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Instituto Amazônia – a imigração japonesa em outros boletins

Michele Eduarda Brasil de Sá, UnB, michelebrasil@unb.br

Resumo

Este trabalho é parte da pesquisa intitulada “A imigração japonesa no Amazonas –


perspectivas e documentos”, que estuda o trabalho dos imigrantes japoneses denominados
kôtakusei. Estes imigrantes se estabeleceram em Vila Amazônia na década de 30 e ali
fundaram o centro de pesquisas Instituto Amazônia, em japonês Amazonia Sangyô
Kenkyûjo (lit. “Centro de Pesquisas e Produção da Amazônia”). Os kôtakusei, cuja
contribuição ainda é pouco conhecida no Brasil, foram os responsáveis pela aclimatação da
juta em terras amazonenses. Neste trabalho será apresentada a atividade desenvolvida no
Instituto tal como registrada em seus boletins mensais, para o que foram selecionados
boletins que não foram anteriormente apresentados em outros eventos acadêmicos.
Palavras-chave: Instituto Amazônia, imigração japonesa, kôtakusei

Instituto Amazônia – la inmigración japonesa en otros boletines


Resumen

Este trabajo es parte de la investigación titulada "La inmigración japonesa en el Amazonas -


perspectivas y documentos", que estudia la obra de los inmigrantes japoneses llamados
kôtakusei. Estos inmigrantes se establecieron en Vila Amazônia en los años 30 y allí
fundaron el centro de investigación Instituto Amazônia, en japonés Amazonia Sangyô
Kenkyûjo (lit. "Centro de Investigación y Producción de la Amazonia"). Los kôtakusei, cuya
contribución es todavía poco conocida en Brasil, fueron los responsables por la aclimatación
del yute en tierras amazónicas. Este trabajo presenta la actividad desarrollada en el Instituto
según consta en sus boletines mensuales; fueron seleccionados boletines que aún no
habían sido presentados en otros eventos académicos.
Palabras clave: Instituto Amazônia, inmigración japonesa, kôtakusei

Instituto Amazônia – Japanese immigration in other bulletins


Abstract

This work is part of the research activity entitled “Japanese immigration in the Amazonas –
perspectives and documents”, which studies the work of the Japanese immigrants called
kôtakusei. These immigrants established in Vila Amazônia during the 30’s where they
founded the research center Instituto Amazônia, in Japanese Amazonia Sangyô Kenkyûjo
(lit. “Research and Production Center of Amazônia”). The kôtakusei, whose contribution is
still poorly known in Brazil, were responsible for jute acclimatization in the lands of
Amazonas. In this work the activities developed in the Institute, as registered in its monthly
bulletins, will be presented; bulletins not yet presented in previous academic events were
selected.
Keywords: Instituto Amazônia, Japanese immigration, kôtakusei

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1- Introdução

Na década de 30, um grupo de imigrantes japoneses conhecidos como kôtakusei se


estabeleceu em Vila Batista – que passou a se chamar Vila Amazônia – em Parintins,
Amazonas. A sua presença na região, apesar de breve, afetou profundamente não apenas o
local, mas também a economia do Estado e do Brasil, uma vez que foram os kôtakusei os
responsáveis pela aclimatação da juta no Amazonas. A palavra kôtakusei significa “aluno
formado pela Escola Superior de Imigração”; estes imigrantes eram jovens que recebiam
treinamento específico para virem ao Brasil e se estabelecerem no Amazonas e diferiam de
outros grupos mais conhecidos e estudados de imigrantes japoneses no Brasil,
especialmente os do sul e sudeste, que vinham em grupos familiares (autênticos ou
fabricados), com a intenção de fazerem fortuna e retornarem ao Japão (embora boa parte
deles tenha de fato permanecido no Brasil). Os kôtakusei não apenas cultivavam as terras
que lhes foram cedidas: lá eles também construíram o Instituto Amazônia, um verdadeiro
centro de pesquisas.
Este trabalho insere-se na pesquisa intitulada “A imigração japonesa no Amazonas –
perspectiva e documentos japoneses” e apresenta alguns dos boletins mensais do Instituto
Amazonas.1 Seu objetivo é mostrar o conteúdo de alguns destes boletins a fim de buscar
melhor compreender as atividades empreendidas pelos kôtakusei em Vila Amazônia. O
Museu Amazônico é depositário de cópias de muitos destes boletins, embora não de todos,
obtidos após a expropriação e o leilão de Vila Amazônia, quando Brasil e Japão ficaram em
lados opostos na Segunda Guerra Mundial.

2- Os boletins – o que registram?

Mesmo uma leitura superficial dos boletins mensais do Instituto Amazônia é


suficiente para perceber duas coisas: 1) que muito provavelmente eles não eram elaborados
para circularem apenas em Vila Amazônia, mas para serem enviados ao Japão, dado o
volume de informação que continham sobre o Brasil (história, bandeira, mapa, frutas típicas
da região, animais etc.); e 2) que continham o registro das pesquisas, inclusive alguns
resultados, como se pode ver nas tabelas de medição da temperatura do solo, por exemplo.
O boletim abaixo (n. 122, impresso em 25/08/1941 e publicado em 01/09/1941)
mostra em sua capa algumas imagens da área de testes de cultivo de Vila Amazônia: uma
imagem abrangendo toda a área (direita, acima), plantação de juta (direita, abaixo),
plantação de malva roxa (esquerda, acima) e plantação de toba (esquerda, abaixo), uma
espécie de alcachofra, as duas últimas sendo conhecidas na região por suas propriedades
medicinais. Em relação à juta, a descrição diz sen’i sakubutsu, que significa genericamente
“produção de fibra”. Por mais que as imagens estejam prejudicadas porque foram
fotocopiadas, fica o registro em destaque para estas três culturas na capa deste boletim.

1
Este projeto é oriundo de outros dois: o primeiro, iniciado em 2008 e desativado em 2012, chamado
“Presença dos imigrantes japoneses no Amazonas”, vinculado ao Museu Amazônico (Manaus, AM); o
segundo, “A imigração japonesa no Amazonas – perspectiva e documentos japoneses” (2013-2017).
Os imigrantes kôtakusei já foram objeto de trabalhos nossos apresentados anteriormente, três dos
quais versaram sobre os boletins do Instituto Amazônia, porém constam do presente trabalho apenas
boletins ainda não apresentados em nenhum dos dois projetos de pesquisa.
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Fonte: Museu Amazônico

No mesmo boletim, como em muitos outros, um relatório detalhado contendo as


últimas observações meteorológicas, com índices de temperatura e umidade, quantidade de
chuva, temperatura do solo e subsolo (sendo estas medições realizadas três vezes ao dia) e
condições de vento e nuvens. Um fato muito interessante a se observar é que estas
informações vêm registradas em japonês e português.

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Fonte: Museu Amazônico

Fonte: Museu Amazônico

Na capa do boletim n. 120, impresso em 25/06/1941 e publicado em 01/07/1941, a


criação de gado em Vila Amazônia (chokuei makiba, o “gado da companhia”). Apesar de as
imagens não serem claras, a legenda dá a informação de que são bois zebu.

Fonte: Museu Amazônico

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Na capa do boletim n. 118, impresso em 25/04/1941 e publicado em 01/05/1941, vão
estampadas imagens da visita do interventor federal Álvaro Maia à filial do Instituto em
Manaus – na verdade, uma segunda visita, pois a primeira tinha acontecido em 19 de março
do ano anterior em Vila Amazônia.2 No canto superior esquerdo, uma foto tirada no interior
do depósito de juta (o interventor é o terceiro da direita para a esquerda). A aclimatação da
juta trouxe grande benefício ao estado do Amazonas e à economia do Brasil, na medida em
que, ao não precisar importar a juta indiana, o preço do café, principal produto brasileiro no
mercado internacional, poderia ser mais baixo e, portanto, mais competitivo (KAWADA,
1995, p. 18).

Fonte: Museu Amazônico

A esta altura, já o governo acompanhava bem de perto os movimentos dos


imigrantes, especialmente os japoneses. Uma das medidas da Campanha de
Nacionalização da Era Vargas foi justamente restringir (e então, de forma prática, proibir) o
uso da língua estrangeira pelos imigrantes, forçando a sua adaptação. O decreto-lei no. 406,
de 04 de maio de 1938, condiciona a publicação de livros, revistas ou jornais em língua
estrangeira, nas zonas rurais, à permissão do Conselho de Imigração e Colonização (art.
86) e a “publicação de quaisquer livros, folhetos, revistas, jornais e boletins em língua
estrangeira [...] à autorização e registro prévio no Ministério da Justiça” (art. 87). Em nossa
pesquisa, até a presente data não encontramos nenhum instrumento pelo qual se possa
afirmar que os boletins estavam registrados ou autorizados. Colocar estas publicações em
suspeição também não pode ser considerada uma conclusão válida, pois o fato de não
terem sido encontrados os documentos que autorizam a circulação dos boletins não significa
necessariamente que eles não existam, ou melhor, que não tenham existido. De qualquer
forma, com a propaganda do “perigo amarelo” sendo espalhada no Brasil e mais ainda

2
Interventor federal é o governador nomeado diretamente pelo Presidente da República.
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depois que Japão e Brasil se viram em lados opostos na guerra, nada impediria a
intervenção do governo em Vila Amazônia.3

3- Conclusão

Como se trata de um assunto ainda pouco estudado fora do Amazonas, a imigração


japonesa no Estado e, mais especificamente, o grupo de imigrantes denominado kôtakusei
ainda ensejam muita pesquisa. Uma das dificuldades reside na carência de tradução das
muitas fontes que estão em língua japonesa e, dada a época histórica, encontram-se em
padrão anterior à reforma de 1946, que estabeleceu a “Lista de ideogramas de uso geral”
(tôyô kanjihyô), simplificando muitos deles.
É importante também cruzar e comparar as informações contidas nos boletins. Nos
que foram brevemente apresentados aqui, existe uma coluna chamada Santaren jûto saibai
shikenjô nisshi (“Diário da área de testes do cultivo de juta em Santarém”), que indica que os
kôtakusei intentavam expandir seu empreendimento em terras paraenses. A localização de
Vila Amazônica era, de fato, estratégica, e a ela chegavam também pessoas do Pará,
muitas das quais vinham por causa do hospital construído pelos imigrantes japoneses em
Parintins (SOUZA, 2011, p. 130).
A pesquisa prossegue buscando ainda outras fontes que possam trazer luz a
perguntas ainda não respondidas, tais como o conteúdo do juramento que os jovens faziam
antes de vir ao Brasil – que, segundo relatos dos descendentes de kôtakusei, implicava em
um compromisso de nunca mais retornarem ao Japão. Há também estudos sobre os
pregadores do “perigo amarelo” no Brasil e como esta onda antinipônica atingiu o
Amazonas, mas não foram encontradas até o momento fontes que mostrassem a reação
dos imigrantes japoneses de Vila Amazônia a estes ataques.

Referências bibliográficas:

BOLETINS MENSAIS DO INSTITUTO AMAZÔNIA. Museu Amazônico


BRASIL, Decreto-lei n° 406, de 4 de maio de 1938.
KAWADA, T. Histórico da imigração japonesa no Estado do Amazonas. Manaus:
FIEAM, 1995.
SÁ, M.E.B. A imigração japonesa à luz da Teoria das Relações Internacionais.
Manaus: EDUA, 2010.
SOUZA, J.C.R. Parintins e Vila Amazônia: uma história de construção de vida urbana
de imigrantes nipônicos. In: HOMMA, A.K.O. et al. (Orgs.). Imigração japonesa na
Amazônia: contribuição na agricultura e vínculo com o desenvolvimento regional. Manaus:
EDUA, 2011, p. 115-134.

3
Para um breve comentário sobre apoiadores e opositores dos imigrantes japoneses no Amazonas,
ver SÁ, M.E.B. A imigração japonesa à luz da Teoria das Relações Internacionais. Manaus:
EDUA, 2010, pp. 43-48.
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