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Golpe

Ideias e Revoluções

MILITAR DE 1964

60FOTOS
ANOS EM 64
Golpe de 64 Ideias e Revoluções

KLUB EDITORIAL LTDA. ME


Av. Nova Cantareira, 5027
60 ANOS DO GOLPE DE 1964
Os 21 anos de regime autoritário no Brasil não
podem ser esquecidos, pois foram anos de censura,
Tremembé, São Paulo, SP
CEP 02341-002 - klubeditorial@gmail.com
perseguição política e violações dos direitos humanos.
PUBLISHER, DIREÇÃO DE ARTE
A memória desses anos sombrios deve ser preserva-
E DESIGNER GRÁFICO: Silvio Reschiliani da como um lembrete permanente de que a luta pela
JORNALISTA RESPONSÁVEL E EDITORA:
Ieda Maria Cerqueira
liberdade é uma batalha constante, e que a democra-
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cia é frágil e precisa ser defendida a todo custo.
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ISSN 2526-5296. A IDEIAS E REVOLUÇÕES é
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4 IDEIAS E REVOLUÇÕES

60 ANOS DO GOLPE

POR: SILVIO RESCHILIANI


FOTO: WIKIMEDIA COMMONS

31/03/1964 6
O Golpe 15
1968 22
AI-5 30
Herzog 43
Greves 48
Diretas-Já 63
IDEIAS E REVOLUÇÕES 5

No contexto internacional,
o Golpe de 1964 fez parte
da Guerra Fria na América
Latina e ocorreu no mesmo
período de vários outros
golpes militares na região.

João Goulart perdeu o apoio do Centro,


não conseguiu aprovar as reformas no
Congresso e no estágio final de seu go-
verno contou com a pressão dos movi-
mentos reformistas para superar a resis-
tência do Legislativo, levando ao ápice da
crise política em março de 1964.
6 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: REPRODUÇÃO MEMORIAL DA DEMOCRACIA

A
o relembrar os sombrios 60
anos do golpe militar no Brasil, Em 31 de março de 1964,
é uma mistura avassaladora de ocorreu o golpe militar no
tristeza, indignação e increduli- Brasil, marcando o início de um
dade. Uma ferida profunda, mar- regime autoritário que per-
cada pela dor e pelas lágrimas daqueles que durou até 1985. Liderado por
ousaram sonhar com a liberdade, foi aberta militares, o golpe depôs o pre-
em 1964 e perdurou até 1985. Uma era de sidente João Goulart, alegando
trevas, onde a democracia foi brutalmente ameaça comunista. Esse evento
silenciada pelos perversos grilhões de uma teve impactos significativos na
ditadura implacável.
política, sociedade e cultura
Nos porões do regime militar, que se autode- brasileiras, deixando um legado
nominava “revolução”, centenas de almas co- controverso e divisivo na
rajosas foram subjugadas, torturadas e muitas história do país.
delas, tragicamente, perderam suas vidas. São
histórias de resistência, de homens e
mulheres que ousaram levantar a voz
contra a opressão, contra o arbítrio,
apenas para serem silenciados pelo
eco cru e desumano das masmorras da
ditadura.

ORIGENS
O Golpe de 1964 foi realizado por uma coli-
gação de forças e interesses, composta pelo
empresariado brasileiro, por latifundiários – pro-
prietários de grandes parcelas de terras – e por
empresas estrangeiras instaladas no país, sobre-
tudo aquelas ligadas ao setor automobilístico. O
movimento contou com a participação de setores
das Forças Armadas, aos quais a oficialidade aca-
bou aderindo.
A Igreja Católica contribuiu para disseminar o medo
do governo João Goulart entre a população e arras-
tou multidões às ruas, clamando por liberdade, mani-
festações que também serviram de justificativa para
IDEIAS E REVOLUÇÕES 7

Os 21 anos de regime autoritário no ou distorcida para atender a conve-


Brasil não podem ser esquecidos, pois niências políticas. Devemos nos manter
foram anos de censura, perseguição inconformados, alimentando o fogo da
política e violações dos direitos huma- indignação para que a lembrança des-
nos. A memória desses anos sombrios ses anos sombrios sirva como um farol,
deve ser preservada como um lembrete guiando-nos na construção de uma
permanente de que a luta pela liberdade sociedade que valoriza a liberdade, a
é uma batalha constante, e que a demo- igualdade e a justiça.
cracia é frágil e precisa ser defendida a Que o lamento pela perda de vidas e de
todo custo. anos de democracia não seja em vão.
Ao olhar para trás, não podemos Que estejamos unidos na promessa de
nos permitir esquecer os heróis anôni- nunca esquecer, de aprender com os
mos que, mesmo diante do medo e da erros do passado e de lutar incansavel-
repressão, mantiveram a chama da re- mente por um futuro onde a democra-
sistência acesa. Devemos honrar aque- cia floresça e a justiça prevaleça. Que
les que sacrificaram suas vidas na busca as cicatrizes do passado nos lembrem
por um Brasil livre, justo e democrático. que a busca pela liberdade é uma jorna-
Hoje, mais do que nunca, é crucial da árdua, mas uma jornada que vale a
reafirmar nosso compromisso com a pena ser trilhada, para que as gerações
verdade, a justiça e a memória. A his- futuras possam herdar um país onde a
tória do Brasil não pode ser reescrita tirania nunca mais encontre morada.

o golpe militar contra as liberdades democráticas. discussão entre Jango e Leonel Brizola, se era pos-
Em 31 de março, as tropas começaram a se des- sível resistir a partir do Rio Grande do Sul, mas o
locar de Minas Gerais para o Rio de Janeiro. Na presidente não assumiu essa opção. Como muitos
mesma data, teve início a Operação Brother Sam, outros, Jango achava que seria um “golpe passa-
da Marinha dos EUA, para apoiar o golpe que iria geiro” e, dali a alguns anos, novas eleições seriam
derrubar o governo constitucional, situação mili- convocadas. Afinal, fora assim em 1945 e em 1954,
tar que se resolveu internamente, pois não houve nas intervenções militares depois Getúlio Vargas.
resistência organizada. Desde o início a ditadura militar buscou ter um
Esboçou-se alguma resistência no meio sindical e aparato legal como forma de se institucionalizar e
no movimento estudantil, entretanto, essa resis- se legitimar perante a opinião pública, sobretudo
tência foi desorganizada e desestimulada por João a liberal, que tinha apoiado a destituição de
Goulart que, por saber da ameaça de intervenção Jango. Nesse sentido, o golpe contou com apoio
estadunidense no país, não resistiu quando foi do do Congresso Nacional e de juristas, e foi formali-
Rio de Janeiro, local estratégico, para Brasília e, zado na madrugada do dia 2 de abril, no Congres-
dali, para o Rio Grande do Sul. Ainda houve alguma so Nacional.
8 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTOS: ARQUIVO NACIONAL

Em 13 de março de 1964, Jango realizou


o Comício da Central do Brasil. Junto a
cerca de 200 mil pessoas, ele recupera-
va um discurso de luto e reafirmava o
seu compromisso de realizar a Reforma
de Base. Ele abria mão do seu discurso
de reconciliação entre todas as partes, e
abraçava de uma vez por todas sua luta
pelos movimentos sociais.
Imediatamente ele viu nascer uma
reação da ala conservadora, que dia 19
de março saiu com a Marcha da Família
com Deus pela Liberdade. Mobilizando
500 mil pessoas em São Paulo, a passea-
Discurso do presidente João ta lutava contra o comunismo e reivin-
Goulart, Central do Brasil, Rio dicava a intervenção dos militares na
de Janeiro, em 13/03/1964. política brasileira.
E os militares de olho...
IDEIAS E REVOLUÇÕES 9

Em um dos cartazes,
pedia-se “Fartura, Paz, Justiça”.
Tudo o que não houve pelos
próximos 21 anos.
10 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Uma criança usando capacete


e portando uma arma de brinquedo
é observada por soldados e civis
enquanto brinca ao lado de
um tanque do Exército.
FOTO: AGÊNCIA O GLOBO
Rio de Janeiro, 31 de março de 1964,
o dia do golpe.
IDEIAS E REVOLUÇÕES 11
12 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: WIKIMEDIA COMMONS

Tanque M41 e dois


jipes do Exército
Brasileiro na Espla-
nada dos Ministérios,
próximo ao Congresso
Nacional (fundo) em
Brasília, 1964.

Foi Leno, capitão do Exército já de-


sencantado com a caserna, o parceiro
que tirou o fotógrafo Evandro Teixeira
da cama na madrugada daquele 1º de
abril de 1964 com um passe preciso
para uma boa reportagem:
“Estourou o golpe, estão tomando o
Forte de Copacabana.Vou pra lá, topa
vir comigo? Pega sua câmera!”

Tomada do Forte de Copacabana.


Foto de Evandro Teixeira/Jornal do Brasil
FOTOS: ARQUIVO NACIONAL IDEIAS E REVOLUÇÕES 13

Tanques do Exército
a caminho do Palácio
das Laranjeiras, no Rio
de Janeiro, em 1º de
abril de 1964.

Polícia Militar
defende o
Palácio
Guanabara.
14 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: ARQUIVO NACIONAL

Aglomeração no Correio da
Manhã aguarda o lançamento
da edição extra sobre o golpe
FOTO: ANTONIO TEIXEIRA / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 15

Deslocamento de tropas
militares durante o golpe
militar de 1° de abril de 1964

O golpe de Estado no Brasil em 1964 Em 31 de março a rebelião eclodiu


foi a deposição do presidente brasilei- em Minas Gerais, conduzida junta-
ro João Goulart por um golpe militar mente por militares e alguns gover-
de 31 de março a 1º de abril de 1964, nadores. Militares legalistas e rebela-
pondo fim à Quarta República (1946– dos deslocaram-se para o combate,
1964) e iniciando a ditadura militar mas Goulart não queria a guerra
brasileira (1964–1985).Teve início na civil. Os legalistas inicialmente es-
forma de uma rebelião militar e foi tavam em superioridade, mas com
seguido pela declaração de vacância a ocorrência de adesões em massa,
da Presidência da República pelo a situação militar do presidente
Congresso Nacional, em 2 de abril, deteriorou e ele sucessivamente
pela formação de uma junta militar viajou do Rio de Janeiro a Brasília,
(o Comando Supremo da Revolução) Porto Alegre, o interior gaúcho e o
e pelo exílio do presidente, no dia 4. Uruguai.
Em seu lugar assumiu provisoriamen- A classe política esperava um breve
te o presidente da Câmara dos Depu- retorno a um governo civil, mas nos
tados, Ranieri Mazzilli, até a eleição anos seguintes consolidou-se a dita-
pelo Congresso do general Humber- dura de caráter autoritário, nacio-
to de Alencar Castelo Branco, um nalista e politicamente alinhado aos
dos principais líderes do golpe. Estados Unidos.
16 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Depredação e incêndio
do prédio da UNE no
Flamengo, Rio de Janeiro, na
madrugada de 1º de abril
de 1964
FOTO: JORNAL DO BRASIL / MEMORIAL DA DEMOCRACIA IDEIAS E REVOLUÇÕES 17
18 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Marighella sai da cadeia e vai às


redações de jornais denunciar a
violência do regime em 1964
O dirigente comunista
tornou-se um dos mais
procurados inimigos da
ditadura e, em 1969, foi
morto em emboscada,
numa ação coordenada
pelo delegado Sérgio Para-
nhos Fleury, um dos mais
sanguinários agentes do
aparelho de repressão da
ditadura militar.
IDEIAS E REVOLUÇÕES 19

Capa da primeira edição de


“Pif-Paf”, datada de 1º a 21 de
maio de 1964

Lançada poucas semanas depois do golpe


militar, a revista “Pif-Paf” abre o ciclo da
imprensa alternativa que atuou corajosa-
mente na frente de resistência à dita-
dura. Editada por Millôr Fernandes, que
mantinha coluna com o mesmo título na
revista “O Cruzeiro” desde meados dos
anos 1940, a nova publicação tinha entre
seus colaboradores Jaguar, Claudius, For-
tuna, Ziraldo e Sérgio Porto. A irreverên-
cia desses mestres do humor político não
seria tolerada pelos militares, e a revista
fechou no seu oitavo número, depois de
ameaças e prisões.
20 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Castelo Branco, ao centro, assina o Ato Institucional nº 2,


em Brasília. Aparecem na foto os dois futuros generais
presidentes Costa e Silva (2º sentado à esq.) e Ernesto Geisel
(sentado à dir., em primeiro plano)

Derrotado nas eleições estaduais de 3 de


outubro de 1968, o general presidente
Castelo Branco baixa o segundo Ato Insti-
tucional (AI-2), que dissolve os partidos e
acaba com as eleições diretas para presi-
dente e governadores. O AI-2 instituiu o
bipartidarismo, limitado à Arena (Alian-
ça Renovadora Nacional), partido de
apoio ao governo, e ao MDB (Movimento
Democrático Brasileiro), uma debilitada
legenda de oposição. O Ato interveio nas
atribuições do Poder Judiciário, deter-
minando que civis acusados de crimes
políticos passassem a ser julgados pela
Justiça Militar.
IDEIAS E REVOLUÇÕES 21

Policiais sobre o
Congresso Nacional.
Foto: Arquivo Nacional,
Correio da Manhã.
Um tenente da Polícia Militar
mata com um tiro o estudante
secundarista Edson Luís de Lima
Souto, de 17 anos. O crime foi
cometido durante invasão po-
licial ao restaurante estudantil
Calabouço, no Rio, onde estu-
dantes protestavam contra a má
qualidade da comida. Outros seis
jovens foram baleados. A violência
policial desencadeou uma onda
nacional de atos contra a ditadura,
que contaram com forte apoio da
classe média. O enterro de Edson
Luís marcou o início da ascensão
do movimento estudantil no país,
que iria culminar na Passeata dos
Cem Mil, em 26 de junho.
22 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: RONALD THEOBALD - CPDOC JB / MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Corpo de Edson
Luís é velado na
Assembleia Legis-
lativa do Rio de
Janeiro

Enterro do estudante
Edson Luís.
Foto: Arquivo
Nacional/
Correio da Manhã
FOTOS: EVANDRO TEIXEIRA / ACERVO IMS IDEIAS E REVOLUÇÕES 23

Cavalaria durante a
missa do estudante
Edson Luis. Cande-
lária, Rio de Janeiro
em 04/04/1968

Caça ao estudante.
Sexta-feira sangrenta.
Rio de Janeiro,
21/06/1968
24 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTOS: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Estudante é socorrida
por colegas durante
manifestação reprimida
pela PM
IDEIAS E REVOLUÇÕES 25

Paulo Autran
(sentado à fren-
te), Odete Lara
(ao centro) e
Clarice Lispector
(à dir., em pé)
em concentração
para a passeata FOTO: ALBERTO FERREIRA / CPDOC JB

Chico Buarque (à
frente) e Vinicius de
Moraes (atrás, à dir.)
na concentração que
precedeu a saída da
passeata
26 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Passeata dos cem mil.


Cinelândia. Rio de Ja-
neiro em 26/06/1968
FOTO: EVANDRO TEIXEIRA / ACERVO IMS IDEIAS E REVOLUÇÕES 27
28 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

Rua Maria Antônia,


no centro de São
Paulo, cenário do
confronto entre os
estudantes da USP
e do Mackenzie em
outubro de 1968

O líder estudantil
José Dirceu discursa
segurando a camisa
ensanguentada de
José Guimarães, se-
cundarista morto no
confronto na Maria
Antônia
FOTO: ACERVO OESP - MEMORIAL DA DEMOCRACIA
FOTO: ANTONIO TEIXEIRA / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 29

Geraldo Vandré
durante interpre-
tação de “Pra Não
Dizer que Não
Falei das Flores”

BATALHA NA MARIA ANTÔNIA


ACABA EM MORTE
Alunos do Mackenzie, apoiados
pelo CCC, atacam a USP;
secundarista morre baleado.
Estudantes da Universidade Mac-
kenzie e da Faculdade de Filosofia
da Universidade de São Paulo
(USP) entram em confronto na rua
Maria Antônia, centro paulistano.
O choque teve início por conta de
um pedágio cobrado pelos alunos
da USP para levantar fundos para o
30° Congresso da UNE. Os estu-
dantes do Mackenzie contavam
com apoio do Comando de Caça
aos Comunistas (CCC).
A rua Maria Antônia transformou-
-se numa verdadeira zona de guerra:
a fachada do prédio da USP des-
truída, com janelas quebradas, sem
contar os vários focos de incêndio e
dezenas de feridos. Um secundaris-
ta, José Guimarães, morreu, atingido
por um tiro na cabeça.
30 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Tropas cercam o
‘CAMINHANDO E CANTANDO...’ Palácio Guana-
‘Sabiá’ vence, mas festival consagra bara, no Rio de
canção de protesto de Vandré Janeiro, após a
“Sabiá”, de Chico Buarque e Tom decretação do Ato
Jobim, vence o 3° Festival Interna- Institucional nº 5
cional da Canção, mas é o segundo
lugar que ganha a preferência do
público. “Pra Não Dizer que Não
Falei das Flores”, de Geraldo Van-
dré, mais conhecida pelo primeiro
verso (“Caminhando e cantando...),
é uma denúncia contra a ditadura
(“Há soldados armados, amados
ou não”) e um hino à resistência
(“Vem, vamos embora, que esperar
não é saber/Quem sabe faz a hora,
não espera acontecer”). “Sabiá”,
interpretada por Cynara e Cybele
e considerada uma das mais belas
composições brasileiras de todos
os tempos, foi vaiada impiedosa-
mente pelo público engajado do
festival.
A censura logo proibiu a divulga-
ção de “Caminhando”. Seu autor
seria perseguido e teria de aban-
donar o país, rumo ao exílio, em
1969, depois do AI-5. Retornaria ao
Brasil em 1973, em plena ditadura,
abandonando a atividade musical e
evitando manifestações de engaja-
mento político.

AI-5 CONFERE PODER TOTAL AOS MILITARES


Cai a máscara da ditadura: Congresso fechado, STF acuado,
fim do habeas corpus
Na noite de 13 de dezembro de 1968, o ministro da Justiça, Luís
Antônio da Gama e Silva, anuncia ao país em rede de rádio e
TV o Ato Institucional nº 5 – uma lista de 12 artigos brutais que
liquidava de vez com os resquícios do Estado de Direito e das
liberdades democráticas no país. A partir daquela noite, o general
presidente Arthur da Costa e Silva passava a ter poderes para
fechar o Congresso – o que fez imediatamente –, as Assembleias
FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA IDEIAS E REVOLUÇÕES 31

e as Câmaras Municipais, de intervir nos res estáveis e decretar o confisco de bens


governos estaduais e prefeituras e de de indivíduos ou empresas.Tudo isso sem
afastar ministros do Supremo Tribunal possibilidade de apreciação pela Justiça.
Federal – o que viria a fazer nas semanas A mais grave das medidas suspendia o
seguintes. direito a habeas corpus “nos casos de
O general presidente podia cassar man- crimes políticos, contra a segurança
datos e suspender direitos políticos de nacional, a ordem econômica e social e
qualquer cidadão pelo prazo de dez anos, a economia popular”.Todo cidadão ficou
proibir qualquer pessoa de se manifestar sujeito a ser preso por agentes do Estado,
sobre assuntos políticos, afastar servido- sem acesso a recurso.
32 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTOS: REPRODUÇÃO IMS

Soldado monta
guarda no Congresso
Nacional depois da
edição do AI-5.
Brasília, DF.
Dezembro de 1968
(Foto: Coleção
Orlando Brito/
Acervo IMS)
FOTO: CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 33

EXÍLIO É A SAÍDA PARA MILHARES listas, intelectuais, artistas, cientistas e militantes de or-
DE BRASILEIROS ganizações clandestinas de oposição, armadas ou não.
Perseguição política e banimento provocam a maior As estimativas sobre o número de pessoas forçadas a
diáspora da história do Brasil partir durante a ditadura militar variam entre 5 mil e
A edição do Ato Institucional n° 5, em dezembro de 10 mil, mas não há dúvida de que foi a maior diáspora
1968, e o endurecimento do regime militar provo- da história do Brasil. Alguns dos desterrados jamais
cam uma fuga em massa de brasileiros para o exílio retornaram. É o caso de Josué de Castro, médico, pro-
a partir de 1969. É a segunda leva de exilados desde o fessor, cientista político e escritor pernambucano que
golpe de abril de 1964. A primeira era formada basi- dedicou a vida a estudar a questão da fome. Castro
camente por líderes políticos e sindicalistas ligados ao era embaixador do Brasil na ONU em 1964 quando
governo do presidente deposto, João Goulart. teve seus direitos políticos cassados. Morreu no exílio
sem poder voltar ao país.
A segunda leva era constituída por estudantes, sindica-

Em Paris, Gilberto
Gil faz apresentação
durante exílio
34 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA

GOVERNO BAIXA UM AI-5 PARA ESTUDANTES


Decreto-Lei 477 proíbe manifestações e ameaça alunos com expulsão
Entra em vigor o Decreto-Lei nº 477, em fevereiro de 1969, que proíbe
manifestações de caráter político e atividades consideradas subversi-
vas nas universidades. O documento prevê expulsão de estudantes das
escolas e demissões sumárias de professores e funcionários.
O Decreto-Lei 477 Assinada por Costa e Silva com o objetivo de impedir protestos estu-
proibiu atividades dantis, a medida considerava infrações disciplinares greves, paralisa-
como essa assem- ções das atividades escolares, organização de eventos não autorizados
bleia em 1968, na e quaisquer “atos contrários à moral e à ordem pública”.
qual discursou Elinor Considerado um AI-5 universitário, o Decreto-Lei 477 contribuiu para
Brito (em pé), pre- evitar uma retomada do movimento estudantil, enfraquecido desde a
sidente da Frente prisão dos dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) no ano
Unida dos Estudantes anterior.
do Calabouço
FOTO: CONTEÚDO OESP / MEMORIAL DA DEMOCRACIA IDEIAS E REVOLUÇÕES 35

AI-5 DESFALCA A INTELIGÊNCIA Em abril de 1970, o AI-5 seria usado no-


DO PAÍS vamente para cassar direiros políticos
Professores da USP são aposentados; e afastar dez pesquisadores do Insti-
‘caça às bruxas’ nas universidades tuto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.
O epsiódio ficou conhecido como o
Vários professores da Universidade de Massacre de Manguinhos.
São Paulo são aposentados compul-
soriamente com base no Ato Insti- Numa verdadeira “caça às bruxas”, o
tucional n° 5 (AI-5). Entre eles estão AI-5 iria atingir 72 professores univer-
Fernando Henrique Cardoso, Florestan sitários e 61 pesquisadores científicos
Fernandes,Villanova Artigas, José Leite em todo o país, entre 1969 e 1973.
Lopes, Caio Prado Júnior, Elza Berquó, Em 1972, valendo-se de uma medida
Emília Viotti da Costa, Isaías Raw, Jean administrativa, a ditadura desarticula-
Claude Bernardet, José Artur Gianot- ria o Grupo do Tório da Universidade Invasão do campus
ti, Luiz Hildebrando Pereira da Silva, Federal de Minas Gerais, que reunia da USP pelo Exército
Mário Schemberg, Octavio Ianni, Paulo pesquisadores da área nuclear coorde- quatro dias após a
Duarte e Paul Singer. nados pelo físico Francisco Magalhães. edição do AI-5
36 IDEIAS E REVOLUÇÕES

CHEGA O “PASQUIM” PARA FAZER RIR E PENSAR


Num jornal que marcou época, os melhores humoristas
do país faziam rir da ditadura
É lançado “O Pasquim”, que se tornaria um dos mais
duradouros e populares jornais alternativos do país, che-
gando a vender 200 mil exemplares por semana. Ideali-
zado pelo cartunista Jaguar para ser um jornal do bairro
carioca de Ipanema, mais voltado para o humor compor-
tamental, o semanário foi abordando cada vez mais os Charge de Ziraldo em
temas políticos – mas sem perder jamais a característica “O Pasquim” de 14 de
de jornal de sátira e humor. janeiro de 1971
FOTO: MEMORIAL DA DEMOCRACIA IDEIAS E REVOLUÇÕES 37

O OUSADO SEQUESTRO DO brasileira, falou mais alto.Washington Presos trocados pelo


EMBAIXADOR DOS EUA exigiu que tudo fosse feito para resgatar diplomata norte-
ALN e MR-8 fazem diplomata refém e com vida seu embaixador. Durante três americano pouco
conseguem libertar 15 presos políticos dias, o Rio foi tomado por um imenso antes do embarque
aparato policial e militar, que vasculhou para o México.
Na mais espetacular ação da guerrilha toda a cidade em busca dos sequestra-
urbana, um grupo formado por militan- dores e do diplomata norte-americano.
Era um domingo, 7
tes da Ação Libertadora Nacional (ALN) de Setembro, Dia
e do Movimento Revolucionário 8 de A casa onde eles estavam, na rua Barão da Independência
Outubro (MR-8) captura o embaixador de Petrópolis, chegou a ser vigiada por do Brasil e da maior
agentes da Marinha, mas não foi invadida.
dos Estados Unidos, Charles Burke El- humilhação
brick, numa rua de Botafogo, no Rio. Em Encurralada, a Junta cedeu às exigências, até então imposta
troca do diplomata, as duas organiza- e os 15 presos foram enviados para o à ditadura
ções passam a exigir a libertação de 15 México, que aceitou recebê-los. Entre os
presos políticos e a divulgação em rádio libertados estavam os líderes estudantis
e TV de um manifesto revolucionário. Vladimir Palmeira, José Dirceu e Luiz
O sequestro surpreendeu a Junta Mili- Travassos, o dirigente histórico do PCB
tar, que havia assumido o poder poucos Gregório Bezerra, o jornalista Flavio
dias antes. Alguns oficiais das Forças Tavares e o líder da greve de Osasco,
Armadas foram contra a libertação dos José Ibrahim. Os demais eram membros
presos, mas a pressão do governo dos de organizações revolucionárias, como a
EUA, fiador do golpe de 64 e da ditadura ALN, o MR-8 e a VPR.
38 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: ODIR / CPDOC JB

‘APESAR DE VOCÊ’ É O HINO Você que inventou o pecado /Esque-


DA RESISTÊNCIA ceu-se de inventar o perdão/ Apesar de
Samba ironiza ditadura e vende 100 mil você, amanhã há de ser outro dia...”
discos – até a censura entender a letra Os censores não perceberam o duplo
Chico Buarque volta do exílio e compõe sentido da letra, mas o público enten-
“Apesar de Você”, samba que podia ser deu o recado. Cem mil cópias foram
entendido tanto como uma briga de vendidas em uma semana, tempo que
casal ou uma crítica à ditadura: as autoridades levaram para proibir a
distribuição e a execução do samba em
“Hoje você é quem manda/ Falou, tá fa- rádio e TV. A censura chegou tarde para
Chico Buarque lado, não tem discussão/ A minha gente impedir o sucesso popular de “Apesar
de Hollanda ao hoje anda/ Falando de lado e olhando de Você”, que se tornaria um hino de
retornar do exí- pro chão/Você que inventou esse estado resistência e esperança ao longo dos
lio na Europa / Inventou de inventar toda escuridão / anos de chumbo.
FOTO: ÚLTIMA HORA / APESP IDEIAS E REVOLUÇÕES 39

D. Helder
discursa em
Paris e denuncia
a prática de
torturas no
Brasil

BISPOS CONDENAM
PORÕES DA TORTURA
CNBB denuncia violações O capitão Carlos Alberto levanta a taça na conquista do
dos direitos humanos; tricampeonato mundial de futebol, no México
dom Helder fala em Paris
Durante a 11ª Assembleia
Geral da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), a igreja católica
toma posição contra o autori-
tarismo e divulga documento
em que denuncia os abusos
do regime militar sobre os
direitos humanos e sociais.
A hierarquia religiosa, que
havia apoiado o golpe de
1964, voltava-se agora contra
a violência da ditadura.

‘PRA FRENTE, BRASIL’ FAZ A


EXALTAÇÃO DO PAÍS
Ditadura capitaliza o tricam-
peonato da Seleção Brasileira
em campanhas ufanistas
FOTO: ALBERTO FERREIRA / CPDOC JB
40 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: FUNDO ÚLTIMA HORA / APESP

Sede do DOI-
-Codi do Rio de
Janeiro, instala-
da no quartel da
Polícia do Exér-
cito, no bairro da
Tijuca

DOI-CODI, A MÁQUINA do-Maior do Exército.


DE TORTURAR E MATAR O departamento se tornaria conhecido como a central
Exército implanta e comanda nova estrutura de tortura e assassinato dos adversários do regime.
de repressão política Apenas pelo DOI-Codi do 2° Exército (São Paulo) pas-
Ministro do Exército indicado pelo presidente Garras- saram mais de 6.700 presos, dos quais pelo menos 50
tazu Médici, o general Orlando Geisel cria o Depar- foram assassinados sob custódia entre 1969 e 1975, se-
tamento de Operações de Informação do Centro de gundo o pesquisador Pedro Estevam da Rocha Pomar.
Operações de Defesa Interna, o DOI-Codi. Inspirado Nesse período, foram totalmente desarticuladas, por
no modelo da Operação Bandeirante (Oban), que assassinatos e prisões, organizações como Ação Liber-
reunia forças civis e militares, o DOI-Codi iria centra- tadora Nacional (ALN),Vanguarda Popular Revolucio-
lizar e organizar toda a repressão aos adversários do nária (VPR),Vanguarda Armada Revolucionária Pal-
regime, sob o comando de Geisel e do chefe do Esta- mares (VAR-Palmares), Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR) e Ala Vermelha, entre outras.
FOTO: CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 41

O COMANDO DE ULYSSES: ‘NAVEGAR É PRECISO’


MDB desafia ditadura e lança anticandidato,
em campanha por Constituinte e anistia
No mais ousado desafio político à ditadura até en-
tão, a Convenção Nacional do MDB lança o deputado
Ulysses Guimarães “anticandidato” à Presidência da
República e como vice o jornalista e ex-governador de
Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho. Não havia Em campanha,
chance de vitória num Colégio Eleitoral em que a Ulysses divulga
Arena tinha mais de 80% dos votos, mas a proposta sua anticandida-
era denunciar o regime ditatorial, a violação tura à Presidên-
de direitos e a farsa eleitoral. cia da República.
Setembro de
1973
42 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Pasquim nº 300,
que acabaria
sendo recolhido
das bancas pela
polícia; abaixo
do título, um dos
mais famosos
aforismos de
Millôr: “Impren-
sa é oposição. O
resto é armazém
de secos e mo-
lhados”

‘O PASQUIM’ SAI SEM VETO E É APREENDIDO da “distensão lenta, gradativa e segura” dos generais
Liberado de censura, jornal persiste na crítica, Geisel e Golbery.
mas é recolhido das bancas Ela já havia sido interrompida em “O Estado de S. Pau-
A polícia apreende nas bancas o número 300 do jornal lo” em janeiro, mas continuou vigorando para a revista
“O Pasquim”. Era a primeira edição publicada sem “Veja” (até 1976), o semanário “Opinião” (até 1977) e
os cortes feitos pela censura prévia exercida sobre o “O São Paulo”, jornal da Arquidiocese paulistana (até
tabloide humorístico carioca desde 1970. A suspensão 1978). “Movimento” funcionou sob censura prévia de
da censura prévia em jornais e revistas era um gesto abril de 1975 a junho de 1978.
IDEIAS E REVOLUÇÕES 43

Foto de Vladimir Herzog,


jornalista, morto após
sofrer torturas, nas de-
pendências do DOI-CO-
DI (Departamento de
Operações de Informa-
ção - Centro de Opera-
ções de Defesa Interna)
do exército brasileiro,
em 28/7/1975. Os milita-
res forjaram seu suicídio
para encobrir o homicí-
dio que praticaram.
Fotografia de
Silvaldo Leung Vieira
44 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTOS: REPRODUÇÃO IMS

Libélulas e baionetas.
Foto de Evandro Teixeira/
Jornal do Brasil
IDEIAS E REVOLUÇÕES 45

“Libélulas e baionetas”, uma das “A queda da moto”, um clássico do


imagens icônicas do fotógrafo Evan- fotógrafo, imagem símbolo da instabili-
dro Teixeira, é resultado mais de olhar dade do poder militar, parece piada sob
apurado – o próprio e o do editor – a perspectiva de seu making of.
que de sorte. Saindo de uma cerimô- O batedor da FAB que se estatelou no
nia militar com a presença de Costa asfalto do Aterro do Flamengo tentava
e Silva, enfado fartamente documen- “se mostrar” para o fotógrafo que co-
tado por ele e todos os “coleguinhas” nhecia de tanto trabalharem, cada um
presentes, Evandro bateu o olho e em sua função, nas mesmas cerimônias
quatro ou cinco chapas do balé das oficiais. “Ele fazia piruetas deixando-se
mariposas na ponta das armas perfi- ultrapassar pelo carro de reportagem
ladas para receber o marechal. No dia do JB que seguia uma comitiva.”
seguinte a metáfora do flagrante inu- Prevendo que o sujeito repetiria as ma-
sitado escancarada na primeira página nobras exibicionistas ao retomar seu
do JB, chamando para um registro lugar na carreata, Evandro botou meio
seco no miolo do jornal sobre a par- corpo para fora da Rural Willys do jor-
ticipação do “presidente” no evento nal e, de câmera em punho (a Leica M3
da véspera, rendeu ao fotógrafo uma de sempre, com lente 90mm), esperou
descompostura tête-à-tête com o a volta do motociclista em zigue-zague
próprio Costa e Silva, seguida de uma para disparar um único clique simultâ-
noite de detenção. neo, por obra do acaso, ao exato instan-
te da derrapagem que manteve apenas
a máquina em perfeito equilíbrio.

Queda da moto.
Foto de Evandro Teixeira/
Jornal do Brasil
46 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: RUBENS BORGES / CPDOC JB

Multidão
acompanha o
funeral do ex-
-presidente em
sua cidade natal

Velório de João Goulart


em São Borja (RS);
sobre o caixão, bandei-
ra com a palavra Anistia
depositada pela filha de
Jango FOTO: AG. O GLOBO
FOTO: SERGIO SADE / EDITORA ABRIL IDEIAS E REVOLUÇÕES 47

SOA O APITO DA PANELA Francisco, sob as arcadas da Faculdade Passeata de


DE PRESSÃO de Direito da USP, com cerca de 10 mil estudantes
estudantes, de acordo com os jornais
10 mil estudantes saem às ruas de SP;
da época. Antes de sair em passeata, no centro de
passeatas acontecem em todo o país São Paulo pela
os manifestantes leram em coro uma
Milhares de estudantes da Universidade carta aberta à população, que começava anistia e pelas
de São Paulo (USP) e da Pontifícia Uni- pela denúncia da tortura e dos crimes liberdades
versidade Católica (PUC-SP) tomam o da repressão: “Hoje consente quem democráticas
centro da cidade, enfrentando a polícia, cala: basta às prisões, basta de violência.
na primeira grande manifestação de Não mais aceitamos mortes como as
massa contra a ditadura, pela anistia e de Vladimir Herzog e Alexandre Van-
pelas liberdades democráticas depois nucchi Leme. Não aceitamos que as au-
do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Popula- toridades maltratem e mutilem nossos
res aplaudiam a passeata e jogavam pa- companheiros. Não queremos aleijados
péis picados das janelas dos prédios. O heróis como Manuel da Conceição.
estopim para o ato foi a prisão de oito (...) Hoje, neste país, são considerados
militantes da Liga Operária, quando subversivos todos aqueles que reivin-
distribuíam panfletos no município de dicam seus direitos; todos aqueles que
Santo André às vésperas do 1º de Maio, não aceitam a exploração econômica, o
Dia do Trabalhador. O secretário da Se- arrocho salarial, o alto custo de vida (...).
gurança Pública do Estado, coronel PM Fim às torturas, prisões e perseguições;
Erasmo Dias, comandou pessoalmente libertação imediata dos companheiros
a repressão policial, o que se repetiria presos; anistia ampla e irrestrita a todos
ao longo do ano. os presos, banidos e exilados; pelas liber-
A manifestação começou no largo São dades democráticas.”
48 IDEIAS E REVOLUÇÕES

OS TRABALHADORES
ERGUEM A CABEÇA
Assembleia em São
Bernardo inicia movimento
por reposição salarial
Cinco mil trabalhadores
reunidos em assembleia no
Sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo e Diadema
aprovam a reivindicação de
reajuste salarial de 34,1%
para recuperar perdas
provocadas pela manipu-
lação dos índices oficiais
de inflação. O movimento
pela reposição salarial foi o
primeiro passo da retomada
do movimento sindical inde-
pendente no país, que iria se
destacar no enfrentamento
à ditadura durante os anos
seguintes.

Luiz Inácio da Silva,


o Lula, presidente do
Sindicato dos
Metalúrgicos de São
Bernardo e Diadema,
em 1977
FOTOS: MEMORIAL DA DEMOCRACIA IDEIAS E REVOLUÇÕES 49

POLÍCIA INVADE PUC-SP EM NOITE DE TERROR


Secretário de Segurança comanda violência;
seis estudantes queimados por bombas
Na noite de 22 de setembro de 1977, cerca de 2 mil estudantes de
São Paulo e delegações de todo o país participam de ato público pela
recriação da União Nacional dos Estudantes (UNE) em frente ao
Tuca, teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC), e são sur-
preendidos pela ação violenta de 3 mil policiais.
Sob comando do secretário da Segurança Pública, coronel Erasmo
Dias, a tropa, apoiada por blindados, investiu com truculência contra
os estudantes, que tentavam se abrigar dentro da universidade.
O prédio foi invadido pelos policiais, que prenderam alunos e espan-
caram professores. Bombas explodiram e seis estudantes sofreram
queimaduras. Dezenas foram levados para o Dops.
A invasão da PUC foi uma das últimas ações violentas da ditadura
contra o movimento estudantil.Três meses antes, em junho, já havia
ocorrido a invasão da Universidade de Brasília (UnB) e da Faculdade
de Direito da USP. O movimento, que começara a se reorganizar em
1976, ganharia cada vez mais impulso e fortaleceria a luta da socie-
dade pela redemocratização.

Em frente ao A GRANDE GREVE DOS do movimento, que paralisou a pro-


Tuca, estu- TRABALHADORES DO ABC dução das indústrias automobilísticas
dantes se 200 mil cruzam os braços; (adesão total na Volks, Ford, Mercedes-
reúnem mo- ditadura reprime primeira greve geral -Benz e Scania) e de autopeças e de
mentos antes dos metalúrgicos outras grandes empresas da região. Pela
da invasão primeira fez foi organizado um fundo
Metalúrgicos de São Bernardo, Diade- de greve. Os trabalhadores receberam
ma, Santo André e São Caetano defla- apoio da igreja católica, de entidades
gram a primeira greve geral de uma civis, do MDB e de artistas famosos. São
categoria no país desde a paralisação Bernardo do Campo tornou-se o centro
de Contagem (MG), em 1968. A medi- político do país.
da foi aprovada pelas assembleias dos
três sindicatos do ABC, com o objetivo Com adesão maciça dos trabalhadores,
de obter um reajuste salarial de 78,1%. a sede do Sindicato dos Metalúrgicos
Mesmo enfrentando forte repressão e a ficou pequena para o movimento. A
intervenção do governo nos sindicatos, a primeira assembleia dos grevistas foi
greve durou duas semanas. Foi suspensa transferida para o estádio municipal da
por 45 dias para que fossem reabertas Vila Euclides, cedido pelo prefeito Tito
negociações com as empresas, que aca- Costa (MDB). Cerca de 60 mil traba-
baram concedendo um reajuste de 63%. lhadores ocuparam o gramado e as
Foi a maior conquista salarial daquele arquibancadas. Na falta de palanque e
período. sistema de som, o presidente do sindica-
to, Luiz Inácio da Silva, o Lula, falou de
A greve geral de 1979 mostrou o rápido cima de uma mesa de escritório usan-
avanço da organização dos trabalha- do um megafone. Suas palavras eram
dores, que mais uma vez desafiaram a repetidas em coro pelos trabalhadores
ditadura e dobraram os patrões. Cerca mais próximos e repassadas pelos que
de 200 mil trabalhadores participaram estavam atrás.
50 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Lula discursa para


os metalúrgicos
na assembleia de
13 de maio que
aprovou a
proposta de
reajuste de 63%
FOTO: J.C. BRASIL / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 51
52 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: J.CARDOSO / CPDOC JB

FIGUEIREDO ASSUME DITADURA deles, Médici e Geisel, com status de ministro. Desde
EM FASE FINAL antes da posse até o final do governo, produziu frases
Último general presidente herda inflação em alta, rudes que traíam sua formação autoritária:
dívida externa e crise política – “Um povo que não sabe nem escovar os dentes
O general João Baptista Figueiredo toma posse para não está preparado para votar.” (abril de 1978, em
um período de seis anos na Presidência da República, entrevista)
recebendo como herança um país em profunda crise – “O cheirinho do cavalo é melhor.” (agosto de 1978,
social, política e econômica, que vai se aprofundar num rodeio em Araçatuba/SP, quando lhe pergunta-
ao longo de seu governo. “Juro fazer deste país uma ram se estava gostando de “sentir o cheiro do povo”)
democracia”, afirma no discurso de posse. Uma se- – “Eu dava um tiro no coco.” (1979, quando um
mana depois, seu governo decretaria intervenção nos menino lhe perguntou o que faria se ganhasse salário
sindicatos dos metalúrgicos do ABC, em greve por mínimo)
reajuste salarial.
– “Você acha que estou brincando de democracia?”
Para controlar e manter a “abertura” nos limites da (1982, quando um repórter lhe perguntou se Leonel
ditadura, Figueiredo contava com a nova Lei de Se- Brizola tomaria posse, se fosse eleito governador do
gurança Nacional e as “salvaguardas constitucionais” Rio)
editadas no final do governo Geisel. Os próximos
passos do projeto seriam a edição de uma anistia – “Bom, o povo, o povão que poderá me escutar, será
restrita e a implosão do MDB, com a criação de no- talvez os 70% de brasileiros que estão apoiando o
vos partidos. Nos dois objetivos, Figueiredo teria de Tancredo. Então desejo que eles tenham razão, que
ceder mais do que o planejado. o doutor Tancredo consiga fazer um bom governo
para eles. (...) E que me esqueçam.” (1985, na última
O novo presidente era um oficial da Cavalaria que entrevista como presidente).
serviu a todos os governos da ditadura – em dois

Geisel transmite a
faixa presidencial
ao seu sucessor,
general João Bap-
tista Figueiredo
FOTO: GILDO LIMA / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 53

Participantes
do 31º
Congresso da
UNE lotam o
Centro de
UNE RENASCE REIVINDICANDO mente reprimidos em Belo Horizonte e São Convenções
DEMOCRACIA Paulo.
de Salvador
Depois de voltar às ruas, estudantes O 31º Congresso da União Nacional dos Estu-
reorganizam entidade proibida pela ditadura dantes foi realizado no Centro de Convenções
Representantes de estudantes de todo o país de Salvador, com a presença de líderes polí-
elegem abertamente a primeira diretoria da ticos e sindicais. A solenidade foi aberta pelo
União Nacional dos Estudantes (UNE) depois último presidente legal da UNE, o economista
de a entidade ter sido tornada ilegal pela Lei José Serra, que havia acabado de retornar do
Suplicy, em 1964. O acontecimento coroa exílio. Uma cadeira vazia no palco da solenida-
o esforço de reconstrução da entidade, que de denunciava a morte do último presidente
vinha ocorrendo desde 1977. Nesse período, da entidade em sua fase clandestina, Honesti-
dois encontros nacionais haviam sido brutal- no Guimarães, desaparecido desde 1973.
54 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Apolônio de Carvalho
assina a ficha número 1
de filiação ao PT

Ato de fundação do
PT no Colégio Sion,
em São Paulo
FOTOS: JUCA MARTINS / OLHAR IMAGENS
FOTO: DEOPS / FAPESP IDEIAS E REVOLUÇÕES 55

Lula preso e fichado


pelo Dops de São
Paulo
56 IDEIAS E REVOLUÇÕES

FORÇA BRUTA DESABA SOBRE O ABC; ‘PAI NOSSO, O SEU POVO PASSA FOME’
LULA É PRESO Papa atrai multidões no país, prega justiça social,
Exército na rua, prisões, intervenção: ditadura joga mas enquadra as CEBs
tudo contra movimento operário O papa João Paulo 2° chega ao Brasil para uma visita
O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, de 12 dias, em junho de 1980, a primeira de um sumo
Luiz Inácio da Silva, é preso em casa e indiciado na pontífice ao país. Suas aparições em 14 cidades reu-
Lei de Segurança Nacional, junto com outros dez niram multidões, num total de 13 milhões de pes-
dirigentes sindicais do ABC. As prisões ocorrem no soas. A visita deu visibilidade mundial aos problemas
19º dia da paralisação por reajuste salarial e estabi- sociais do país, como o desemprego e a miséria. O
lidade no emprego, que mobilizava mais de 200 mil papa esteve nas favelas do Vidigal, no Rio, e de Ala-
metalúrgicos. A greve de 1980 marcou o mais longo gados, em Salvador, viu a seca no Nordeste e encon-
enfrentamento entre os trabalhadores e a ditadura trou trabalhadores no estádio do Morumbi, em São
desde o golpe de 1964. Os operários reivindicavam Paulo. Mesmo tendo enquadrado a chamada “igreja
reajuste de 15% acima do índice oficial do governo.
Exigiam também estabilidade por 12 meses para evi-
tar que o reajuste obtido fosse anulado pela prática
do “turnover” – as empresas costumavam demitir O papa João Paulo 2°
funcionários em massa após a negociação, substituin-
do-os por outros com salários menores. abraça o metalúrgi-
A mobilização foi tão intensa que o Tribunal Regio-
co Waldemar Rossi,
nal do Trabalho (TRT) declarou-se incompetente
ao lado de d. Paulo
para determinar a ilegalidade da greve. O TRT esta- Evaristo Arns, du-
beleceu um reajuste de 7%, sem estabilidade. A Fede- rante cerimônia no
ração das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) estádio do Morum-
recusou-se a negociar com os sindicatos e o governo bi, em São Paulo
reforçou a intransigência patronal. Para intimidar
os grevistas, helicópteros militares sobrevoaram as
assembleias no estádio da Vila Euclides, em São Ber-
nardo do Campo. No 17º dia de greve, dois dias antes
das prisões, mesmo sem a declaração de ilegalidade,
o ministro do Trabalho, Murilo Macedo, decretou
intervenção nos sindicatos de São Bernardo e Santo
André.
Como havia ocorrido no ano anterior, Lula e seus
companheiros transferiram o comando de greve
para a igreja matriz, cedida pelo bispo dom Cláudio
Hummes. Mas a prisão dos dez dirigentes sindicais
(junto com dois advogados e um jornalista, liberados
no mesmo dia) mudaria o caráter do movimento,
que passou a reivindicar a libertação de Lula e seus
companheiros. A repressão então caiu sobre a igreja
matriz com tropa de choque, bombas, cães e carros
blindados, que lançavam jatos de água. A Polícia Mili-
tar tomou o estádio de Vila Euclides e foram proibi-
das assembleias no local. Foi proibido também um
show de Chico Buarque e outros artistas em apoio
à greve, marcado para o final daquela semana. Lula
e os demais presos ficaram incomunicáveis por oito
dias numa cela do Dops, em São Paulo, mas a greve
prosseguiu.
FOTO: ARIOVALDO DOS SANTOS / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 57

progressista” e criticado o que resolutamente por uma nobre


considerava “ação política” das luta a favor da justiça social”. No
Comunidades Eclesiais de Base Morumbi, João Paulo 2° recebeu
(CEBs); a visita de João Paulo 2° uma carta do líder da oposição
foi incômoda para a ditadura. metalúrgica,Waldemar Ros-
Em suas falas, o papa defendeu si, denunciando o assassinato
a reforma agrária e a liberda- de Santo Dias (1979) e outros
de sindical. No encontro com trabalhadores pela repressão
os trabalhadores, afirmou que brasileira. No Recife, defendeu
“o bem comum da sociedade a reforma agrária: “Os bens da
requer, como exigência funda- terra são de todos”. Em Teresina,
mental, que a sociedade seja repetiu o que dizia uma faixa da
justa”. E acrescentou: “Repelir a multidão: “Pai Nosso, o povo tem
luta de classes é também optar fome”.
58 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: AG. O GLOBO

BOMBA NO RIOCENTRO IMPLODE TERROR MILITAR


Show do 1º de Maio era alvo do atentado;
explosão acidental matou agente do DOI
Morre o sargento do Exército Guilherme Pereira do Rosário e fica
gravemente ferido o capitão Wilson Dias Machado na explosão de
O sargento uma bomba no estacionamento do Riocentro, no Rio de Janeiro.
Guilherme Pereira O explosivo era manuseado pelo suboficial dentro de um carro.
do Rosário morto na Os dois militares eram agentes do DOI-Codi do 1° Exército e planeja-
explosão acidental vam detonar o artefato no auditório do pavilhão, no qual 20 mil pes-
da bomba dentro de soas assistiam ao show comemorativo do 1° de Maio. O objetivo era
um carro Puma no criar pânico na plateia e responsabilizar um grupo de esquerda pelo
atentado. A explosão acidental da bomba frustrou o plano terrorista
estacionamento do e abriu a mais grave crise política do governo do general presidente
Riocentro João Baptista Figueiredo.
FOTO: LUIS EDUARDO ACHUTTI IDEIAS E REVOLUÇÕES 59

Documentos do
Dops gaúcho são
incinerados num
sítio nas imediações
de Porto Alegre

REPRESSÃO COMEÇA A QUEIMAR ARQUIVOS


Governo gaúcho é o primeiro a extinguir Dops,
antes das eleições
O governador do Rio Grande do Sul, Amaral de
Souza (PDS), extingue o Departamento de Ordem
Política e Social (Dops) do Estado e manda queimar
todos os documentos. Até março de 1983, quan-
do vários Estados passariam a ser administrados
pela oposição, outros governadores do PDS iriam
encerrar os Dops locais, destruiriam arquivos ou
mandariam transferi-los para o Serviço Nacional de
Informações (SNI). A operação de ocultamento dos
crimes da repressão na ditadura entrava numa nova
fase.
Os Departamentos ou Delegacias de Ordem Políti-
ca e Social, vinculados às Secretarias da Segurança
Pública dos Estados, existiam no país desde 1928,
realizando sistemática repressão ao movimento
operário. Nos cinco primeiros anos da ditadura, ti-
veram papel central na repressão política, especial-
mente na Guanabara (antigo nome do Estado do
Rio de Janeiro), em São Paulo, Minas e Rio Grande
do Sul. Com o fim do Dops gaúcho, o governador
Amaral de Souza antecipava-se a uma provável
vitória do candidato do PMDB – que acabou não
ocorrendo.
60 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: ANTONIO LUCIO AE / MEMORIAL DA DEMOCRACIA

DEMOCRACIA ENTRA popularizar o movimento pelo fim da


EM CAMPO NO TIMÃO ditadura. Além de Sócrates, os jogadores
Democracia Corinthiana sintoniza Wladimir, Casagrande, Biro-Biro e Zenon,
o futebol com a voz das ruas entre outros, tornaram-se porta-vozes da
redemocratização. A palavra Democracia
A eleição de Waldemar Pires para presi- era estampada no uniforme do time. Em
dir o Corinthians, um dos clubes mais po- 1984, durante a campanha pelas eleições
pulares do Brasil, abre espaço para uma diretas para presidente da República, o
ousada experiência de gestão no futebol, time entrou em campo com o slogan Di-
inspirada na luta pela redemocratização retas-Já na camisa. A Democracia Corin-
do país. Sob a liderança do artilheiro thiana teve apoio de torcedores famosos,
Sócrates, ídolo da torcida, e do psicólogo como a roqueira Rita Lee e o jornalista
Adílson Monteiro Alves, diretor de fute- Juca Kfouri, entre muitos.
bol, todas as decisões do clube passam
a ser tomadas pelo voto de jogadores, fun- A partir de 1984, o movimento come-
cionários e comissão técnica. çaria a definhar e a derrota da Emenda
Dante de Oliveira também contribuiria
A Democracia Corinthiana, assim batizada para isso. Sócrates, que havia dito que só
pelo publicitário corinthiano Washing- deixaria o clube se as Diretas não fossem
ton Olivetto, deu resultados em campo, aprovadas, aceitou então ir para a Itália,
levando o time ao bicampeonato pau- vendido à Fiorentina. Em 1985, acabaria o
lista em 1982 e 1983, e contribuiu para sonho da Democracia Corinthiana.
FOTO: AG. ESTADO IDEIAS E REVOLUÇÕES 61

Jogadores do Corinthians
estendem faixa da Democra-
cia Corinthiana em campo
62 IDEIAS E REVOLUÇÕES
FOTO: AGNALDO RAMOS / CPDOC JB FOTO: AGNALDO RAMOS / CPDOC JB E REVOLUÇÕES 63
IDEIAS

Passeata do PT no Rio antes de


comício do candidato do partido O deputado Dante
ao governo do Estado, Lysâneas de Oliveira
Maciel

VITÓRIA DA OPOSIÇÃO SINALIZA


FIM DA DITADURA
PDS perde controle da Câmara
e dos grandes Estados;
regime se aproxima do fim
A oposição alcança maioria na Câmara
dos Deputados e conquista o governo dos
dez maiores Estados nas eleições em todo
o Brasil, superando as regras eleitorais
restritivas. O PDS manteve o controle do
Colégio Eleitoral que indicaria o suces-
sor do general presidente João Baptista
Figueiredo em 1985, mas o projeto de
sobrevivência da ditadura foi definitiva-
mente comprometido pelo resultado das
eleições.
O PMDB elegeu os governadores de São
Paulo, Minas, Paraná, Pará, Amazonas,
Goiás, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo
e Acre. Leonel Brizola, do PDT, venceu DIRETAS-JÁ DÁ O SEU PRIMEIRO PASSO
no Rio. O PDS ficou com os nove Estados Deputado estreante registra proposta
do Nordeste, Rio Grande do Sul, Mato de eleições diretas para presidente
Grosso e Santa Catarina. O partido oficial
manteve o governo de Rondônia, criado O deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) reúne 199
em dezembro de 1981, onde não houve assinaturas de parlamentares e registra proposta de
eleições. Na Câmara, o PDS elegeu 235 emenda constitucional para tornar diretas as eleições
deputados e a oposição, 244. presidenciais a partir de 1984. Com a vitória das opo-
sições nas eleições de 1982, o tema havia entrado na
A composição das bancadas foi distorci- pauta política do país junto com a convocação de uma
da pela representação maior de Estados Assembleia Constituinte.
menos populosos. Nas urnas, a oposição
obteve 48,6% dos votos contra 36,7% do A proposta modificava o artigo 74 da Constituição em
PDS. Nas Assembleias Legislativas, as vigor. Se fosse aprovada, seriam convocadas eleições di-
oposições tiveram 47,2% dos votos contra retas para a sucessão do general presidente João Baptis-
36% do PDS. O partido do governo man- ta Figueiredo no ano seguinte. O mandato presidencial
teve a maioria no Senado (46 a 23), graças seria de cinco anos.
aos 21 ”biônicos” indicados em 1978, mas Dante de Oliveira era um deputado estreante, eleito
já não podia impor novas reformas cons- com o apoio do Movimento Revolucionário 8 de Ou-
titucionais como vinha fazendo desde o tubro (MR-8), e registrou sua proposta de emenda no
início da “distensão” de Ernesto Geisel primeiro dia de trabalho do novo Congresso. Inicialmen-
e da “abertura” de Figueiredo. Pela nova te, o projeto não teve repercussão, mas alguns meses
composição do Congresso e das Assem- depois a Emenda Dante de Oliveira e seu autor estariam
bleias, o PDS teria 358 votos contra 328 no centro da maior campanha de mobilização popular já
das oposições no Colégio Eleitoral que vista no país: as Diretas-Já.
indicaria o sucessor de Figueiredo.
64 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Em São Paulo, na praça Charles Miller, COMEÇA A CAMPANHA UNIFICADA PELAS DIRETAS
participantes do primeiro grande comí- Comício em SP encoraja oposição e faz deslanchar
cio pelas Diretas se reúnem em frente ao movimento por eleições diretas
estádio do Pacaembu Cerca de 15 mil pessoas participam de comício na praça
Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu, em
São Paulo, exigindo eleições diretas para presidente da
FOTO: J.C. BRASIL / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 65

República. Convocado pelo PT e pela Central Única


dos Trabalhadores (CUT), o primeiro grande ato pú-
blico pela Diretas-Já reuniu, numa tarde de domingo,
representantes do PMDB, do PDT e de 70 entidades.
“Este é o primeiro de muitos atos semelhantes pelo
país até a conquista definitiva das eleições diretas”,
disse o presidente do PT, Luiz Inácio Lula da Silva.
66 IDEIAS E REVOLUÇÕES

Comício na praça da Sé, em São Paulo, DIRETAS LEVAM MILHÕES ÀS RUAS DO PAÍS
que teve a participação de 300 mil pes- Grandes manifestações ocorrem nas capitais;
soas, em 25 de janeiro de1984 em SP, ato reúne 300 mil na praça da Sé
Depois de realizar grandes comícios em Curitiba, Salva-
dor,Vitória e Campinas (SP), a campanha pelas Diretas-Já
reúne 300 mil pessoas na praça da Sé, no centro de São
Paulo, na maior manifestação popular até então desde o

Cartaz do comício por Diretas


Já em São Paulo, no dia 25 de
janeiro de 1984, que reuniu
300 mil pessoas e foi a maior
manifestação popular desde o
golpe de 1964 até então.
FOTO: ISAIAS FEITOSA / CPDOC JB IDEIAS E REVOLUÇÕES 67

golpe de 1964. O governador Franco Montoro e os O comício da Sé teve cobertura ao vivo de emissoras
outros oito governadores do PMDB, além de Leonel de rádio e das redes de TV Bandeirantes e Manchete.
Brizola, do PDT, e do presidente do PT, Luiz Inácio A Rede Globo mostrou poucos segundos de imagens
Lula da Silva, estavam no palanque. Consolidou-se ali no Jornal Nacional – a reportagem afirmava que a
a frente de partidos de oposição, sindicatos e movi- multidão estava reunida como parte das “comemo-
mentos populares pela aprovação da emenda Dante rações do aniversário de São Paulo”. A emissora, que
de Oliveira, que instituía eleições diretas para presi- detinha na época dois terços da audiência, boicotou a
dente em 1984. campanha das Diretas em seu noticiário.
68 IDEIAS E REVOLUÇÕES FOTO: A. DORGIVA

CONTRA DIRETAS,
TANQUES AMEAÇAM BRASÍLIA
Ditadura isola capital, censura rádio e TV;
pressão total contra emenda das Diretas
Uma semana antes da votação da emenda
Dante de Oliveira, o general presidente
João Baptista Figueiredo decreta estado de
emergência no Distrito Federal, em Goiânia
e em nove municípios do entorno da capital
do país. A medida tem o objetivo de isolar
Brasília, evitar manifestações pró-Diretas e
intimidar o Congresso Nacional. O direito
de reunião é suspenso e se estabelece a
censura aos noticiários de rádio e TV.

General Newton Cruz desfi-


la montado em cavalo bran-
co na Esplanada dos Minis-
térios durante a vigência
das medidas de emergência FOTO: CARLOS NAMBA / EDITORA ABRIL
IDEIAS E REVOLUÇÕES 69

Eleição indireta de
Tancredo é feste-
jada por populares
sobre a cúpula do
Senado Federal

ELEIÇÃO DE TANCREDO PÕE FIM À DITADURA O documento básico da aliança, o Compromisso com
21 anos após o golpe militar de 1964, a Nação, previa mandato presidencial de quatro anos,
regime chega ao fim e começa a transição remoção das leis e regulamentos autoritários e con-
vocação de uma Assembleia Nacional Constituinte a
Tancredo Neves é eleito presidente da República ser eleita no ano seguinte, além da indicação de José
pela via indireta, com 480 votos contra 180 dados a Sarney como candidato a vice. Apelando à participa-
Paulo Maluf e 26 abstenções no Colégio Eleitoral. Sua ção popular, a nova coalizão ressuscitou o espírito das
eleição foi possível graças a uma aliança com os dis- Diretas-Já em comícios e mobilizações por todo o
sidentes do partido oficial, o PDS, que reagiram aos Brasil, em apoio à eleição que poria fim à ditadura.
métodos de aliciamento de Maluf.
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