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Data: 28/11/2023
BELÉM
2023
INTRODUÇÃO - RELIGIÕES MATRIZES AFRICANAS E PRECONCEITO
Terreiro de tambor de Mina, caracterizado por ser uma religião que tem o
transe como início dos cultos cerimoniais, guiado por religiosos de graus mais
elevados ou a iniciação completa. Na ocasião da visita, realizada no sábado, dia 25
de novembro, presenciou-se um dia de gira, ou seja, um dia de culto religioso, onde
percebeu-se diferentes formas de transe nos religiosos.
Na ocasião, observamos que no início do ritual os integrantes da casa tomam
banhos de ervas que é chamado de “banho de descarga” que é uma forma de
purificar o corpo, para que posteriormente receba uma entidade. Logo após banho
começa “o chamado” para que o incorporante receba a sua entidade, esse chamado
é feito através de músicas da religião, alguns dos instrumentos usados foram o
“atabaque” e o “adjá. (instrumentos musicais de percussão africano da família dos
membranofones percutidos. É usualmente tocado em rituais religiosos afro-
brasileiros como o candomblé e umbanda, empregado para convocar as entidades,
rixás,inquices e voduns). Durante a “gira” são oferecidos aos caboclos cerveja,
cachaça e cigarro, ao final da gira é feito novamente um banho nos incorporantes.
Após o culto, tivemos a oportunidade de conversar com a mãe de Santo da
casa, Karlla Divana. Questionamos sobre o preconceito que as religiões de matrizes
africanas sofrem, na ocasião, ela nos relatou várias situações de intolerância
religiosa. Como quando no dia em que ela estava fazendo a defumação da casa e
uma vizinha veio reclamar, dizendo que não queria que aquele cheiro chegasse até
a sua residência, na ocasião a mãe de santo explicou a vizinha que ela não podia
mandar no vento, que é uma força da natureza. Ela relatou que essa mesma vizinha
tinha uma arvore no seu quintal, que dessa arvore caiam muitas folhas, e
periodicamente essa vizinha juntava as folhas e as queimava, e a fumaça ia para
toda a vizinhança, então ela questionou com a vizinha, que ela não poderia impedir
que aquela fumaça invadisse a casa dos vizinhos, assim como ela também não
podia impedir que o cheiro da defumação saísse do terreiro. No final as duas
conseguiram chegar a um acordo e hoje vivem em harmonia e respeito. Na mesma
ocasião Karla nos relatou que uma outra vizinha reclamava do culto, e espalhava
boatos que dentro do terreiro eram feitos trabalhos para prejudicá-la. Karla em
contrapartida disse que nunca recorreu à justiça em busca dos seus direitos,
sempre tentou apaziguar os conflitos, e tem tido muito sucesso, nos relatou que hoje
em dia alguns vizinhos, já participam das festas dentro do terreiro, e aceitam
comidas que são feitas lá.
Imagem 3: O Adjá, também conhecido por Adjarin, ou Ajá, ou Aajá, é uma sineta de metal,
muito utilizada pelos. sacerdotes da Umbanda em diversas ocasiões.
Imagem 4: Ibá orixá (em iorubá: igbá òrìṣà)[1] ou somente ibá é o assentamento sagrado
dos Orixás na cultura nagô-vodum, onde são colocados apetrechos e fetiches inerentes a
cada um deles na feitura de santo.
As pessoas pretas que ali estavam enquanto público pagante, ainda que em menor
número, também se apresentavam bem-vestidas, ostentando uma boa condição financeira e não
demonstravam qualquer desconforto ao estarem entre pessoas não pretas. Importante destacar
que, quanto aos funcionários do local, as recepcionistas do primeiro e segundo ambientes são
pessoas não pretas, os garçons, todos de pele mais clara, o que pode ser classificado como
pardos; enquanto, no terceiro ambiente, toda a equipe de segurança, de serviços gerais e de
serviço de mesas é composta por pessoas pretas diferenciadas apenas pela tonalidade de suas
peles. Apenas as funcionárias responsáveis pelas caixas dos bares laterais eram mulheres não
pretas. Tal quadro nos atenta para uma questão: estamos diante de uma casa que reproduz o
racismo estrutural que determina aos não brancos trabalhos braçais e de serviço ou servidão, ou
apenas de uma coincidência?
Na ocasião da visita, antes da aparelhagem CARABAO, houve a apresentação da
banda “Nosso Tom”. Banda de pagode romântico, famosa no Estado do Pará e por ocupar palcos
de locais voltados para um público mais seleto. O que reforça o caráter mais elitista da casa de
show, ainda que traga como apresentação principal uma aparelhagem de som, equipamento
característico de uma cultura marginalizada na sociedade paraense por “chamar” para essas
festas pessoas periféricas, majoritariamente pretas e em situação social e econômica vulnerável.
Estamos, pois, diante de uma inversão cultural que coloca a aparelhagem em um outro patamar,
agora com valor aceitável para pessoas de classe social mais elevada.
Se, por um lado, podemos identificar na dinâmica da casa de show Carioca Music
uma reiteração das ideias defendidas por Cesare Lombroso e outros teóricos das teorias raciais
dos séculos XVII a XIX, que ainda estruturam a sociedade atual e condicionam pessoas pretas a
cargos laborais destinados a força e serviços, sob supervisão de pessoas brancas, e não a
cargos de confiança, responsabilidades e de socialização/ divulgação/ propaganda/ cartão de
visita/ cara do espaço; por outro, temos uma aparelhagem de som que até pouco tempo era
característica de espaços não valorizados culturalmente por tratarem-se de espaços de pessoas
periféricas, em maioria preta, pobre e à mercê de todo tipo de vulnerabilidades, inclusive a vida
criminal; o que nos coloca diante de uma outra questão: o CARABAO ao ocupar espaços
elitizados está reescrevendo a história da cultura preta periférica paraense ou estamos diante de
um caso de apropriação cultural por parte da elite, que usa a aparelhagem, signo da cultura preta
do estado para buscar lucro pelo lucro?
Essa questão é difícil de ser respondida sem uma profunda reflexão sobre a luta do
movimento negro no estado do Pará, sobre quais políticas públicas possibilitaram essa mudança
de espaço, se é que alguma política pública é responsável por isso; se esses espaços são
inclusivos ao povo periférico ou apenas se apoderam do que lhes é valor cultural enquanto os
repelem do gozo desse valor; se o público de uma aparelhagem devidamente vestido e
apresentável a caráter para este evento, quando na periferia, será bem recebido nesses espaços
ou não; e, principalmente, quais as relações sociais, econômicas e raciais estruturam a dinâmica
cotidiana da casa de show Carioca Music.