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Registros de Aula: avaliação, autoavaliação e formação docente – uma


experiência no Ensino Superior

Ricardo Gauche (IQ/UnB; PPGEC/UnB; gauche@unb.br, ricardogauche@gmail.com)

Resumo
O que temos feito em nossas aulas, nós, professores das Licenciaturas, na condução de
nossos processos ensino-aprendizagem, no que tange à avaliação? Questão relevante,
cuja resposta precisa ser buscada, no âmbito da formação inicial docente, com a devida
e exigida fundamentação teórica. Nessa perspectiva, relata-se neste trabalho uma
estratégia utilizada em turmas na Licenciatura em Química e no Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília, visando contribuir para
a formação docente por meio da vivência de dinâmicas passíveis de utilização no nível
médio. Trata-se de solicitar que registros elaborados pelos licenciandos após e em
relação a cada aula, na construção de seus respectivos porta-fólios, sejam analisados por
um(a) colega, que deve redigir um parecer sobre o que foi anotado, na primeira pessoa,
pelo(a) autor(a) do registro. Este(a), por sua vez, para fins pessoais, deve escrever sua
reflexão em torno da crítica construtiva expressa no parecer. Ao final do semestre letivo,
é solicitada uma autoavaliação a partir dos registros e respectivos pareceres/reflexões.
Trata-se de um recurso que não sobrecarrega nem o professor nem os seus alunos e
induz os estudantes a se preocuparem com o próprio desenvolvimento ao longo do
curso, podendo se utilizar desse meio de avaliar em suas futuras incursões no Ensino
Médio, na condição de professores. A utilização de porta-fólios, de modo geral, não é
considerada por professores no ensino médio, por implicar acompanhamento
individualizado contínuo e julgado excessivamente trabalhoso. No entanto, há várias
pesquisas que remetem a possibilidades interessantes para o ensino-aprendizagem.
Reitera-se, com base na experiência desenvolvida e em referenciais teórico-
metodológicos, a profícua e necessária vivência de estratégias avaliativas como
constituinte da formação docente.

Palavras-chave: Avaliação; Registro de Aula; Formação de Professores.

Para começar a discussão pretendida...

Ao levar em conta os desafios intrínsecos à atuação docente, não há como desprezar a


complexidade que a avaliação representa, com destaque para o nível médio da Educação Básica,
haja vista a escassez de trabalhos de pesquisa específicos, se comparados aos associados ao
nível fundamental (GAUCHE, 2008). E, na condição de docente de um curso de Licenciatura
em Química, tanto quanto de orientador em um Programa de Pós-Graduação voltado à formação
continuada de professores atuantes, primordialmente, no nível médio, tenho escrito
recorrentemente: o que, nós, professores das Licenciaturas, temos feito em nossas aulas, na
condução de nossos processos ensino-aprendizagem, no que tange à avaliação? Questão
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relevante, cuja resposta precisa ser buscada, no âmbito da formação para o exercício da
atividade docente, com a devida e exigida fundamentação teórica. Mais que isso, é preciso
discutir experiências que possam subsidiar eventuais introduções de estratégias formativas que
priorizem a gestão de processos (auto)regulatórios no ensino-aprendizagem.

Pontos a considerar...

É comum, dada nossa história formativa, compartimentar aspectos da atividade docente


em diferentes disciplinas, ocorrendo, com acentuada frequência, a não inclusão da Avaliação
do Ensino-Aprendizagem entre os focos de discussão, no contexto curricular, por meio de
componentes específicos. Desse modo, imagina-se que naturalmente haverá a
instrumentalização teórico-prática dos licenciandos para, no futuro exercício docente, avaliar
seus alunos com propriedade. A questão é que sequer podemos ter a segurança de que os
formadores são suficientemente instrumentalizados no próprio exercício docente visando à
formação de futuros docentes...
Para complicar ainda mais a situação, como defende Maldaner (1999), de modo
procedente, muitos dos docentes situados, nem sempre por opção, como formadores em cursos
de Licenciatura, com destacada frequência, até rejeitam a ideia da docência! Muitos sequer
tiveram a formação esperada. Ainda assim, recebem a atribuição de serem formadores, por
ofício, de futuros professores. Certamente, há inevitáveis reflexos na imagem de docência e de
avaliação do ensino-aprendizagem que se desenvolve, associada à vivência que têm os
licenciandos com tais formadores.

O despreparo pedagógico dos professores universitários, também fruto de sua


própria formação, afeta a formação em química de todos os profissionais que
necessitam dessa área do conhecimento e afeta a todas aquelas pessoas que
passam pelo ensino médio sem terem tido a oportunidade de uma formação
mínima em química. Geralmente os professores universitários se
comprometem pouco, muito aquém do necessário, com essa questão da
formação dos professores e com a sua auto-formação pedagógica, deixando
para um outro grupo, externo ao curso de química, a formação didático-
pedagógica de seus alunos que desejam se licenciar e exercer o magistério.
Essa formação pode ser bem conduzida, crítica, com bons fundamentos
pedagógicos, em contato com as escolas, na forma de pesquisa, tentando
superar, nesse processo, o modelo pedagógico que os estudantes mais
vivenciaram – transmissão/recepção. Isto, no entanto, não é suficiente, pois na
prática profissional, nas salas de aula do ensino médio ou superior, os
licenciandos continuarão a desenvolver o ensino de química do jeito que o
vivenciaram e acreditam ter aprendido química. Este é, aliás, o argumento
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usado por muitos docentes universitários: eu aprendi assim, por que haveria
de ser diferente com o meu aluno? (p. 289-290).

Certamente, um dos mais complexos desafios que o educador enfrenta em sala de aula
é a avaliação. E formar futuros educadores pressupõe não só avaliar o outro, mas, também,
desenvolver a prática da autoavaliação, essencial para que identifiquemos, por exemplo, como
nossas ações na sala de aula, e no contexto escolar como um todo, tem refletido no percurso
aprendente de nossos alunos (GAUCHE, 2008).
Afinal, o que é avaliar? Por que avaliar? Para que avaliar? O que avaliar? Como avaliar?
Essas perguntas, para serem respondidas, exigem reflexões sobre nossas concepções quanto a
papéis dos atores e dos objetos de conhecimento trabalhados no processo ensino-aprendizagem.
Exigem, por outro lado, estudo e discussão com os colegas docentes, com vistas a superar a
visão estritamente idiossincrática, na consolidação de uma perspectiva crítico-reflexiva em
torno do trabalho docente, especialmente se considerarmos o projeto pedagógico da escola.

A segurança com que a autoridade docente se move implica uma outra, a que
se funda na sua competência profissional. Nenhuma autoridade docente se
exerce ausente dessa competência. O professor que não leve a sério sua
formação, que não estude, que não se esforce para estar a altura de sua tarefa
não tem força moral para coordenar as atividades de sua classe. (FREIRE,
2004, p. 91-92).

Em se referindo a papéis, o conceito que o professor possui de ensino é essencial para


sua atuação docente, pois se vincula diretamente às relações que ele estabelece entre os
respectivos elementos constitutivos. Nesse sentido, perguntas são levantadas em discussões
correlatas, seja junto a professores já em exercício, seja junto aos futuros professores, em
projeção reflexiva: “Sendo professor da disciplina sob minha responsabilidade, como vejo o
meu papel no processo ensino-aprendizagem? E o dos alunos? E o do conhecimento específico
da disciplina ministrada? E o da avaliação?”. O objetivo é sempre o de buscar reflexões que
colaborem para identificar qual a nossa “metodologia de ensino”, conceito que discutimos
recorrendo a Fischer (1978), que, em texto sempre atual, a diferencia de técnicas didáticas.

Entendemos metodologia como a articulação de uma teoria de compreensão e


interpretação da realidade com uma prática específica. Essa prática específica
pode ser, no caso, o ensino de uma disciplina. Quer dizer, a prática pedagógica
– as aulas, o relacionamento entre professores e alunos, e bibliografia usada,
o sistema de avaliação, as técnicas de trabalho em grupo, o tipo de questões
que o professor levanta e o tratamento que dá à sua disciplina, a relação que
estabelece na prática entre escola e sociedade – revela a sua compreensão e
interpretação de relação homem-sociedade-natureza [...], constituindo-se essa
articulação a sua metodologia de ensino. (p. 1, grifos nossos).
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A metodologia de ensino que possuímos tem relação direta com muito do que
se defende nas escolas, pois as tradições da escola e da cultura são uma fonte
de autoridade para o professor em sua prática docente1. A questão é identificar
até que ponto temos clareza do que seja nossa própria metodologia de ensino
e as decorrentes crenças sobre o que seja avaliar, para além da reprodução de
“certezas” sobre o processo ensino-aprendizagem, repetidas em reuniões de
planejamento e de conselho de classe, especialmente na decisão de aprovar ou
não os alunos para as etapas seguintes da vida escolar. (GAUCHE, 2008, p.
7).

Além de discussões em torno da reflexão crítica a respeito da identificação dos


construtos da própria metodologia de ensino, outro ponto precisa ser levantado para análise.
Trata-se da recorrente confusão entre avaliação e verificação de aprendizagem. Como bem
explicitado por Cipriano Carlos Luckesi, no texto intitulado Verificação ou Avaliação: O Que
Pratica a Escola?2, encerramos a dinâmica do ato de verificar assim que obtemos o dado ou
informação que nos interessa, ou seja, verificar não implica retirar consequências novas e
significativas para o processo sob nossa responsabilidade. Já o ato de avaliar não se encerra
quando atribuímos qualidade ou valor ao que estamos avaliando. Exige “uma tomada de posição
favorável ou desfavorável ao objeto de avaliação, com uma conseqüente decisão de ação” (p.
6). Dessa forma, concordo com Luckesi, ao constatar que, de modo geral, há, na prática
educacional brasileira, o interesse majoritário de verificação, não o de avaliação, o que inclui,
certamente, a prática dos formadores de professores.
Outro aspecto que precisa ser ressaltado é o do planejamento da avaliação, por ser ela
parte intrínseca do processo ensino-aprendizagem. Conforme aponta VILLAS BOAS (2001),
em geral, não se planeja a avaliação. Os objetivos são definidos, os conteúdos, as atividades e
os recursos que serão utilizados são selecionados e são aplicadas provas, estas, às vezes, apenas
repetições dos anos anteriores. O comum nas escolas é o professor, depois de aplicada e
“corrigida” a prova, registrar os resultados e devolver aos alunos as respectivas provas. O
mesmo acontece com tudo o mais que é solicitado ao aluno. O que efetivamente fica com o
professor, e muito provavelmente com os alunos, são apenas números ou registros escritos sobre
o que foi realizado. Ao final de cada período letivo, recorre-se aos registros para emitir uma

1
“Principalmente devido a cursos de licenciatura pouco eficientes para a formação de professores, é comum
encontrarmos em inúmeros colegas uma visão muito simplista da atividade docente. Isso porque concebem que
para ensinar basta saber um pouco do conteúdo específico e utilizar algumas técnicas pedagógicas, já que a
função do ensino é transmitir conhecimentos que deverão ser retidos pelos alunos.” (SCHNETZLER; ARAGÃO,
1995, p. 27).
2
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/ideias_08_p071-080_c.pdf e
http://www2.ccv.ufc.br/newpage/conc/seduc2010/seduc_dir/download/avaliacao1.pdf.
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nota ou uma menção. Não se tendo mais em mãos os trabalhos do aluno, analisar o seu progresso
torna-se impossível.
Mas, para planejar a avaliação, outras questões exigem respostas claras e objetivas: “O
que avaliar?”; “Como avaliar?”. Tais questões, para resultarem em ações eficazes, devem ser
precedidas pela clareza de outras duas: “Por que avaliar?”; “Para que avaliar?”. O porquê da
avaliação remete à própria concepção do que sejam o processo ensino-aprendizagem e os
respectivos papéis docente, discente e dos objetos de conhecimento.

Lembramos com Luckesi (1986) que a avaliação educacional escolar, assim


como as outras práticas do professor, é dimensionada por um modelo teórico
de mundo e de educação, traduzido em prática pedagógica. Tenha o professor
consciência ou não de que modelo orienta sua ação educativa e sua prática
avaliativa, estas têm conseqüências na relação com seus alunos, na relação
destes e de ambos com o conhecimento e extensivamente às suas situações de
vida que enfrentam no seu dia-a-dia. (BERBEL et al., 2001, p. 7).

Sabemos que o que denominamos conhecimento científico – no qual se enquadram os


conhecimentos trabalhados na disciplina que ministramos, mas também os relacionados à
avaliação – configura-se como um conjunto de modelos explicativos sobre fenômenos. Assim,
tudo o que expressamos como sendo conhecimento formal resume-se a modelos, ou seja, a
concepções interpretativas. Desse modo, tudo o que aqui defendemos deve ser visto,
obviamente, como uma tentativa de interpretação de fenômenos, não como a verdade absoluta
a respeito do que ocorre.
Considerando que o processo ensino-aprendizagem requer igualmente uma
interpretação para ser entendido e, assim, receber nossa intervenção, visando à melhoria de seu
desenvolvimento e ao consequente aumento das chances de se atingirem os objetivos propostos,
é preciso identificar como enxergamos esse fenômeno, à luz de um modelo, o nosso modelo.
De acordo com o que Paulo Freire denominou de “educação bancária” (FREIRE, 2004),
por exemplo, podemos conceber o processo ensino-aprendizagem como uma transmissão de
conhecimentos. Nessa perspectiva, a avaliação seria resumida a verificar se o que transmitimos
foi devidamente recebido pelo aluno, a partir da reprodução em questões de uma prova, por
exemplo. O esforço associado à estratégia aqui relatada contrapõe-se a esse modelo.
De acordo com Coll et al. (2003),

[...] na atividade cotidiana que acontece nas salas de aula, nas atividades de
ensino e aprendizagem que nelas são efetuadas, as respostas às perguntas
sobre o quê, como e quando ensinar e avaliar fundem-se para configurar uma
prática educativa na qual os aspectos relativos à avaliação das aprendizagens
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são indissociáveis do restante dos aspectos envolvidos que podemos


identificar em uma abordagem mais analítica. (p. 220-221).

Nessa perspectiva, para melhor explicitar o próprio avaliar, há que se refletir sobre como
entendemos a atividade docente desenvolvida no contexto de sala de aula, haja vista estar inter-
relacionada com a atividade discente e com as demais variáveis do processo ensino-
aprendizagem.
Como também defendem Coll et al. (2003), ao avaliarmos as aprendizagens de nossos
alunos, avaliamos, independente da maior ou menor consciência em relação a isso, nossa
atuação docente. Ou seja, não há como isolarmos ensino de aprendizagem, o que se configura
como modelo interpretativo do que ocorre em sala de aula. Para os que defendem ser possível
ensinar, mesmo sem ter havido aprendizagem, e também o contrário, certamente esse modelo
não procede. De nossa parte, entendemos ser indissociável o binômio aprendizagem-ensino.
Avaliar a aprendizagem configura-se, no modelo de indissociabilidade aqui defendido,
como uma investigação

[...] e é, também, um processo de conscientização sobre a “cultura primeira”


do educando, com suas potencialidades, seus limites, seus traços e seus ritmos
específicos. Ao mesmo tempo, ela propicia ao educador a revisão de seus
procedimentos e até mesmo o questionamento de sua própria maneira de
analisar a ciência e encarar o mundo. Ocorre, neste caso, um procedimento de
mútua educação. (ROMÃO, 1998, p. 37).

Afinal, não podemos esquecer que as estratégias de avaliação

[...] nos proporcionam instantâneos necessariamente estáticos de um processo


que é dinâmico por definição. Naturalmente, o processo como tal é
diretamente inacessível para nós, mas a prudência aconselha não emitir um
parecer sobre a totalidade do processo a partir de um único instantâneo. [...]
As práticas de avaliação baseadas no estudo de apenas um instantâneo (por
exemplo, os controles ou provas “eliminatórias”) são, conseqüentemente,
pouco confiáveis e deveriam ser substituídas, dentro do possível, por outras,
que levem em consideração o caráter dinâmico do processo de construção de
significados e considerem sua dimensão temporal. (COLL et al., 2003, p.
210).

A avaliação formativa tem sido assumida, atualmente e de modo predominante na


literatura, como sendo a mais adequada aos propósitos estabelecidos pelas demandas atuais da
Educação Básica e mesmo da Superior.

[...] avaliação formativa como a que promove o desenvolvimento não só do


aluno, mas, também, do professor e da escola. Admitindo-se que a escola
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realiza trabalho pedagógico e não simplesmente processo ensino-


aprendizagem, em que o professor ensina e o aluno aprende, torna-se fácil
compreender a necessidade de ampliação do conceito de avaliação formativa,
estendendo-a a todos os sujeitos envolvidos e a todas as dimensões do
trabalho. Segundo essa perspectiva, abandona-se a avaliação unilateral (pela
qual somente o aluno é avaliado e apenas pelo professor), classificatória,
punitiva e excludente, porque a avaliação pretendida compromete-se com
aprendizagem e o sucesso de todos os alunos. Para que isso aconteça, é
necessário que todos os profissionais da educação que atuam na escola
também tenham oportunidade de se desenvolverem e se atualizarem. O
sucesso do seu trabalho conduz ao sucesso do aluno. A escola como um todo
participa desse ambiente de aprendizagem e desenvolvimento. Portanto, todas
as dimensões do trabalho escolar são avaliadas, para que se identifiquem os
aspectos que necessitam de melhoria. (VILLAS BOAS, 2001, p. 185).

E para que se desenvolva a avaliação formativa, Villas Boas (2001) entende que devam
ser considerados os seguintes aspectos: o planejamento da avaliação, a autoavaliação pelo
aluno, a autoestima dos alunos e os procedimentos variados de avaliação. Entre as práticas
avaliativas formais, a autora destaca que as mais usadas são as provas dissertativas, as provas
de questões objetivas e trabalhos escritos, entre os quais se situam a produção de textos, os
questionários, os relatórios, as pesquisas etc. A observação, a entrevista e o porta-fólio são
desejáveis, mas não tão comumente encontrados nas escolas. A autora tece várias e
interessantes orientações quanto à realização de entrevistas e observações, tanto quanto sobre
o uso de porta-fólio (VILLAS BOAS, 2004), que apresenta várias possibilidades, entre as quais
a da construção pelo próprio aluno. Neste caso, o porta-fólio configura-se como uma coleção
de suas produções, permitindo evidenciar a sua aprendizagem. Organizado pelo próprio aluno,
permite que ele e o professor, em conjunto, acompanhem o seu progresso dentro e fora da sala
de aula.
É justamente nessa perspectiva que tenho trabalhado há mais de uma década, nas
disciplinas do curso de Licenciatura em Química, bem como nas do Programa de Pós-
Graduação em Ensino de Ciências da Universidade de Brasília – PPGEC/UnB.
O presente texto não se configura como relato de processo investigativo, que ainda
merecerá, em outro momento, o devido tratamento metodológico. A intenção, dada a natureza
destes Encontros, em que espera-se gerar debate com sua inclusão, é basicamente a de partilhar
a experiência, na certeza de que discussões serão geradas em favor de se construírem
alternativas viáveis de formação para o exercício docente por meio de vivências de ações
intrínsecas à profissão docente. Portanto, limitar-me-ei a relatos, supondo que inferências
decorram de reflexões de quem vivenciou a dinâmica descrita, ampliando nossa visão de
potenciais e limitações que a estratégia relatada apresenta.
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Sobre a estratégia...

A ideia associada à estratégia desenvolvida ao longo dos anos em minha atuação docente
no Instituto de Química da UnB é a de contribuir para a formação docente por meio da vivência
de dinâmicas passíveis de utilização no nível médio, no que tange à avaliação do processo
ensino-aprendizagem. Trata-se de solicitar dos licenciandos e dos mestrandos que redijam, na
primeira pessoa, após e em relação a cada aula, o que consideraram pertinente registrar sobre a
aula da qual participaram.
Um exemplo de possível formato do Registro é o que é transcrito abaixo, podendo-se,
se assim for considerado adequado, trabalhar em outro, apenas respeitando a forma do texto e
o que se espera que nele esteja contido, minimamente. Os Registros são parte do que será
utilizado na construção de seus respectivos porta-fólios.

Universidade de Brasília – Instituto de Química – Licenciatura em Química


203092 – Análise de Livros Didáticos de Ensino de Química – 1/2015 Registro N.º: ________

NOME: ____________________________________________________________________

Data: ___/___/2015 – Horário: ___h___min a ____h____min – Local: __________________

Síntese/análise do ocorrido, focando as concepções envolvidas e uma autoavaliação:


[Logo abaixo da síntese (assinada), o(a) parecerista escreverá sua análise crítica, datará e assinará.]

[...]

Cada Registro é postado no Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA – situado no


Aprender UnB (http://aprender.unb.br/), Plataforma Moodle, em espaço específico,
reproduzido abaixo, como exemplo.
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O Moodle é uma plataforma de aprendizagem a distância baseada em software livre.


Moodle é acrônimo de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment (ambiente
modular de aprendizagem dinâmica orientada a objetos). Criado, desenvolvido e implantado
por Martin Dougiamas, em 1990, objetiva disponibilizar uma ferramenta de ensino-
aprendizagem na Internet, tendo sido influenciado pela epistemologia socioconstrucionista
(PARDINI, 2005).
Voltando à estratégia, cada Registro postado no AVA específico da disciplina
correspondente é analisado por um(a) colega, que escreve sucintamente um parecer sobre o
Registro analisado. Preferencialmente, é feito um rodízio, de modo a viabilizar que colegas
diferentes analisem os registros produzidos no semestre letivo. Ao receber, por sua vez, a
análise que o(a) colega fez, em perspectiva estritamente autoavaliativa, o(a) autor(a) deve
escrever, para fins pessoais, sua reflexão em torno da crítica construtiva expressa no parecer
recebido. Ao final do semestre letivo, é solicitada uma autoavaliação global a partir dos
registros produzidos e respectivos pareceres/reflexões.
Trata-se de um recurso que não sobrecarrega nem o professor nem os seus alunos e
induz os estudantes a se preocuparem com o próprio desenvolvimento ao longo do curso,
podendo se utilizar desse meio de avaliar em suas futuras incursões no Ensino Médio, na
condição de professores.
Nas disciplinas de Licenciatura, tenho adotado o procedimento de imprimir os Registros
e distribuí-los no início da aula subsequente, para que sejam analisados e tenham um parecer
por escrito de quem analisa. Ao receber o parecer do(a) colega, o(a) autor(a) do Registro escreve
uma autorreflexão sobre o que leu, sem contudo socializar ou entregar tal reflexão.
Na Pós-Graduação, inicialmente, procedemos de modo semelhante, porém, considerada
a maturidade acadêmica dos mestrandos, chegamos a um formato diferente. Abrimos fóruns
específicos para que se analisem os registros, cujos pareceres são então postados e é possível,
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periodicamente, proceder a uma avaliação global. Trata-se de analisar todos os registros dos
colegas, e não apenas um, como é rotina, em forma de rodízio. Um exemplo de espaço para a
atividade é reproduzido abaixo.

Para propiciar inferências sobre o potencial dos registros, transcrevo a seguir trecho da
postagem de um mestrando.

Chegamos a um novo patamar: Refletir sobre nossas reflexões!


Quando realizei meu primeiro registro, pontuei minha forma de visualizar a
aula em todos os aspectos. Por exemplo, lembro-me que informei sobre o
posicionamento das carteiras em forma de "U", sobre o calor que estava
naquele momento, que havia certa timidez do professor desta disciplina,
contudo lembro-me que fui criticado e que era para que estivesse mais atento
aos assuntos abordados. Saí um pouco frustrado naquele dia acreditando que
não possuía atributos de um bom analista das aulas.
A cada aula que passava, lendo os registros, via formas diferentes de abordar
um mesmo assunto. Contudo, passando o tempo, vi certa uniformidade na
forma de escrever e quando peguei um dos registros altamente analítico e
rico em detalhes, citando até frases dos presentes, fui ao chão! Senti a
necessidade de fazer apontamentos das aulas para realização dos meus
registros, coisa que até aquele momento não fazia, pois tentava registrar o
que realmente ficara de importante.
Como o registro remete a uma reflexão, acredito que caberá antes de realizar
seu próprio registro realizar uma autoavaliação daquilo que realmente é
importante para tentar quebrar essa uniformidade dos registros.
Sobre a intencionalidade dos registros, em alguns momentos penso que
estamos em uma espécie de laboratório e que estamos sendo observados a
todo o tempo. Acredito que seja um dos objetivos dos registros: buscar a
criticidade (prática da crítica) e transcrevê-la. Mestrando A.

E no caso de Análise Global, abaixo, um exemplo de espaço para isso criado...


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No caso da análise global, que viabiliza o contato com diferentes registros, diferentes
vivências da mesma aula, trechos extraídos dos vários textos postados em relação a determinada
aula, transcritos a seguir, permitem inferir aspectos positivos dessa análise, trazendo em si
reflexões muito esclarecedoras dos papéis atribuídos aos Registros em si, na perspectiva do
processo ensino-aprendizagem, em dimensão formativo-docente. Os grifos são meus.

Após ler a coletânea dos registros [...] tenho que reconhecer que a visão de
quem tão somente assiste às aulas, é sujeito agente e paciente nelas e tem
acesso apenas a um dos registros, para o qual exercerá o papel de
parecerista, é bem superficial em comparação à visão que os professores
desta disciplina do Mestrado certamente têm em função da oportunidade de
acesso a todos os registros, o que lhes permite construir um feedback das
aulas de maneira mais abrangente.
É interessante constatar que, positivamente, embora o estilo de escrever e os
pontos considerados como relevantes sejam distintos, a essência da aula está
presente em quase todos os registros, à exceção de um ou outro em que o
aluno se atém tão somente a fazer uma descrição não reflexiva dos fatos
ocorridos. [...] Ao ser informada desta atividade [...] e refletir a respeito,
fiquei me perguntando o porquê da estratégia adotada [...]. Muitas foram as
possíveis causas apontadas, entretanto, após ler a coletânea de registros, a
grande maioria delas caiu por terra, restando poucas hipóteses, dentre as
quais destaco: (1) nos submetermos a uma avaliação pelos pares como forma
de fornecimento de feedbacks externos, que, somados aos feedbacks
metacognitivos serviriam para a autorregulação do processo pedagógico [...]
de cada um de nós; (2) propiciar a nós, alunos, uma visão globalizada do
processo; (3) confrontar as distintas críticas (construtivas) contidas nos
registros para que o sujeito dessa crítica possa refletir a respeito, [...] possa
observar a situação pelos distintos ângulos de um prisma. [...]. Embora
reconheça ser difícil levantar pontos negativos no processo, [...] há que se
reconhecer pelo menos um deles: percebo que alguns colegas não têm
assumido uma postura mais crítica e reflexiva quando da elaboração dos
seus registros, isso faz com que o processo se torne distante dos seus
objetivos e furte destes alunos a oportunidade de crescimento real. Como
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pontos positivos, destaco a possibilidade de crescimento pessoal e


profissional após as reflexões que fazemos dessas aulas; a oportunidade de
termos voz ativa no processo de construção do conhecimento [...]; a
possibilidade de, na fala do outro, constatar que houve o reconhecimento do
nosso trabalho, do nosso esforço, mas acima de tudo, creio que em primeiro
lugar venha a possibilidade de nos depararmos com os nossos próprios erros
quando uma terceira pessoa, no caso o parecerista, os aponta e nos faz uma
crítica de cunho construtivo. [...]. Saliento que é gratificante perceber que as
aulas se moldam às nossas opiniões e sugestões contidas, de maneira direta
ou indireta, nos registros, [...]. Há que se reconhecer que, verdadeiramente
somos submetidos a um processo contínuo de observação formativa e que
estamos crescendo a olhos vistos com essa estratégia metodológica.
Mestranda B.

Uma análise global requer uma avaliação sobre os parâmetros a serem


adotados como referencial. [...] Independente dos parâmetros, acredito que
todos tiveram seu trabalho modificado e aperfeiçoado à medida que
analisaram os pareceres recebidos dos colegas e puderam também conhecer
a observação e/ou ponto de vista do outro. [...]. Também é importante porque
cada reflexão é registrada, esse aspecto em especial nos torna mais ativos e
compromissados com nossa aprendizagem. [...]. Todos podemos elevar o
nível de nossos apontamentos, afinal participamos de um processo de
aprendizagem que prima pela nossa melhoria pessoal, profissional e cultural.
Ao avaliar os registros de meus colegas percebo que posso enriquecer os
meus relatos com mais anotações relevantes sobre os debates em sala de aula
e que posso registrar de maneira mais explícita e pessoal meu entendimento
dos fatos, além de que necessito utilizar mais recursos para transcrever com
maior fidelidade os eventos. Essa prática fez com que me tornasse mais ativa
no relato dos acontecimentos e me comprometeu a ficar o mais atenta possível
durante as atividades, mas não pretendo atingir a plena fidelidade aos fatos
que vivencio em nossos encontros, afinal a percepção e a relevância atribuída
é individual sendo que cada um de nós ficará marcado de forma diferenciada
a cada interação, mas certamente já não somos mais os mesmos, e isto
realmente é ótimo. Mestranda C.

Caros colegas, depois de muito considerar quanto a essa análise global,


principalmente em termos de relevância para a turma, levantei alguns
critérios, porém os fiz de forma um pouco assistemática conforme ia lendo os
registros. [...]. Valorizei a reflexão e a simplicidade (com conteúdo, simples,
porém consistente). De qualquer forma, essa é a minha lente, é a forma como
eu entendo que deveria ser feito o registro, ou melhor, é a forma que gostaria
de fazê-lo. Tendo considerado esses pontos entendo que os aspectos positivos
seriam aqueles que: apresentaram feedbacks relevantes; apresentaram
clareza nos registros, refletiram acerca dos assuntos e tentaram relacioná-
los com a teoria e a prática [...]. [...] Também considerei como um ponto
negativo a simples menção de um fato sem o devido aprofundamento e
contextualização, e finalmente os registros que apresentam tratamento
superficial. [...]. Devo dizer que esta tarefa me trouxe muitas reflexões,
admito que desde o início busquei entender a intencionalidade dessa
atividade. Essa dúvida me atacou quando comecei a refletir sobre que
aspectos deveria considerar relevantes; que pontos deveria considerar
positivos ou negativos e qual seria minha base para apontar sugestões. Sob
minha ótica comecei a considerar qual seria o objetivo desta tarefa[...]? [...].
Depois de um pouco ponderar conclui, ao estilo “Matrix”, que a ideia é essa,
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ou seja, refletirmos. Mas refletirmos sobre o quê? No meu caso, refleti sobre
meus critérios de parecerista e sob qual enfoque deveria levantá-los, mas
também refleti sobre minha forma de fazer o registro. Seria muito interessante
relacioná-los com o que estamos debatendo em nossas aulas, mas como fazer
isso? Estaria eu me autorregulando, buscando uma autoavaliação? Acho que
a questão aqui é mais ou menos essa, refletirmos e avaliarmos. Avaliarmo-
nos e avaliarmos nossos critérios de avaliação (ufa!) e assim refletir.
Mestrando D.

Não concluindo...

As limitações impostas pela extensão definida pelos organizadores dos Encontros em


que este relato é apresentado impedem avançar com vários outros trechos de reflexões feitas
pelos alunos. Portanto, é preciso interromper o relato aqui, sem no entanto concluí-lo, no sentido
de finalização. A utilização de porta-fólios, de modo geral, não é considerada por professores
no ensino médio, por implicar acompanhamento individualizado contínuo e julgado
excessivamente trabalhoso. No entanto, há várias pesquisas que remetem a possibilidades
interessantes para o ensino-aprendizagem. Reitera-se, com base na experiência desenvolvida e
em referenciais teórico-metodológicos, a profícua e necessária vivência de estratégias
avaliativas como constituinte da formação docente, mormente em cursos de Licenciatura, mas
também, e de modo não menos importante, talvez o contrário, em cursos de formação
continuada, seja em que nível estiverem situados. Que prossigam as discussões em torno do que
foi aqui introdutoriamente relatado, sem pretensões, reafirmo, de caráter investigativo, no que
este exige de explicitação teórico-metodológica de seus pressupostos e decorrentes análises.

Referências
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