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Formação do Professor de Matemática: Prática de Ensino no Contexto da


Escola

Article · June 2016


DOI: 10.15601/2237-0587/fd.v8n1p44-57

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2 authors:

Teresa Cristina Etcheverria Vera Lucia Felicetti


Universidade Federal de Sergipe Universidade La Salle (Unilasalle)
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FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA:


prática de ensino no contexto da escola

Teresa Cristina Etcheverria1


Vera Lucia Felicetti2

DOI: http://dx.doi.org/10.15601/2237-0587/fd.v8n1p44-57
Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar um relato de experiência desenvolvida na disciplina
de Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática I do Curso de Licenciatura em
Matemática, do Campus Professor Alberto Carvalho da Universidade Federal de Sergipe
(UFS) no Brasil. Propomo-nos a discutir algumas questões relacionadas à formação do
professor de Matemática para a Educação Básica, descrevendo como elas aconteceram no
ambiente de formação, que envolve a universidade e a escola-campo de estágio. A experiência
de ensino com licenciandos aponta a importância da articulação entre teoria e prática,
evidenciando a necessidade do desenvolvimento da postura questionadora e crítica do futuro-
professor contemplando as competências necessárias ao ofício da docência.
Palavras-chave: Formação do Docente de Matemática. Estágio Supervisionado.

MATHEMATICS TEACHER TRAINING:


teaching practices in the school context
Abstract
This article aims to present the report of a developed experience in the discipline of
Supervised Internship in Mathematics Teaching I of the under-graduate Degree in
Mathematics, Professor Alberto Carvalho Campus of the Federal University of Sergipe (UFS)
in Brazil. We propose to discuss some issues related to the training of teachers of
Mathematics for Basic Education, describing how these issues happened in the training
environment, which involved the University and the internship field-school. The teaching
experience with undergraduates points out the importance of the relationship between theory

1
Doutora em Educação Matemática. Mestre em Educação em Ciências e Matemática. Professora de Ensino de
Matemática do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail:
tetcheverria@gmail.com
2
Doutora em Educação, Mestre em Educação em Ciências e Matemática. Docente do Programa de Pós-
Graduação em Educação do Centro Universitário La Salle (UNILASALLE) e Visiting Scholar at University of
Maryland - College Park – EUA em 2015. Atua em projetos de pesquisa relacionados à linha de pesquisa
Formação de Professores, Teorias e Práticas Educativas. E-mail: verafelicetti@ig.com.br
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and practice, highlighting the need to develop the critical and questioning posture by the
future teacher contemplating the necessary skills to the teaching performance.
Keywords: Mathematics Teacher Training. Supervised Internship.

Introdução

Vemos o estágio como uma situação de aprendizagem e como tal deve promover
mudanças. Nosso propósito é de que o graduando, na experiência de estágio enquanto
observador e atuante, ao refletir sobre o fazer do outro possa apropriar-se dessa atitude e,
refletir sobre o seu fazer docente para poder transformá-lo. Assim como Freire (1980),
entendemos que ser crítico não é negar o que se faz nem absorver tudo o que é novo. Ser
crítico é refletir sobre o que se faz e transformar constantemente esse fazer num melhor fazer.
Como reforça Nóvoa (2004), o docente ao pensar a sua prática em busca de caminhos e
soluções assumindo decisões caracteriza-se como agente em sua formação.

Nossa experiência na Educação Básica nos permitiu identificar indícios reveladores de


que a produção e avanços teóricos pouco estão afetando a prática docente na sala de aula. Ao
mesmo tempo em que nossos estagiários também fazem essa observação, temos preocupação
de que eles não assumam as críticas feitas em relação às ações metodológicas dos professores
e quando formados repitam esses procedimentos com seus alunos. Segundo Tardif (2012), o
futuro professor interioriza diversos conhecimentos, crenças, competências e valores ao longo
de sua história de vida escolar e pessoal. Tais interiorizações estruturam a sua personalidade e
são “reatualizados e reutilizados, de maneira não reflexiva, mas com grande convicção, na
prática de seu ofício.” (p. 72). O autor argumenta que grande parte de pré-concepções da
aprendizagem e do ensino são herdadas da história escolar dos futuros professores. Para que
isso não ocorra, a disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática I propõe o
pensar crítico e reflexivo, propõe um pensar ao associar teoria e prática para um fazer
diferente, um fazer melhor.

Acreditamos que há produção de conhecimento na experiência de estágio, pois ela


possibilita ao estagiário ver na prática algumas teorias que estudou ou no momento que
teoriza as práticas observadas e/ou vivenciadas. Para tanto, a atitude investigativa deve ser
parte intrínseca do processo quando temos em mente a formação de professores críticos e
criativos (DEMO, 1993).

O inquietante e desafiador contexto da escola provoca questionamentos, desequilíbrios


e, em alguns casos, frustrações no futuro-professor. Os encontros semanais de leitura e
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discussão com a professora orientadora e seus pares permitem o compartilhamento dos


conflitos originados da experiência vivenciada na escola. Isso gera uma reflexão coletiva que
busca compreensão, coerência e consciência do papel do professor no processo educacional;
permite um revisitar pelo estagiário ao seu tempo de aluno no nível de ensino estagiado, um
revisitar crítico e reflexivo acerca do que vivenciou enquanto aluno e do que quer fazer
enquanto docente.

A disciplina de Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática I é responsável pela


primeira experiência de estágio de nossos acadêmicos, e tem como atividade principal a
observação do espaço escolar e de aulas de Matemática. Ao realizarem essa observação,
buscam relacionar as teorias estudadas na universidade com as metodologias observadas.
Alguns encontram o que procuravam e surpreendem-se, ficam entusiasmados, como se
percebessem que algo que não era considerado possível, é possível. Outros, não encontram o
que procuravam e retornam com o discurso de que a teoria estudada no Curso está muito
distante da prática observada. Outros, ainda, afirmam que o professor titular da turma na qual
observou aulas lhe disse que não aprendeu nada na universidade que estivesse utilizando em
suas aulas.

Estes depoimentos carregados de sentimentos e conflitos permeiam as discussões e no


nosso entender fazem parte do complexo processo que envolve o ser e fazer docente. Neste
contexto, delineia-se na sequência deste artigo, um pequeno aporte teórico acerca do estágio
docente; o caminhar com os acadêmicos estagiários; algumas reflexões e considerações e as
referências que embasaram esta experiência de ensino.

O Estágio Docente

De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática,


Bacharelado e Licenciatura, os egressos de um curso de Matemática necessitam ter uma
sólida formação de conteúdos, associada a uma formação que lhes possibilite enfrentar os
desafios das condições de exercício profissional, bem como os da sociedade e do mercado de
trabalho. Logo, é desejável para o Licenciado em Matemática a “visão de seu papel social de
educador e a capacidade de se inserir em diversas realidades com sensibilidade para
interpretar as ações dos educandos” (BRASIL, 2002, p. 2).

Para tanto, é essencial uma formação que associe teoria e prática regada por momentos
de discussão, reflexão, momentos para pensar a práxis. Neste sentido, a formação de
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professores, enquanto compreensão teórica da prática e condução à práxis através da teoria


representa uma importante questão a ser trabalhada na universidade, pois “essa relação de
reciprocidade é uma relação onde uma complementa a outra” (PIMENTA, 1994, p. 99).

A prática precisa ser intencional, social, coletiva, e representar sua realização efetiva
como trabalho humano. Portanto, o estágio é um processo de aprendizagem indispensável a
um profissional que deseja estar preparado para enfrentar os desafios de uma carreira.
Embora o estágio docente seja para a maioria dos estagiários a primeira experiência
docente, ele não representa seu primeiro contato com o contexto escolar, pois enquanto aluno
os estagiários ficaram imersos nele desde o começo de sua vida escolar. Contudo, no período
de estágio, o futuro-professor tem a oportunidade de conhecer seu campo de trabalho com o
olhar do outro lado, o olhar de futuro professor e a partir das experiências adquiridas e das
teorias estudadas, construir conhecimentos que o auxiliem a ser um profissional melhor
qualificado e capaz de desenvolver as competências e habilidades indicadas nas Diretrizes
Curriculares Nacionais para graduandos nos cursos de graduação em Matemática
Bacharelado/Licenciatura.
Dentre as competências e habilidades a serem desenvolvidas citamos a capacidade de
expressar-se com clareza e precisão, tanto na escrita quanto oralmente; de trabalhar em
equipe; de compreender, criticar e resolver problemas usando novas ideias e tecnologias, de
aprender continuamente (BRASIL, 2002).
Diante das competências e habilidades exigidas à formação do futuro professor de
Matemática é possível conjecturar que: “A atividade teórica é que possibilita de modo
indissociável o conhecimento da realidade e o estabelecimento de finalidades para sua
transformação. Mas para produzir tal transformação não é suficiente a atividade teórica; é
preciso atuar praticamente.” (PIMENTA, 1994, p. 92). O que pode ser conseguido na
atividade de estágio ao se refletir sobre a experiência vivenciada tendo como suporte a teoria
estudada.
Já Fazenda (1991, p. 22) define o estágio como “um processo de apreensão da
realidade concreta que se dá através de observação e experiências, no desenvolvimento de
uma atitude interdisciplinar”. Para Imbernón (2009) o professor deve ser formado na mudança
e para a mudança, e esse processo de formação deve acontecer num espaço reflexivo, no
compartilhamento tanto do conhecimento como do contexto. A constituição de um espaço
dessa natureza na disciplina de Estágio possibilita aos graduandos socializarem e repensarem
suas concepções sobre educação, ensino e aprendizagem. Esse passo se faz muito importante,
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pois sabemos que suas crenças influenciam seu fazer docente e desse contexto emerge a
construção de sua identidade como professores.
Assim, a prática do estágio torna-se fonte de aprendizado, pois uma prática discutida
crítica e reflexivamente produz uma referência, uma filtragem e/ou uma adaptação entre a
prática e a teoria (ETCHEVERRIA; FELICETTI, 2011). Discutir a prática permite um
revisitar as suas experiências enquanto aluno, um reolhar no que ele vivenciou, um associar
ao que está experienciando e um projetar ao que poderá fazer.

Para Larrosa (1999) a experiência vivenciada no estágio não é aquilo que, no caso do
estagiário, ele conheceu na realização de uma prática, mas o que se passa com ele, isto é, o
movimento interno estabelecido entre o que conhece e acredita e o que desconhece e almeja.

Diante do exposto, buscamos através da disciplina de Estágio Supervisionado I,


desenvolver um trabalho que oportunizasse ao estagiário estar no ambiente de trabalho no
qual atuará (PIMENTA, 1997), desenvolvendo as habilidades de observar, descrever,
interpretar, problematizar e, consequentemente, propor alternativas de intervenção
(FAZENDA, 1991), desenvolvendo o caráter reflexivo num espaço coletivo que possibilita o
compartilhamento tanto do conhecimento como do contexto (IMBERNÓN, 2009).

Experiência Prática: o caminhar com os estagiários

Nosso relato de experiência tem como foco o trabalho realizado na disciplina de


Estágio Supervisionado em Ensino de Matemática I no semestre 2011/1. A disciplina conta
com sete créditos semanais e tem como pré-requisitos as disciplinas de Laboratório de Ensino
de Matemática e Metodologia do Ensino de Matemática.

A proposta desenvolvida visa construir competências para o exercício docente,


envolvendo a elaboração de referencial teórico, a observação, discussão e reflexão sobre a
estrutura e funcionamento da escola na Educação Básica. Para tanto, o graduando tem a
possibilidade de analisar a realidade da escola, do professor, do aluno e da prática docente,
tendo em vista a educação em geral; desenvolver competências e atitudes referentes à
formação profissional; compreender, refletir e posicionar-se criticamente quanto às propostas
educacionais, ao ensino, à aprendizagem e demais fatores presentes na atividade docente.

A discussão teórica proposta no programa da disciplina organiza-se a partir dos quatro


tópicos presentes na ementa, a saber: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Básica; Projeto Político-Pedagógico; Planejamento, Ensino e Avaliação; e Formação de
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Professores. Embora eles apareçam numa sequência e para cada um deles o graduando
produza um texto, nas discussões os temas se articulam, até porque não poderia acontecer de
outra forma.

Para se conhecer a realidade da escola é necessário, primeiramente, observá-la. Lüdke


e André (1993) consideram que para que se torne um instrumento válido, a observação tem
que ser planejada e, o observador deve estar preparado para realizá-la. A observação na
escola-campo é o foco principal desta experiência de estágio. Ela problematiza as leituras,
instigando discussões no espaço da sala de aula. Para que a mesma tenha validade foi
elaborado um instrumento organizado em blocos de questionamentos relacionados: estrutura
da escola, organização da escola, conteúdos, metodologias de ensino da Matemática, recursos,
avaliação, perfil dos alunos e relações interpessoais. Por exemplo, o bloco de questionamentos
referentes à organização da escola está apresentado no Quadro 1 a seguir:

Quadro 1 – Bloco de questionamentos referentes à organização da escola


Organização da escola
- A escola tem coordenação pedagógica? Que tipos de trabalho executa?
B1 – Serviços
- A escola possui apoio psicológico? Qual órgão provê esse atendimento?
- A Escola possui Regimento Interno? Do que ele trata?
- Todos os integrantes da Escola conhecem este Regimento Interno?
B2 – Regimento
- Como é organizada a disciplina na escola? Quem é encarregado da disciplina?
- Como funciona a entrada e saída dos alunos?
- A Escola possui Projeto Político-Pedagógico? Do que ele trata?
B3 – Projeto Político- - Os professores participaram da elaboração do PPP da escola?
Pedagógico - Em que ano o PPP da escola foi elaborado? Depois dessa data, já foram feitos
alguns ajustes? Quando? O que foi modificado?
- A escola promove reuniões de professores? Com que finalidades? Quando?
B4 – Envolvimento de
- Que tipos de planejamento são exigidos dos professores?
professores em
- Que tipo do controle a escola exerce sobre as atividades dos professores?
atividades
- Quais propostas e perspectivas para o futuro a escola apresenta?
administrativas
- Há professores de Matemática que participam de atividades administrativas?
Fonte: dados da pesquisa

Optamos por fazer uso de um instrumento amplo, porque nossa experiência anterior
nos revelou que a ausência de um instrumento deste tipo compromete os registros realizados
pelos estagiários.

O processo de produção escrita aconteceu durante todo o semestre e culminou com a


conclusão do relatório. Conforme as discussões sobre os temas avançavam, os estagiários
produziam textos fundamentados sobre os mesmos. A produção dos textos foi realizada em
três etapas: no primeiro momento cada graduando registrou e apresentou para seus colegas
suas ideias iniciais sobre o tema, após foram disponibilizados textos como referenciais
teóricos e, além desses, cada um pode procurar outras referências que abordassem sobre o
50

assunto. A partir dessas leituras eles fizeram o segundo registro com as ideias dos autores,
novamente essas ideias foram discutidas em aula. Na terceira etapa cada estagiário produziu o
seu texto utilizando suas ideias iniciais e as ideias dos autores.

A realização da atividade prática de estágio, denominada de oficina temática, teve


como principal objetivo a vivência da experiência docente pelos alunos estagiários. Dos 29
alunos dessa turma, apenas cinco já haviam atuado como professores. Esse dado nos fez
pensar que não poderíamos ficar apenas na proposta de observação, a turma necessitava e
desejava vivenciar a experiência de ensinar. Assim, escolheram uma das turmas dos anos
finais do Ensino Fundamental ou do Ensino Médio que observaram, conversaram com o
professor titular da mesma para possível realização de uma atividade relacionada às
dificuldades matemáticas evidenciadas pelos alunos, de modo a planejar uma oficina temática
que contemplasse esse conteúdo.

O planejamento dessa atividade foi feito em duplas e antes de ser executado foi
discutido com a professora orientadora de estágio, a professora titular da turma e, também,
com os colegas que realizaram a atividade de estágio na mesma escola, como descrevem os
estagiários E2 e E19.

A proposta de oficina teve como ponto de partida a observação realizada


numa turma de 9º ano quando observamos que muitos alunos sentiam-se
desmotivados e não viam muito a necessidade nem a importância da
resolução de equações do 2º grau para a vida deles. Pensamos, então, em
uma proposta que mostrasse o surgimento de tais conceitos e seu avanço ao
decorrer dos anos para que, dessa forma, eles pudessem entender “o
porquê” de estarem estudando o conteúdo dessa forma. (E2)
Depois de pensar na proposta, conversamos com a professora regente e
colhemos as opiniões e sugestões dela. De antemão ela achou louvável a
proposta, mas disse: “conhecendo-os como eu os conheço, eles não vão dar
muito importância quando você falar da história; eles são muito agitados e
não têm paciência para apenas ouvir”. Esse comentário da professora nos
fez refletir sobre como utilizaríamos o contexto histórico para enriquecer o
acervo de informações deles sem que os mesmos se sentissem desmotivados.
(E19)
Lançado o desafio, decidimos arriscar. Não somente por acharmos que essa
intervenção contribuiria de algum modo para os discentes que
participassem, mas, também, por considerarmos que era uma oportunidade
de melhorar nossa qualificação docente, uma vez que nunca havíamos
utilizado a História da Matemática em nossas aulas. Assim, resolvemos
conhecer, na prática, as dificuldades e as vantagens de sua utilização. (E19)
51

O registro feito pelos estagiários revela uma postura reflexiva, na qual eles buscam
inserir conhecimentos teóricos, adquiridos no curso, na realização de uma atividade prática
(PIMENTA, 1994) que teve como foco as dificuldades que identificaram na turma observada.

Esse processo de produção escrita dos estagiários, tanto do observado como do


estudado e refletido, aconteceu durante todo o semestre e culminou com a conclusão do
relatório. Conforme as discussões sobre os temas da ementa avançavam, os estagiários
produziam textos sobre os mesmos. A produção dos textos foi realizada em três etapas: na
primeira, cada graduando registrou e apresentou para seus colegas suas ideias iniciais sobre o
tema, após foram disponibilizados textos como referenciais teóricos e, além desses, cada um
pôde procurar outras referências que abordassem sobre o assunto. A partir dessas leituras eles
partiram para a segunda etapa: o registro com as ideias dos autores, novamente essas ideias
foram discutidas em aula. Na terceira etapa cada estagiário produziu o seu texto utilizando
suas ideias iniciais e as ideias dos autores. Ao elaborar esses textos o estagiário já estava
construindo seu relatório, que foi complementando ao longo do semestre conforme foi
realizando as observações na escola-campo, visto que associavam o observado/vivenciado na
escola com o estudado na disciplina, permeando tais enfoques com as discussões e orientação
da professora regente da disciplina de estágio, da psicóloga e da psicopedagoga, que
contribuíram para com a formação dos alunos estagiários.

Vivenciar esse processo de produção escrita implica em percorrer um caminho que


oportuniza a construção de aprendizagens, sobretudo quando mediado pela reflexão
sistemática, a qual proporciona o compreender, criticar e utilizar novas ideias (FREIRE,
1996). Dessa maneira, reconhecemos o processo de produção escrita como um fator que
contribui efetivamente na constituição do professor. E de acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais, a capacidade de expressar-se com clareza e precisão tanto escrita
como oralmente constituem-se competências e habilidades a um graduado em Matemática.
(BRASIL, 2002).

Os textos do relatório foram construídos na medida em que os dados eram coletados


na escola-campo. Na atividade de estágio, é importante que os instrumentos favoreçam a
coleta detalhada das informações, ou seja, as formas de registro do que se passou durante o
estágio são importantes, pois a partir delas o estagiário poderá fazer uma parte descritiva,
descrevendo o que aconteceu na aula e uma parte mais reflexiva, na qual poderá expressar
seus sentimentos, questionamentos, surpresas e impressões sobre o processo de ensino e
aprendizagem (LÜDKE; ANDRÉ, 1993). A análise e confrontação dessas informações
52

possibilita uma reflexão mais aprofundada do campo em estudo. Nesta direção seguem
algumas reflexões entrelaçadas às observações dos estudantes estagiários3.

Algumas Reflexões

No final do semestre, com o objetivo de realizarmos uma avaliação coletiva sobre o


trabalho realizado na disciplina, foi solicitado que os estagiários elaborassem um depoimento
escrito falando sobre a proposta desenvolvida na disciplina de Estágio Supervisionado em
Ensino de Matemática I.

O período de observação é essencial para aqueles que visam a carreira


docente, pois é um espaço onde se consegue assimilar conceitos e ideias
para o ensino futuro. (E5)

Os aspectos que mais chamaram a atenção dos estagiários foram às questões


relacionadas ao ensino (uso de metodologias) e ao relacionamento entre professor e alunos e
entre os alunos.

O ensino na Educação Básica se compara a construção de um prédio, argumenta o


estagiário E1:

Uma comparação que faço sobre o ensino nesses anos é com a construção
de um enorme prédio de conhecimento, pois ao chegarmos, nos anos
iniciais, nos deparamos com ajudantes entusiasmados para a realização da
obra e o que vêm no futuro. Porém, nos anos finais nos deparamos com
“trabalhadores cansados” e desestimulados em ver essa construção. E, nos
anos seguintes, foi notório que o alicerce de alegria e conhecimento, tem o
tronco do edifício arrancado, pois tem em seus meados uma má construção
que é essencial para a sustentação de ideias. (E1)

Outro ponto destacado foi o comportamento dos alunos. Para os estagiários, o


relacionamento é mais tranquilo nas turmas dos anos iniciais e do Ensino Médio.

Pude perceber que nos anos iniciais o professor apresenta uma dedicação
maior para com suas aulas e o seu relacionamento com os alunos é de uma
afetividade grandiosa, tanto do professor com o aluno quanto do aluno para
com o professor. Nos anos finais o relacionamento professor versus aluno é
totalmente diferente, o professor já não dá aquela atenção ao aluno como
nos anos iniciais, como também do aluno para o professor. Neste período
em muitos casos já é notável que o professor se afaste mais dos alunos
transmitindo assim um ar de superioridade. Já no Ensino Médio é tudo
totalmente diferente tanto com a preocupação dos professores com o
aprendizado bem como com o relacionamento. Nesse período passa a ser
mais amigável. (E10)

3
Os depoimentos dos estagiários estarão identificados em itálico e identificado pela letra E seguido de
numeração entre 1 e 29 correspondendo a quantidade dos mesmos.
53

O relacionamento também foi tema dos encontros com a psicóloga e com a


psicopedagoga. Embora a conversa que fluiu no:

[...] encontro com a psicóloga tenha ajudado a esclarecer algumas dúvidas


de como lidar com os diferentes tipos de alunos, fiquei me questionando:
será tão fácil assim aplicar esses métodos? Teremos força suficiente para
tentar mudar essa realidade e não nos tornarmos iguais aos outros que se
acomodam e deixam tudo como está? (E21)

Essa postura reflexiva frente ao contexto observado favorece o processo de formação


para a mudança (IMBERNÓN, 2009).

Além disso, poder falar sobre suas fragilidades e sentir que outros também as têm,
oportunizou que se fortalecessem a ponto de se sentirem preparados emocionalmente para o
exercício da docência. Isso ficou evidente no depoimento do estagiário E4:

Eu tenho certo receio de enfrentar uma sala de aula, por isso o encontro
com a psicóloga me ajudou bastante a lidar com esse medo. Gostei muito
quando ela falou sobre como se comportar diante dos alunos, ou seja,
manter a postura de autoridade e ao mesmo tempo ser amigo dos alunos.
(E4)

Na opinião dos estagiários, tão importante quanto o encontro com a psicóloga foi o
encontro com a psicopedagoga. A conversa com a psicopedagoga possibilitou perceber:

[...] os diferentes tipos de alunos que encontramos em sala de aula. Pude


perceber que não podemos desprezar aquele que está atrasado na turma.
Cada um tem a sua deficiência e temos que estar preparados para enfrentar
essas deficiências. (E10)

A experiência profissional da psicóloga e da psicopedagoga parece transmitir


segurança aos futuros professores.

Com relação aos depoimentos referentes às oficinas desenvolvidas nas escolas, os


estagiários apontam o próprio desenvolvimento, enquanto futuros professores, por meio do
conhecimento da realidade de uma sala de aula.

Na oficina foi onde eu me senti um pouco professor, com a responsabilidade


de ver se os alunos estão aprendendo. (E12)
A oficina temática proporcionou uma experiência grandiosa, pois foi
possível conhecer a realidade de uma sala de aula, aliando a teoria com a
prática. (E8)

A prática exige muito mais do que saber a teoria, exige saber desenvolver a teoria na
prática, fato este observado pelo estagiário acima, quando passou a exercer a docência no
lugar do professor observado (PIMENTA, 1997).
54

Com relação à prática podemos destacar três componentes básicos para a formação do
professor de Matemática: o conhecimento dos conteúdos específicos, o conhecimento dos
conteúdos de Educação Matemática e os conhecimentos das áreas que contribuem para a
formação do educador (BERTONI, 1995). Ao relacionar a matemática estudada na
Licenciatura com a Matemática ensinada na Educação Básica os depoimentos dos estagiários
giraram em torno da não percepção de alguma evidência sobre essa relação, como pode ser
observado no depoimento de E7:

Nas aulas que observei não me deparei muito com a matemática que é
trabalhada na universidade. A matemática que vi nessas aulas foi aquela
contida nos livros didáticos e dada de forma puramente expositiva. (E7)

Para muitos graduandos, a matemática estudada na Educação Básica pouco ou nada


tem a ver com o que lhe é apresentado, por exemplo, na disciplina de Cálculo e esse confronto
pode se constituir uma grande dificuldade (BARUFI, 2002). Nessa direção escreve E3:

A matemática que vemos no nosso curso de Licenciatura não tem quase


nada a ver com o que é ensinado na Educação Básica, apenas as disciplinas
de Matemática para o Ensino Médio I, II e III se aproximam do que é visto
lá, por isso o choque que a maioria de nós tem ao entrar na universidade, no
curso de Licenciatura em Matemática, não imaginamos que seria tanta
abstração. (E3)

Sabemos que para contribuírem na formação do futuro professor seria necessário que
as disciplinas de conteúdo matemático se transformassem em disciplinas de Educação
Matemática, nas quais se enfatiza o ensino junto com a aprendizagem, deslocando-se a ênfase
no saber para o desenvolvimento de competências no saber ensinar (CARNEIRO, 2002).

A experiência de estágio foi relevante em todos os depoimentos. Os futuros


professores perceberam a necessidade de vivenciar o papel do professor, de refletir o ser e
fazer docente.

Mediante as experiências adquiridas, pude perceber que o estágio não é


simplesmente uma disciplina curricular, mas sim uma forma de adquirir
experiências e uma fase de descobertas, uma vez que é possível descobrir se
é essa a profissão que realmente queremos seguir. Além de ser um período
para conhecermos a realidade do ambiente escolar. (E11)
O período no qual observei as turmas foi muito relevante para mim, pois
tive a oportunidade de participar de algumas aulas não como aluno e nem
como docente, mas sim como um investigador, observador, possibilitando-
me criticar e/ou refletir sobre as informações que foram coletadas por mim.
(E8)

Entendemos que a reflexão sobre a prática realizada acerca da construção do


conhecimento matemático e da realidade da sala de aula oportuniza uma compreensão da
55

complexidade do ato de ensinar, ao tempo que permite relacionar a teoria estudada na


universidade com a prática realizada na escola.

Considerações finais

Nós enquanto docentes de futuros professores, sentimos dúvida, medo, alegria,


realização e o sentimento de estar sendo ajudado e entendido. Sentimos dúvida por
desconhecermos o amanhã, medo de descobrir que nosso ensino tornou-se um discurso vazio,
alegria e realização por perceber nossos discentes formando-se reflexivos, estar sendo ajudado
e entendido pela alteridade e empatia experienciadas pelos estagiários.

Esse conjunto de sentimentos nos faz acreditar e defender que a aprendizagem da


docência aconteça na graduação, pois consideramos que os estudos realizados nas
metodologias, a busca de uma postura investigativa frente às vivências na escola-campo, as
orientações dos docentes da escola e do curso fornecem um aparato teórico-prático
fundamental para a sua formação docente. Como sustentamos nossa argumentação numa
proposta que prioriza a relação teoria e prática, entendemos que uma postura questionadora é
importante tanto na sala de aula, enquanto no período de formação inicial, quanto no período
de docência, tendo que decidir o que e como fazer.

Assumir uma postura reflexiva frente às informações coletadas, geralmente, não é


considerado uma tarefa fácil, pelos estagiários. Entretanto, esta proposta de estágio tem
gerado bons resultados, pois nossos alunos têm nela a possibilidade de estar no contexto onde
irão trabalhar.

Essa realidade provoca algumas indagações. Por que nossos estagiários não
conseguem ver a Matemática estudada na universidade na Matemática ensinada na Educação
Básica? Por que alguns professores da Educação Básica insistem em dizer aos estagiários que
a teoria é diferente da prática, quando querem justificar suas escolhas metodológicas? Por que
alguns professores que conhecem as tendências pedagógicas mais atuais, persistem numa
proposta que prioriza apenas as aulas expositivas sem a dialogação com o aluno?

Percebemos que se faz necessário investir neste tipo de atividade para que aos poucos
os estagiários se apropriem de uma postura questionadora, crítica e reflexiva, capaz de formá-
los educadores.
56

É importante destacar que o Projeto Pedagógico do Curso está em fase de


reformulação, na qual está sendo repensada a redistribuição da carga horária e as ementas das
disciplinas de estágio. Assim, atividades como esta estarão contempladas na ementa das
mesmas.

Referências

BARUFI, M. C. B. O Cálculo no Curso de Licenciatura em Matemática. Educação


Matemática em Revista, São Paulo, Ano 9, n. 11ª – Edição Especial, p.69-72, Abr. 2002.

BERTONI, N. Formação de Professor: concepção, tendências verificadas e ponto de reflexão.


Revista Temas e Debates. Blumenau, Sociedade Brasileira de Educação Matemática, n.7, p.
8-15, 1995.

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Matemática, Bacharelado


e Licenciatura. Diário Oficial da União de 5/3/2002, Seção 1, p. 15, 2002.

CARNEIRO, V. C. Educação Matemática e a pesquisa Educativa nas Licenciaturas em


matemática. Educação Matemática em Revista, Rio Grande - RS, Ano IV, n. 4, p.60-64,
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