (1991).

Especialmente até os anos 60, eram usados métodos de interpretação


de base positivista para os dados da língua; as análises baseavam-se em uma
certa quantidade de dados - corpus - obtidos de amostras de fala (gravada ou
transcrita) e escrita (trechos extraídos de jornais, livros, redações etc.) –
acreditava-se que só assim a objetividade seria obtida; pesquisas
quantitativas, uso de estatísticas; hipóteses teóricas propostas deveriam ser
comprovadas pelos dados. O método indutivo é o que usa nessa perspectiva
metodológica: observação dos dados para posterior construção de uma teoria;
controle de variáveis de modo a se demonstrarem relações de causa e efeito;
rejeição do uso de intuições do pesquisador. As pesquisas de base positivista
partem de um corpus que é produto do uso da linguagem.

Devemos ressaltar que a análise e diagnóstico de produto de uso da


linguagem não é em si uma má pesquisa. A resolução de problemas depende
de pesquisas dessa natureza para diagnósticos. Certas áreas da linguagem
ainda não foram estudadas e certos problemas não foram diagnosticados e,
portanto, podem beneficiar-se, numa primeira etapa, desse tipo de pesquisa,
embora hoje não se acredite no conceito de objetividade como outrora e na
seleção de dados desvinculada de uma concepção teórica. Outras áreas já
foram bem mapeadas e carecem de pesquisa para a resolução de problemas
já bem descritos. Para essas últimas, pesquisa de base positivista é inútil.

O gerativismo americano (a partir de 1957) passou a aceitar o uso de


intuições do pesquisador e dos sujeitos de pesquisa; nessa corrente teórica -
cujo objetivo é retratar o conhecimento mentalizado que os falantes/ouvintes
têm de sua língua - o lingüista cria seus dados (frases) para análise. Isso
significou uma forte quebra de paradigmas no que diz respeito a métodos

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considerados “científicos” e contribuiu significativamente para a discussão
sobre o tema. 1

Atualmente admite-se que qualquer seleção e análise de corpus se faz


com o auxílio da intuição e com base em concepções teóricas do pesquisador,
tanto na coleta de dados quanto no estabelecimento das relações entre os
aspectos da língua a serem analisados. A aceitação dessa noção de
cientificidade da lingüística admitindo-se que a escolha de um corpus de
análise é dependente de alguma concepção teórica decorre das idéias do
filósofo da ciência Popper. 2

Faraco (1991, p. 58), comentando sobre o fato de a diversidade teórica


não ser apenas um fenômeno desejável, mas uma necessidade lógica, afirma:

Como não temos o dom da onisciência, nem o poder de


apreensão global instantânea do mundo, nossas aproximações
científicas do real são sempre parciais: fazemos recortes nele,
construindo nossos objetos de estudo, e formulamos hipóteses
explicativas para esses recortes. [...] Isso não significa que a
ciência seja toda ela condicionada apenas pelas crenças e
valores dos cientistas. Há uma tensão permanente entre as
teorias e o real , o que constitui, por assim dizer, um dos
aspectos específicos e diferenciadores da ciência em contraste
com outras formas de conhecimento (a arte ou o saber prático,
por exemplo).

1
A noção de quebra de paradigma foi estabelecida por Thomas Kuhn, filósofo da ciência. A partir da
citação de livros clássicos sobre ciências naturais, Kuhn (1987, p. 30-32) afirma:
[...] esses e muitos outros trabalhos serviram, por algum tempo, para definir implicitamente os
problemas e métodos legítimos de um campo de pesquisa para as gerações posteriores de
praticantes da ciência. Puderam fazer isso porque partilhavam duas características essenciais. Suas
realizações foram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidários,
afastando-os de outras formas de atividade científica dissimilares. Simultaneamente, suas
realizações eram suficientemente abertas para deixar toda a espécie de problemas para serem
resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da ciência.
Daqui por diante deverei referir-me às realizações que partilham essas duas características como
‘paradigmas’ [...]. Com a escolha do termo pretendo sugerir que alguns exemplos aceitos na
prática científica real - exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e
instrumentação - proporcionam modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da
pesquisa científica. [...] O estudo dos paradigmas [...] é o que prepara basicamente o estudante
para ser membro da comunidade científica determinada na qual atuará mais tarde. Uma vez que
ali o estudante reúne-se a homens que aprenderam as bases de seu campo de estudo a partir dos
mesmos modelos concretos, sua prática subseqüente raramente irá provocar desacordo declarado
sobre pontos fundamentais. Homens cuja pesquisa está baseada em paradigmas compartilhados
estão comprometidos com as mesmas regras e padrões para a prática científica. Esse
comprometimento e o consenso aparente que produz são pré-requisitos para a ciência normal, isto
é, para a gênese e a continuação de uma tradição de pesquisa determinada.” [...] As
transformações de paradigmas [...] são revoluções científicas e a transição sucessiva de um
paradigma a outro, por meio de uma revolução, é o padrão usual de desenvolvimento da ciência
amadurecida .
2
Mais informações sobre esse assunto podem ser encontradas em Coracini, 1991.

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De acordo com Moita Lopes (1996), a LA tem se utilizado de diferentes
métodos e privilegiado diferentes enfoques à medida que vai se estabelecendo
como área científica autônoma. Algumas de suas tendências, limitações e
méritos, quando voltada ao ensino de línguas, são:

• investigação teórico-especulativa baseada em informação teórica


advinda principalmente da Lingüística. A limitação: a descrição de
um fato lingüístico não tem uma relação direta com o ato de
ensinar/aprender línguas; professores e alunos não são
considerados.

• investigação do produto de ensino/aprendizagem; submissão dos


alunos a testes ou atividades para coleta de dados. Pesquisa
quantitativa orientada para a sala de aula. A limitação: o processo de
ensino/aprendizagem fica fora do alcance do pesquisador.

• pesquisa de caráter introspectivo, com base em análise de protocolo


verbal com o objetivo de revelar aspectos do processamento
cognitivo do sujeito de pesquisa; pesquisa qualitativa (baseia-se em
poucos sujeitos de pesquisa). As limitações: o sujeito não revela
muitos aspectos de seu processamento cognitivo por não ter
consciência deles; outros elementos que interagem no processo de
ensino/aprendizagem ficam fora da pesquisa.

• pesquisa baseada em análise interativista, pesquisador utiliza-se de


uma grade de categorias previamente estabelecidas com objetivo de
detectar o comportamento de professores e alunos em ação em sala
de aula 3. As limitações: resultados expressos em números que são
tratados estatisticamente; baseia-se em categorias definidas
anteriormente à investigação.

• pesquisas que enfocam o processo de ensinar/aprender línguas,


realizadas na sala de aula de línguas (pesquisas interpretativistas).
Observam-se dois tipos básicos: 1) pesquisa diagnóstico –
investigação do processo de ensinar/aprender conforme realizado em
sala de aula; qualitativa.; 2) pesquisa de intervenção – investiga a

3
Ver: Cavalcante e Moita Lopes (1991).

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possibilidade de se modificar a situação existente em sala de aula.
Tendência para a pesquisa qualitativa, notadamente de natureza
etnográfica – preponderante hoje em dia, descrição narrativa da vida
diária da sala de aula a partir de observação participante, diários,
entrevistas, gravações de aulas. Essa é a tendência mais moderna,
voltada aos processos sociointeracionais envolvidos na construção
do conhecimento; o professor pode ser o pesquisador (pesquisa-
ação). Foco no processo de uso da linguagem.

Podemos observar que grandes transformações ocorreram nos métodos


de pesquisa em Lingüistica e Lingüistica Aplicada, especialmente na segunda
metade do século XX. Os estudos sobre a linguagem humana passaram por
verdadeiras "revoluções científicas", por "quebras de paradigmas", se nos
basearmos na teoria de Kuhn (1987).

Para concluir essa seção, devemos lembrar que, de acordo com Kuhn
(1987, p. 38), "para ser aceita como paradigma, uma teoria deve parecer
melhor que suas competidoras, mas não precisa (e de fato isso nunca
acontece) explicar todos os fatos com os quais pode ser confrontada".
Também não precisa derrotar todas as teorias competidoras. Daí se explica a
diversidade teórica existente em todos os campos de pesquisa.

Para os alunos iniciantes na pesquisa em Lingüística Aplicada , bem


como em qualquer outra ciência, é bem apropriada a seguinte citação de
Faraco (1991, p. 59):

Como se vê, a ciência, – além de caracterizada pela


diversidade teórica – é, em conseqüência dessa mesma
diversidade, uma atividade em que a crítica, a polêmica, a
controvérsia, o pôr em dúvida, o debate são ingredientes
indispensáveis: eles é que nos preservam do dogmatismo, do
obscurantismo, do irracionalismo que são a morte da própria
ciência.
Quem se inicia numa disciplina científica precisa, portanto,
buscar compreender as suas polêmicas, o que significa ter
condições de explicitar os fundamentos de cada uma, bem
como sua retórica específica, isto é, os processos de
argumentação predominantes.
Deve também ter como objetivo delas participar, o que significa
amadurecer sua capacidade de trabalhar, não de forma
aleatória ou impressionista, mas dentro de um sistema teórico,
conhecendo seus fundamentos empíricos, seus pressupostos

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filosóficos, seus métodos e sua localização no conjunto da
história da disciplina.

6 Considerações finais

Em pesquisas de Lingüística Aplicada centradas no ensino e


aprendizagem de línguas, como as que constituem o enfoque do Programa de
Pós-Graduação em Lingüística Aplicada da UNITAU, temos também como
referência o fato de que os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (BRASIL,
1998) – baseiam sua proposta de ensino na concepção sócio-discursiva de
linguagem e nos avanços da Lingüística Aplicada.

O conceito mais recente de língua subjaz aos objetivos para o ensino de


língua portuguesa e, como observou Geraldi (1998, p. 19) a respeito do ensino
de produção de textos – e aqui me aproprio de suas palavras para o ensino de
línguas de modo geral – , não se trata "de mero gosto por novas terminologias.
Por trás dessa troca de termos, outras concepções estão envolvidas".

No que se refere ao ensino de Língua Portuguesa, buscamos a


consecução de seu objetivo geral proposto pelos PCN:

[...] criar situações nas quais o aluno amplie o domínio ativo do


discurso nas diversas situações comunicativas, sobretudo nas
instâncias públicas de uso da linguagem, de modo a possibilitar
sua inserção efetiva no mundo da escrita, ampliando suas
possibilidades de participação social no exercício da cidadania.
(MARCUSCHI, 2004, p. 266)

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