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Quatro Gerações

Por Rafael Souza em 05/01/2024, inspirado pela notícia do início das obras do Centro
de Eventos Oscar Niemeyer em Maringá/PR e em homenagem ao amigo Mário Terra.

“ – Alô, Rafael?!? Aqui é o Peralta. Lembra daquele projeto complexo que te falei? Acabei
de assinar o contrato na Prefeitura e agora posso te revelar maiores detalhes. É uma
obra póstuma do Oscar Niemeyer!!! Você gostaria de colaborar?”.

E foi assim que meu amigo Antonio Carlos Peralta me ligou de sopetão numa manhã de
Agosto de 2021. Tinha em mãos o grande desafio da sua vida profissional e a autorização
para o coroamento de uma trajetória profissional impecável. O Peralta sempre me foi
uma grande referência profissional, tendo calculado as maiores obras da minha cidade
natal, Maringá, aqui no norte do Paraná.

Entre algumas obras de destaque que ele calculou por aqui estão o Hospital
Universitário da Universidade Estadual de Maringá, o Edifício Antonio Schwabe e o
Edifício Hotel Metrópole. É o introdutor da protensão não-aderente em nossa cidade e
sua jornada estrutural começou muito cedo, sendo responsável pelo complexo projeto
estrutural do Paço Municipal de Maringá com parcos 20 e poucos anos de idade, ainda
recém-formado.

Figura 1 – Paço Municipal de Maringá/PR

Figura 2 –Edifício Antonio Schwabe e Edifício Hotel Metrópole em Maringá/PR


Tive a honra de ser aluno do Prof. Peralta e, um pouco antes de ir para Campinas para
cursar mestrado na Unicamp ele me chamou para passar uma temporada em seu
escritório, o A. C. Peralta Engenharia. Na época enxergou em mim o que ninguém ainda
enxergava, me incentivou a ir estudar fora e desde que voltei para Maringá nos
tornamos confidentes dos desafios estruturais de nossas vidas. Sinto-me honrado de ter
me tornado amigo de meu professor, cuja figura remete ao primeiro profissional de
referência ao qual me espelhei. “Tudo o que eu quero é calcular prédios como o Peralta”,
pensava comigo, nos primeiros anos de profissão!

“ – Caramba, Peralta. É claro!!! Mas como eu posso ajudar. Você precisa de alguma
modelagem especial?”, respondi ainda mais extasiado que meu amigo.

E assim começamos uma jornada estrutural de muitas conversas e amadurecimento,


onde cada vez mais pude conhecer de maneira aprofundada a genialidade de meu
amigo. Basicamente, o Centro de Eventos Oscar Niemeyer tem 11 mil m², oito andares
e 25 metros de altura. O complexo tem salas de exposição, biblioteca, dois palcos,
plateia para 620 pessoas, camarins, vestiários, banheiros, estacionamento com 141
vagas, sala de imprensa e salas administrativas entre outros. É um projeto da década
de 80, mas que nunca tinha saído do papel, sendo felizmente retomado em 2011.

Figura 3 – Centro de Eventos Oscar Niemeyer em Maringá/PR

O grande problema desse projeto foi sem dúvida a cobertura, que num primeiro
momento parecia ser uma casca perfeita, como é típico de outros projetos do grande
arquiteto. O vão a ser coberto pela suposta casca ficaria entre 30 m a 67 m, devendo ser
apoiado em paredes laterais imensas, que atingem até 25 m de altura. Começamos
assim as modelagens da cobertura, no intuito de entender se a curvatura daquele livro
aberto realmente favorecia os esforços. As primeiras modelagens consistiram em
elementos de placa, com espessura média de 25 cm, conforme ilustram as Figuras 4 e 5.
Figura 4 – Malha de elementos finitos da cobertura do Centro de Eventos Oscar Niemeyer

Figura 5 – Deslocamentos, momentos longitudinais e momentos transversais atuantes na


cobertura para ação de peso próprio
Logo nas primeiras modelagens, que foram muitos dificultadas pela geometria não
convencional, fomos surpreendidos por imensos esforços de flexão, revelando que a
geometria original das curvas não favorecia em absolutamente nada a viabilização
daquela cobertura. Além disso, o prazo que tínhamos para finalizar o projeto era
absurdo: apenas 4 meses!!!

Ponderamos assim, após muitas discussões e análises de resultados que precisávamos


da ajuda de alguém mais experiente nas obras de Niemeyer. Aquela envergadura
desproporcional era difícil de ser vencida sem a alteração da geometria original da
superfície de cobertura e isso realmente nos deixou em estado de alerta máximo:

“ – Peralta, essa cobertura aqui não dá para fazer na casca não, tá muito difícil. Sei que
o projeto é teu, mas tem alguém que conheci recentemente e que me tornei amigo que
pode nos ajudar bastante. Ele já fez um monte de obras do Niemeyer e certamente pode
nos ajudar nesse quebra-cabeça”, falei para meu amigo que sofria a pressão do tempo
e da responsabilidade pesarem sobre suas costas.

Tinha algum tempo, havia começado no Instagram uma página (@rsouza.eng), onde
comecei a contar a história de grandes engenheiros estruturais, por meio de uma série
que denominei de “Ídolos Estruturais”. Foi aí então, que entrou em contato comigo, a
querida Maria Pia, filha do Eng. Mário Terra Cunha, por volta de Julho de 2021, para me
agradecer por ter contado a história de seu Pai. Conversamos bastante e então ela me
colocou em contato direto com esse engenheiro fantástico que então se tornaria nosso
consultor nessa empreitada arrojada.

O Eng. Mário Terra já tinha trabalhado enfrentando grandes desafios em FURNAS


Centrais Elétricas contratado pela CEMSA (Construção, Engenharia e Montagem S.A.);
na CNT CONSULT Engenharia Ltda; na GEOTÉCNICA S.A., na PROMON Engenharia S.A.;
na IESA (Internacional de Engenharia S.A) e na SOUMAYER Engenharia S.A. enfrentando
todo tipo de desafio estrutural.

Como Sócio-Diretor da AVANTEC Engenharia Ltda. e AVANTEC Consultores LTDA no Rio


de Janeiro, desenvolveu numerosos projetos na área industrial, termoelétricas, estações
de tratamento de água e esgoto, passarelas e viadutos. E, com todo esse know-how,
contribuiu muito com o escritório de Oscar Niemeyer, elaborando o projeto estrutural
de diversos empreendimentos de destaque nacional e internacional.

Entre alguns de seus projetos mais relevantes estão a Procuradoria Central da República, o
Tribunal Superior do Trabalho, o Museu Nacional e Biblioteca, em Brasília/DF; o Museu de
Artes do Paraná, em Curitiba/PR; o Memorial Maria Aragão, em São Luís/MA; o Centro
Cultural em Duque de Caxias/RJ; o Parque da Cidade, em Natal/RN; a Sede da Itaipu
Binacional e Universidade da Integração Latino Americana em Foz do Iguaçu/PR; o Museu
BR do Cinema, o Teatro Popular, a Fundação Oscar Niemeyer e o Memorial da Cidade, em
Niterói/RJ; o Auditório de Ravello, na Itália; o Centro Administrativo de Minas Gerais, em Belo
Horizonte/MG; a Estação Ciência Cultura e Artes, em João Pessoa/PB; o Parque Dona Lindu,
em Recife/PE; o Centro Cultural em Avilés, Espanha; a Torre de TV Digital, em Brasília/DF; a
Passarela sobre a Auto-Estrada Lagoa Barra, no complexo da Rocinha, Rio de Janeiro/RJ; e a
Puerto de La Música, em Rosário, na Argentina.
E assim, marcamos uma primeira conversa para mostrar para o Eng. Mário o que já tínhamos
esboçado daquela cobertura. Mostramos o resultado das modelagens preliminares e nossa
preocupação de que aquilo não podia ser feito em forma de casca. O Eng. Mário então nos
falou bastante da necessidade de contrafortes em pontos estratégicos e da necessidade de
se ter uma curva apropriada da superfície para poder obter um estado membranal de
esforços, isto é, uma cobertura submetida essencialmente a forças de tração e compressão,
com um mínimo possível de flexão.

“ – O que podemos fazer é ajustar uma curva interna, para forçar o estado membranal.
Daí subimos uns pilaretes dela e damos a forma externa da maneira que o Oscar queria.”
E assim, o Mário iniciou um traçado alternativa da cobertura, na tentativa de minimizar
os esforços de flexão das curvas originais da cobertura.

Enquanto o Mário trabalhava nas curvas alternativas, eu e Peralta decidimos que não
podíamos ficar esperando e que deveríamos ter uma concepção alternativa caso a casca
não fosse realmente possível. E assim começamos a pensar em novas possibilidade e
efetuar novas simulações, imaginando o sistema com uma série de vigas isoladas e
depois grelhas, conectando-se à nítida viga-calha central de encontro das curvas.

Figura 5 – Esboço da solução estrutural preliminar do Eng. Peralta

Figura 6 – Modelo estrutural com grelha na região entre a calha central


Figura 7 – Modelo estrutural com grelha refinada na região entre a calha central

No entanto, por mais que tentássemos, os esforços daquela cobertura não colaboravam.
A estrutura indicava que na realidade iriamos precisar de uma série de vigas protendidas
lado a lado, como se fosse um tabuleiro em grelha com nervuras de grande porte. A
última esperança para fugir dessa solução estava na curva alternativa do Mário, que
passou dias concentrado naquele problema incomum.

O Mário tinha uma característica marcante, que depois confirmei através de outros
colegas em comum. Ele nunca respondia um assunto espinhoso na hora. Ficava em
silêncio matutando e depois vinha com alguma solução mirabolante e certeira. Quando
o conheci, coincidentemente apareceu uma oportunidade de consultoria para outra
obra do Niemeyer, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O prédio estava apresentando
separação na fachada de vidros e esse convite surgiu a partir do Eng. Matheus Leoni de
Brasília. Envíamos uma proposta que infelizmente acabou não vingando, mas pelo
menos foi uma boa passagem para conhecer mais sobre a personalidade ímpar do amigo
Mário:

- “Este projeto não veio para a Avantec porque já tinha um preço fechado e prazo que
não nos parecia razoáveis e o Dr. Bruno fez com o engenheiro Walmor de Brasília. Os
grandes vãos devem ser protendidos e as deformações lentas devem ter aumentado as
aberturas das juntas de dilatação, principalmente nos andares superiores onde além das
variações térmicas as cargas devidas aos acabamentos começam a ser aplicadas logo
após a concretagem para atender o cronograma de entrega. Nós procuramos evitar
Gerber usando pilares duplos nas juntas e orientando ao projeto de esquadrias para usar
juntas telescópicas para não interligar os andares e para obedecer às juntas de dilatação
também nas esquadrias. Com dentes Gerber fica mais difícil obedecer às juntas e talvez
o projeto das esquadrias não tenha atentado para o fato. Outra recomendação que já
fizemos em alguns projetos era usar placas cobrindo as juntas presas só de um lado
porque não é possível evitar a deformação lenta. Espero que os aparelhos de Neoprene
estejam com dimensões adequadas”.
- “O Dr. Bruno sempre foi uma pessoa muito cara para a Avantec pois era muito amigo
do Waldyr Amorim que a criou e fizeram alguns trabalhos juntos. Após o falecimento do
Waldyr não tivemos mais oportunidade de trabalhar com ele, mas nos encontramos
muitas vezes e já fizemos uma palestra juntos sobre obras do Oscar. Infelizmente nos
deixou este ano”.

- “O Oscar chegou a me perguntar porque eu não estava fazendo aquele projeto.


Entendo que o problema da retração é agravado em Brasília pelo clima muito seco mas,
como você ressaltou, pelo tempo transcorrido, já está praticamente instalado. Me
preocupa neste caso o estado dos aparelhos de apoio que espero não estar
comprometido pois não há espaço para a troca. Me coloco à sua disposição para a troca
de ideias, mas não posso colocar o nome neste relatório pelos motivos expostos. Espero
que compreendas minha posição pois sempre procuro prezar pela ética nesta profissão
tão difícil. Abraços”.

Aquelas conversas com o Mário eram sempre muito enriquecedoras e, além disso,
revelavam toda sua habilidade técnica e sua ética profissional. Um homem calmo,
inteligente acima da média, que sabia resolver problemas espinhosos concretizando
obras impossíveis. Alguns colegas experimentaram a fama, mas quem estava sempre lá,
por trás dos bastidores, quase que anônimo para a grande massa, era o Mário Terra. Sua
natureza era avessa aos holofotes, mas os estudiosos da sua arte estrutural sabem muito
bem de seus feitos incríveis. Assim como George Martin foi para os Beatles, o Mário foi
para o Oscar, um gênio desconhecido da multidão. Eis mais um pouco de nossas
conversas em relação aos problemas do TSE:

“ - Não sei se Matheus tem acesso aos pontos de apoio nos locais com maior abertura,
mas acho que se houver algum problema nos dentes ele já deve aparecer . Nos projetos
da Avantec sempre adoto uma inclinação na superfície do dente inferior de modo a
impedir o acúmulo de umidade no local onde apareceria a fissura no concreto. Observei
que neste projeto não se aplicou uma argamassa para nivelar o que seria obrigatório se
tivesse a inclinação que adoto. Também uso tensão reduzida no cálculo da armadura do
dente para minimizar essa fissura. Quando estava iniciando na profissão tivemos a
queda de um viaduto aqui no Rio por corrosão no dente, o Faria-Timbó. Isto me permitiu
firmar este conceito que nunca abri mão nos meus projetos”.

“ - Espero que o construtor tenha aplainado bem a superfície do dente. A distorção no


aparelho é o que me parece mais preocupante. A curva do pavimento e o balanço
desigual nas extremidades devem ter tornado variáveis os valores das aberturas em cada
junta. Seu amigo pode focar nisto no levantamento. O entusiasmo pelo Método das
Bielas também tenho e não tinha como não ter tendo trabalhado tanto tempo com
Ernani Diaz. Fico preocupado quando vejo a armadura de um console ancorada com
apenas um comprimento de ancoragem a partir da face do maciço. Para simplificar
pedia aos meus engenheiros para considerar uma biela a 45 graus e ancorar a partir daí.
Quando há limites de comprimento forçado pela forma é necessário verificar os raios de
curvatura para ancorar a biela que equilibra a biela do console”.
Figura 8 – Prédio do TSE em Brasília com projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer e projeto
estrutural de Bruno Contarini

Cuidadosamente, o Eng. Mário imprimiu na mão um corte da estrutura e idealizou


segmentos de curvas para a cobertura (Figura 9), que supostamente poderiam aliviar os
esforços de flexão. Ele já tinha tido sucesso em outras ocasiões usando essa técnica e
também estava confiante de que a cobertura falsa poderia ajudar a vencer aqueles vãos
incomuns. Ele já tinha conversado sobre o assunto com o arquiteto Jair Valera,
responsável pela continuidade dos projetos originais de Niemeyer, sendo que sua visão
sobre a cobertura é revelada a seguir:

Figura 9 – Curva alternativa para a cobertura sugerida pelo Eng. Mário Terra

“ - Enviei para o Jair pois ele havia a princípio concordado com essa ideia uma vez que o
pé-direito ali é muito grande e o forro acústico esconde. Ele respondeu que está
satisfatório”.
“ - A cobertura pode ser pensada com pilaretes e vigas apoiando placas pré-moldadas
com capeamento in-loco. Me chama a atenção também a grande viga parede inclinada
sobre o portão do palco. A Arquitetura deixou muito pouco de parede para apoio e sem
contrafortes na abertura.”

“ - Procurei padronizar os raios para facilitar as formas. As curvas são contínuas. São
dois raios concordando e crescentes. Um de 50 m e outro de 100 m. O dwg vai esclarecer.
Como os raios decrescem em direção à calha a maior parte da carga das cascas deve ir
para este talão. Infelizmente as portas do teatro estão na projeção da calha e os
contrafortes não podem ter a largura da calha. Estes contrafortes são muito importantes
para o apoio deste talão devido aos recortes para a ancoragem dos cabos de protensão.”

Figura 10 – Modelagem da cobertura com as curvas alternativas objetivando minimizar os


esforços de flexão
Modelei a estrutura de maneira tridimensional em elementos finitos (Figura 10),
incluindo as paredes laterais e as curvas sugerida pelo Mário. Apesar dos esforços de
flexão terem diminuído sensivelmente em relação às curvas originais, ainda assim os
esforços eram muito elevados para poder armar a estrutura de cobertura com uma
única espessura. Para se ter uma ideia, para uma placa de 25 cm em estado limite último,
a armação ficaria entre 10 a 40 cm2/m. A flexão dificelmente vence a gravidade e essa
foi a grande lição aprendida nesse projeto.

“ – Rafael, não tenho mais tempo. Vou ter que resolver do meu jeitão mesmo, estilo
grelha, igual aquelas obras de Brasília. Vou pensar numa solução aqui que é o que pode
ser feito com o curto prazo que ainda me resta”. E assim, meu amigo Peralta usou de
todo seu brilhantismo para resolver aquela cobertura atípica, desenvolvendo assim, sem
sombras de dúvidas, um projeto estrutural de Niemeyer em tempo recorde. O que
outros levariam no mínimo dois anos, meu amigo teve que resolver em dois meses. Se
não cumprisse o prazo determinado, os recursos da Caixa Econômica simplesmente não
seriam mais destinados para a construção da obra.

Importante mencionar que, enquanto viajávamos nas possibilidades de concepção


estrutural para a cobertura, a habilidosa arquiteta Leidiane Caramel vinha nos auxiliando
bastante no entendimento daquela complexa construção. Através do BIM (Building
Information Modeling), ela foi capaz de nos fornecer as coordenadas necessárias para
as modelagens numéricas em elementos finitos, bem como, todo o entendimento das
complexidades existentes internamente na edificação.

Eu tinha conhecido a Leidiane anos antes, em um projeto BIM em parceria com a


empresa Concretiza do meu amigo Érico Nirino, com quem eu e o Peralta já tínhamos
trabalhado junto na protensão do hall de entrada do Paraná Fashion Hall. Na ocasião
fiquei espantado com a habilidade dela manipulando o Revit e indiquei seu trabalho
para o Peralta, que prontamente a contratou. O trabalho da Leidiane, caçula de um
grupo de 4 gerações de profissionais, foi fundamental para a interação da arquitetura
com a estrutura, especialmente na interação entre o Peralta e o arquiteto Valera. Seu
trabalho facilitou muito as modelagens iniciais feitas no programa SAP2000, bem como
o projeto executivo elaborado no programa TQS (Figura 11).

Figura 11 – Modelagem tridimensional do Centro de Eventos Oscar Niemeyer em TQS


Para resolver a cobertura (Figura 12), o Peralta utilizou uma série de longarinas
protendidas de 40 cm x 150 cm, espaçadas a cada 1,0 m, bem como, transversinas de
travamento a cada 3,0 m aproximadamente, com seção de 40 cm x 70 cm. As vigas
longarinas se apoiam em duas vigas faixas protendidas de 250 cm x 200 cm que por sua
vez encaminham as cargas para contrafortes robustos embutidos nas paredes laterais.
Na grelha de vigas do miolo formou-se um caixão perdido, preenchido com EPS e lajes
superiores/inferiores de 15 cm. As transversinas, com formato curvo, se apoiam na
imensa viga calha de encontro das superfícies, sendo constituída de uma viga com seção
média de 229 cm x 100 cm.

Figura 12 – Corte e planta de formas da cobertura do Centro de Eventos Oscar Niemeyer


Como se não bastasse toda a complexidade da cobertura, ainda haviam vários pontos
difíceis de serem resolvidos no projeto tais como as arquibancadas e o imenso
estacionamento, previsto para a passagem de caminhões de bombeiros. Todo esse
sistema estrutural foi basicamente resolvido à base de muita protensão e criatividade,
que são os pontos marcantes do meu amigo Peralta. Para se ter uma ideia, esse projeto
consumiu cerca de 9571 m3 de concreto, 42 toneladas de protensão aderente, 98
toneladas de protensão não-aderente e 750 toneladas de armadura passiva.

Infelizmente, nosso amigo Mário nos deixou em Agosto de 2022, sem poder ver a
brilhante solução final do nosso amigo Peralta. Compartilhou conosco lições
inesquecíveis que aguçaram nossa criatividade e nos fez ter ideia de como seria
trabalhar com Oscar Niemeyer. Ele nos deu a certeza de que a nossa intuição não estava
mentindo e nos deu a confiança necessária para concretizar o que o sentimento já intuía
antes das inúmeras modelagens numéricas.

Se George Martin era tal qual Mário Terra, talvez eu tenha sido Stuart Sutcliffe, o baixista
que saltou dos Beatles antes deles acontecerem. Às vezes, também, posso ter sido Ringo
Star, mostrando com as modelagens numéricas que o básico sempre vai funcionar
perante ao complexo. Talvez ainda, funcionei como George Harrison, tocando
despretensiosamente um solinho que geraria inspiração para uma ideia maior. Quem
sabe um Paul McCartney, tentando mais uma vez falar do amanhã a partir de um sonho
qualquer.

A realidade é que a voz final cabia a Lennon, pois era nele que o desenrolar iria repercutir
com a possível não-finalização daquela canção. E assim, resolveu brilhantemente da sua
maneira. Hoje, posso dizer com orgulho, que trabalhei brevemente com George Terra
Martin e John Peralta Lennon, obviamente dentro de suas devidas proporções e escalas
de comparação.

Obrigado Niemeyer, por nos unir, mesmo já não estando mais nesse plano. Foi uma
honra passar meses brincando com a geometria de suas curvas e, não teve dia, que não
nos lembramos daquela sua frase, que hoje nos faz muito mais sentido:

“A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem”.

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