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BRAND AND CONSUMPTION GLOBAL TREND RESEARCH

#walk

MARCOS

abu dhabi
#02
HILLER
ABU DHABI
brand and consumption
global trend research

#walk 2

MARCOS HILLER

Fotos
Érico Luis Hiller

Design
Juliana Mortari

ISBN: 9788590770466
Patrocínio

Apoio
Projeto em Vídeo

#walk 2
Além do formato eBook, o projeto WALK Abu Dhabi
também está disponível em vídeo.

Uma série de web-estórias estão disponíveis nas redes sociais


de Marcos Hiller e no site projetowalk.com.br

assista!

www.projetowalk.com.br
Siga também o Projeto Walk no Instagram
SOBRE
O AUTOR

MARCOS
-HILLER
M
arcos Hiller é mestre em Comunicação
e Práticas do Consumo pela ESPM. É
professor convidado de escolas de negócio
como FIA-USP, FGV Management e PUC-PR,
onde leciona e ministra palestras sobre temas
relacionados ao universo da marca, consumo,
cultura digital e tendências. Nos últimos anos marcos@hillerconsulting.com.br

tem se dedicado à pesquisa de tendências


por todo o mundo, no seu projeto WALK. Hiller
tem 39 anos e vive em Campinas/SP.
05
PREFÁCIO

um olhar sobre o
desconhecido
U
Essa é a primeira impressão que temos
ao pensar numa viagem com destino aos
Emirados Árabes Unidos, ainda mais quando
nos referimos à Abu Dhabi, uma cidade jovem
e de cultura estonteante.

Localizada a uma distância de 40 minutos


de carro a partir de Dubai, conhecida pelos
maiores shoppings do mundo e arquitetura
exuberante de arranha céus, encontramos
uma cidade autêntica e em busca de reco-
nhecimento cultural.

Supervisora de marketing na Etihad Airways É isso mesmo, a capital dos Emirados Árabes

juliana
Unidos, construída há 50 anos, busca sua mo-
dernidade e o reconhecimento cultural atra-
vés da Arte. A cidade abrigará o primeiro mu-
seu do Louvre fora da famosa Paris, e outros

ribeiro
nomes de peso, como o museu Guggenheim.

Como sempre estamos munidos de um pré


conceito quando viajamos, lemos muito sobre
o destino e nos baseamos no olhar de outros
viajantes, mas nunca conseguimos identificar
o real sentimento de experienciar a cidade
de destino como fazemos pesssoalmente.

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PREFÁCIO

E Abu Dhabi me provou isso. Ainda recordo


minha primeira visita à Abu Dhabi, há 4 anos,
era minha primeira viagem considerada ex-
cêntrica, porém, a cidade me ganhou!

Esse é, simplesmente, o estilo de viagem que


me atrai. Uma cidade calma e com uma beleza
“natural”, sem a extravagância de prédios gi-
gantescos ou de shoppings intitulados “maio-
res do mundo”. Mesmo sem os maiores sho-
ppings, a cidade acomoda as maiores e mais
famosas marcas globais, entre elas: Louis
Vuitton, Gucci, Channel, Dior e muitas outras.

Devido a sua reserva de petróleo, Abu Dhabi


possui uma população muito rica, o que eleva
os padrões luxuosos da cidade, é comum ver-
mos muitas mulheres carregando inúmeras
sacolas de suas marcas favoritas. Uma cultu-
ra intrigante e um comportamento de consu-
mo extravagante. Todos as particularidades
observadas e estudadas através pelo olhar do
autor e pesquisador Marcos Hiller, em mais
uma empolgante edição do projeto WALK.

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o projeto

walk ganha um segundo passo

E
m 2015, nasceu o WALK, um projeto de No ano de 2016, o projeto WALK deu um se-
investigação de tendências de consumo gundo passo. Justamente para dar um con-
ao redor o mundo. A primeira edição foi pela tra-ponto em relação ao que vimos na edição
cidade de Nova York e contou com o apoio da novaiorquina, decidimos ir para um mercado
Copa Airlines. O resultado dessa mirada in- mais distante, mais peculiar e que reunia, à
vestigativa foi a edição 1 do eBook que pode princípio, características mais latentes de
ser baixado em marcoshiller.com.br/walk. marcas de luxo. Aterrissamos em Abu Dhabi,

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01

Vista da sacada da suíte do Ritz Carlton Abu Dhabi Grand Canal,


onde se pode ver a labiríntica piscina e a praia privativa e artificial mais ao fundo.

um fulgurante e potente metróple global. Para Ao contrário da primeira edição do WALK


essa segunda edição, a Etihad Airways, gen- Nova York, onde produzi as fotografias com
tilmente, nos cedeu 2 passagens áreas (ida e um iPhone, dessa vez estive com o fotógrafo
volta) de Guarulhos para Abu Dhabi. O Por- Érico Hiller ao meu lado como um genuíno
tal Administradores e o Habibs nos apoiaram curador visual do projeto. Nas páginas a se-
financeiramente. A Mizuno que nos cedeu guir espero que você evidencie a diferença,
vestuário da mais alta qualidade e pares de o refinamento estético e o salto de qualidade
tênis extremamente confortáveis. A Chronus que WALK ganhou. Outro shift que a ida de
Viagens nos forneceu diárias de hotel. Além Érico Hiller trouxe foi a produção de algumas
do Ritz-Carlton Abu Dhabi Grand Canal que web-estórias em formato de vídeo e que estão
nos ofereceu hospedagem no seu magnífico disponíveis nas minhas redes sociais.
hotel, o Ray´s Grill que nos brindou com um Enfim, após um trabalho preliminar feito com
delicioso almoço na Etihad Tower e o Ferrari muito esmero, reunimos todas as melhores
World que nos presenteou com ingressos de condições possíveis para darmos nosso me-
acesso ao parque. Registro aqui novamente lhor e executarmos nosso trabalho de ob-
o meu muito obrigado a todas essas empre- servação e análise. Chegou a hora de dar-
sas que acreditaram no projeto WALK. Sem mos o pontapé inicial de nossa pesquisa.
elas, esse projeto não seria possível de ser Após o procedimento de portas, apertamos
concretizado. Esse livro pronto é o resultado o cinto e decolamos para cerca de 14 horas
de um esforço coletivo. de vôo até Abu Dhabi.
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“antes tudo
era vivido,
e agora se esvai na representação“ Guy Debord, 1967

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a calibragem do olhar
para tendências
Hiller no pátio central
da maior mesquita do país.

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A finar o seu olhar para capturar tendências


é tarefa árdua. Não é algo fácil, automá-
tico e hermético. Exige preparação. Tanto na
antropologia José Ribeiro. A etnografia, tipo
de pesquisa cada vez mais usada no univer-
so das marcas hoje em dia, é um esforço in-
primeira missão do projeto WALK em Nova vestigativo baseado em uma visão atenta e
York, como nesse segundo passo no mundo disponível para o inesperado e para os cha-
árabe, parti do conceito que tendência é um mamentos dos fenômenos que estamos nos
movimento que se destaca pela sua conti- debruçando. Essa postura metodológica foi
nuidade e que perpassa pelas mais diversas essencial para a pesquisa uma vez que o tra-
manifestações socioculturais. balho de campo, em muitas situações, con-
Recorri a um tipo de pesquisa de caráter ex- sistirá além da observação e da ação, o regis-
ploratória, mais precisamente ao método et- tro por meio de fotografia digital.
nográfico que implica em espantarmo-nos E foi municiado dessa perspectiva e com
com o que nos é familiar, próximo e em tornar esse espírito, essencialmente curioso, que
familiar o que inicialmente nos era estranho, parti para mais essa audaciosa jornada.
estrangeiro, conforme nos ensina o doutor em

O nome WALK não é uma simples retórica, pois em um projeto como esse caminha-se muito, cerca
de 10 Km por dia. E o Mizuno Wave Prophecy foi o modelo de tênis gentilmente cedido
pela Alpargatas para o pesquisador Marcos Hiller.

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por que

abu dhabi?
A entrada do Ritz Carlton Grand Canal, com vista para a suntuosa
Mosque Zayed, a maior mesquita dos Emirados Árabes Unidos,
inaugurada em 2009.

O maior e mais rico dos sete emirados que


formam o país e sede do governo, Abu
Dhabi é a capital dos Emirados Árabes Unidos.
planeta, Dubai é a principal metrópole turís-
tica da região do golfo com números e atra-
ções realmente impressionantes. Uma delas,
É uma cidade que, por conta de suas altas sem dúvida, é o Burj Khalifa, o edifício mais
temperaturas em boa parte do ano, privilegia alto do mundo. E Dubai foi a primeira cida-
sempre a vida indoor, dentro de shopping, re- de a efetivamente incitar os olhares de via-
sidências, etc. Ao contrário de cidades que jantes ávidos por um novo e emergente des-
foram projetadas para se andar a pé, como tino de luxo. Quase que como uma relação
Londres, Nova York e Paris, Abu Dhabi, até simbiótica, Dubai e Abu Dhabi são duas ci-
mesmo por suas razões climáticas, é regida dades que coexistem e se auto beneficiam.
por movimentações indoor de suas habitan- Abu Dhabi é hoje o que Dubai foi ontem. Mas
tes e turistas. A proximidade com Dubai, que Abu Dhabi claramente hoje caminha com as
está à cerca de 150 Km de distância, também próprias pernas.
é um fator que não pode ser ignorado. Com Um fato relevante é que a cidade de Abu
um dos 3 aeroportos mais movimentados do Dhabi detém cerca de 9% das reservas

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Os jovens emirates “desfilam” pelos corredores de Abu Dhabi.

comprovadas de petróleo do mundo, o que construindo ao longo dos últimos 200 anos,
credencia a metrópole como uma potência na gênese da Modernidade, Abu Dhabi é
financeira mundial. E para a cidade não fi- uma cidade jovem, tem cerca de 50 anos de
que apenas assentada em uma monocultura vida. E sabemos que qualquer cidade é, em
do petróleo, ainda que muito possante, o go- grande medida, o resultado de uma série de
verno tem investido nos últimos em diversas movimentações sociais, culturais, religiosas,
outras frentes econômicas. Hoje Abu Dhabi é artísticas e econômicas. E Abu Dhabi é regida
uma das sedes do campeonato mundial de por essa dinâmica, mas que foi amplamente
Fórmula 1 desde 2009, e na carona disso foi acelerada a partir do vigor e da vontade de
inaugurado o Ferrari World. A maior mesqui- seus governantes em demonstrar o poderio
ta dos Emirados Árabes está localizada em financeiro-econômico deles. E em virtude dis-
Abu Dhabi, a Mosque Al Zayed, que mostra- so, ares de artificialidade saltam aos nossos
remos nesse livro. E até mesmo uma espécie olhos, tudo parece ser montado, ordenado, e
de filial do Museu do Louvre deve abrir portas poucos elementos parecem ser organicamen-
por lá nos próximos anos (era para ter sido te construídos. A prova disso é que por conta
inaugurado originalmente nesse ano de 2016, das elevadas temperaturas e da escassez de
mas por conta de restrições orçamentárias chuva, são construídas montanhas artificiais
advindos da crise do petróleo, a abertura do para provocar pancadas de chuvas na re-
museu foi postergada). gião, e até mesmo um mini fauna de pássaros
Ao contrário de outras grandes cidades são trazidos de longe para transparecer um
globais do mundo, como Nova York, Lon- certo tom de tropicalidade e vivacidade para
dres, São Paulo, que nasceram e foram se a cidade de Abu Dhabi.

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A própria vida social do cidadão nascido


em Abu Dhabi, ou o emirate, é regida
por um estar no mundo muito peculiar e que
destoa do que conhecemos aqui no Ocidente
como uma vida habitual. Ou seja, no Brasil,
por exemplo, e em boa parte dos países ao
nosso redor, somos regidos por uma lógica
social onde devemos nascer, crescer, estu-
dar, buscar um emprego, ganhar dinheiro,
poupar, comprar um automóvel, comprar um
imóvel próprio, casar, ter filhos, até envelhecer
Mulheres muçulmanas vestem a burka
e morrer. Para o emirate a lógica social é um e andam pelos corredores do Yas Mall.

tanto quanto diferente, pois pelo falo de ser


um país extremamente rico, o cidadão nasci- cidade tão sui generis como aquela cidade.
do em Abu Dhabi tem inúmeros benefícios do Claramente há um ator social urbano que
governo emirate e, com isso, mais facilidade anda pela cidade. Observa-se um número ex-
para adquirir bens, casa, carro, emprego, etc. pressivo de cidadãos, em sua maioria jovens,
E além disso, o país não é regido por que co- munidos de uma longa vestimenta de cor
nhecemos de monogamia, lá os homens po- branca, solitários ou em pequenos grupos,
dem ser casados com mais de uma mulher. andando pelos shoppings, e praticamente to-
E é óbvio que essas atípicas (ao nosso olhar) dos eles, munidos de aparelhos celular sem-
lógicas e idiossincrasias sociais e culturais pre da marca Apple iPhone 7 à mostra. Ao
não apenas afetam a vida das pessoas, como contrário do Ocidente, todos andando sem-
também interferem no modo que eles se rela- pre de uma forma nada frenética, sem pressa,
cionam, se vestem, se alimentam, vivem, ou falando ao celular e, com isso, formando uma
seja, afetam de forma incisiva o consumo. típica identidade social do “emirate” urbano.
Como um segundo e importante passo do As moças, em sua maioria, de religião muçul-
projeto WALK, faz sentido estar em Abu Dha- mana, vestem a burka de cor preta e que ocul-
bi nesse momento. A capital dos Emirados ta quase que inteiramente o corpo da mulher.
Árabes efetivamente começa a exercer um À mostra estão apenas os olhos e as mãos.
impacto significativo sobre o comércio, finan- E já apenas essas partes estão visíveis, que
ças, mídia, arte, moda, pesquisa, tecnologia sejam apresentadas de uma forma estetica-
e entretenimento de toda a região do golfo. A mente acintosa. Todos os olhos devidamen-
cada passo que um imprimi pela cidade, pro- te maquiados de uma forma carregada (ao
curava refletir e entender a dinâmica de uma nosso olhar), os relógios de marcas de grife

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Hiller na entrada do lindo Yas Mall para mais um dia de observações.

sempre aparecendo, além de bolsas, len- em conta o protagonismo e a representativi-


ços, echarpes e sacolas de lojas de marcas dade que a metrópole começa a ocupar no
globais como Dior, Chanel e Louis Vuitton. O universo do consumo global. Para atender
consumo de marcas de luxo serve como um aos objetivos iniciais da pesquisa que eram:
subterfúgio, como uma espécie de válvula de a) entender as lógicas de consumo na cidade
escape já que sua vaidade e feminilidade é de Abu Dhabi e b) evidenciar as manifesta-
aparentemente tolhida (pelo menos, aos nos- ções e narrativas das marcas; estruturou-se
sos olhares ocidentais), e visivelmente como o seguinte roteiro de investigação. Visitas e
uma estratégia de construção e potencializa- interação em pontos turísticos a cidade, além
ção de sua identidade. de estabelecimentos comerciais, que se ma-
A cidade de Abu Dhabi não é estudada com terializaram na forma de busca de informa-
tanta profusão por pesquisadores brasileiros, ções para que fosse possível identificar as
por isso, mais do que necessário ampliar a recorrências. Ao final da pesquisa de campo
metodologia partindo-se para pesquisa de que levou 6 dias, foram visitados 4 shopping
campo, do tipo exploratória, na metrópole centers e captadas mais de 900 fotos digitais,
árabe. O critério de escolha da cidade teve no mês de novembro de 2016.

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um captalismo
imagético
A ssim como fizemos na edição 1 do pro-
jeto WALK, antes de entrar no mote de
nossa pesquisa, é importante que coloque-
tornou-se essencialmente imagético. Ou seja,
há indubitavelmente uma miríade de elemen-
tos estéticos que vestem nossos tempos, que
mos alguns alicerces conceituais que cria- são advindos dos signos, traduzidos pelas
rão a pedra de toque de nosso olhar sobre marcas, e caracteriza o que chamamos aqui
as tendências de consumo. Partindo dessa de capitalismo imagético.
perspectiva, entender como se dão as trans- Nesse mundo em que vivemos, o design, o
formações ocorridas no modo de produção estilo, a estética e a beleza se impõem como
das mercadorias são bases essenciais para fatores imperativos estratégicos das mar-
compreender o fetichismo das imagens que cas. Sobretudo, em cidades-vitrine como
nos rodeiam. O sistema capitalista no qual es- Abu Dhabi, o excessivo apelo ao imaginá-
tamos inseridos introduz astutamente a mar- rio e a astúcia em despertar aspectos emo-
ca como um elemento central de estetização tivos em nós consumidores impulsionam o
das mercadorias, e parte da premissa que processo criativo de forma massiva e sobre-
os pilares produtivos do mundo que vivemos tudo por meio de mecanismos de sedução,

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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Duas moças muçulmanas ortodoxas entram na loja da marca Dior


dentro do Abu Dhabi Mall, o mais luxuoso da cidade.

no design, nas embalagens, nas coleções,


nas prateleiras, nos layouts de loja, na moda, Um olhar profícuo nessa construção das
na arte, nas mercadorias. imagens (por meio da marca) ganha uma
Dentro desse contexto, evidenciamos que a dimensão assustadora.
nova força motriz do capitalismo não é mais O consumo trafega nesse chamado turbo-
da produção, dos chamados homens da en- capitalismo como um verdadeiro veículo que
genharia. Esse motor agora vem dos executi- nos guia por meio de provocações estéticas,
vos de marketing, dos profissionais criativos e que resulta em comportamentos e em uma
e dos designers tidos como verdadeiros ar- espécie de pedagogia de modos de ser. So-
tistas. Nessa esteira, as grandes corporações mos regidos por um capitalismo imagético e
injetam a maior parcela de seu capital em fer- todos os nossos processos sociais passam
ramentas de marketing, publicidade, design, pelo consumo, pois os conteúdos simbólicos
e podendo ser até mais significativos que os criados projetam-se como verdadeiras insti-
investimentos na sua própria produção. A fe- tuições e, em muitos casos, se transcendem e
roz disputa do mercado da criação de ima- se ressignificam como elementos de riqueza,
gens, na sua grande maioria marcadas pela poder e vaidade. A marca vem e com ela já
efemeridade, tende a ser um prisma essencial não consumimos mais coisas e sim modos de
da concorrência entre as próprias empresas. estar nesse mundo.

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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Hiller, após as 14 horas de voo, na primeira manhã do projeto


circula pela área da piscina do Ritz Carlton Grand Canal.

No capitalismo imagético, o branding de um


certo estilo de vida não só identifica estilos
que já existe, como também o cria ao organi-
zar consumidores de acordo com caixinhas,
disseminados por meio dos discursos da pu-
Produtos da marca Stanley cirurgicamente dispostos blicidade e do marketing. Produz-se, nesse
em prateleiras de loja do Yas Mall.
sentido, objetos para cada uma variedade
de pessoas já pré-identificadas. E obviamen-
te isso rege nossos afetos, nossa subjetivi-
dade e consequentemente a construção de
nossas identidades.

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Em uma capital global como Abu Dhabi, as


marcas incessantemente perseguem a visibi- A imagem da marca está muito ligada à
lidade do nome mais do que fazer com que publicidade e o marketing, e mais que
a gente entenda a sua real utilidade ou para isso, o consumidor prima por soluções
serve aquele produto. E partindo dessas pre- que o satisfaça, com inovação e qualida-
missas conceituais e contextuais iniciamos de do produto.
nossa jornada investigativa.

Turistas advindos de países dos tigres asiáticos circulam pelos corredores do Yas Mall. Na foto, a menina segura um pau-de-selfie e as
demais posam para uma foto no The Cheesecake Factory, rede norte-americana de comidas do ocidente.

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nossa premissa:
a cultura
do consumo

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Marcas de luxo demarcam seu territorio no lobby da Etihad Tower.

P ara Everardo Rocha, antropólogo da


PUC-Rio, o consumo deve ser visto como
um estruturador de valores e práticas que
Um olhar muito disseminado no senso comum
diz que o consumo é um fenômeno de caráter
essencialmente pessoal e que diz respeito ao
regulam relações sociais e constroem identi- universo das compras e do consumismo como
dades. Um fenômeno que envolve diferentes um todo. No entanto, desde o surgimento da
dimensões da experiência humana. Por isso, Modernidade, há cerca de 200 anos, desde a
para ele, os valores produzidos para o consu- sua gênese, evidenciamos que o consumo é
mo, no campo das narrativas, seja a novela, a uma ação individual e uma atividade vincula-
publicidade ou filmes devem ser estudados, da à moral, à política, e sobretudo uma ques-
pois o consumo perpassa alguns aspectos da tão socioeconômica que pode até mesmo ser
nossa vida social, com uma força que pou- influenciada pelos espaços que habitamos,
cos fenômenos têm. Para o autor, o consumo pela arquitetura e pelo urbanismo. O consu-
é governado por representações coletivas, mo é algo central na nossa vida contempo-
emoções codificadas. Uma ordem cultural rânea e algo que atravessa de forma incisiva
que o inventa e sustenta. nosso estar no mundo.

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Os próprios objetos que nos rodeiam sempre


adquiriram significados culturalmente falan-
do, e também historicamente, na medida em
que foram e são utilizados para reproduzir as
nossas identidades, nossos gostos, nossos
atos. E toda e qualquer prática do consumo
é cultural porque sempre abarca significado
e porque esses significados envolvidos são
compartilhados. Todas as manifestações do
consumo são culturalmente específicas, ali-
ás é esse uma das principais peculiaridades
percebidas nos fenômenos da cidade de Abu
Dhabi. Por meio dessas formas de consumo
culturalmente específicas que produzimos e
reproduzimos culturas e relações sociais. E
essa tal reprodução social é transferida da Grandes cidades do mundo passaram a ser
cultura tradicional para o mercado, para as uma marca como o I AM STERDAM, BE BER-
lojas, onde os modos de vida indicam um LIN e até mesmo I LOVE NY, e Abu Dhabi
modelo cultural constituído essencialmente está claramente iniciando um trabalho nesse
de estéticas, representações, signos, mídia e sentido, a trabalhar seu discurso de cidade
que escoa no mundo que habitamos. global em torno de um conceito. Assim como
Portanto, nesse livro, parte-se da premis- as grandes marcas se utilizam de uma po-
sa que a cultura do consumo é um meio um derosa identidade visual ao transformar seu
tanto quanto privilegiado para se negociar a conceito em cultura por meio de uma vasta
nossa identidade e o status vigente na nos- variedade de canais, as cidades que adotam
sa sociedade, e representa uma importância essas estratégias do chamado “place bran-
latente de uma cultura como exercício de ci- ding” também usam estratégias similares.
dadania e poder. Vivemos em uma sociedade Os próprios sheiks, reis e governantes, que
que consumir é algo central, afinal quem não patrocinam e pilotam todo esse processo, se
consome, não existe em nossa sociedade, e apropriam da cultura. Não apenas isso, eles
negar as marcas, é negar o consumo, é negar estão criando uma nova cultura: um universo
o nosso estar no mundo. E as marcas presen- peculiar e único, com ares de artificialidade,
tes em Abu Dhabi conhecem, como ninguém, que olha para si mesmo, concebido com pes-
como se dão essas lógicas. soas de grife, marcas de luxo e confirma que
estamos inseridos em uma época em que
as marcas são cultura.

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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o consumo
indoor

C omo já foi mencionado anteriormente,


Abu Dhabi está localizada geografica-
mente em uma das regiões mais quente do
Ainda que de uma forma indoor, partimos do
argumento de que as marcas no mundo ára-
be estão praticamente em todos os lugares, e
planeta. E muito em função disso, os rituais todos os espaços são preenchidos por elas,
do consumo se dão em locais fechados, e de- sobretudo em espaços públicos. A globaliza-
vidamente controlados termicamente. Ao con- ção, ou o processo de mundialização como
trário de cidade como Londres e sua Oxford preferimos chamar, é um fenômeno oriundo
Street, Paris com a Champ Elysee, Nova York da redução progressiva das fronteiras, aliado
com a Quinta Avenida, que há décadas ofe- ao um acesso à informação instantânea em
rece ao mundo as suas próprias ruas e aveni- escala mundial, por meio de um fluxo intenso
das ao ar livre como espaços centrais dedica- e veloz de serviços, mercadorias e pessoas.
dos ao consumo, em Abu Dhabi isso inexiste. Até mesmo por conta desse aspecto, o fato

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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dos rituais indoor de consumo se darem em


locais fechados, faz com eles ganhem outra
dinâmica, outra cadência. A rua nos dá uma
sensação de compreensão do em torno de
uma forma mais clara, olhamos para o céu,
sentimos o clima, vivemos a cidade, já nos
templos do consumo, como os shoppings de
Abu Dhabi, a sensação é labiríntica, não é in-
tuitiva, e o próprio layout favorece esse leve
aturdimento, uma vez que mistura corredores
retos, em curvas, subidas, descidas, esca-
das, tudo em um projeto arquitetônico sempre
suntuoso e exuberante. E a cuidadosa cura-
doria de marcas é que protagoniza todo esse
processo. As marcas estão ali nos chamando
e nos provocando, vistas como culpadas por
esse processo pois estão na linha de frente.

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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As principais marcas que atuam no mundo


hoje, sobretudo as que estão presentes em imagem de marca como elemento de diferen-
cidades como Abu Dhabi, foram concebidas ciação, que fosse muito além da marca que
no começo do século passado, mas o inves- está estampada no produto.
timento nelas como propósito e essência de Esse universo habitado por produtos em gran-
marca acabou acontecendo bem depois, de escala constituiu claramente a paisagem
pois quando os elementos investidos nessa de nossa investigação etnográfica. E as cor-
construção tornaram a possibilidade de esco- porações com seus produtos mundializados
lha da marca mais objetiva. Em ambientes fe- e suas marcas facilmente identificáveis de
chados e cobertos como shopping, vemos de longe, balizam o espaço dos shoppings de
uma forma mais nítida uma verdadeira explo- Abu Dhabi. Sabemos que a marca, de algu-
são de produtos que parecem ser cada vez ma forma, denota um certo estabelecimento
mais iguais, commoditizados, pasteurizados, do padrão. Nesse sentido, pode-se dizer que
mas fabricados por empresas diferentes, o ela atua na busca da familiaridade em tudo
que torna ainda mais essencial construir uma que está ao nosso redor.

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BRAND AND CONSUMPTION TREND GLOBAL RESEARCH
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uma bricolagem
de paisagens The Ritz Carlton Grand Canal.

E ssencialmente, o que o turista-consumi-


dor vai procurar em destinos do mundo
árabe como Abu Dhabi, é a garantida de uma
cidade, modificando seus significados e, com
isso, podendo criar novos sentidos. Ao andar
pela cidade, vemos uma espécie de campo
qualidade bem específica, e geralmente con- de batalha do significado, marcado sobretu-
siderada superior. Essa espécie de anteparo do por imponências arquitetônicas.
se dá ao longo do tempo uma sólida base de Situado como pano de fundo da majestosa
relacionamento entre o consumidor e o pro- Mesquita Sheikh Zayed, o hotel evoca uma es-
dutor. Nesse sentido, uma clara curadoria de pécie de arquitetura do Renascimento Italia-
locais em Abu Dhabi que prezam por um ex- no, e revela um dos melhores hotéis luxuosos
cesso de experiências urbanas. de cinco estrelas em Abu Dhabi. Totalmente
No mundo em que vivemos, onde o mercado projetado com recursos de água, seus jardins
torna-se a grande força da cultura, as cidades cercam a sua localização frente ao mar, de-
globais tentam cumprir o seu papel de mate- notando aspectos de extrema tranquilidade
rializar o desejo do visitante, conferindo uma e relaxamento. Seus hóspedes sentem-se
certa estabilidade por meio de um padrão. E ao mesmo tempo em um local exuberante e
o padrão que Abu Dhabi parece ter escolhido discreto, e em acomodações luxuosas, com
é uma variedade de possibilidades. As pes- a presença de oito restaurantes, cada um ofe-
soas usam os significados das coisas de uma recendo uma experiência culinária única.

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Yas Viceroy
Y as Viceroy Abu Dhabi Hotel está locali- Claramente, a engenharia é a principal
zado dentro do Yas Marina Circuit, Abu característica do design do hotel. Com uma
Dhabi. É o primeiro hotel novo no mundo a extensão de 217 metros de cobertura de
ser construído dentro de um circuito da F1. O vidro e aço torcido, conhecida como Grid
Hotel, projetado por Hani Rashid e Lise Anne Shell, a arquitetura do “hotel-obra de arte”
Couture, diretores da arquitetura de Asympto- possui um sistema de iluminação LED in-
te, prestigiado escritório localizado em Nova corporando vídeos que são transmitidos ao
York, é composto por duas torres de doze an- longo de sua fachada.
dares, em meio a todo um complexo do circui- Concebida artificialmente no extremo leste do
to de corrida e muito próximo de uma marina. litoral de cidade de Abu Dhabi, a Yas Island
Asymptote criou e concebeu o edifício como onde está localizado o Hotel Yas Viceroy é
um marco arquitetônico que incorpora influ- uma espécie de ilha construída para o entre-
ências e inspirações locais e globais que vão tenimento, pois costuma abrigar os grandes
desde a estética e formas associadas que ex- eventos midiáticos da cidade. E foi o circo da
primem a ideia de velocidade, do espetáculo, F-1 que obviamente trouxe vida para essa re-
da arte, com geometrias que formam uma ex- gião, mesmo porque se localiza a poucos qui-
trema imponência e arrojo. lômetros do aeroporto internacional.

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a praia da
Ilha de Saadiyat
E m sentido oposto à Yas Island, totalmente
artificial e construída pelas mãos do ho-
mem, a Saadiyat Island já existia e era ape-
A areia, ainda que super refinada, parece ser
advinda de construção, e até mesmo as con-
nas um conjunto de praias desertas, vegeta- chas vem de longe, e há quem diga que as
ção rasteira peculiar e dunas desérticas. No ondas do mar também sejam um simulacro.
entanto, o avanço desenvolvimentista de Abu Tanto nos aparentes residentes como nos vi-
Dhabi atingiu esse espaço que tem como am- sitantes, evidencia-se uma pluralidade étnica,
bição se tornar o pólo de cultura dos Emira- mas com uma leve predominância de cida-
dos. O projeto do chamado Saadiyat Cultural dãos europeus, que desfilam pela praia com
Distict é extremamente audacioso e tem con- área de exclusividade. Ninguém consome ál-
clusão prevista para 2020. A ilha abrigará as cool no local, que é proibido no país, exceto
filiais do Louvre de Paris e do Museu Gugge- em hotéis, alguns restaurantes e lojas autori-
nheim, um dos mais visitados no mundo. zadas. Ao nosso sensório ocidental, a praia é
Em meio à Saadiyat Island visitamos uma praia um local essencial democrático, demarcado
em uma localização extremamente privilegia- pela natureza e que faz parte do cotidiano de
da dentro do distrito de Saadiyat. Por mais que muitas capitais brasileiras, por exemplo. Mas
ela já existisse, os ares de artificialidade pre- ao pisarmos na praia da Saadiyat Island nosso
valecem, e com enormes gruas no horizonte. sensório é remixado. O estar na praia é outro.

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louvre
Abu Dhabi
O Louvre Abu Dhabi é um museu ainda em
fase de construção, dentro da Saadiyat
Island. Originalmente a inauguração estava
centro de entretenimento.
No ano de 2007, o Museu do Louvre de Paris
anunciou que associaria o seu nome a este
prevista para 2013, mas atrasos, sobretudo novo museu de Abu Dhabi, como parte de um
por conta de crises mundiais do petróleo e acordo de trinta anos entre a cidade de Abu
consequentemente perda de liquidez, leva- Dhabi e o governo francês. O projeto do mu-
ram a prever a data de 2017 que também seu, desenhado pelo arquiteto francês Jean
tende a não acontecer. O projeto é que o mu- Nouvel, terá uma área total de 24 mil m² e o
seu do Louvre seja parte de um gigantesco custo da construção está estimado em 100
bairro cultural que está brotando na ilha de milhões de euros. A intenção é que o espaço
Saadiyat, junto a outros três museus e a um exiba obras de arte de todo o mundo, focando

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principalmente as pontes entre a arte ociden-


tal e a arte oriental.
Notadamente o projeto tem originado enor-
me controvérsia no mercado da arte, uma
vez que muitas objeções relativas à legitimi-
dade dos motivos financeiros do Louvre que
originaram o acordo. Muito mais do que uma
simples concessão de direito de uso de uma
marca, a ida do Louvre para Abu Dhabi tem
um viés simbólico, pois estamos falando do
maior, mais famoso e mais visitado museu do
mundo. É o museu que abriga a Monalisa de
Leonardo da Vinci. E magnetizar essa marca
para a Abu Dhabi denota o poderio e uma
certa megalomania do país árabe.
Além do Louvre, o projeto do Museu Gugge-
nheim também avança na ilha. E um terceiro,
o Zayed National Museum, que contará a his-
tória dos Emirados Árabes.
O Guggenheim Abu Dhabi, em especial, será
uma plataforma preeminente para arte e cul-
tura contemporânea. Irá celebrar a identidade
específica derivada das tradições culturais de
Abu Dhabi e Emirados Árabes Unidos, bem
como outros países do Oriente Médio. Assim
como os demais museus da rede, o Gugge-
nheim Abu Dhabi, foi desenhado por Frank
Gehry, um experimento no design inventi-
vo de museu do século XXI. O edifício defi-
ne uma nova abordagem para a experiência
do visitante do museu e apresenta uma visão
inovadora para ver a arte contemporânea no
contexto de uma paisagem desértica.

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consumo da fé
A principal atração de Abu Dhabi é um tem-
po religioso, é uma mesquita. A Grande
Mesquita Xeque Zayed foi construída toda em
mulheres devem cobrir a cabeça com véus,
devem usar blusas de manga comprida e usar
calças compridas e largas ou saias longas.
mármore branco da Macedônia e tem deta- São oferecidas gratuitamente batas brancas
lhes arquitetônicos que remetem a Marrocos, e burkas pretas para homens e mulheres fora
Turquia e até ao Taj Mahal. Construída duran- do padrão. Dentro do templo religioso, os
te 10 anos, entre 1996 e 2007, a mesquita tem abraços e beijos entre homens e mulheres
torres de até 107 metros de altura, que po- também são proibidos. Toda a pregação é de
dem ser vistos de boa parte da cidade. hora em hora. Indubitavelmente, há uma tea-
A mesquita é a maior do país e a única onde tralidade e uma dramatização extrema como
pessoas de origem não-islâmica podem ir estratégia comunicacional.
sozinhas, mesmo que os serviços religiosos O nome é uma homenagem ao xeque Zayed
sejam fechados. As regras de costume habi- bin Sultan Al Nahyan, que autorizou a cons-
tualmente são rígidas, onde os homens não trução da mesquita e que morreu em 2004.
podem entrar de bermuda e camiseta, e as O seu corpo está sepultado em uma câmara

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exclusiva dentro do templo, onde o Alcorão é


lido 24 horas por dia. Mas mesmo após sua
Turistas advindas de países como a
morte, Zayed é figura onipresente em Abu
China são maioria no local, e todas
Dhabi, sejam em quadro, posters, painéis gi-
munidas de seu smartphone com tela
gantes por toda a cidade. Fundador do país
grande e um inseparável pau-de-sel-
nos anos 70, seu rosto é visto em todos os
fie. Notadamente mais observam a
lugares, hotéis, estradas, sempre entre os
tela do aparelho do que o próprio lo-
retratos dos rostos dos filhos Khalifa, o atual
cal ao vivo a olho nu.
mandatário dos Emirados Árabes Unidos, e
Mohammed, o príncipe de Abu Dhabi.

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No interior da mesquita chamam a atenção tapete, o maior em peça única do mundo,


o painel onde estão os 99 nomes de Alá e que consumiu um ano de trabalho intenso de
um lustre central de 12 toneladas, cober- 1.200 artesãs iranianas. Toda essa aparen-
to de ouro e cristais Swarovski. Além de um te ostentação teria custado US$ 1,5 bilhão.

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o mundo da

ferrari
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A alma que a marca possui surge de novas


concepções, de novas formas de produ-
ção e de todo o processo de ressignificação
que é efetuado. Nesse sentido, ninguém usa
de forma tão astuta as teorias de branding
como a marca Ferrari, onde a intenção não
é apenas conceber marcas não em torno de marca italiana, construído ao lado do circuito
seus automóveis, mas sim de uma reputação de Fórmula 1 e absolutamente inspirado no
sólida e inabalável. mundo da Ferrari, incluindo a montanha-russa
Uma das principais atrações de Abu Dhabi é mais rápida do mundo, a Fórmula Rossa, que
o Ferrari World, ou o parque de diversões da chega a atingir a velocidade de 240 km/h.

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a vitória do
luxo
A sociedade contemporânea está visivel-
mente entrando em uma nova etapa da
cultura do espetáculo que constitui uma nova
formas de cultura, relações sociais e novos
modelos de experiência. E isso está produzin-
do uma nova cultura do espetáculo e de forma
configuração da economia, política e vida co- muito evidente em cidades como Abu Dhabi.
tidiana. Essa nova dinâmica envolve novas Quando selecionamos os bens, os produtos

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e as marcas, nós nos apropriamos deles, e social, as divisões, as categorias, as diferen-


assim definimos o que consideramos publica- ças e os nossos gostos.
mente valioso, bem como o modo como nos Essencial partirmos dessa perspectiva para
integramos e nos distinguimos, disse certa compreender as lógicas do consumo do luxo
vez o antropólogo argentino Nestor Canclini. e mais precisamente do marketing de expe-
No entanto, o mercado além de ser um lugar riência, tão cuidadosamente trabalhado em
de trocas de mercadorias é visto também ambientes que visitamos como o Ritz Carlton
como um território comunicacional. E assim e o Yas Viceroy. O consumo do luxo é, acima
os objetos são meios de comunicação, pois de tudo, um potente código, e através deste
os produtos e serviços que consumimos são código é são traduzidas muitas de relações
claramente indicadores que assinalam as sociais que nos inscrevem em imaginários de
nossas relações e classificações sociais. Por poder, riqueza e alta distinção sócio-econômi-
meio dos significados dos vínculos que cria- ca. Mais que isso: este código, ao traduzir rela-
mos com as coisas ao nosso redor, ou seja, ções sociais, permite classificar coisas e pes-
por meio do consumo é que organiza a ordem soas, produtos e serviços, indivíduos e grupos.

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A s experiências de marketing de servi-


ço que evidenciamos nos hotéis, vimos
claramente que as pessoas tendem a se im-
portar com o significado dos bens e não com
seu uso funcional. Ou seja, os indivíduos que
consomem luxo hoje, ainda que prezem por
elementos de simplicidade e discrição, usam
os bens para tornar visível uma classificação
de pessoas, pois o local onde estamos hos-
pedados comunicam enquanto marcam pre-
sença, e reflete a própria ordem social que
estamos inseridos.

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a luz de
conclusões
jamais definitivas
S em dúvida, o consumo é um dos indica-
dores mais efetivos das práticas sociocul-
turais e do imaginário de uma sociedade. E
ciência. Entrelaça-se o trabalho concreto e
o trabalho abstrato.
A cultura do consumo posiciona-se como o
a pesquisa de tendências em um país como alicerce central mais uma vez nessa continui-
os Emirados Árabes Unidos nos evidencia o dade do projeto WALK. Não que as marcas
que as cidades nos querem comunicar, afi- tenham se tornado mais importantes para in-
nal a forma como nos apropriamos de deter- dicar status mas sim a estrutura de significado
minados espaços urbanos já diz algo sobre que consumo de marca traz, esses sim fica-
aquele local. Estar na cidade de Abu Dhabi ram mais flexíveis, dinâmicos e não-lineares.
é estar diante de uma constante mescla en- A observação atenta dos rituais de consumo
tre o real e o imaginário, entre um mundo de continua sendo um modo muito privilegiado
aparências e de aparições, e que instiga de- se entender a identidade das pessoas, das
sejos desejos produzindo por uma falsa cons- cidades e dos países.

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O projeto WALK ganha corpo e começa ad-


quirir musculatura. Continuo mergulhando
nessas águas, já não tão turvas e agitadas
como estavam no início da etapa 1 em Nova
York. Na verdade, percebi que não se tra-
ta de um mar, mas de um oceano. Encerro
essa etapa 2 em Abu Dhabi com várias res-
postas para questões que me incomodavam,
mas saio também com muito mais perguntas
de quando entrei. São novas perguntas so-
bre a pesquisa de tendências de consumo.
Até que ponto vai a audácia de governantes
em se construir cidades como Abu Dhabi?

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A artificialidade das criações urbanas reduz a


sua genuinidade? De modo que a forma com
que nos apropriamos desses espaços públi-
cos está impactando as lógicas do turismo?
Essas são questões candentes, inquietações
que me levam a seguir em frente com esse pro-
jeto. A julgar pelos resultados desta pesquisa,
entendo que os efeitos de longo prazo de es-
tratégias de place branding de cidades como
Abu Dhabi ainda necessitem de muito estudo,
inclusive de diversas áreas do conhecimento.
E com um sentimento de orgulho e alegria en-
cerro essa segunda etapa do projeto WALK.

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novos
caminhos
Simão Mairins e Leandro Vieira

T ivemos a honra de participar do projeto


Walk nas etapas de Nova York, em 2015,
e na de Abu Dhabi em 2016. Quando recebe-
da o que há de mais avançado no mundo do
consumo e antecipar tendências. Walk 2 (as-
sim como o primeiro livro da série Walk) é uma
mos o convite de Marcos Hiller para integrar a leitura obrigatória para qualquer pessoa que
iniciativa, não tivemos dúvida de que partici- empreende e lida, de alguma maneira, com
paríamos de algo fora da curva. E o resultado o consumo. Seja você um varejista, um ven-
- expresso nos programas que veiculamos no dedor, profissional de marketing, publicitário,
Administradores Premium e nos livros Walk e administrador, precisa carregar esse livro no
Walk 2 - provou que estávamos certos. seu Kindle por onde for.
O mundo tem se transformado numa veloci- Em Abu Dhabi, com uma passagem rápida
dade cada vez mais difícil de acompanhar. pelo emirado vizinho de Dubai, Marcos Hil-
Paradigmas são redefinidos a todo instante. A ler ficou frente a frente com o que ele mesmo
volatilidade dos padrões só aumenta. Por isso convencionou chamar de “o ápice do luxo”. E,
um trabalho como o Walk tem uma relevância num território onde a torneira de dólares jor-
inestimável, ao buscar nas fontes de vanguar- ra tanto quanto os poços de petróleo que a

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abastecem, tudo que se consome no mundo conduz seus negócios, sua carreira, sua vida.
- sejam produtos ou experiências - é consumi- Em Walk, Marcos Hiller nos permite aprender
do primeiro por lá. A imponência dos hotéis, sobre marketing, branding e consumo dire-
a extravagância dos shopping, o exagero dos tamente dos centros nervosos dessas áreas,
restaurantes, a tecnologia das ruas. Tudo isso nos permite aprender no momento e local em
se dá no coração de uma região marcada, que as coisas acontecem. Este não é um livro
entre outras coisas, pelo conservadorismo que traz um apanhado de teorias. É uma obra
nos costumes. Mas um conservadorismo que que destrincha as teorias mostrando na práti-
não tem braços suficientes para conter a ava- ca como elas se aplicam.
lanche do consumo. Tudo isso sob o olhar atento e muito bem se-
Walk não é simplesmente um livro sobre ten- dimentado de Marcos Hiller, um pesquisador
dências - afinal, dentro de alguns meses o cujo trabalho fala por si. A percepção do au-
que era perspectiva já será passado. Walk tor é, definitivamente, um dos pontos chave
é uma obra que vai abrir seus olhos para do livro. Walk é uma obra que vai fazer você
como o consumo dita os rumos do plane- caminhar. Desbravar novas estradas. Revisar
ta e de que maneira a compreensão desse paradigmas. E construir novos caminhos.
modus operandi afeta a maneira como você Simão Mairins e Leandro Vieira

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