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NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA RESERVA

ALUNO RAFAEL DELLA BARBA WIECHETECK

EXPLORANDO A GUERRA DOS EMBOABAS: UMA ANÁLISE HISTÓRICA


DE UMA GUERRA CIVIL NO BRASIL COLONIAL

Campinas
2023
2

NÚCLEO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS DA RESERVA

ALUNO RAFAEL DELLA BARBA WIECHETECK

EXPLORANDO A GUERRA DOS EMBOABA: ANÁLISE HISTÓRICA DE UMA


GUERRA CIVIL NO BRASIL COLONIAL

Campinas
2023
3

MINISTÉRIO DA DEFESA
EXÉRCITO BRASILEIRO
​28º BATALHÃO DE INFANTARIA MECANIZADO
(1º Batalhão de Carros de Combate Leve/1942)
​BATALHÃO HENRIQUE DIAS

SEÇÃO TÉCNICA DE ENSINO

FOLHA DE APROVAÇÃO

Autores: RAFAEL DELLA BARBA WIECHETECK

Título: EXPLORANDO A GUERRA DOS EMBOABAS: ANÁLISE HISTÓRICA


DE UMA GUERRA CIVIL NO BRASIL COLONIAL

Trabalho acadêmico apresentado ao Núcleo de


Formação de Oficiais da Reserva, no escopo do
Projeto Interdisciplinar do Curso de Formação de
Oficiais da Reserva de 2023.

APROVADO EM ___________/__________/___________ CONCEITO: __________

BANCA EXAMINADORA

Membro Menção Atribuída

______________________________________
MAURI KIRCHMAIER JÚNIOR - Maj
Instr Ch NPOR

________________________________________
MATHEUS LUIZ FARIA DE ALMEIDA – 1º Ten
1º Membro e Orientador

_________________________________________________________________

RAFAEL DELLA BARBA WIECHETECK - Aluno


4

EXPLORANDO A GUERRA DOS EMBOABAS:


ANÁLISE HISTÓRICA DE UMA GUERRA CIVIL NO BRASIL COLONIAL

* Rafael Della Barba Wiecheteck


** Matheus Luiz Faria de Almeida

RESUMO
A Guerra dos Emboabas foi um conflito que ocorreu no Brasil colonial entre 1707 e 1709,
durante a corrida pelo ouro. Envolveu os bandeirantes paulistas, que buscavam riquezas nas
Minas Gerais, e os emboabas, que eram colonos portugueses e europeus que chegaram à
região por conta das recém-descobertas minas. O conflito foi marcado por inúmeras batalhas,
lideradas pelos líderes Manuel Borba Gato e Manuel Nunes Viana. A intervenção da Coroa
Portuguesa foi marcante e necessária para pôr fim à guerra, impondo condições indesejáveis
aos paulistas, que foram expulsos da área aurífera. A rivalidade entre os bandeirantes e os
emboabas refletiu a disputa pelo controle das riquezas da região e evidenciou a centralização
do poder da metrópole sobre as colônias.

Palavras Chaves: Guerra dos Emboabas; Brasil Colonial; corrida pelo ouro

ABSTRACT
The War of the Emboabas was a conflict that took place in colonial Brazil between 1707 and
1709, during the gold rush. It involved the "bandeirantes paulistas", who sought riches in
Minas Gerais, and the "emboabas", who were Portuguese and European settlers who arrived
in the region due to the recently discovered mines. The conflict was marked by numerous
battles, commanded by Manuel Borba Gato and Manuel Nunes Viana. The intervention of the
Portuguese Crown was important and necessary to put an end to the war, imposing
unfavorable conditions on the paulistas, who were expelled from the gold exploitation area.
The rivalry between the bandeirantes and the emboabas reflected the struggle for control of
the region's riches and evidenced the centralization of metropolitan power over the colonies.

Keywords: War of the Emboabas; Colonial Brazil; gold rush

__________________
*Concludente do Curso de Formação de Oficiais da Reserva – 2023
**Tenente da Arma de Infantaria. Formado no Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva
de Campinas em 2018
5

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS PÁGINA

Figura 1 - Vista do monumento de Borba Gato na década de 60 ………………………. 12

Figura 2 - Obra "Guerra dos Emboabas", de Carybé (1962, óleo sobre tela) ………….. 16

SUMÁRIO

PÁGINA

1. INTRODUÇÃO …………………………………………………………………… 06

2. REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................. 07

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO: CICLO DO OURO ................................................... 07

2.2 CAUSAS E MOTIVAÇÕES DO CONFLITO ........................................................ 08

2.2.1 Conflito de interesse e disputa de poder …………………………………………. 08

2.2.2 Nacionalismo ……………………………………………………………………. 09

2.2.3 Inflação …………………………………………………………………………. 10

2.2.4 Diferenças culturais ................................................................................................ 10

2.3 FIGURAS NOTÁVEIS ………………………………………………………….... 11

2.3.1 Manuel Borba Gato ................................................................................................ 11

2.3.2 Manuel Nunes Viana ............................................................................................... 12

2.4 PRINCIPAIS EVENTOS E BATALHAS DA GUERRA ........................................... 13

2.5 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA ......................................................................... 14

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 15

4. REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 16
6

1. INTRODUÇÃO

O Brasil Colônia, ao longo de toda sua história, foi cenário de inúmeros conflitos e
disputas que forjaram sua formação social, cultural e econômica. Um desses episódios
marcantes foi a Guerra dos Emboabas, um movimento nativista que ocorreu entre 1707 e
1709 nas regiões das Minas Gerais. Esse conflito envolveu os bandeirantes paulistas, que
eram sertanistas e exploradores, caracterizados pela violência e sede por riqueza, e os
"emboabas", termo utilizado para denominar os colonos portugueses e europeus que vieram
ao Brasil em busca das riquezas prometidas pela descoberta de ouro na região.
As Minas Gerais ganharam grande destaque com a corrida do ouro no final do século
XVII e início do século XVIII. Nesta época, a Coroa Portuguesa e as capitanias do Brasil se
encontravam em crise econômica devido à concorrência holandesa na produção e venda de
cana-de-açúcar. Isso levou a um reajuste de estratégia de exploração econômica do país, que
já não possuía riquezas no litoral, visto que a produção de cana havia diminuído e a
exportação de pau-brasil, primeira atividade econômica da colônia, estavam em baixa. A
solução encontrada pela Coroa foi incentivar a exploração das potencialidades do interior do
Brasil, a fim de obter novamente o lucro "perdido" das atividades econômicas litorâneas.
Diante disso, foram incentivadas expedições dos bandeirantes rumo a regiões desconhecidas e
ao sertão do país, onde, eventualmente foram encontradas jazidas de ouro.
Nesse cenário, os bandeirantes paulistas, pioneiros na exploração territorial, atuavam
na região explorando recursos naturais e obtendo riquezas, estabelecendo-se como os
primeiros controladores da região. Entretanto, a descoberta e a existência das minas auríferas
chamou a atenção e atraiu uma significativa quantidade de pessoas de diferentes origens,
chamados emboabas, que possuíam interesses distintos sobre o que seria feito a respeito da
divisão política, territorial e econômica da região. A chegada destas pessoas, em sua maioria
colonos portugueses e europeus, desencadeou uma série de tensões e rivalidades com os
bandeirantes paulistas. Disputas territoriais e de poder emergiram, visto que ambos os grupos
reivindicavam o direito de explorar as áreas ricas em ouro. Por um lado, os bandeirantes,
liderados por Manuel Borba Gato, reivindicavam à Coroa o direito de exploração exclusiva da
região. Do outro, os emboabas, liderados por Manuel Nunes Viana, queriam enfraquecer o
domínio paulista. Essas tensões deram origem à Guerra dos Emboabas, que teve repercussões
significativas na história do Brasil colonial.
Diante desse contexto, este artigo científico visa analisar e compreender a Guerra dos
Emboabas, descrevendo suas motivações, peculiaridades, acontecimentos principais e
consequências, indagando se se a motivação do conflito está relacionada a motivos patriotas
7

ou se a mesma se deu meramente por ganância por terras e ouro, dado que ainda existem
dúvidas a respeito da origem do conflito. Além disso, será examinada a intervenção da Coroa
Portuguesa e suas influências na guerra, evidenciando as tensões entre os diferentes grupos
envolvidos na busca pelo ouro e a relação entre colonos e o poder central português. Para isso,
serão utilizadas fontes confiáveis, relatos históricos e análises de especialistas, visando uma
apresentação objetiva e fundamentada do tema.
A compreensão da Guerra dos Emboabas é de suma importância para o entendimento
pleno da formação do Brasil colonial. Por conta disso, através desta análise, espera-se
contribuir para um maior entendimento do contexto histórico e das dinâmicas sociais e
econômicas da época, apresentando o conflito como um episódio importante da história do
país.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 CONTEXTO HISTÓRICO: CICLO DO OURO

A fim de compreender os fundamentos da Guerra, é necessário ter em mente o


contexto histórico pelo qual a Coroa e a Colônia passavam. Em acordo com aquilo
mencionado na introdução do presente artigo, em meados do século XVII, a crise açucareira
voltou o interesse de Portugal para o sertão brasileiro. Por conta disso, expedições, que
receberam o nome de "Bandeiras", foram realizadas por bandeirantes em direção ao interior
do Brasil e em busca de metais preciosos. Dado que os paulistas não possuíam livre acesso à
mão de obra escravizada oriunda do continente africano, tais expedições em direção ao sertão
brasileiro também visaram a captura de indígenas para cumprir o papel de mão de obra
abundante e barata.
A título de curiosidade, para ressaltar a importância das bandeiras para a interiorização
e exploração do território brasileiro, segue um fato: foi durante esse período que inúmeras
rodovias relevantes para o país e para o estado de São Paulo foram abertas, como por exemplo
a Rodovia Fernão Dias, a Rodovia Anhanguera e a Rodovia Bandeirantes, cujos nomes foram
criados em homenagem a bandeirantes relevantes.
Durante tais missões, os bandeirantes passaram a ocupar o sertão, abrindo caminhos e
construindo vilarejos que, posteriormente, se tornaram vilas e cidades. No final do século
XVII, foram encontradas as primeiras minas na região de Sabará (atual Belo Horizonte) e em
Ouro Preto, em expedições realizadas pelo bandeirante Antônio Dias de Oliveira, momento
que deu origem ao "Ciclo do Ouro". Esse ciclo colocou fim de vez na economia açucareira do
país, que já estava em decadência no Brasil devido à concorrência dos holandeses no Caribe.
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Com isso, o centro da economia colonial foi transferido do Nordeste para o Sudeste, com a
capital sendo transferida de Salvador para o Rio de Janeiro, pois seria mais fácil e adequado
do ponto de vista logístico para manter o controle dos centros de mineração.
Ademais, é importante ressaltar que esta descoberta fez com que a região de Minas
Gerais recebesse milhares de habitantes, compostos por pessoas oriundas de diferentes regiões
do país e da Europa interessadas em trabalhar na mineração e enriquecer dessa atividade.
Além disso, migrou para a região um grande número de indígenas e africanos, trazidos
forçadamente para realizar trabalhos escravos na região. Esse enorme fluxo de pessoas fez
com que diversas cidades surgissem na região, transformando aquela capitania em um dos
locais mais urbanizados do Brasil Colônia. Diversas cidades, como Diamantina, Mariana,
Ouro Preto, Sabará, São João del Rei e Tiradentes surgiram durante o período. De acordo com
o historiador Boris Fausto (1999, p.52), nos primeiros 60 anos do século XVIII, cerca de 600
mil pessoas vieram de Portugal para o Brasil, representando uma média de 10 mil pessoas por
ano que migravam para o país.

2.2 CAUSAS E MOTIVAÇÕES DO CONFLITO

2.2.1 Conflito de interesses e disputa de poder

A Guerra dos Emboabas foi ocasionada por conta de uma série de causas e motivações
que, em sua maioria, estão ligadas às tensões e rivalidades entre os bandeirantes paulistas e os
emboabas. Conforme dito anteriormente, os bandeirantes paulistas, pioneiros na exploração
da região das Minas Gerais em busca de pedras preciosas, consideravam-se os verdadeiros
donos das terras e detentores do direito exclusivo de explorar o ouro encontrado, baseando-se
na premissa de que eles foram os primeiros a chegar no local. Outrossim, acreditavam que
quem não participou do esforço pela procura de ouro não deveria ter os mesmos direitos para
a exploração que eles, que despenderam tempo, dinheiro e empenho na descoberta das minas.
Neste momento, os bandeirantes já estavam familiarizados com a região e possuíam
certa organização administrativa estabelecida, liderada por Manuel Borba Gato. Além disso,
implementaram a estrutura e a mão-de-obra (em sua maioria negros escravizados e índios
capturados) necessária para a extração do ouro. No entanto, com a chegada dos emboabas,
foram desencadeados conflitos em relação ao controle e usufruto dessas áreas de mineração,
pois os emboabas também buscavam riquezas nas Minas Gerais e reivindicavam o direito de
explorar o ouro encontrado. Esse grupo estabeleceu suas próprias áreas de mineração e,
liderados por Manuel Nunes Viana, desafiaram o domínio dos bandeirantes.
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Um enorme agravante para as tensões que cresciam constantemente foi a ausência de


uma autoridade central para regulamentar a situação caótica da corrida pelo ouro. Neste caso,
a Coroa Portuguesa e a figura do capitão-donatário (chefe da capitania hereditária que
respondia diretamente ao rei) foram omissos e pouco se preocuparam com o controle da
região, pois os lucros obtidos com o pagamento de impostos eram altos e, por conta disso, não
se sentiam ameaçados por consequências de um possível conflito. A falta de legislação clara
sobre a distribuição e posse das áreas de mineração e exploração de ouro contribuiu para a
formação de uma "terra sem lei", onde aquele que possuísse mais força seria o detentor do
poder da região.
Em suma, os bandeirantes paulistas queriam o controle da região apenas para si,
enquanto os emboabas queriam dividir o direito de exploração. Em contrapartida, a Coroa
Portuguesa se omitiu do conflito, fato que escalonou as tensões.

2.2.2 Nacionalismo

Existe uma longa e complexa discussão a respeito da existência de sentimentos


nacionalistas no conflito. Enquanto alguns argumentam que o conflito representa um embrião
do sentimento de patriotismo no Brasil, outros defendem uma visão totalmente oposta, que
questiona se sequer esse sentimento esteve presente nos interesses dos grupos.
A primeira linha de pensamento relaciona o conflito à luta contra a opressão da
metrópole portuguesa, utilizando a figura heroica do bandeirante como símbolo de resistência.
Isso ocorre por meio da crença de que os bandeirantes, ao se rebelarem contra a exploração
portuguesa de terras brasileiras (no caso, seriam os emboabas explorando o ouro em Minas
Gerais), contribuíram para o desenvolvimento de um sentimento de união e orgulho nacional.
Ademais, para ressaltar o ódio bandeirante aos portugueses, o termo "emboaba" tinha
conotação pejorativa. Por outro lado, uma perspectiva alternativa e controversa argumenta que
os próprios emboabas foram pioneiros na formação de um sentimento nacionalista. Nessa
visão, a tentativa dos portugueses de nomear um governador independente para a região das
Minas Gerais sem a anuência da Coroa Portuguesa, sugere um movimento em direção à
autonomia e independência da colônia. Dessa forma, o sentimento de nacionalismo teria sido
fomentado pelos migrantes estrangeiros.
No entanto, ambas as correntes teóricas são questionadas por historiadores que
apontam que os dois grupos estavam mais preocupados com seus próprios interesses
econômicas e rivalidades internas do que com uma causa maior e nacionalista, que visava o
10

bem geral da nação. Assim, fica claro que o conflito não representava um movimento
unificado em prol do nacionalismo e da pátria, mas sim a ganância por ouro.

2.2.3 Inflação

Durante o início da corrida do ouro em Minas Gerais, ocorreu um considerável


aumento nos preços dos alimentos e no custo de vida em geral, devido a baixa oferta de
alimentos e serviços e da alta populacional decorrente dos processos migratórios. Essa
demanda exponencial por parte dos garimpeiros e das pessoas que se estabeleceram na região
em busca de riquezas resultou em um enorme desequilíbrio entre oferta e demanda, que fez
com que os produtores de alimentos e comerciantes, para se aproveitarem da situação,
elevassem os preços para obterem maiores lucros. A inflação foi inevitável, afetando a toda
população recém chegada na região, conforme o trecho abaixo:
Foi na época da fome como medida de prudência que Artur de Sá concedeu a
Amaral Gurgel o estanco ou monopólio dos açougues. Não tardaram nada os abusos.
O povo foi esmagado. E quando o monopólio chegou aos seus anos derradeiros e
veladamente começaram as transações para o prorrogar, os paulistas se levantaram.
(MELLO, 1979, p.48).

Este cenário se tornou uma forte alavanca impulsionadora para o conflito, pois tanto os
bandeirantes quanto os emboabas dependiam dos mesmos recursos escassos para sobreviver e
prosperar. A competição entre os dois grupos se intensificou à medida que os preços subiam,
levando a conflitos entre esses grupos na busca por vantagens econômicas e controle sobre as
áreas auríferas. Tal controle permitiria maior lucro e, consequentemente, mais capacidade de
superar os desafios causados pela inflação.

2.2.4 Diferenças culturais

Além das disputas de poder e da inflação, as diferenças culturais e sociais entre os


bandeirantes e os emboabas também contribuíram para o conflito. Os bandeirantes eram
exploradores sangrentos e experientes, acostumados com a dureza do interior, com a violência
e com a prática da escravização indígena. Já os emboabas, por sua vez, eram colonos
portugueses e europeus que possuíam uma perspectiva cultural e social diferente da situação,
com uma mentalidade mais voltada para a colonização e o estabelecimento de comunidades.
O trecho abaixo exemplifica a diferença cultural entre os grupos:
A chegada dos forasteiros às Minas foi também motivo de zombaria porque
chegaram usando botas, calças e polainas, um tipo de protetor para o peito dos pés, o
que foi associado pelos paulistas com o termo indígena "Mbuãb", palavra
empregada pelos índios Tupis em referência às aves de penas até os pés.
(BÁRBARA; BAHIA, 2007, p.8).
11

Além disto, os bandeirantes paulistas viam os emboabas como intrusos que


ameaçavam seu domínio sobre as áreas de mineração, devendo ser expulsos para assegurar o
controle da região. Esse grupo tinha um sentimento forte de posse sobre o local, visto que
foram os primeiros a assentar na região e temiam uma ingerência que lhes retirasse a riqueza
encontrada (GOMES, 2020). Enquanto os emboabas viam os bandeirantes como concorrentes
injustos que buscavam monopolizar a riqueza natural encontrada.
Em suma, as causas e motivações do conflito da Guerra dos Emboabas estão
intrinsecamente ligadas às disputas territoriais e ao controle das áreas de mineração, bem
como às diferenças culturais e sociais entre os bandeirantes paulistas e os emboabas. Esses
fatores alimentaram as tensões e rivalidades que culminaram no sangrento conflito armado
objeto de estudo deste artigo.

2.3 FIGURAS NOTÁVEIS

2.3.1 Manuel Borba Gato

Manuel de Borba Gato, nascido em 1649, foi um bandeirante que desempenhou um


papel crucial na história brasileira, possuindo grande destaque no contexto da Guerra dos
Emboabas. Borba Gato ganhou notoriedade graças às explorações e descobertas de áreas
auríferas na capitania de Minas Gerais, na região do Rio da Velhas, Sabará e Caeté. Em 1670,
casou-se com Maria Leite, filha do ilustre bandeirante Fernão Dias Pais. Entre 1674 e 1681,
integrou a chamada “Bandeira das Esmeraldas”, liderada por Fernão Dias, seu sogro.
Dentre os acontecimentos marcantes de sua vida, é mister comentar a respeito do
assassinato de D. Rodrigo Castelo-Branco, que era um fidalgo espanhol que atuava à serviço
da Coroa Portuguesa como superintendente das Minas. Sua morte é atribuída a Borba Gato,
quem supostamente o teria matado por conta de uma decisão real que transferiu as terras de
seu sogro, Fernão Dias, para o fidalgo. Após o crime, Borba Gato passou vinte anos refugiado
na serra da Mantiqueira, onde hoje se localiza o município de Ipatinga. Lá, ele teria se tornado
líder de um grupo indígena, mantendo-se distante da colônia para evitar a prisão. Durante esse
período, realizou expedições que acabaram por descobrir ouro na região de Sabará e nos vales
dos rios Sapucaí e Grande.
Em 1700, Borba Gato pediu perdão ao Governador das Minas, Arthur de Sá e
Menezes, alegando que tinha descoberto importantes áreas auríferas. Então, como
recompensa pelo feito, recebeu o perdão do governador pelo seu crime e foi nomeado
guarda-mor do distrito de Rio das Velhas. Em 1702, por conta de sua vasta experiência e
conhecimentos a respeito do processo de mineração, foi nomeado superintendente das minas
12

de ouro, tornando-se um membro imprescindível para a Coroa. Dessa maneira, logo tornou-se
um dos homens mais ricos e influentes da região das Minas.
Ao longo dos séculos seguintes, diversas homenagens foram feitas ao bandeirante, a
fim de relembrar sua importância para a história de Brasil e Portugal. Dentre elas, a que mais
se destaca é uma estátua inaugurada em 1963, localizada no distrito de Santo Amaro, em São
Paulo, onde Borba Gato foi representado em pose de realeza, tendo a carabina como cetro
real.

FIGURA 1 - Vista do monumento de Borba Gato na década de 60


Fonte: São Paulo Antiga

2.3.2 Manuel Nunes Viana

Manuel Nunes Viana foi um bandeirante português que exerceu uma função
fundamental na história de Minas Gerais, tendo sido um dos expoentes da Guerra dos
Emboabas. Mascate e proprietário de minas, foi governador da capitania de Minas Gerais e
líder dos emboabas durante a guerra.
Nunes Viana migrou para o Brasil Colônia muito jovem, primeiramente vivendo na
Bahia, onde trabalhava para um grande fazendeiro como criador de gado. Com a morte de seu
chefe, herdou sua fortuna e suas fazendas na região do São Francisco, que cresceu
exponencialmente devido a sua aptidão para liderança e negócios. Com isso, se tornou um dos
homens mais influentes da região. Após o início do ciclo do ouro, que trouxe um grande fluxo
de migrantes para a região, os estrangeiros alvoroçados elegeram Manuel Nunes Viana como
governador das Minas e capitão-mor dos emboabas.
Para alguns, Manuel era considerado um facínora cruel, que supostamente teria
cometido uma série de crimes e abusos, como por exemplo, o assassinato de sua própria filha,
por haver-se envolvido com um rapaz de baixa renda. Além disso, uma de suas chácaras
possuía uma lagoa chamada "Cinquenta", pois dali foram retiradas cinquenta caveiras de
adulto, provavelmente de seus inimigos e escravos. Apesar destas atrocidades, enquanto
13

ocupava o cargo de governador, era considerado um homem de boa índole pela maioria da
população, conforme o trecho abaixo indica:
Manuel Nunes Viana arrogou a si o governo e a administração da Real Fazenda, em
que não houve descaminho, o que é bem glorioso para o mesmo Viana, do qual não
consta que cometesse por si ou por seus confidentes alguma ação prejudicial. Ele
regia com igualdade os povos, ele os socorria com seus cabedais, ele finalmente
apaziguava as contendas. (COELHO, 1780, p.123).

2.4 PRINCIPAIS EVENTOS E BATALHAS DA GUERRA

Tendo em vista o constante crescimento das tensões entre os grupos devido aos
motivos elencados acima, em 1706 já existia na região um sentimento de que a guerra
eclodiria a qualquer momento. No ano seguinte, após o surgimento de um boato de que os
paulistas, reunidos na cidade de Sabará, planejavam exterminar todos os chefes estrangeiros
da região das Minas por meio de um ataque combinado durante a execução de missas nas
igrejas, os emboabas decidiram nomear Manuel Nunes Viana como Governador, para tentar
pôr fim às violências dos paulistas. Viana estabeleceu a sede de seu governo na cidade de
Caeté, onde estavam concentrados os emboabas.
Em pouco tempo, Nunes Viana iniciou a varredura dos bandeirantes: enviou um
destacamento para Sabará para entrincheirar os paulistas lá presentes. Contando com a ajuda
da população indígena, que desprezava os paulistas, a resistência local foi rompida e os
emboabas passaram a controlar a região, com a fuga dos remanescentes para o arraial de
Cachoeira do Campo, localizado nos arredores de Vila Rica. Os paulistas saíram seriamente
derrotados deste primeiro combate, entretanto, não se desmoralizaram.
No arraial, os emboabas seguiram em perseguição aos sobreviventes do ataque
anterior. Lá, apesar da proporção de combatentes ser de 1 paulista para cada 10 emboabas, foi
feita uma valente defesa do local, onde inclusive Nunes Viana saiu ferido. Em uma segunda
investida, em que o uso de armas brancas e o combate corpo-a-corpo foram os principais
destaques, os paulistas novamente expulsaram os invasores. Foi apenas em um terceiro
ataque, realizado de maneira surpresa e comandado pelo Frei Francisco de Menezes, que os
emboabas conseguiram finalmente derrotar os paulistas encontrados na região.
Em seguida, ocorreu o episódio mais sangrento, trágico e marcante da Guerra dos
Emboabas, que ficou conhecido como "Capão da Traição". Após a derrota na batalha de
Cachoeira do Campo, paulistas se renderam e receberam a anistia de Nunes Viana, sob a
promessa de que se retirariam da região das minas. Entretanto, durante o retraimento a São
Paulo, inúmeros homens pararam e se estabeleceram em um capão na região da atual cidade
de Tiradentes. Especula-se que os paulistas tivessem a intenção de reorganizar suas tropas e
14

realizar uma nova contra-ofensiva contra os emboabas, que também se encontravam nas
imediações, utilizando a traição e o fator surpresa para fazê-lo.
Desse modo, os bandeirantes enviaram alguns índios para investigar a posição exata
dos emboabas e atraí-los para uma emboscada. A estratégia funcionou, o exército emboaba
caiu na armadilha e foi recebido a tiros na região do capão, tendo muitos de seus combatentes
executados. Revoltado com o acontecimento, Nunes Viana nomeou Bento do Amaral
Coutinho, conhecido pelo temperamento rude e sanguinário, para realizar um contra-ataque.
Com o sucesso de suas táticas militares, que utilizaram o flanqueamento e cerco de todo
destacamento inimigo, em dois dias os paulistas solicitaram trégua e se renderam. Bento do
Amaral chegou a jurar pela Santíssima Trindade que, após a rendição e deposição das armas
dos paulistas, não mataria seus rivais e os deixaria sair livremente da região das minas.
Entretanto, após a rendição e entrega das armas, Bento decretou o massacre de todos os cerca
de 300 paulistas capturados, dando um triste fim a esse episódio da guerra. Neste momento, o
feitiço virou-se contra o feiticeiro, com a traição anterior dos bandeirantes ocasionando na
traição dos emboabas (GASPAR, 2009, p.10). Os paulistas revoltados até ensaiaram um
contra-ataque, porém já não possuíam mais forças suficientes para derrotar os emboabas, que
cada vez mais se reforçavam.
Em 1709, com a intervenção do governador do Rio de Janeiro, Antônio de
Albuquerque Coelho de Carvalho, o conflito terminou. Nunes Viana foi destituído do cargo
de governador, embora toda a estrutura administrativa emboaba fosse mantida. Os paulistas,
que não conquistaram seus objetivos e não tinham mais forças para guerrear, deixaram a
região de forma definitiva.

2.5 CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA

Conforme a Guerra dos Emboabas se alastrava, a Coroa Portuguesa percebeu a


importância da região das Minas Gerais por conta da grande arrecadação oriunda da
exploração mineral. Com isso, a necessidade de uma gestão mais organizada para evitar
confrontos internos que poderiam enfraquecer a dominação portuguesa sobre o território se
fez evidente. Assim, esse período de tensão e agitação social levou ao aprimoramento do
controle e da fiscalização da atividade mineradora, resultando na divisão das terras da região e
na criação de medidas mais rigorosas para a extração e tributação dos metais preciosos,
garantindo assim o pleno controle das minas e a maximização dos lucros para Portugal. Com
o fim da guerra, a Coroa Portuguesa tomou a iniciativa de intervir diretamente na região das
minas.
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A primeira atitude tomada foi a reorganização do território, com a cisão da Capitania


de São Vicente em três: Capitania de São Paulo, Capitania do Rio de Janeiro e Capitania de
Minas de Ouro, para melhor controlar a região das minas. A vila de São Paulo deixou de ser
meramente uma vila e tornou-se cidade e capital da nova capitania. Ademais, três importantes
vilas para a exploração aurífera foram criadas oficialmente: Vila Rica, Sabará e São João del
Rei.
Além disso, apesar da derrota na guerra, os bandeirantes não diminuíram a
determinação de encontrar ouro e foram feitas expedições rumo a áreas pouco exploradas do
país, como Goiás e Mato Grosso, onde encontraram novas jazidas de ouro, provando que
Minas não concentrava toda a riqueza mineral do país. A exploração do ouro nessa nova
região promoveu a interiorização do Brasil e, a partir de seu início, foram fundadas inúmeras
vilas para acomodar os recém-chegados que desejavam enriquecer nas minas, como Vila Boa
e Pirenópolis. Com isso, o surgimento do comércio interno diversificou a economia brasileira,
que antes era baseada apenas na atividade mineradora.
Por fim, outra medida tomada pela coroa foi a pesada cobrança de impostos sobre os
minérios extraídos. A descoberta das minas na região centro-oeste e o intenso volume de ouro
extraído de Minas Gerais fizeram com que a produção de ouro aumentasse
consideravelmente. A fim de aproveitar-se da situação, o Rei de Portugal instituiu um tributo
conhecido como "quinto", que recebeu tal nomenclatura porque correspondia a 20% (um
quinto) do metal extraído que era registrado pelas casas de fundição. Ademais, a exploração
do ouro e o pagamento correto dos impostos passaram a ser fiscalizados mais intensamente
pela Coroa. Os tributos cobrados eram considerados altíssimos e geraram descontentamento
entre os colonos, contribuindo para a eclosão das revoltas no Brasil, incluindo a Inconfidência
Mineira, visto que Portugal começou a ser vista como um "peso" para o desenvolvimento do
Brasil.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a Guerra dos Emboabas foi um dos conflitos mais importantes do Brasil
Colonial, sendo indelével para a construção do país que conhecemos hoje. Esse episódio
revelou as tensões entre os bandeirantes paulistas, pioneiros na exploração da região, e os
emboabas, colonos estrangeiros em busca de riqueza. As complexas causas do conflito,
incluindo disputas territoriais e diferenças culturais, ecoaram nas sangrentas batalhas e
disputas que definiram o desenrolar desta guerra, que terminou com a vitória estrangeira.
16

Este artigo, ao examinar profundamente o contexto histórico e as causas da Guerra dos


Emboabas, deixa claro que estas estão relacionadas completamente às aspirações econômicas
dos colonos, que desejavam guerrear meramente pela ganância pelo ouro e pelas demais
riquezas oriundas das minas, sem sequer possui algum resquício de nacionalismo e
patriotismo em seus ideias. Suas consequências, elencadas na reorganização territorial,
interiorização do país, diversificação do comércio, aumento na tributação e legado histórico
para o surgimento de um pensamento independentista, podem ser vistas impactando e
moldando tanto a história do Ciclo do Ouro quanto a formação da nação brasileira.
Acredita-se e espera-se que este trabalho possibilite um aprofundamento no
conhecimento da história local deste evento tão importante para a formação do país, marcado
por conquistas e tragédias que merecem ser estudadas e relembradas.

FIGURA 2 - Obra "Guerra dos Emboabas", de Carybé (1962, óleo sobre tela)
Fonte: Secretaria de Cultura de Minas Gerais

4. REFERÊNCIAS

BÁRBARA, M.C.; BAHIA, E.T.; A história local como fator de atração turística: estudo
da Guerra dos Emboabas em Minas Gerais. 2007. 16 f. Dissertação (pós-graduação) -
Curso de Turismo, Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Turismo
(ANPTUR), São Paulo, 2007.

COELHO, José João Teixeira. Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais.
Belo Horizonte: Fundação José Pinheiro, 1994. p.123.

FAUSTO, Boris. História concisa do Brasil. São Paulo: Edusp, 1999. p. 52.

GASPAR, Tarcísio de Souza. Bocas de fogo no conflito entre forasteiros e paulistas. 2008.
21 f. Dissertação (mestrado) - Curso de História, Universidade Federal Fluminense, Niterói,
2008.
17

GOMES, Filipe de Melo. A Guerra dos Emboabas: as figurações sociais no alvorecer do


leviatã mineiro. 2020. 202 f. Dissertação (pós-graduação) - Curso de Sociologia, Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte,
2020.

MELLO, José Soares de. Emboabas. São Paulo: Governo do estado de São Paulo, 1979. p.
48.

NASCIMENTO, Daniel. Monumento de Borba Gato. São Paulo Antiga, 2021. Disponível
em: https://saopauloantiga.com.br/borba-gato/. Acesso em: 30 de jul. de 2023.

O SÉCULO 18 NAS MINAS GERAIS. Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de


Minas Gerais, 2019. Disponível em:
https://www.secult.mg.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6264:o-secu
lo-18-nas-minas-gerais&catid=86. Acesso em: 14 de ago. de 2023.

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