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ESCOLA DE ENSINO SUPERIOR MADRE CELESTE – ESMAC

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FILOSOFIA GERAL E JURÍDICA

Trabalho apresentado à disciplina de Filosofia Geral e Jurídica, ministrada pelo Prof.


Dr. Rui Martins, para a obtenção da nota referente à atividade avaliativa do 2º NPC
do curso de Direito da ESMAC.

Alunos : Anderson Patrick Rodrigues Matrícula 2310111


Diego Cardins macedo Mendes Matrícula 2310114
Edynaldo Nunes Rodrigues Matricula 2310382
Emanuelle nazaré Poni Pereira Matrícula 2310197
Evelyne Cristina Modesto da Silva Matrícula 2310462
Gabriel dos santos Ferreira Matrícula 2310133
Jackeline Marques vasconcelos Matrícula 1808931
Leandro Pinheiro de Oliveira Matrícula 2310135
Sophia Lobato dos Santos Matrícula 2310452

Data: 28/11/2023

BELÉM
2023
INTRODUÇÃO - RELIGIÕES MATRIZES AFRICANAS E PRECONCEITO

Em primeiro lugar, é importante definirmos o que é intolerância religiosa. Essa


pode ser entendida como uma prática configurada pelo não reconhecimento da
veracidade de outras religiões. Ligada a incapacidade dos indivíduos em compreenderem
crenças e práticas diferentes das suas e nos casos concretos de manifestações de
discriminações e intolerância no campo prático. Também estão conectadas com a
perspectiva do poder e a relação entre dominante e dominado, pois sua atitude de
intolerância só se pode promover aquele que tem mais poder.
Em relação aos casos de intolerância religiosa no Brasil, podemos citar os dados
do Disque 100, criado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos, os quais apontam
697 casos de intolerância religiosa entre 2011 e dezembro de 2015.
As matrizes africanas deram origem a diversas manifestações sagradas no Brasil, além
daquelas mais famosas como o Candomblé e Umbanda, existem adeptos de tradições
como jarê, terecô e xangô de Pernambuco, o Batuque, do Rio Grande do Sul e o Tambor
de Mina, variação do candomblé no Maranhão.
Essas tradições e religiões podem ser diferenciadas pelos seus rituais e história,
possuindo diversas especificidades, ainda que compartilhem filosofias e influências
similares advindas do continente africano. Segundo o professor Juarez Xavier, da
UNESP, as religiões de matriz africana podem ser divididas em três grupos: brasileiras,
como a umbanda, afro-brasileiras, como o candomblé de caboclo, e afro-descendentes
que, ainda que originadas no Brasil, reivindicam os processos de organização das
religiões da África, como o ketu e o jêje.
O Candomblé, por exemplo, é um termo genérico usado para designar tradições
criadas ou recriadas no Brasil por povos originários, principalmente, de países atualmente
conhecidos como Angola, Nigéria e República do Benim. Dessa maneira, considera-se
que, ainda que algumas tradições tenham sido criadas de forma única no Brasil, a religião
resgata a herança cultura religiosa ancestral e milenar africana que chegou ao país no
período da escravidão.
De acordo com Alexandre Cumino, “O candomblé faz parte de uma resistência
espiritual dos povos africanos escravizados no Brasil”. É uma religião dividida entre três
grandes nações, as quais se distinguem pelas divindades cultuadas e os idiomas
utilizados nas celebrações religiosas, sendo elas a Nação Angola, Jeje e Nagô, as quais
apresentam inúmeros subgrupos com características próprias.
A Umbanda, por outro lado, foi fundada por um brasileiro, Zélio de Moraes, no dia 15 de
novembro de 1908, constituída a partir de influências africanas, cristãs, espíritas e
indígenas. Ela é caracterizada, ainda, como uma religião que adota comunicações com
espíritos, fruto da influência do espiritismo, diferentemente do Candomblé.
Além disso, a Umbanda é uma religião monoteísta, isso significa dizer que
reconhece a existência de um único deus chamado Olorum, abaixo do qual existem
outras divindades cultuadas como os orixás (também cultuados no candomblé) e as
entidades ou guias protetores (espíritos ancestrais). De acordo com Alexandre Cumino,
apesar das religiões africanas não serem codificadas, ou seja, não possuírem livros
sagrados e serem marcadas por tradições orais, a Umbanda estuda os livros de outras
religiões e outros diversos de sua doutrina.
Desse modo, as religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda,
são frequentemente alvo de preconceito religioso no Brasil. Essas religiões foram trazidas
para o Brasil pelos escravos africanos durante o período colonial e, desde então, têm
sido alvo de discriminação e intolerância religiosa. O preconceito religioso contra as
religiões de matriz africana é frequentemente associado ao racismo, pois muitos dos
seguidores dessas religiões são negros. Além disso, essas religiões são frequentemente
mal compreendidas e estereotipadas, o que contribui para a intolerância religiosa, Essas
religiões foram historicamente marginalizadas social e institucionalmente , e suas entidades
e divindades foram demonizadas e criminalizadas no período colonial.
1. RELATÓRIO DA VISITA, AO TERREIRO TAMBOR DE MINA

Terreiro de tambor de Mina, caracterizado por ser uma religião que tem o
transe como início dos cultos cerimoniais, guiado por religiosos de graus mais
elevados ou a iniciação completa. Na ocasião da visita, realizada no sábado, dia 25
de novembro, presenciou-se um dia de gira, ou seja, um dia de culto religioso, onde
percebeu-se diferentes formas de transe nos religiosos.
Na ocasião, observamos que no início do ritual os integrantes da casa tomam
banhos de ervas que é chamado de “banho de descarga” que é uma forma de
purificar o corpo, para que posteriormente receba uma entidade. Logo após banho
começa “o chamado” para que o incorporante receba a sua entidade, esse chamado
é feito através de músicas da religião, alguns dos instrumentos usados foram o
“atabaque” e o “adjá. (instrumentos musicais de percussão africano da família dos
membranofones percutidos. É usualmente tocado em rituais religiosos afro-
brasileiros como o candomblé e umbanda, empregado para convocar as entidades,
rixás,inquices e voduns). Durante a “gira” são oferecidos aos caboclos cerveja,
cachaça e cigarro, ao final da gira é feito novamente um banho nos incorporantes.
Após o culto, tivemos a oportunidade de conversar com a mãe de Santo da
casa, Karlla Divana. Questionamos sobre o preconceito que as religiões de matrizes
africanas sofrem, na ocasião, ela nos relatou várias situações de intolerância
religiosa. Como quando no dia em que ela estava fazendo a defumação da casa e
uma vizinha veio reclamar, dizendo que não queria que aquele cheiro chegasse até
a sua residência, na ocasião a mãe de santo explicou a vizinha que ela não podia
mandar no vento, que é uma força da natureza. Ela relatou que essa mesma vizinha
tinha uma arvore no seu quintal, que dessa arvore caiam muitas folhas, e
periodicamente essa vizinha juntava as folhas e as queimava, e a fumaça ia para
toda a vizinhança, então ela questionou com a vizinha, que ela não poderia impedir
que aquela fumaça invadisse a casa dos vizinhos, assim como ela também não
podia impedir que o cheiro da defumação saísse do terreiro. No final as duas
conseguiram chegar a um acordo e hoje vivem em harmonia e respeito. Na mesma
ocasião Karla nos relatou que uma outra vizinha reclamava do culto, e espalhava
boatos que dentro do terreiro eram feitos trabalhos para prejudicá-la. Karla em
contrapartida disse que nunca recorreu à justiça em busca dos seus direitos,
sempre tentou apaziguar os conflitos, e tem tido muito sucesso, nos relatou que hoje
em dia alguns vizinhos, já participam das festas dentro do terreiro, e aceitam
comidas que são feitas lá.

Imagem 01: Mãe de santo, Karlla Divana.


Imagem2: Atabaque (do árabe "al-Tabaq": "prato") é um instrumento musical de percussão
africano da família dos membranofones percutidos. É usualmente tocado em rituais
religiosos afro-brasileiros como o candomblé e umbanda, empregado para convocar as
entidades (orixás, inquices e voduns).

Imagem 3: O Adjá, também conhecido por Adjarin, ou Ajá, ou Aajá, é uma sineta de metal,
muito utilizada pelos. sacerdotes da Umbanda em diversas ocasiões.
Imagem 4: Ibá orixá (em iorubá: igbá òrìṣà)[1] ou somente ibá é o assentamento sagrado
dos Orixás na cultura nagô-vodum, onde são colocados apetrechos e fetiches inerentes a
cada um deles na feitura de santo.

Nessa pesquisa, fizemos o uso da netnografia, colocamos algumas imagens


e vídeos de cultos e rituais das reliogiões aficanas nos stories do Instagram, e
fizemos a seguinte pergunta “o que você sente ao ver essas imagens?”. Levando
em consideração que 90% das repostas foram negativas, chegamos a conclusão
que Lombroso e sua teoria seguem vivos. A seguir, algumas dessas respostas:
Cesare Lombroso foi um médico criminologista que publicou, dentre outras
obras, & quot;O Homem Delinquente” em 1876 e “ A mulher delinquente, a prostituta e a
mulher normal, em 1893. Apoiado pela escola positivista einfluenciado pelo pensamento
científico evolucionista, Lombroso considera o crime um fenômeno natural e real (sendo a
pessoa criminosa incapaz deexercer o livre arbítrio); também é atemporal necessitando,
portanto, ser estudado em sua etiologia, isto é, a identificação das suas causas como
fenômeno, de modo a se poder combatê-lo em sua própria raiz, com eficácia, com
programas de prevenção realistas e científicos.

Lombroso Seguiu a teoria de tipologia racial de Robert Knox, que naturalizou a


supremacia da raça branca sobre as demais raças conhecidas no século XIX, teoria esta,
posteriormente ampliada e sistematizada por Gobineau que condicionou o avanço da
civilização às ações da raça considerada, por ele, como superior, ou seja, a raça branca.
Apoiou-se também nas teorias evolutivas, especialmente no conceito de Darwinismo social,
criado por Ludwig Gumplowicz, em 1875, trazendo para as questões raciais o conceito de
adaptabilidade e determinismo citados por Darwin na obra “ A origem das espécies”.

Lombroso influenciou os estudos de criminologia no Brasil, contribuindo para a


naturalização da marginalização de negros, negras, homossexuais, moradores de localidades
pobres ou em situação de rua. Teve influência direta no Código Penal Brasileiro de 1890
resultando em não punição aos brancos agressores dos escravizados no pós-escravidão e na
punição dos negros ex-escravizados , principalmente tornando crime a capoeira e a “vadiagem”
(ato de permanecer na rua, ainda que por motivos de moradia ou falta de), empurrando os negros
para longe das metrópoles, para a marginalização social; e, posteriormente, proibindo o ingresso
de pessoas negras no Brasil, enquanto aos brancos vindos da Europa eram bem-vindos e aqui
recebiam todos os incentivos sociais que foram negados aos negros libertos da escravidão, tais
como terra para moradia, alimentação, emprego e garantia de salário.

A influência do pensamento lombrosiano andou de mãos dadas com a formação do


povo brasileiro, demonizando as expressões culturais, religiosas e políticas da população negra
residente no Brasil, tanto de forma velada quanto física, principalmente no que diz respeito às
religiões de matriz afro, quanto aos costumes atribuídos às populações periféricas, de maioria
negra, incluindo determinados tipos de música, expressões artísticas desvalorizadas como o pixo,
a capoeira, as xilogravuras e danças como o tambor de crioula, o lundu e o samba de roda
( antes de ser apropriado por pessoas brancas como algo positivo).
2. APARELHAGEM CARABAO

Para análise antropológica do público da aparelhagem CARABAO, escolhemos a


casa de show “Carioca Music”; um empreendimento novo, localizado na Av. Augusto Montenegro,
na cidade de Belém do Pará que, diferentemente dos empreendimentos anteriores de mesma
finalidade, realizados no mesmo local, propõe-se a atender um público diferenciado, mais seleto,
com espaços refinados, preço não tão acessível e ênfase na segurança de seus clientes.
Quanto ao espaço físico, a casa de show divide-se em três ambientes: o primeiro é
composto por uma varanda bem iluminada, com cadeiras e mesas de boa qualidade e voltado
preferencialmente para atender o happy hour; o segundo ambiente fica no interior do
empreendimento, e é composto pelo salão principal, bar, cozinha, restaurantes, banheiros e
espaço para música ao vivo, de estilo intimista e acústico; o terceiro, por fim, com acesso pela
lateral direita a casa de show, fica ao fundo do empreendimento, e é composto por uma grande
arena coberta e acusticamente isolada, camarotes laterais amplos e confortáveis, área vip com
bar privativo em mezanino de frente para o palco, banheiros e bares laterais. Todos os
ambientes muito limpos, bem decorados, e climatizados, a exceção da varanda que também
funciona como espaço para fumantes.

Imagem 01: casa de show Carioca Music

imagem 01: Entrada da arena coberta da casa de show Carioca


Music. 2023.
Imagem 02: Arena coberta da casa de show Carioca Music

Imagem 02: arena coberta da casa de show, onde realizou-se a


apresentação da aparelhagem CARABAU. 2023.

Imagem 03: Som de aparelhagem “CARABAO”

Imagem 03: apresentação da aparelhagem CARABAO, na arena


coberta da casa de show Carioca Music. 2023.

Quanto ao público, verificou-se elevado número de pessoas não pretas, bem-vestidas,


consumindo bebidas caras e um elevado número de baldes de cervejas prestigiadas pela classe
média, como Heineken, Stela, Becks e Império, enquanto filmavam e fotografavam o espaço com
seus smartphones, em maioria “iphones”, inclusive o mais recente: o “iphone 15”, cujo valor está
entre R$10.799 e R$12.250 ,dependendo da especificação deste modelo de smartphone vendido
pela marca Apple, considerada por muitos como uma marca de prestígio e valor social.
Imagem 04: público da aparelhagem “CARABAO

Imagem 04: público presente na apresentação da aparelhagem


CARABAO, na arena coberta da casa de show Carioca Music.
2023.

As pessoas pretas que ali estavam enquanto público pagante, ainda que em menor
número, também se apresentavam bem-vestidas, ostentando uma boa condição financeira e não
demonstravam qualquer desconforto ao estarem entre pessoas não pretas. Importante destacar
que, quanto aos funcionários do local, as recepcionistas do primeiro e segundo ambientes são
pessoas não pretas, os garçons, todos de pele mais clara, o que pode ser classificado como
pardos; enquanto, no terceiro ambiente, toda a equipe de segurança, de serviços gerais e de
serviço de mesas é composta por pessoas pretas diferenciadas apenas pela tonalidade de suas
peles. Apenas as funcionárias responsáveis pelas caixas dos bares laterais eram mulheres não
pretas. Tal quadro nos atenta para uma questão: estamos diante de uma casa que reproduz o
racismo estrutural que determina aos não brancos trabalhos braçais e de serviço ou servidão, ou
apenas de uma coincidência?
Na ocasião da visita, antes da aparelhagem CARABAO, houve a apresentação da
banda “Nosso Tom”. Banda de pagode romântico, famosa no Estado do Pará e por ocupar palcos
de locais voltados para um público mais seleto. O que reforça o caráter mais elitista da casa de
show, ainda que traga como apresentação principal uma aparelhagem de som, equipamento
característico de uma cultura marginalizada na sociedade paraense por “chamar” para essas
festas pessoas periféricas, majoritariamente pretas e em situação social e econômica vulnerável.
Estamos, pois, diante de uma inversão cultural que coloca a aparelhagem em um outro patamar,
agora com valor aceitável para pessoas de classe social mais elevada.
Se, por um lado, podemos identificar na dinâmica da casa de show Carioca Music
uma reiteração das ideias defendidas por Cesare Lombroso e outros teóricos das teorias raciais
dos séculos XVII a XIX, que ainda estruturam a sociedade atual e condicionam pessoas pretas a
cargos laborais destinados a força e serviços, sob supervisão de pessoas brancas, e não a
cargos de confiança, responsabilidades e de socialização/ divulgação/ propaganda/ cartão de
visita/ cara do espaço; por outro, temos uma aparelhagem de som que até pouco tempo era
característica de espaços não valorizados culturalmente por tratarem-se de espaços de pessoas
periféricas, em maioria preta, pobre e à mercê de todo tipo de vulnerabilidades, inclusive a vida
criminal; o que nos coloca diante de uma outra questão: o CARABAO ao ocupar espaços
elitizados está reescrevendo a história da cultura preta periférica paraense ou estamos diante de
um caso de apropriação cultural por parte da elite, que usa a aparelhagem, signo da cultura preta
do estado para buscar lucro pelo lucro?
Essa questão é difícil de ser respondida sem uma profunda reflexão sobre a luta do
movimento negro no estado do Pará, sobre quais políticas públicas possibilitaram essa mudança
de espaço, se é que alguma política pública é responsável por isso; se esses espaços são
inclusivos ao povo periférico ou apenas se apoderam do que lhes é valor cultural enquanto os
repelem do gozo desse valor; se o público de uma aparelhagem devidamente vestido e
apresentável a caráter para este evento, quando na periferia, será bem recebido nesses espaços
ou não; e, principalmente, quais as relações sociais, econômicas e raciais estruturam a dinâmica
cotidiana da casa de show Carioca Music.

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