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SEGUNDA SEÇÃO:

A FORMAÇÃO ESPIRITUAL DA LIDERANÇA DAS IGREJAS NO SERTÃO


A Falta de Formação Espiritual no Brasil
Alguns números e informações sobre a igreja evangélica brasileira inquietam
qualquer líder cristão sério. O número de evangélicos no Brasil aumentou
61,45% em 10 anos, segundo dados do Censo Demográ co divulgado em
29 de junho de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geogra a e Estatística
(IBGE). Em 2000, cerca de 26,2 milhões se disseram evangélicos, ou 15,4%
da população. Em 2010, eles passaram a ser 42,3 milhões, ou 22,2% dos
brasileiros1. Em 1991, o percentual de evangélicos era de 9% e, em 1980,
de 6,6%. O Brasil com 42,3 milhões de evangélicos é um país melhor que o
Brasil dos 10 milhões de evangélicos da década de 80?
Não é mera coincidência que 18 entre os 20 países menos corruptos do
mundo sejam de origem Protestante. A pontuação brasileira recuou de 42
para 35 entre 177 países no ranking de corrupção, onde a escala vai de 0
(extremamente corrupto) a 100 (muito transparente). O país passou a ocupar
105º lugar no Índice de Percepção da Corrupção (IPC), o que representa o
pior resultado desde 2012. Quanto melhor a posição no ranking, menos o
país é considerado corrupto. O índice brasileiro foi de 35 e cou em 105º
lugar.2 Finn Heinrich, principal pesquisador do ranking a rma que: "A
corrupção está muito relacionada a países em decomposição, como Líbia
ou Síria".
Mesmo com crescimento de evangélicos o Brasil continua a ser um dos
países de maior injustiça e desigualdade social3. De acordo com o site
G1.globo, em dezembro de 2013 o Brasil ocupava 85o. lugar no IDH

1Retirado do site g1.globo.com na página: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-


evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html, em 30 de janeiro de 2014
2https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/01/29/brasil-fica-cai-para-105o-lugar-em-ranking-de-2018-dos-
paises-menos-corruptos.ghtml acossado em 15 maio 2019
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mundial. Qual seria a aparência de uma nação onde Jesus Cristo é o
Senhor?
A igreja brasileira faz um excelente trabalho de evangelização de massa,
gerando milhões de novos-crentes, introduzido-os ao leite materno da fé
cristã. Entretanto, há muito pouco ou quase nenhum investimento em
discipular cristãos para a maturidade.
Há grandes di culdades de aprofundamento nas dinâmicas da fé, no
conhecimento de Deus, no conhecimento e vivência das Escrituras e no
compromisso com a Grande Comissão.
Em muitas igrejas locais não existe verdadeira busca por santidade e
morti cação da carne. A profundidade na formação espiritual e semelhança
ao caráter de Cristo é restrito ao batismo, e, especialmente, a espiritualidade
está con nada a estanques da existência, como programações da igreja,
ritos, cerimonias e experiências místicas totalmente desintegrado do
verdadeiro conhecimento de Cristo como Senhor sobre todas as facetas da
vida.
Isso vem acarretando num cristianismo sem testemunho ético e moral, sem
comprometimentos reais que levem o indivíduo a se posicionar biblicamente
quando o preço é sair perdendo.
Pensando no mundo evangélico no Brasil, ainda cremos e praticamos um
cristianismo bastante infantil e rudimentar, sem consciência da abrangência
do estrago do pecado no indivíduo e na comunidade. Basta olhar com
atenção para perceber que a igreja defende a cobiça ensinando que é
buscar excelência, estimula os valores materiais com o pretexto de ser
abençoado por Deus e está impregnada de corrupção, partidarismo e vã
gloria na sua estrutura de governo a semelhança da política brasileira.
A Igreja evangélica do Sertão Nordestino não é diferente desse quadro
brasileiro, pelo contrario. Talvez, por causa de algumas particularidades
como uma forte necessidade de se mostrar mais avançado que o tradicional
“povo atrasado” do Sertão, as igrejas estão com os seus crentes cheios de
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modismos e altamente secularizados, fortemente in uenciados pela internet
e pela televisão, com o conhecimento muito super cial das Escrituras.
Por causa de tudo isso algumas perguntas precisam ser feitas: Existe
mesmo condições no presente estado de coisas da igreja ter uma vida cristã
piedosa? Quando alguém foi salvo e entrou para a igreja é ensinado apenas
sobre o perdão e a salvação eterna de Deus ou será que também se ensina
a respeito de ter vitória sobre velhos hábitos e maneiras? Os membros das
igrejas estão verdadeiramente interessados em desenvolver um profundo
relacionamento com Deus, ou em apenas terem através de Deus algum
bene cio para uma vida mais confortável? Vale a pena investir e insistir no
amadurecimento espiritual dos éis?
Há reais motivos para tais perguntas serem levantadas. O primeiro motivo é
que a comunidade cristã tem utilizado a espiritualidade para se sentir bem e
adquirir seus desejos, e não para se relacionar com Deus4. É só olhar para
os lados para encontrar muitos cristãos vivendo um tipo de espiritualidade
bem abaixo da descrita no Novo Testamento.
As pessoas que vivem neste século possuem problemas imensos e
di culdades tão grandes que geram o pensamento de que não há saída
para a situação delas, portanto procuram Deus para usá-lo como um servo
cheio de milagres e maravilhas e não para serem usados por Ele como o
Senhor dos senhores.
Mesmo entre líderes cristãos, frequentemente, as notícias são de pouca ou
nenhuma preocupação com a vida cristã piedosa. Aparentemente, deixar o
pecado vencer tornou-se uma norma na comunidade cristã de tal forma que
muitos desistiram dos princípios bíblicos acerca da espiritualidade sadia e
viraram-se para os princípios humanistas, psicológicos e sensacionalistas,
inclusive usando misticismo e sincretismo.
Uma indústria inteira de superstição e modismos se formou, nos últimos
anos, por causa de tanta imaturidade na comunidade cristã. Por isso, a

4 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. São Paulo, Fiel. 1996. pp. 133
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tendência natural é ao invés de usarem as disciplinas espirituais e o
sacrifício pessoal como recurso que são para o crescimento espiritual, se
tornarem instrumentos cativos do humanismo modista.
O segundo motivo que pode ser percebido é o aparente desconhecimento e
descomprometimento com as Escrituras. Muito pior do que observar o uso
da espiritualidade como amuleto para ganhar uma vida de satisfação
pessoal, é ver que a bíblia é usada para conveniências pessoais muitas
vezes sustentando pecados que se perpetuam na própria vida.
A insipiência bíblica e a conformação à lógica pragmática social vigente
(secularização) fornecem um substrato ao cristão moderno de que as
disciplinas espirituais não servem para fazer oposição ao velho homem, mas
servem, especialmente no lugares de maior crendice popular, como o
Sertão, apenas como um fator de penitência para galgar direitos e privilégios
diante de Deus a m de obter resultados puramente materiais, e não
espirituais.
Desta maneira, como um estudante aplicado faz sacrifícios pessoais para
crescer na carreira e conseguir status e conforto, a dedicação pessoal ao
crescimento espiritual servem ao cristão moderno como mais um sacrifício
pessoal para conquistar as mesmas coisas que o não cristão conquista
através de seus esforços, ou seja status e conforto, só que dessa forma é
tentando usar Deus.
Parece que a Igreja nada mais tem a ver com buscar e amar a Deus, lutar
contra o pecado, a velha natureza, o diabo e o mundo. O crescimento
espiritual perde sua intenção inerente de tornar o cristão mais piedoso, e se
torna um dispositivo complementar para o cristão ter sucesso conforme o
século.
Há também como motivo o secularismo promovido pelo egoísmo e
hedonismo que usam super cialidade, estética, relativismo, direitos
humanos, respeito e elementos culturais Nordestinos como “jeitinho”,
“apadrinhamento”, “mentira branca” e se justi car pondo a culpa no outro,
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seja o que for esse “outro”, usados dentro de conveniências bem próprias
que sabotam as condições e o espirito da formação espiritual bíblica.
É então fácil para muitos cristãos assegurarem que Deus é amoroso e que
Ele entende e “aceita”5as razões pelas quais ele vive na indolência espiritual
e, consequentemente, a convivência pací ca com práticas pecaminosas,
estabelecendo um padrão libertino, cheio de argumentos perigosos e
fraudadores de uma espiritualidade sem consistência.
Este tipo de espiritualidade de conveniência pessoal sabotadora do
crescimento real, não quer descobrir a soberania divina nos
encaminhamentos que a história humana vai tomando. Transparecendo a
ideia de que, na realidade, Deus nunca está participando soberanamente da
vida e dos acontecimentos grandes e pequenos. Tudo é causa e efeito de
decisões pessoais, sem haver um plano, um guia, um Deus.
E como motivo não menos importante, por causa da forte in uencia das
igrejas Neo-pentecostais, especialmente as televisivas, tem surgido nos
grandes centros e até nas igrejas pequenas do interior, uma aparente falta
de temor ao Senhor, revelado na total irreverência com que se destorce os
ensinos das Escrituras a rmando mandingas, atos proféticos e rituais
cerimonialistas que mais se parecem com expressões de outras religiões
para tirar do el algum recurso nanceiro, além dos shows televisivos que
encenam possessões, milagres e testemunhos de vitorias espirituais que no
mínimo são duvidosos.
Essa, com toda certeza, é uma vitória do esquema maligno. Em muitas
circunstâncias, os cristãos aceitam como verdade as mentiras do maligno
de que seguir tais sacerdotes e ensinos é a melhor maneira de viver com
Deus neste mundo.

5 O historiador Sérgio B. de Holanda, ao comentar a ação católica no Brasil, alega que “No Brasil, ao
contrário [da ação protestante], foi justamente o nosso culto sem obrigações e sem rigor, intimista e familiar,
e que poderia se chamar, com alguma impropriedade, ‘democrático’, um culto que dispensava no fiel todo
esforço, toda diligência, toda tirania sobre si mesmo, o que corrompeu, pela base, o nosso sentimento
religioso.” Holanda, Raízes do Brasil, 110-11. É essa cultura que fornece a idéia de que o amor de Deus não
se expressa na Sua disciplina, e sim no Seu silêncio e complacência.
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A superstição e o clericanismo que sempre foram tão fortes no Sertão do
Brasil se misturam à pratica hodierna dos ditos evangélicos destruindo o
verdadeiro modelo de experiência prática que Jesus deixou para a igreja,
quando viveu em discipulado, durante todo o seu ministério e na sua
ressurreição deixou como instrução: “Portanto ide, fazei discípulos de todas
as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo;Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado;
e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos.”6
Para que fomos feitos? Para conhecer a Deus.
Que alvo devemos estabeleces para nós na vida? Conhecer a Deus.
O que é a “Vida Eterna” dada por Jesus? João 17:3 responde: “esta é a vida
eterna: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo , a
quem enviaste.”
Qual é a melhor coisa da vida, que traz prazer, alegria e contentamento
acima de todas as outras? O conhecimento de Deus.
“Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio em sua sabedoria, nem o forte
em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se
nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor.”7
Viver com Deus e para Deus é como disse Jesus: “perder a própria vida”,
entretanto, não é negativo o que declara o texto8. Ser conduzido como
ovelhas para o meio dos lobos9 é, aparentemente, perder a vida devorado
pelo maligno. Mas, antes de desestimular a pratica da piedade e das
disciplinas espirituais, esses textos revelam a fraqueza que reside no ser
humano enquanto tenta viver a vida por sua própria conta, sem se dobrar
em direção ao Seu Senhor.

6 Mateus 28:19-20 (Bíblia Atualizada Strong)


7 Jeremias 9:23 e 24 (Bíblia Atualizada Strong)
8 Ibid Mateus 10:39 e 16:25
9 Ibid 10:16
Os fatos que comprovam a fraqueza humana diante das astutas ciladas do
inimigo, longe de servir como motivo para negligenciar a piedade e as
disciplinas espirituais, servem como argumento positivo do quanto se faz
necessário tais práticas.
Todas essas questões tratam da devoção do cristão quando aplicada aos
pilares espirituais da pratica da formação espiritual, que sobretudo é
protagonizado na leitura atenta e profunda da Palavra, no exercício contínuo
e indispensável da oração, na comunhão da mutualidade apresentada
especialmente no Novo Testamento e no ser usado conscientemente por
Deus na sua vocação. Em outras palavras, o verdadeiro cristianismo é um
ato continuo de amadurecimento espiritual, crescimento integral, que se
estriba na pratica da devoção, da vocação e dos relacionamentos. Cristo
integrado a todas as instancias da vida humana como protagonista.

TEOLOGIA DE FORMAÇÃO ESPIRITUAL

Capítulo 1. O que é Formação Espiritual?


Na linguagem de Jesus o resultado da Sua obra é o novo nascimento
naqueles que creem. Ele diz a Nicodemos que é necessário nascer de novo,
da água e do espirito10. “a maneira bíblica de usar a palavra espiritual é
referente ao trabalho de Deus em que participamos, que é abrangente e
integrador. Quando é comumente usada como algo isolado e parcial, estará
sendo mal interpretada.”11
Paulo usa essa mesma metáfora de criança espiritual em Cristo para
repreender os eis de Corinto por que eles ainda não haviam crescido na fé
quando diz em 1 Coríntios 3:1-2 “Eu, porém, irmãos, não vos pude falar
como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite

10 Evangelho de João 3:1 a 21

Eugene Peterson. A Vocação Espiritual do Pastor: Redescobrindo o chamado ministerial. Sao Paulo:
11
Mundo Cristão. 1998. p, 167
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vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis
suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais.”
O Apostolo Pedro usa a mesma gura de criança espiritual para convocar a
igreja ao crescimento espiritual através do conhecimento mais profundo das
Escrituras12.
Também o escritor aos Hebreus usando a mesma perspectiva de formação
espiritual a rma que era esperado deles um crescimento espiritual grande,
devido ao grande tempo em que eles já haviam recebido o novo
nascimento, conforme diz em Hebreus 5:12-14: “Pois, com efeito, quando
devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente,
necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios
elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados
de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é
inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é
para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades
exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal.”
Portanto, a formação espiritual é a obra de Deus ao longo de toda a nossa
vida, usando todos os elementos e recursos para nos aperfeiçoar conforme
à imagem de Cristo. Tudo é usado por Deus para o nosso bem, para sermos
conforme a imagem do Seu Filho.
Todo crente precisa crescer na sua fé. Muito mais ainda é necessário para
aqueles que pretendem ensinar as Escrituras aos outros, uma vez que suas
vidas servem de modelo para os que estão sendo conduzidos à salvação de
Cristo Jesus.
Muito mais do que uma formação acadêmica, os líderes que cuidam do
rebanho do Senhor Jesus precisam abrir os olhos para conhecer a obra de
Deus em suas próprias vidas a m de poderem ajudar os outros a através
dos olhos de Deus se verem também, reconhecendo essa mesma obra em
suas vidas.

12 1 Pedro 2:1 a 3
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Alguém que abre os olhos para ver isso se depara com a beleza das ações
de Deus em si mesmo e ao mesmo tempo se depara com o espanto de não
compreender e muitas vezes não aceitar a maneira de Deus fazer isso.
A formação espiritual portanto é o amadurecimento de uma espiritualidade
sadia, bíblica e holística. Essa “espiritualidade signi ca viver na inteireza
amadurecida do Evangelho. Signi ca tomar todos os elementos da sua vida
- lhos, cônjuge, trabalho, tempo, bens, relacionamentos - e experimentá-
los como um ato de fé. Deus quer todo o material de nossas vidas.”13

Capítulo 2. A Bases da Formação Espiritual


Em Colossenses 1:27-29 diz: Cristo em vós, a esperança da glória; o qual
nós anunciamos, advertindo a todo homem e ensinando a todo homem em
toda a sabedoria, a m de que apresentemos todo homem perfeito em
Cristo; para isso é que eu também me afadigo, esforçando-me o mais
possível, segundo a sua e cácia que opera e cientemente em mim.
O apostolo Paulo entendia que essa obra de Deus deveria ser apresentada a
todos os salvos a m de que pudessem crer melhor naquilo que o Senhor
estava fazendo neles e assim se tornarem maduros. É precisamente esse
anuncio esclarecedor da obra de Deus, juntamente com a pratica da justiça,
como o próprio testemunho dessa obra, que se constitui a maneira de um
líder participar dessa formação espiritual na vida de muitos.
É por isso que o trabalho humano nesse processo de formação espiritual se
faz ajudando as pessoas a crerem cabalmente na obra realizada por Jesus e
aplicada pelo Espirito Santo.
A apresentação da obra de Cristo na vida dos eis do Novo Testamento se
dá de forma harmônica em todas as Epistolas seguindo a seguinte estrutura
textual: Na primeira parte das epistolas se revela o que o Evangelho faz com
o nascido de novo, dando-lhe um novo caráter, resgatando a sua identidade.
Na segunda é demonstrado que esse novo ser possui um chamado, uma

13Eugene Peterson. O Pastor Contemplativo: é hora de voltar ao inicio de tudo. São Paulo: Sepal. 2004, p.
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santa vocação para servir a Deus em todas as áreas de sua vida,
apresentando-se como sacrifício vivo a Deus. E em terceiro lugar, as
Epistolas demonstram que a maneira de se conviver com as pessoas
também foi redimida. Isto é, todo novo nascido possui imperativos
relacionais que iluminam a mente e o coração a m de se viver para Deus
servindo aos outros.

2.1. Primeira Base - O Caráter da Nova Criatura


“E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça diante de Deus e
dos homens.” Lucas 2:52
O único paradigma perfeito para a igreja é Jesus. Ele é o modelo de vida
humana que agrada perfeitamente a Deus. Ele é a vida abundante
encarnada. Paulo disse para os Corintios o imitarem como ele imitava a
Cristo(1 Corintios 11:1). Por que ainda que aja muitos ensinos e exemplos
em toda a bíblia, a vida Jesus é a perfeita revelação e cumprimento de toda
Escritura. "O verbo se fez carne e habitou entre nós...(João 1:14a).
Jesus nasceu como uma criança e se desenvolveu em três áreas: sabedoria
estatura e graça. O desenvolvimento aqui não é uma mudança de condição
ou natureza, do tipo nasceu humano e foi se tornando divino, ou nasceu
pecador e foi cando santo. O crescimento é o amadurecimento daquilo que
se é de fato. Como gente que era enquanto criança cresce e vira adulto
sendo gente da mesma forma, mas só que amadurecido. Como santo que
era enquanto semente do Espirito Santo cresce como homem cheio do
Espirito Santo do mesmo jeito.
Assim, a formação espiritual não é o processo de deixar de ser uma coisa
para se tornar outra, mas é a nova criatura que nasceu bebê crescendo e se
tornando maduro espiritualmente. Aprendendo a viver pela fé de forma
digna daquilo que se é em Deus. Pela fé o crente vai tomando consciência
da obra que foi feita nele. Agora ele é Nova Criatura. Para ilustrar isso, a
historia do crescimento de Jesus nos serve bem.
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As Escrituras nos apresentam muito pouco sobre a sua infância, mas com
poucas palavras já nos revela que houve um grande equilíbrio no
crescimento da vida infante de Jesus. Sabedoria, Estatura e Graça.
Poderíamos dizer que à semelhança de Jesus a Igreja precisa crescer em
Sabedoria/Instrução teológica, e Estatura/Ferramental capacitadores e
Graça/Espiritualidade devocional. Nenhuma parte parecia ser mais
importante que a outra e depois de um estudo mais aprofundado, quando
aplicadas à vida da igreja elas se comportam de forma interdependente.
Vejamos que a formação espiritual dos servos de Deus se dá em três áreas
e duas perspectivas que acompanharam o seu crescimento.
2.1.1.CRESCIMENTO em SABEDORIA
Primeiro Jesus crescia em sabedoria, que é mais do que mero
conhecimento intelectual. A sabedoria é fruto de um profundo conhecimento
de Deus (teologia) que gera discernimentos práticos na vida. A Bíblia nos diz
que “o principio da sabedoria é o temor do Senhor, mas os insensatos
desprezam a sabedoria e a disciplina”(Proverbios 1:7) e o Salmo 111:10 diz:
"O temor do Senhor é o principio da sabedoria; revelam prudência todos os
que a praticam". Jesus aprendeu desde criança a respeitar Deus. Respeitar
autoridade. Respeitar limites.
Como há uma impressionante ligação entre a sabedoria, o temor e a
disciplina. É que respeito é uma questão de disciplinar o ego. Isso precisa
ser aprendido através da humildade. Jesus estava crescendo em humildade
pois “com os humildes está a sabedoria"(Pv 11:2b).
O relacionamento com as autoridades humanas é um bom teste para a
avaliação do tipo de sabedoria que desenvolvemos. Quando o crescimento
teológico é apenas intelectual e sustenta insubmissão as autoridades é sinal
de que estamos crescendo na sabedoria que é terrena, animal e demoníaca
que gera inveja amargurada e sentimento faccioso, aí há confusão e toda
espécie de coisa ruim (Tiago 3:14-16). A sabedoria que crescia em Jesus
vinha do Seu conhecimento de Deus, por isso era "pura, pací ca, indulgente
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tratável, plena de misericórdia e de bons frutos, imparcial e sem
ngimentos” (Tiago 3:17), características intrínsecas da piedade.
“A sabedoria é melhor do que o dinheiro, pois a vantagem dela é que ela
conserva vida da gente” (Eclesiastes 7:12), apesar de nossa sociedade crê
que o dinheiro é quem patrocina o cuidado com a vida, a bíblia discorda,
a rmando que é a sabedoria quem conserva a vida, mas como isto
acontece? É que para crescer em sabedoria o caminho é crescer no
conhecimento e na dependência de Deus, pois “O Senhor é quem dá
sabedoria; a sabedoria e o entendimento vem dele”(Pv 2:6).
É o caminhar em profundo conhecimento reverente, cheio de intimidade
com Deus, que promove crescimento na sabedoria.
Logo, aprendemos que o nosso paradigma (Jesus) está sendo formado no
ponto principal, como diz Provérbios 4:7 “A sabedoria é a coisa principal:
adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo o que possuis, adquire o
entendimento”. Hoje parece que o crescimento no conhecimento sobre
qualquer coisa promove orgulho, riqueza, status, demonstrando claramente
que crescer em conhecimento não é crescer em sabedoria.14 Por que não há
curso neste mundo que consiga nos transmitir a verdadeira sabedoria, se
não propuser uma profundo conhecimento de Deus que gere piedade.
Como cristãos, pequenos Cristos, somos desa ados a crescermos em
sabedoria. "Se algum de vocês tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a
todos dá livremente, de boa vontade; e lhe será concedida. Peça-a, porém,
com fé, sem duvidar, pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar,
levada e agitada pelo vento. Não pense tal pessoa que receberá coisa
alguma do Senhor, pois tem mente dividida e é instável em tudo o que
faz." (Tiago 1:5-8 NVI)
Por isso, um curso que pretenda uma formação espiritual para os líderes do
rebanho de Deus não deve se ater somente ao academicismo, mas a um
tipo de conhecimento Teológico que conduza à piedade.

14Eclesiastes 1:18 (Biblia A Mensagem) “Quanto mais se sabe, maior é a responsabilidade; quanto mais se
aprende, maior é o sofrimento.”
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2.1.2. CRESCIMENTO em ESTATURA
Jesus crescia em estatura. Este é o segundo aspecto revelado no texto de
Lucas. Não há dúvida de que a interpretação do texto é literal. O seu corpo
infantil estava sendo bem cuidado e desenvolvia-se como qualquer criança
saudável. Jesus não teve desnutrição, doença ou qualquer síndrome de má
formação que o impedisse de crescer. Crescia em estatura como era
esperado.
A aplicação entretanto deste ponto para a igreja é que deve seguir a gura
que o Novo Testamento segue em relação ao corpo de Jesus, "a igreja é o
corpo de Cristo; ela completa Cristo, o qual completa todas as coisas em
todos os lugares (Efésios 1:23). "Pois bem, vocês são o corpo de Cristo, e
cada um é uma parte desse corpo” (1 Coríntios 12:27) e ainda "nós somos
membros do corpo de Cristo” (Efésios 5:30). Nesse sentido há duas
questões que são altamente recomendadas para o crescimento do corpo:
crescer na vida privada, na moralidade (1 Coríntios 6:15) e na vida
comunitária, na comunhão (1 Coríntios 12:12).
A nossa vida privada precisa ser condizente com aquilo que de fato somos.
Se somos santos então, quando ninguém está olhando o somos. A nossa
moralidade é um limite interno que nos ensina até onde podemos ir. Por ser
interno, não quer dizer somos nós quem a administramos, antes pelo
contrario, ela re ete a obra de Cristo que nos fez nascer de novo.
A nossa moralidade habita no nosso coração e o nosso coração habita em
Cristo. Veja como Paulo fala sobre isso: “Vocês não sabem que os seus
corpos são membros de Cristo? Tomarei eu os membros de Cristo e os
unirei a uma prostituta? De maneira nenhuma! Vocês não sabem que aquele
que se une a uma prostituta é um corpo com ela? Pois como está escrito:
“Os dois serão uma só carne”. Mas aquele que se une ao Senhor é um
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espírito com ele"15. A devassidão moral que existe hoje nos membros da
igreja compromete a saúde e o crescimento do corpo.
Nos dias atuais é considerado normal uma espécie de tolerância quanto a
imoralidade e vemos as igrejas cada dia mais parecidas com o mundo.
Lideres que praticam e ensinam uma moralidade questionável, enquanto o
evangelho vai sendo envergonhado se tornando manchetes lastimosas da
mídia. O mais incrível é que isso é feito muitas vezes a pretexto do
crescimento. Como se pudéssemos pregar o verdadeiro Jesus subtraindo
sua vida moral, que tristeza!
Na formação espiritual, a prática do verdadeiro discipulado que promova
amadurecimento espiritual, o amadurecimento do conhecimento da
verdadeira identidade do cristão vai libertando-o de suas inclinações
imorais. Conhecer a verdade liberta o homem do pecado. Alem disso, a
prática dos mandamentos de mutualidade, como aconselhai-vos uns aos
outros, suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos, sujeitai-vos, admoestai-
vos uns aos outros e a prática da vocação do cristão como serviço a Deus
baseado em fé, sem o dualismo do secular e sagrado, serão ferramentas
promotoras de uma comunidade sadia.
Os líderes do corpo de Cristo precisam de um bom ferramental para servir
bem ao cabeça, que é Cristo. Esse ferramental organiza a vida da
comunidade em torno de uma cosmovisão bíblica e resgata a própria
liderança de perigos grandes, como esgotamento, síndrome messiânica e
vida dupla.
Há uma imensa lacuna nessa área e em muitos casos os líderes não sabem
o que fazer, ou seja muitas vezes na prática da vida comunitária é que o
corpo começa a adoecer.
Outra grande lacuna foi percebida através das entrevistas com os obreiros
do sertão, onde muitas vezes nos foi dito a di culdade que o próprio líder
tem com pornogra a, masturbação e a sensualidade que está entranhada

15 1 Coríntios 6:15-17 Nova Versão Internacional


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na própria cultura. A própria liderança não consegue aprofundar o seu
conhecimento de Deus, cando sempre com instruções super ciais, vivendo
sem amadurecimento fruto de um caminhar próximo ao Senhor e não
consegue se submeter à um estilo de vida de mutualidade. A falta do uso
das ferramentas para o crescimento espiritual faz o corpo de Cristo padecer.
Paulo diz que “se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por
que, como se vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: não
manuseies isto, não proves aquilo, não toques aquilo outro, segundo os
preceitos e doutrinas dos homens? Pois que todas estas coisas, com o uso,
se destroem. Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria, como
culto de si mesmo, e de falsa humildade, e de rigor ascético; todavia, não
têm valor algum contra a sensualidade.”16 Para o Apostolo o remédio para a
luta contra os desejos imorais não é mero conhecimento doutrinário, rituais
ou ascetismo, mas é uma aprofundamento na Obra de Cristo que o faz
saber-se como morto com Cristo - se morreste. É ter sua identidade a partir
do novo nascimento.
O aspecto comunitário, aquele que trata da questão da comunhão, precisa
de boas ferramentas capacitadoras para a liderança da Igreja e a Bíblia é
pródiga nesse ínterim. Ferramentas como Hermenêutica para aprofundar o
estudo das Escrituras, Discipulado para formar gente amadurecida que
possa liderar a comunidade, Aconselhamento bíblico para haver instrução e
suporte mutuo (na bíblia há pelo menos vinte e quatro mandamentos de
mutualidade no Novo Testamento que revelam a interdependência no corpo
de Jesus), Instrução vocacional para a comunidade que vai gerar novos
recursos, são algumas das boas e necessárias ferramentas que um líder
precisa ter.
Para uma espiritualidade saudável é necessário comunhão. Para o
crescimento espiritual é preciso aventurar-se na vida comunitária.

16 Colossenses 3:20 a 23 Bíblia Atualizada Strong


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A comunhão é produto da unidade em torno da Pessoa de Jesus, o cabeça
do corpo. A unidade é graça de Deus produzida pela cruz e pelo amor do
dono da igreja. Manter a unidade requer esforço. Abnegação, humildade,
dependência de Deus e profundo apego aos essenciais da fé.
A mentira, a tolerância com o pecado, o protelar a correção e a omissão
diante das falhas a pretexto de amor não produz a comunhão. Apenas
maquiam a realidade. A verdade sempre aparece. O interesse pelo próximo
precisa ser carregado de apreço pelo genuíno crescimento espiritual. Assim,
a mutualidade serve para crescermos espiritualmente mais do que para nos
sentirmos emocionalmente bem.
Então, a comunhão deve servir para a maturidade espiritual do indivíduo no
corpo e logo serve para o crescimento do corpo de Jesus. Pois há muito
risco de comunhão virar partidos e corporativismo, aqui na região do sertão
nordestino seriam chamadas de panelinhas. Que se tornam o antídoto para
a verdadeira comunhão.
Quando há comunhão a igreja cresce em espiritualidade e em numero, pois
a vida de Jesus assume sua e cácia e o mundo reconhece que Jesus foi
enviado ao mundo (João 17:21-23).
Portanto, Jesus, como o paradigma da vida da igreja, ao crescer em
estatura, lança o desa o para seu corpo, a igreja, crescer na vida moral e de
comunhão.
Essa é uma faceta muito desa adora para aqueles que se tornam líderes do
rebanho de Deus. Muitas vezes ele perde a perspectiva de que também é
membro desse corpo. Perde a noção de que precisa tanto da vida
comunitária quanto todos os demais membros.
O Apostolo Pedro desa a a liderança da igreja a pastorear o rebanho de
Deus tronando-se modelo para o rebanho. Isso o coloca fora e dentro do
rebanho ao mesmo tempo. Assim é a vida da liderança no corpo de Cristo.
Fora por que precisa ser visto por todos como se estivesse numa vitrine,
mas também dentro por que a palavra quer dizer “modelo de acordo com o
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qual algo deve ser feito”17, como se os líderes do rebanho fossem um
exemplo no qual as outras ovelhas vão aprendendo na convivência, pelo
exemplo, sobre como se vive para Deus. É um modelo de vitrine, mas
vivendo a vida comum de todos e com todos, não por constrangimento,
nem por sórdida ganância, nem como dominadores. Mas espontaneamente
e de boa vontade, como Deus quer.
Eugene Peterson coloca isso dessa forma: “Uma das características do
pastorado […] é o desenvolvimento de relacionamentos pessoais maduros
com um Deus pessoal.”18 Isso signi ca estar entre o rebanho apontando
através da vida para o verdadeiro pastor.
2.1.3. CRESCIMENTO em GRAÇA
Como Jesus podia crescer em graça?
Graça é favor imerecido, mas Jesus é o Rei da Gloria, é a exata expressão
de Deus, é o dono de todas as coisas, criador de tudo o que há, Senhor dos
senhores e merecedor de todo Louvor, Honra e Gloria, então, o Senhor
Jesus é o merecedor por excelência.
A resposta nós encontramos em Filipenses 2:6-8 “pois ele, subsistindo em
forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si
mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em
semelhança de homens; e, reconhecido em gura humana,a si mesmo se
humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”.
Foi o auto-esvaziamento de Jesus que o levou a se colocar na condição
perfeita de ser humano, que necessita de graça para tudo.

17(Dicionario Strong) τυπος tupos de 5180 ; TDNT - 8:246,1193; n m 1) marca de uma pancada ou golpe,
impressão 2) figura formada por um golpe ou impressão 2a) de uma figura ou imagem 2b) da imagem dos
deuses 3) forma 3a) ensino que expressa a essência e a substância da religião e que a representa para a
mente, modo de escrever, os conteúdos e a forma de uma carta 4) exemplo 4a) no sentido técnico, modelo de
acordo com o qual algo deve ser feito 4b) num sentido ético, exemplo dissuasivo, padrão de advertência 4b1)
de eventos destrutivos que servem como admoestação ou advertência a outros 4c) exemplo a ser imitado
4c1) de homens que merecem imitação 4d) num sentido doutrinal 4d1) de um tipo, i.e., uma pessoa ou coisa
que prefigura algo ou alguém (messiânico) futuro Sinônimos ver verbete 5919
18Eugene Peterson. O Pastor que Deus Usa: o trabalho pastoral segundo a Palavra de Deus. Rio de Janeiro,
Textus. 2003, pp 189 e 190.
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A partir desse ensino aprendemos que crescer em graça, para Jesus,
signi cou não usurpar ser igual a Deus e se humilhar a si mesmo, ou seja
negar-se através da obediência a Deus.
Isto é incrível, por que Ele passou a vida crescendo em graça à medida em
que dedicava-se a não requerer seus direitos e prerrogativas de Deus, por
isso não usurpava o que lhe era devido, mas abria mão e rejeitava toda
tentação que o colocasse nesse exercício.
Nessa perspectiva Jesus está se colocando passivamente debaixo do
comando de Deus na historia humana. De forma ainda mais profunda, numa
ação complementar, Jesus se humilha voluntariamente, através do caminho
da obediência irrestrita ao Pai. E a sua humilhação só teve m na
consumação completa da vontade do pai e na completa execução do plano
de salvação, onde ambos culminam na cruz.
Seu crescimento em graça foi por meio da obediência que o levou a si
humilhar até a cruz. A mais maldita, indecorosa e humilhante de todas as
mortes.
Será que não vemos, nestas duas áreas do crescimento de Jesus em graça,
as mesmas condições que Ele estabeleceu no seu chamado aos discípulos
para o seguirem: negar-se a si mesmo e tomar a sua cruz.
A igreja de Jesus é chamada hoje a crescer em graça. Uma graça
educadora e transformadora que produz no coração humano tamanho amor
pelo Senhor que se entrega ao seu governo em atitudes muito piedosas e
praticas: negar-se e tomar a cruz, ou seja, abrir mão de direitos e
prerrogativas colocando-se passivamente na vontade de Deus e se humilhar
ativamente através da obediência constante e resoluta a cada comando do
Deus Pai.
Esse crescimento acontecia em Jesus por causa de seu apego incondicional
ao seu Pai. Tudo que estava em pauta na vida de Jesus tinha relação direta
com o Seu amor ao Pai. Em outras palavras, Jesus em todo tempo vivia a
vida como resposta ao seu amor pelo Pai.
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Assim, ele se via agraciado constantemente por ter esse profundo
relacionamento com Deus. Tal sentimento de satisfação em Deus o supria
para toda obra que precisava fazer. A essa completude santi cadora e cheia
de plena satisfação, a bíblia chama de graça.
Muito mais que Jesus, nós precisamos crescer nesta graça. Pois abrir mão
de direitos, prerrogativas e obedecer a Deus podem se tornar matérias
muito áridas e sem sentido no mundo em que vivemos. Se não houver uma
motivação que realmente funcione, que seja maior do que nós mesmos, será
impossível viver a vida de Jesus.
Sentir-se amado por Deus produz apego e satisfação em Deus, que tornam
qualquer ser humano cheio de graça. É inerente. Conhecer a Deus, que é a
nossa maior necessidade, torna-nos apaixonados por Ele. Por que Deus é
Maravilhoso e nos atrai para Si mesmo com amor eterno e laços de
benignidade(Jeremias 31:3).
A vida da igreja não é uma vida de ascetismo religioso, mas uma vida de
profunda devoção e submissão a Deus. Não é apenas fazer o que é certo
pelo certo, sem coração, mas é fazer o certo pelo Senhor, cheio de amor no
coração. Retirando a tirania da performance religiosa e pondo no lugar a
piedade que é cheia de luta e de insalubridade contra a carne, o mundo e o
diabo, mas é cheia de alegria, paz e satisfação. É cheia de graça.
O verdadeiro paradigma da vida eterna precisou crescer na submissão a
Deus e as autoridades fortalecendo sua humildade diariamente por causa do
seu profundo respeito a Deus que é o principio da sabedoria.
O único irrepreensível modelo de vida abundante, tinha seu corpo crescido
diariamente pela ausência de doenças, fome ou síndrome de qualquer
espécie, re etindo para a igreja a necessidade de lutar contra as
enfermidades que dilaceram o corpo de Cristo impedindo seu crescimento,
a saber, imoralidade e falta de comunhão que pode ser sarada no uso
correto de ferramentas como a mutualidade.
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O esplendor da vida humana aprendeu a negar-se diariamente, abrindo mão
dos seus direitos e prerrogativas e cresceu em obediência até ao ponto de
morrer numa cruz. Esse foi o Seu crescimento em Graça, que promoveu um
imenso depósito da graça de Deus para nós, que nos apaixona radicalmente
pelo Seu Pai, fazendo-nos viver inteiramente para Ele.
Esse é o melhor e maior exemplo de crescimento que o cristão tem por toda
a sua vida. Agora e sempre, somos desa ados a nos comprometermos
radicalmente com a paixão por Deus experimentando o máximo possível
desses três fatores de crescimento: Sabedoria (Conhecimento de Deus),
Estatura (Vida no corpo de Cristo) e Graça (Satisfação em Deus).
Até aqui vimos as três áreas do crescimento de Jesus. Agora veremos as
duas perspectivas onde o seu crescimento acontecia.
“E crescia Jesus … diante de Deus e dos homens.” (Lucas 2:52)
Crescimento se dá diante de Deus e diante do Mundo. Crescendo diante de
duas testemunhas, Deus e os homens.
O crescimento que é real não se dá apenas em uma perspectiva. É
impossível que alguém que verdadeiramente está crescendo diante de Deus
não seja uma benção na terra. A vida de piedade ilumina o mundo e causa
reações entre os homens conforme Jesus a rmou em Mateus 5:16: “Assim
brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glori quem a vosso Pai que está nos céus.”
Por outro lado há também reações negativas pois os homens amaram mais
as trevas do que a luz. Veja o que Paulo falou para seu lho na fé em 2
Timóteo 3:12: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo
Jesus serão perseguidos.”
Percebamos também que crescer apenas diante dos homens, mas não
crescer diante de Deus é viver uma vida adoecida pelo pecado. Pode ser até
aplaudido pela sociedade, mas quem chega perto para realmente conviver
não consegue. Por que tal pessoa produz muitos espinhos.
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Quem cresce nas duas perspectivas simultaneamente se torna como uma
arvore frondosa que as aves procuram para aninhar-se. Mesmo que as
vezes não seja aceito pela sociedade, como aconteceu com Jesus, o seu
coração cheio de amabilidade e humildade termina por abençoar até mesmo
aqueles que o perseguem.
O interesse e necessidade de crescimento acompanha o ser humano por
toda a sua vida. Isso o caracteriza. Encontrar o caminho para crescimento
espiritual, seu e dos outros membros da comunidade, é a tarefa dos líderes
do rebanho do Senhor. Por isso, a proposta de formação espiritual de líderes
da Igreja não deve dar apenas instrução teológica, ou ferramentas
capacitadoras, ou espiritualidade devocional. Precisa haver os três
elementos unidos: Instrução teológica, e Ferramental capacitadores e
Espiritualidade devocional.
2.1.4. Os desa os do crescimento integral
Obstáculos atuais ao crescimento.
“Cuidado, que ninguém vos venha enredar com sua loso a e vãs sutilezas,
conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não
segundo Cristo” Colossenses 1:8
Diante do estado presente, onde parece que tudo conspira contra a vida de
piedade, surge a pergunta: será que sempre foi assim? Ou será que o que
se vive no presente é uma continuação remodelada do que já houve na
história?
Nada do que se vive no presente é totalmente novo. Quando se caminha
nas costas dos gigantes da história da Igreja, descobre-se que todos os
homens que quiseram ser piedosos e viveram uma vida real de
amadurecimento precisaram lidar com os mesmos obstáculos à formação
espiritual que houve em todas as épocas, desde os primórdios da igreja.
A grande questão que precisamos aprender com eles é como interpretar a
nossa época com os seus devidos obstáculos e usarmos os instrumentos
certos para transpô-los.
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A Bíblia é tão su ciente para nos capacitar em todo o amadurecimento
espiritual que nos indica quais foram os obstáculo que os homens de Deus
passaram. O Apostolo Paulo advertiu:“Cuidado, que ninguém vos venha
enredar com sua loso a e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens,
conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo”19.
2.1.4.1. VÃS SUTILEZAS
No caso da igreja dos Colossenses, ca evidente que a cultura da cidade
estava in uenciando grandemente o entendimento espiritual deles.
Observemos para aprender como a cultura instalada ao nosso redor é capaz
de nos in uenciar através de vãs sutilezas.
Durante o período de dominação grega, esta cidade era a maior e a mais
importante cidade. Situada no vale do Rio Lico, era uma cidade bem
importante comercialmente, portanto, rica. Mas, na época de Paulo, devido
a estrada principal ter sido desviada, ela havia se tornado um pouco mais
que uma vila. A cidade havia perdido seu status, mas continuava apegada a
seu passado de status ligado ao império.
Surgiu então um forte sincretismo religioso, a ponto de, no período em que
Paulo escreveu a carta, ser possível que uma judia fosse a presidente
honorária de uma sinagoga e uma sacerdotisa num templo ao imperador, ao
mesmo tempo.
Broadus a rma que “o erro contra o qual Paulo escreve nesta carta (...) foi
um movimento sincretista que combinava elementos judaicos com aspectos
da mitologia e loso a pagãs."20 Quer dizer que os pontos doutrinários
basilares do judaísmo sofriam uma fusão sincrética com o mito e a loso a
pagãs, os quais, na verdade, eram um tipo originário de gnosticismo, que só
foi totalmente desenvolvido no segundo século.
A vã sutileza destas loso as e mitos tinham dupla inserção no coração do
cristão. Em primeiro lugar, destronava Cristo do seu lugar devido de único

19 Colossenses 2:8
20 Broadus D. Hale. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, São Paulo. Hagnos, 1983. p. 298.
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mediador entre Deus e os homens, e, em segundo lugar, estimulava um
ascetismo violento sobre os cristãos, o qual era uma mistura de práticas
legalistas judaicas.
O ensino religioso impresso culturalmente na mente dos colossenses tinha,
por pressuposto, que Deus estava distante por ser espírito, que
inerentemente é bom, uma vez que a matéria é má. O caminho que Cristo
fez até chegar à humanidade teve que passar por vários anjos e demônios
que eram seres intermediários na relação da matéria com o espírito. O
serviço principal destes seres intermediários era fazer o homem conseguir
se libertar dos ciclos de reencarnações. Assim, quando Cristo veio ao
mundo, precisou entregar uma parte da sua autoridade a cada um dos
intermediários como uma tarifa paga a cada principado. Ao chegar a terra
estava tão enfraquecido que a sua morte aconteceu devido a sua
inferioridade aos anjos e demônios.
A blasfêmia deste ensino torna a pessoa de Cristo e a Sua mediação
des guradas. Para sustentar essa possibilidade, Cristo se torna apenas um
espírito com aparência de homem (Docetismo)21, ou o que aconteceu foi
que, no ato do batismo, Jesus foi ungido com o espírito de Cristo até antes
da sua morte e Jesus não passava de um mortal comum (Cerintianismo)22.
Esse sincretismo era um forte assalto à autoridade de Jesus, tornando-o
sem poder para salvar e conduzir o homem. Sua mediação de nada valia.
Para que viver para Ele? Em que Ele serve de exemplo? Adianta pedir Sua
ajuda e amparo no presente? Como esperar uma salvação futura? Como
adorá-lo, honrá-lo? De que serve a oração?

21Significado de Docetismo (doceta+ismo). Heresia dos séculos II e III que negava houvesse tido Jesus
Cristo corpo verdadeiro e afirmava que só em aparência nascera, vivera e sofrera. Retirado do site http://
www.dicio.com.br/docetismo/ no dia 31/03/2011 às 17:40.
22Fundador Cerinto, acreditava que Cristo não nasceu como Deus, mas tornou-se Deus no batismo. Quando
morreu, Deus o abandonou para recebê-lo na sua 2ª vinda, no final dos tempos. Retirado do livro: Pequena
História das Heresias; João Ribeiro Jr.; Ed. Papirus.
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Jesus ca diluído e misturado com outros elementos para sustentar a vida.
Ele deixa de ser modelo e alvo da con ança única, cando restrito a
algumas áreas da vida e con nado a salvar apenas no dia nal.
Esse é o primeiro elemento que precisamos considerar como obstáculo a
uma vida de crescimento - Um Jesus fraco, misturado com a cultura e
desprovido de poder e autoridade, diluído e que precisa ser misturado a
outros elementos (deuses) a m de prover uma vida digna de ser vivida.
No tempo presente todos os problemas pelos quais passamos possuem
soluções mais e cazes e poderosas do que a pessoa bendita de Jesus.
Desde doenças até questões nanceiras, de traumas a problemas estéticos,
de insegurança até falta de educação, de academicismo até falência familiar,
de garantia de futuro até as questões morais, de religião até a gestão do
tempo pessoal, tudo na nossa vida tem um especialista ou tratamento que é
mais e caz ou poderoso do que Jesus. Ele pode ser descartado ou quando
muito colocado como um amuleto para dar bons uidos ou servir de
autenticador de desejos ilícitos sob a desculpa de que foi a “vontade de
Deus”.
A vã sutileza do nosso tempo estabelece que a nossa relação com Deus não
precisa ser de dependência por que Jesus é fraco quando comparado ao
poder de um analgésico quando há alguma dor. Jesus é incompetente para
garantir o futuro quando comparado a um ingresso em uma instituição rica e
poderosa. Jesus é pouco útil para resolver problemas emocionais quando
comparado a um romance casual ou a um psicólogo ou ainda a um m de
semana cheio de prazer. O Jesus do nosso tempo é fraco, desatualizado,
inútil e sem atrativo.
Assim como no primeiro século, para haver crescimento genuíno, é
necessário que Cristo seja supremo. Capaz de nos satisfazer
completamente. Su ciente em todas as ocasiões. Ele não pode ser um
adendo que embeleza os outros elementos da vida, não pode ser um
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ingrediente que somado a outros torna a nossa vida melhor. Ele é tudo ou
então o Jesus que se cita não é Ele.
Como diz o Salmo 23:1 “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.” O
salmista está completamente satisfeito com o perfeito cuidado do pastor.
Tendo Deus como pastor todas as outras questões da vida já estão
completamente resolvidas.
Ele a rma que esse pastor o levará para situações de provisão (verdes
pastos), de limpeza de consciência e tranquilidade (aguas tranquilas), de
prazer e satisfação profundos (refrigerar a alma), de segurança e coerência
(veredas de justiça).
Ensinando que Deus é totalmente competente para conduzir o ser humano a
uma vida plena e isso tudo por causa do amor que Deus tem ao Seu próprio
nome, o que revela que a Sua competência é avalizada pela Sua identidade.
Mas a continuidade do Salmo revela ainda mais. A su ciência de Deus não é
provada apenas pelo lado bom da vida, mas também pelos percalços que
acontecem. Pois Deus é o guia que conduz a vida nos momentos mais
tensos, cheios de medos, perdas, insegurança, desesperança, saudade e
profunda dor (vale da sombra da morte) trazendo resiliência através da Sua
maravilhosa presença e é e ciente também para resolver interiormente e
exteriormente todos os problemas de relacionamento quebrados que
aconteçam (“preparas uma mesa perante mim na presença dos meus
inimigos”) preparando psicologicamente (unção - decisão) e
emocionalmente (transbordar - perdão) para esta restauração.
2.1.4.2. VÃS FILOSOFIAS
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Em decorrência desta insu ciência de Jesus, o cristão que busca crescer é
levado a usar as disciplinas espirituais por dois caminhos
concomitantemente errados: ascetismo religioso23 e/ou antinomianismo24.
2.1.4. 2.1. ASCETISMO RELIGIOSO
De acordo com o apóstolo Paulo, em Cl 1:8 “Cuidado, que ninguém vos
venha enredar com sua loso a…” o outro engano possível é tentar
comprovar a vida de santidade a partir do acúmulo de conhecimento sobre
Deus.
Neste contexto, o verbete “ loso a” denota qualquer tipo de conhecimento
acumulado sobre Deus ou sobre qualquer outro assunto. Então, o que Paulo
está dizendo é que é preciso se ter muito cuidado para não acreditar que a
verdadeira maturidade é con rmada pela quantidade de conhecimento que
uma pessoa consegue ter.
“O Calvinismo entendeu que o mundo não deveria ser salvo por meio de um
losofar ético, mas somente através da restauração da compaixão da
consciência. Portanto, não entregou-se ao raciocínio mas apelou
diretamente para a alma e colocou-a face a face com o Deus vivo, de modo
que o coração temeu sua santa majestade e nessa majestade descobriu a
glória de seu amor.”25
Os fariseus, por exemplo, tinham um vasto conhecimento sobre Deus, mas
Jesus os chamou, certa vez, de lhos do diabo (Jo 8.44). É impossível que
algum lho do diabo apresente santidade, o máximo que ele vai apresentar é

23 O adjetivo "ascetismo" deriva de um termo grego askesis (prática, treinamento ou exercício).


Originalmente associado com qualquer forma de disciplina ou filosofia prática, o termo ascetismo significa
alguém que pratica uma renúncia ao mundo com objetivo de adquirir um alto intelecto e espírito. Muitos
guerreiros e atletas, na sociedade Grega, utilizaram a disciplina askesis para conseguir uma melhor forma
corporal e graça. A forma de vida, a doutrina, ou os princípios de alguém que se engaja no askesis são
classificados como asceticismo. Retirado do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Ascetismo_(filosofia) no dia
14/10/2011 às 13h.
24Esta corrente considera que a salvação é somente da alma, e o comportamento do corpo é irrelevante, seja
no interesse de Deus ou da saúde da alma, de modo que podemos agir dissolutamente sem qualquer
implicação negativa.
25 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
São Paulo. Cultura Cristã, 2002
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uma mentira, um verdadeiro engano. O próprio diabo, que é mentiroso e
jamais se rmou na verdade, também conhece muito bem a Escritura, mas
para ele está reservado o fogo do inferno.
Entretanto, os fariseus eram vistos como exemplo de maturidade espiritual.
Que grande falácia! Assim como muitos judeus, seguindo o exemplo dos
fariseus e por causa do rigor da interpretação da lei, sendo eles mesmo
grandes conhecedores das Escrituras, sem contudo conhecerem a Deus,
terminavam por viver uma vida asceta.
“Um asceta é alguém que vive uma vida de rigorosa auto-abnegação como
meio de adquirir perdão de Deus”.26
Isto quer dizer que aquelas pessoas praticavam um estilo de vida austero,
de nindo suas práticas através de varias virtudes que estavam na lei, o
faziam com o objetivo de adquirir por esforço e mérito próprio uma grande
espiritualidade sem, entretanto, qualquer su ciência de Deus e sobretudo de
Cristo.
É impressionante como isso é atual. Muitos cristão são legalistas, cheios de
regras e impedimentos, com um enorme peso da responsabilidade de
conquistar o crescimento espiritual por seus próprios méritos. O
crescimento cristão deixa de ser obra do Espirito Santo e ca sujeito às
acusações mentais e demoníacas da capacidade ou incapacidade do
indivíduo de alcançar os alvos determinados pelo ego.
Vejamos o nos diz o Breve Catecismo de Westminster, na pergunta 82: “será
alguém capaz de guardar perfeitamente os mandamentos de Deus?” ao que
responde: “nenhum mero homem, desde a queda de Adão, é capaz, nesta
vida, de guardar perfeitamente os mandamentos de Deus, mas, diariamente,
os quebra por pensamentos, palavras e obras.”27
Portanto, as disciplinas espirituais não podem ser meios patrocinadores
para o espírito rebelde do ser humano ostentar alcançar o perdão de Deus e

26John MacArthur Jr. Nossa Suficiência em Cristo: três influencias letais que minam sua vida espiritual. São
Paulo. Fiel, 2015
27 Breve Catecismo de Westminster. São Paulo, Cultura Cristã. 2003, P. 13.
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o enlevo espiritual sem os méritos de Jesus. Antes, todas as disciplinas
precisam ser sujeitas à obra e aos afetos de Cristo, mediante o Seu Santo
Espírito, ministrados ao homem por direção divina.
O crescimento que nasce de um coração que prescinde da graça de Deus,
revelada em Jesus, é articulação demoníaca que se embrenhou no coração,
sob o engano de ser espiritualidade verdadeira. O ascetismo tem a incrível
capacidade de tornar o homem digno aos seus próprios olhos com o
pretexto de santidade.
Desde os primórdios do cristianismo, este mal vem grassando
perversamente o relacionamento mais íntimo dos cristãos, retirando deles o
signi cado do crescimento. O homem auto-su ciente exercita a piedade
apenas de si para si mesmo ou em público a m de ser nutrido no seu
orgulho.
Existe uma outra vã loso a que se emaranha na linguagem do evangelho
tentando perverter a beleza da relação apaixonada entre Deus e o Seu povo.
Essa loso a é chamada antinomianismo.
Como o próprio nome já expressa, o antinomianismo é a tentativa humana
de criar uma justiça e uma lei propria, que se adeque melhor ao estilo de
vida pessoal. É uma tentativa arrogante de fugir da justiça e da aplicação da
lei, sendo também extremamente sutil e destrutivo para o crescimento
cristão. Ele se apresenta multifacetado teologicamente, o que explicaremos
a seguir.
2.1.4. 2.2. ANTINOMIANISMO CENTRADO no ESPIRITO
É aquele que coloca a con ança na ação inspiradora do Espírito Santo,
rejeitando qualquer necessidade de ensino da lei sobre como viver.
Funciona assim, o indivíduo se ver liberto da lei como meio de salvação, o
que é certo, então admite para si mesmo a independência da Lei como guia
moral, o que é errado. Pois como a própria Escritura a rma que “a Lei é
santa, e o mandamento é santo, justo e bom” (Rm 7.12). No Novo
Testamento a Lei é reiteradas vezes a rmada como sendo inerentemente
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boa por causa do seu caráter ético e moral re etirem a santidade, a justiça e
a bondade do próprio Deus (1 Pe 1:15-16; Rm 6:18,22 e 7:12-14).
Paulo ensinava insistentemente a igreja de Corinto de que uma pessoa
verdadeiramente espiritual reconhece a autoridade da Palavra de Deus por
meio dos apóstolos de Cristo (1 Co 14:37; 7:40), isso por que a igreja de
Corinto, que se entendia cheia do Espírito, pendia fortemente para esse tipo
de carnalidade disfarçada de autoridade espiritual.
Nos primeiros 150 anos da Reforma, esta espécie de antinomianismo
ameaçava frequentemente o amadurecimento da igreja.
É fácil identi car esse erro na pratica, pois ele acontece quando há total falta
de disciplina espiritual, colocando no orgulho do ser humano a capacidade
de entender e discernir a vida, e não a partir das Escrituras.
Na maioria dos casos do tempo presente, a linguagem usada é a da
experiência pessoal, em que orescem os sentimentos como
discernimentos o ciais da voz e dos caminhos de Deus. O crescimento ca
manietado aos desejos, aos sentimentos irre etidos e relativista dos
homens. É uma busca por um Deus sem uma vontade própria que vá além
ou contraria as engenhosidades humanas.
A única autoridade real para guiar e instruir cristãos para a maturidade é a
Palavra de Deus.
Um exemplo bem conhecido desse tipo de antinomianismo é quando
pessoas querendo ascender hierarquicamente, em um determinado grupo
cristão, usa dons extraordinários para impressionar ou autenticar sua
maturidade espiritual.
A igreja brasileira está repleta de situações como estas, revelando o quanto
somos uma igreja imatura e sensacionalista. Em muitos ambientes a
formação espiritual do cristão está totalmente desacreditada por causa de
pessoas que agem assim, obstruindo a Palavra de Deus pelo uso indevido
ou impreciso de seus dons e recursos. Em muitos desses casos as ovelhas
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frágeis e recém nascidas são traumatizadas e tropeçam por causa de tais
ego.
2.1.4. 2.3. ANTINOMIANISMO CRISTÃO
Em segundo lugar, o antinomianismo centrado em Cristo argumenta que
Deus não vê pecado nos crentes porque eles estão em Cristo, que cumpriu
a lei por eles, e, portanto, o que eles fazem de pecado realmente não faz
nenhuma diferença, desde que continuem crendo.
A falta de interesse por Cristo decorrente desta linha de argumento é a
prova mais concreta da sua falácia. O interesse é pela liberdade de
consciência e não por Cristo. Havendo, nestes termos, liberdade de
consciência, o ser humano se torna autóctone e sem nenhum apetite por se
relacionar ou se submeter a Deus.
Toda consciência ca con nada no exercício de uma auto-análise cheia de
justi cativas sobre o porquê pode ou não pode fazer ou ser algo. Mais uma
vez é uma piedade se si para si mesmo. O espírito cristão se esvazia de seu
maior privilegio, buscar e conhecer alguém superior, transcender.
Os textos de 1 João 1:8-21 e 3:4-10 apontam para uma direção diferente,
mostrando que não é possível estar em Cristo e, ao mesmo tempo, admitir o
pecado como um estilo de vida. No tempo presente, se vê a su ciência da
consciência humana como medida para determinar a relação com Deus, por
isso, há tão pouco do verdadeiro espírito de contrição e arrependimento.
Certa vez estive aconselhando uma pessoa que se a rmava cristã e mesmo
assim estava desejando destruir um casamento para car uma das partes.
Apos um grande período de conversa e leitura de textos da Palavra que
claramente revelavam o quanto aquele desejo afrontava as Escrituras, a
pessoa usou um argumento inteiramente antinomiano cristão, pois disse que
se suas ações direcionadas aquele casamento conseguissem o seu desejo
ainda assim sua relação com Deus em nada seria afetada, pois sabia que
Cristo já tinha pago o preço por aqueles pecados também. Portanto,
permaneceria no seu intento de terminar aquele casamento.
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Na igreja destes dias os escândalos de pessoas em função de liderança se
proliferam e muitos dos que praticaram tais atos se justi cam atenuando o
pecado e acusando a própria igreja de ser o seu algoz. Mesmo que isso
aconteça em muitas ocasiões, é preciso considerar biblicamente que sofrer
a injustiça e perseguição são partes constituintes de uma vida realmente
piedosa como Jesus prometeu em Mateus 5:10 e 11. E ainda em 1 Pedro
2:19 e 20 a Palavra ensina que “é louvável que, por motivo de sua
consciência para com Deus, alguém suporte a ições sofrendo injustamente.
Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por terem cometido o
mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito o bem, isso é
louvável diante de Deus.”
Desta maneira a Palavra nos ensina que é inadmissível para o cristão usar a
libertação do poder do pecado e da condenação do pecado como pretexto
para viver “em libertinagem, na sensualidade, nas bebedeiras, orgias e
farras, e na idolatria repugnante.”(1 Pedro 4:3) como vivem os ímpios que
nunca conheceram o poder da salvação em Cristo.
É igualmente inadmissível a um verdadeiro cristão render-se à pratica de
pecados sem peso na consciência e sem luta contra esta tentativa do
pecado novamente aprisionar aquele que já foi liberto. Este antinomianismo
usa a obra de Cristo contra o poder do evangelho fazendo o indivíduo
acreditar que é perfeitamente possivel continuar vivendo uma vida de
impiedade.
Onde não há luta contra o pecado não pode haver crescimento. É parte
integrante do verdadeiro evangelho o cristão usar sua fé na Palavra e na
obra de Cristo para lutar ferozmente contra tudo que se levanta em
oposição à vida abundante que Jesus prometeu a todos que o seguissem.
No exercício desta batalha é onde se aprende a usar a Palavra para
“discernir mente e intenções do coração” (Hebreus 4:12), para puri car a
mente e o coração (Efesios 5:26), para ser santi cado por meio da verdade
(João 17:17), para despir-se dos velhos desejos, hábitos e vícios que são
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próprios do velho homem (Efésios 4:22; Colossenses 2:11 e 3:5-9) e para
vestir-se dos desejos, afetos e domínio de Deus que formam os hábitos do
Filho de Deus, para constituir o Novo homem criado segundo Deus, que é
madurado pelo aperfeiçoamento (Colossenses 3:10-17 e Efesios 4:23-32).
2.1.4. 2.4. ANTINOMIANISMO DISPENSACIONAL
Em terceiro lugar, de maneira muito semelhante, mas usando uma outra
linha de argumento teológico há o antinomianismo dispensacional que
sustenta não ser necessário, em nível algum, que os crentes guardem a lei
moral, considerando que já vivemos sob a dispensação da graça, não da lei.
Como no caso anterior é o uso da liberdade que Cristo conquistou a m de
que o ser humano viva seu próprios desejos. Escravo do mundo e das
concupiscências da carne e a dos olhos, além da soberba da vida, este
homem só faz orações conforme diz Tiago28: “De onde vêm as guerras e
pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites,
que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais, e nada tendes; matais, e
sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada
tendes, porque não pedis. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o
gastardes em vossos deleites.”
O maior nível da oração feita pelo antinomianista dispensacional é este,
pedidos maus. É por isso que o texto segue dizendo: “Adúlteros e adúlteras,
não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto,
qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. Ou
cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem
ciúmes?”
Quando um cristão se acomoda em seus próprios prazeres e os justi ca
com explicações como estas sua tolerância ao pecado se torna extensa e
permissiva deixando as afeições por Cristo se enfraquecerem.
Cristo é gracioso, mas não é desejável. Deus é Bondoso, mas não é
anelado. Pois os apetites estão corrompidos por uma falsa justi cativa. Não

28 Texto de Tiago 4:1-5, retirado da versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel.


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é possível verdadeira oração sem reais desejos pela pessoa bendita de
Deus. O máximo que se faz são petições carnais.
2.1.4. 2.5. ANTINOMIANISMO DIALÉTICO
Segue, em quarto lugar, o antinomianismo dialético, que nega a lei bíblica
como mandamento direto de Deus e a rma que as declarações imperativas
da Bíblia ensejam a Palavra do Espírito, a qual, quando vem, pode ou não
corresponder exatamente ao que está escrito.
É tudo uma questão de interpretação. Esta é a visão neo-ortodoxa da
autoridade bíblica, que explica a inspiração da Escritura como se a Bíblia
fosse apenas um canal para as lições de Deus a seu povo na atualidade,
deixando de ser Palavra de Deus para se tornar instrumento por meio do
qual se entende a Palavra de Deus.
Neste antinomianismo, a sabedoria de Deus é substituída pela sabedoria
dos homens. A con ança sobre o legítimo e o ilegítimo se dá através de uma
engenhosa elucubração humana e a racionalidade pode substituir a oração,
a fé e a dependência de Deus.
Havendo oração, será sempre no campo perigoso da arrogância humana,
mesmo que trajada por uma verdadeira necessidade. O engessamento da
voz de Deus expressa na Palavra torna a oração engessada no mesmo nível.
Este é o retrato de muitas pessoas que antes de se entregarem através da
oração ao Senhor cam arrazoando sobre o quanto deveriam fazê-lo, se
realmente é necessária .
Quando a Escritura se torna instrumento na mão dos homens e não Palavra
de Deus, cheia de autoridade dos homens e não de Deus, a vida devocional
é exaurida de seu signi cado que é depender de Deus como autoridade
sobre o homem. Todas as disciplinas espirituais carão comprometidas e a
oração será preterida.
2.1.4. 2.6. ANTINOMIANISMO SITUACIONISTA
O quinto lugar é o antinomianismo situacionista, que a rma o seguinte: “um
motivo e intenção do amor é tudo o que Deus requer agora dos cristãos, e
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os mandamentos do Decálogo e outras partes éticas da Escritura, por mais
que sejam atribuídas diretamente a Deus, são meras regras e métodos de
amar, regras que o amor pode a qualquer momento rejeitar.”29
O perigo desta loso a é tornar o amor contrário à verdade. É como se
pudesse aceitar certos conteúdos das Escrituras porque são condizentes
com o amor, e rejeitar outros por serem negativos ao amor. Jesus a rmou
que a Palavra do Senhor é a Verdade30 e que é por meio dela que o homem
se limpa. Ora, não é possível haver amor sem um coração puri cado pela
verdade da Palavra.
Uma devoção sentimentalista cheia de percepções humanas que negam a
verdade são uma armadilha para pautar relacionamentos. Nem os
relacionamentos humanos podem ser sustentados por amor sem verdade,
muito menos o relacionamento com Deus que sonda o coração humano e
conhece absolutamente tudo sobre ele. Sendo assim, o homem que
realmente tem intenção de agradar a Deus vivenciando o amor precisa
submeter todas as suas volições e intenções à Palavra a m de ser
puri cado de todas as más e falsas conclusões sobre o amor.31
2.1.4. 3. Os Enganos da Tradição e do Cerimonialismo
No seu segundo alerta, o apóstolo diz que é possível alguém se enganar
quando tenta a rmar sua vida cristã através da observância da tradição de
homens ou de rituais religiosos. No texto acima, se encontra a expressão
“tradição dos homens” que, no contexto, revela a ideia das regras e
cerimônias que os homens tinham a partir das suas religiões. Em Cl 2.16
pode-se ver esta fórmula proclamada pelos judeus: “Ninguém, pois, vos
julgue por causa de comida ou bebida, ou dia de festa, ou lua nova ou

29 J. I. Packer na “Teologia Concisa” – Pag. 170


30 João 17
31 “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e
penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e
intenções do coração.” (Hebreus 4:12)
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sábados”. O alerta de Paulo é contra o engano promovido pela vida religiosa
ou meramente cerimonialista.
Desde aquela época e até hoje, as pessoas imaginam-se vivendo a
verdadeira santidade pelo fato de expressarem, com muita intensidade, o
comportamento religioso por meio de participações em cultos públicos e
comportamento exemplar.
Como a rma a teologia calvinista, é preciso entender que não há dois
mundos, um mal e outro bom que estão atrelados um ao outro . Isto quer
dizer que não existe um mundo secular e outro eclesiástico pretensamente
santo, mas existe o homem santo que vive no mundo de modo santo,
reconciliando o mundo com Deus, com se Deus estivesse convocando
todas as coisas de volta para si, por intermédio dele.
É por esta razão que o homem espiritual não pode se fechar em sua igreja
abandonando o mundo à sua sorte, entretanto, precisa se separar do
mundo em sua busca por Deus através de seus exercícios devocionais.
Nos tempos de Paulo, as pessoas imaginavam que a verdadeira santidade
só seria evidenciada se a pessoa zesse distinção entre alimentos e
alimentos, ou se ela prezasse o comparecer a eventos religiosos. Os fariseus
agiam dessa maneira, mas Jesus lhes disse: “Ai de vos, escribas e fariseus,
hipócritas, porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois não
entrais nem deixais entrar os que estão entrando! Ai de vós, escribas e
fariseus, hipócritas, porque rodeais o mar e a terra para fazer um prosélito;
e, uma vez feito, o tornais lho do inferno duas vezes mais do que vós”32
Portanto, ninguém é mais santo porque deixa de comer isso ou de beber
aquilo, ou porque participa desse ou daquele evento. Este é o principio que
rege a piedade do cristão. Para quem está comprometido com a Palavra
esta verdade deve ser vivida plenamente, mas, ao mesmo tempo, com
muito temor do Senhor.

32 (Mt 23.13,15).
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No tempo de Calvino, foi estabelecido um veto para os crentes a partir do
entendimento de que nem toda relação pessoal com o mundo não
convertido deve ser considerada lícita. Este veto era contra a in uência
muito profana do mundo, ou seja, o jogo de cartas, o teatro e a dança. Este
é o princípio de que todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm.
Quando as coisas começam a dominar o comportamento do homem, ainda
que sejam perfeitamente lícitas, passam a se tornar inconvenientes, pois o
crente não deve se deixar dominar por nenhuma delas. Esse é o
entendimento bíblico, de que no momento em que “Deus nos regenera, -
isto é, ele reacende em nosso coração a lâmpada que o pecado tinha
apagado. A conseqüência necessária desta regeneração é um con ito
irreconciliável entre o mundo interior de nosso coração e o mundo exterior, e
este con ito é tanto mais intenso quanto mais o principio regenerativo
prevalecer em nossa consciência.”33
As disciplinas espirituais são meios que o homem se utiliza para depender
de Deus em todas as questões da existência. Mas, quanto a questão da
sabedoria, Tiago diz: “se, porém, algum de vós necessita de sabedoria,
peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-
lhe-á concedida.” A oração é sempre um divisor de mente transformando o
entendimento para o indivíduo saber plenamente o que é lícito e o que não
convém.
2.1.4. 4. O engano das experiências sobrenaturais
O terceiro alerta que Paulo faz é sobre o possível engano de alguém querer
autenticar uma vida de santidade baseada em experiências sobrenaturais,
conforme ele escreveu em Cl 2.18: “Ninguém se faça árbitro contra vós
outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões”.
Pelo texto se entende que as experiências sobrenaturais ou místicas não
podem ser um sinal que comprova a verdadeira santidade. Tais experiências

33 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
São Paulo. Cultura Cristã, 2002
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podiam e ainda podem ser encontradas em todo tipo de religião, mesmo
entre aqueles que nunca ouviram falar de Deus.
Há pensadores que a rmam que a vida cristã deve manter-se longe do
recinto do intelecto humano. Neste caso, ela deveria se expressar por meio
de sensações místicas. “No campo da religião, as inclinações místicas e
éticas são saudadas com entusiasmo, mas neste mesmo campo o intelecto,
como conduzindo a alucinações metafísicas, deve ser amordaçado.”34
As pessoas que receberam a carta do apóstolo não deviam acreditar que
aquelas pessoas que estavam vendo e adorando anjos eram mais santas.
Os pagãos, por imaginarem que Deus era inacessível, começaram a buscar
ajuda e revelação de anjos e as tiveram. Miguel, o líder das hostes
angelicais, era largamente adorado na Ásia Menor e a ele eram atribuídas
muitas curas miraculosas. Com base nessas visões, muitos se imaginavam
espirituais, andando na suposta verdadeira santidade. A essas pessoas
Paulo diz não.
Por outro lado é necessário lembrar o que diz Robert S. Paul, na sessão
temas missiológicos do livro Grandes Temas da Tradição Reformada: “...
nossa tentação hoje pode ser precisamente a oposta – enfatizar a
racionalidade às expensas do testemunho interno do Espírito. Se esta é a
tentação , devemos observar que foram os ‘Old Lights’, aqueles que
valorizaram a compreensão puramente racional da Escritura e os Símbolos
de Westminster, que caíram como vítimas do racionalismo cultural de seu
tempo e abriram o caminho para o deísmo.”35
De um lado há perigo e do outro também. Para que um amadurecimento
espiritual sadio acontecesse na igreja de Colossos, Paulo chega a seguinte
conclusão: “Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria…todavia,
não têm valor algum contra a sensualidade”36 É como se o apóstolo

34 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
35 Donald K. McKim, ed. Grandes Temas da Tradição Reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998, 397 pp.
36 Colossenses 2:23
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estivesse dizendo que, enquanto a vida cristã estiver centralizada no
homem, ou seja, na sua capacidade intelectual, enquanto estiver sendo
operada de fora para dentro através da religiosidade, ou enquanto estiver
fundamentada em êxtases espirituais, ela não será capaz de resistir sequer
aos apelos da carne e por isso revelam-se enganosas na medida da sua
ine ciência .
Sendo assim, apesar de parecerem sinais da verdadeira santidade, essas
referidas práticas e expressões não conseguem refrear os impulsos da
carne; antes, muito facilmente os promovem.
Ao tratar destes problemas graves que sorrateiramente entrava na igreja do
Novo Testamento o Apóstolo Paulo apresenta a Obra de Cristo como sendo
o único e verdadeiro fundamento pelo qual o homem pode aspirar a Deus,
mas esta Obra da Cruz além de ser porta para o verdadeiro caminho
também é o próprio caminho revelado em Jesus.
Ao combater os erros que queriam se assenhorear da igreja o Apóstolo
sempre trazia uma revelação mais profunda e poderosa dos efeitos da Obra
da Cruz no coração do el. Era o antídoto que estava sendo derramado na
ferida espiritual da igreja para que ela casse completamente curada e com
sua espiritualidade cada vez mais sadia.
Bem que já nos advertia o nosso mestre: “Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor! Entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus. Muitos naquele dia hão de dizer-me: Senhor, Senhor!
Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não
expelimos demônios, e em teu nome não zemos muitos milagres? Então,
lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que
praticais a iniquidade”.37
2.1.5. Formação integral deve produzir Piedade
Longe de produzir esteriótipos comportamentais e loso as destrutivas, a
obra de Cristo, na medida que amadurece gera piedade. O crescimento

37 Mateus 7.21-23
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integral do cristão o conduzirá ao uma vida piedosa, que em essência é um
estilo de vida que desfruta de um profundo e íntimo relacionamento com
Deus em todas as áreas.
Piedade é a tradução do grego da palavra "eusebeia" que tem sua raiz em
‘eu’(bem ou bom) + ‘sébas’, (respeitar ou adorar a Deus), quer dizer, o
piedoso é aquele que é bom, de qualidade, alguém que é um el e santo
adorador de Deus. Sendo usado normalmente o conceito de que piedoso é
aquela pessoa que anda com Deus. Entretanto, o conceito de piedade não
está restrito ao cristianismo e pode ser entendido de forma equivocada.
2.1.5.1.O CONCEITO de PIEDADE no PERÍODO da GRECIA ANTIGA
O preceito da religião grega mandava “honrar os deuses”. Na Grécia antiga,
o homem piedoso é aquele que assume os seus deveres para com a
divindade e ao mesmo tempo é obrigado à prática da generosidade para
com os seus concidadãos, especialmente os familiares.
No período helenístico a ε σέέβεια foi ganhando novas nuances nesse
dinâmica de dupla exigência de deveres face aos deuses e para com os
familiares. Com o tempo, porém, o termo foi-se restringindo mais ao campo
religioso. Assim, a piedade passou a referir-se sobretudo aos deuses,
santuários de culto ou aos mortos. O conceito mais moderno de piedade
consistia no reto exercício da religião, isto é, no cumprimento das normas e
atos devidos aos deuses.
2.1.5.2. O CONCEITO de PIEDADE no PERIODO HELENISTICO-
ROMANO
Quando Roma vence a Grécia o conceito ganha novas informações
advindas da cultura romana. Piedade passa a se referir aos comportamentos
de respeito e reverência para com os pais, os parentes em geral ou o
imperador.
O homem piedoso é aquele que se mantem respeitoso com os deuses e
mantem uma atitude respeitosa para com os seus superiores. Esse respeito
é uma obrigação incondicional. E é entendida como virtude a ser buscada
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entre outras. Esse comportamento deveria seguir um conjunto de ações
rituais ou cultuais e manter um estado de alma com obrigações morais
condizentes.
2.1.5.3. O CONCEITO de PIEDADE no Período CRISTÃO
No mundo do Novo testamento a piedade é reinterpretada. Só que agora é a
partir de Cristo. Segundo Agostinho de Hipona, a piedade cristã é um
determinado tipo de conduta para honra e serviço a Deus que brota da fé e
se efetiva na vida cotidiana, mais que no culto.
Como ensinou Calvino, a piedade inclui conhecimento genuíno de Deus,
culto sincero, fé salví ca, temor lial, submissão no espírito de oração e
amor reverente, tudo, efetivamente, para a glória de Deus, visto que, o alvo
da piedade, bem como de toda a vida cristã, é a glória de Deus.
Das quinze ocorrências da palavra eusebéia (“piedade”) no Novo
Testamento, nove se encontram nestas duas cartas a Timóteo (1 Tm 2.2;
3.16; 4.7,8; 6.3,5,6; 2 Tm 3.5). Lendo cada um destes textos, podemos
perceber com cristalina nitidez que este termo é um grande conceito
especialmente em 1ª Timóteo.
“A religião verdadeira consiste em viver de tal modo que a mente humana
esteja em perfeita união com a verdade da qual depende no seu ser e no
seu agir, enquanto mente racional, sem interposição de nenhuma criatura ou
fantasma do espírito. Essa verdade plena com a qual a mente se une sem
intermédio de qualquer criatura não é senão o Verbo de Deus e a fonte de
toda verdade.”38
Piedade tem a ver com a vida cristã em um plano mais elevado; não é
meramente uma experiência religiosa; segundo o ensino do Novo
Testamento é muito mais que isso. Tem a ver com um viver relacional com a
Pessoa do Filho de Deus. Conhecer a Deus cada dia mais.
De fato a piedade é um determinado tipo de prática que não se refere a
comportamentos cultuais ou observâncias legais, mas se refere a honrar e

38 Agostinho de Hipona, A verdadeira religião/De uera religione. Porto. Afrontamento, 2012 p. 15


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servir a Deus, autor de toda a criação e redentor de toda raça humana,
honra que brota da fé e se revela na vida cotidiana e não apenas no culto
público.
O Apostolo Pedro na sua segunda carta nos oferece um profundo
entendimento de como a piedade se entremeia com a fé diligente, a virtude,
o conhecimento de Deus, a perseverança nas tribulações, o domínio do
espirito e por m a pratica do amor fraternal.39
Piedade é a atitude de viver em santa e el adoração a Deus. Como adorar é
antes de tudo manifestar a glória dEle, então o piedoso manifesta em suas
obras a glória de Deus.
O sentido básico é de temor, reverência e amor a Deus. Na linguagem
neotestamentária é uma Theosebeia, onde a piedade é exclusiva no
relacionamento com Deus, porque no contexto secular do mundo antigo
expressava a reverência que se tinha as autoridades e aos pais.
Na Epístola aos Filipenses 3:8 e 9 podemos encontramos três princípios que
nos ensinam o verdadeiro sentido daquilo que espiritualmente signi ca
Piedade. É importante atentar ao caráter pessoal que Paulo dá a esta
palavra, porque ás vezes, os escritores dão a ela um sentido mais formal
para descrever religião.
“Sim, deveras considero tudo como perda, por causa da sublimidade do
conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; por amor do qual perdi
todas as coisas e as considero como refugo, para ganhar a Cristo e ser
achado nele...”.
- Conhecer a Cristo
- Ganhar a Cristo
- Ser achado em Cristo
Creio rmemente que nunca poderemos viver realmente a vida cristã, se
ignorarmos estes princípios.

39 2 Pedro 1:5- 7
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Aqui não está sendo descrito somente o que caracterizava sua vida de
Paulo, que ele apresenta como modelo (v.17), mas que esse modelo deve
ser o estilo de vida de todos nós. Estes três princípios determinam toda
nossa formação espiritual. Aqui está toda nossa espiritualidade cristã:
conhecer, ganhar e ser achado em Cristo. É de vital importância para nossa
saúde espiritual que compreendamos este ponto. Poderíamos destacar a
Oração e a Palavra como princípios essenciais para uma vida piedosa;
porém, a Oração e a Palavra não terá efeito nenhum se nós não atentarmos
decididamente a compreender o que signi ca em nosso viver diário estes
três fundamentos. A piedade está no amor adorador que nos direciona
internamente para Jesus. É um grande romance, uma paixão que determina
todo o nosso comportamento.
Portanto, a vida cristã tem como base o relacionamento com a Pessoa de
Cristo. Conhecer Cristo é a base da vida cristã. A vida espiritual de Paulo
começou quando no caminho de Damasco Ele conheceu esta bendita
Pessoa. Ele perguntou: “Quem és tu Senhor” (At 9:5), e a resposta foi: “Eu
sou Jesus, a quem tu persegues”. Sem o conhecimento de Cristo não há
vida cristã. Toda experiência espiritual que desejarmos ter deve ser derivada
do conhecimento desta bendita Pessoa.
A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: a nossa experiencia de
conhecer Jesus, nos faz parecer que todas as coisas são como nada? Ou
ainda existe algo mais importante e nos impede de nos entregarmos
completamente a Cristo?
Não se esqueça que a nossa maior necessidade é conhecer a Cristo! Este
conhecimento não é puramente um conhecimento teológico religioso, e sim
um conhecimento experimental. Um conhecimento baseado na experiência
cotidiana.
Percebamos que para o Apostolo o conhecimento de Cristo é uma
experiência ascensional. Paulo diz: “prossigo para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (v.14).
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Que passagem tremenda! “Prossigo”, que expressão maravilhosa é usada
aqui por Paulo. A tradução desta palavra nos dá duas ideias interessantes:
1ª)“procurar ansiosamente”; 2ª) “esforçar-se com todo o empenho para
adquirir”. Estas duas descrições nos mostram que se Cristo é nossa busca
constante, há em nós uma ansiedade continua de conhecê-Lo mais, e,
portanto, não hesitaremos, e persistiremos em alcançá-Lo cada dia mais e
mais para nosso inteiro desfrute.
Perceba o que o Apostolo está dizendo: “... mas prossigo para conquistar
aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus”.
Gosto muito como Eugene Peterson na Versão da Bíblia, a Mensagem,
descreve essa parte: “prossigo para Cristo, que me alcançou de uma forma
impressionante”. Me alcançou de uma forma impressionante, é como
podemos descrever o sentido desta expressão: “prossigo para Cristo”. A
maneira como Cristo me alcançou me lançou numa jornada de busca a Ele
que molda e determina todos os aspectos da minha vida. Isso é piedade.
“... alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”.
O “Alvo” é o “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. Que
“prêmio” é este? A resposta está nos versos anteriores (Filipenses 3:4 a 10),
que descrevem que Paulo persistia com todo empenho para ganhar a Cristo
e ser achado Nele. Esta era a vocação ascensional. O premio é o próprio
Deus em Cristo. A palavra “soberana” no original pode ser traduzido como
“coisas do alto”, ou “ascensional”.
Em Colossenses 3:1 e 2 podemos encontrar essa palavra: “Portanto, se
fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto,
onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto,
não nas que são aqui da terra”. Aí está algo precioso, que ilustra o que é a
piedade em seu sentido pleno.
Piedade tem a ver com a vida cristã em um plano mais elevado; não é
meramente uma experiência religiosa. Segundo o ensino do Novo
Testamento é muito mais que isso. Tem a ver com um viver relacional com a
Pessoa do Filho de Deus.
Essa vida relacional, de busca apaixonada por Jesus, delineia e aperfeiçoa
todo o nosso ser. É precisamente isso que é o processo de formação
espiritual. Um amadurecimento gradativo que segue constantemente se
nutrindo da obra consumada de Cristo. A transformação ética, moral,
comportamental, de temperamento e personalidade seguem paulatinamente
o que já está conquistado e posto no novo caráter da nova criatura criada
em Cristo segundo Deus. “Pois somos criação de Deus, realizada em Cristo
Jesus para vivermos em boas obras, as quais Deus preparou no passado
para que nós as praticássemos hoje. A nova humanidade em Cristo.”40
2.2. Segunda Base - A Vocação da Nova Criatura
“Professor: Qual o principal objetivo da vida humana?
Estudante; É conhecer a Deus.
Professor: Por que você diz isso?
Estudante: Porque Ele nos criou e nos colocou na terra para ser gloriftcado
em nós. E, certamente, é correto que dediquemos nossa vida à sua Glória,
já que Ele é o princípio dela”41
O segundo elemento que é base de sustentação na formação espiritual de
todo crente, mas é especialmente importante para quem assume papel de
liderança na igreja, é entender biblicamente a sua vocação. Isso é, para que
você vive, trabalha, se esforça e produz.
O que a bíblia nos ensina sobre a nossa vocação é que a nossa relação com
o mundo se faz a partir do fato de que Cristo é o Mediador de tudo.
Por que Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo todas as
coisas, descobrimos a magnitude da Sua obra. Ela diz respeito a toda a
criação, não apenas a nossa identidade foi restaurada, mas todas as coisas
foram recolocadas na posição original. Como imagem de Deus somos

40Efésio 2:10 na Bíblia King James Atualizada, visto no site: https://bibliaportugues.com/ephesians/


2-10.htm acessado em 15 maio 2019
41 Caíecismo de Genebra, 1541.
enviados ao mundo como Embaixadores de Deus com um comando
expresso de que devemos viver exortando a todos e a tudo: “Reconciliai-vos
já com Deus.”42 Enquanto vivemos, esse é o tempo oportuno, esse é dia da
salvação.
Se a nossa identidade reside na Obra de Cristo consumada, a nossa
vocação reside no fato da Sua autoridade nos colocar novamente como
regentes, co-operadores do mundo de Deus.
Pensemos assim: A vocação é uma série de recursos e competências que
foram entregues por Deus individualmente para nortear a vida de serviço em
direção à Deus.
Em Mateus 25:14-30 lemos a parábola dos talentos, onde Jesus descreve a
vocação de todos os seres humanos. Nesse texto Jesus faz uma
apresentação sobre a vocação de todos os serres humanos, trazendo uma
proposição divina de uma vida de serviço, a partir de uma série de recursos
e competências que lhes foram entregues e que serão cobradas ao nal do
que se fez com isso.
2.2.1. A Matriz da Vocação
A vocação é o uso de uma série de recursos e competências que foram
entregues por Deus…
Perceba que na parábola todos são servos do mesmo senhor e ganham
algum recurso para viver enquanto seu dono não chega. Essa é uma
descrição da humanidade que foi chamada por Deus para produzir a partir
dos recursos que Deus entregou a cada um sem que aja da parte dEle
alguma scalização presente. Certamente haverá uma prestação de contas,
mas no presente é como se cada um pudesse fazer o que bem entendesse
a respeito dos seus recursos e competências.
O fato é que Deus tem vocação para todos. Sejam crentes ou descrentes.
Ninguém pode dizer que não tem vocação, que não serve para nada. No

42 2 Coríntios 5:14-6:2 (Bíblia Almeida Strong)


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caso do crente servir ao Senhor é a melhor expressão para explicar a
vocação.
Servir ao Senhor? Mas. como? Devo me tornar pastor e trabalhar na igreja?
Ou ser um missionário para ir às nações? A resposta é sim e não. Sim por
que pode ser nisso que Deus queira usar os recursos que deu a você. Mas,
na maioria dos casos a resposta seria não. Então como seria?
Os recursos e competências são vários e abrangem todas as áreas da nossa
vida. Envolve inteligência, emoções, vontade, força física, beleza, caráter,
personalidade, formação e as possibilidades que vão aparecendo ao longo
da vida. Portanto, tudo que há em nós são os recursos com os quais
servimos ao Senhor, em todas as áreas da nossa vida. No trabalho, nos
estudos, nas atividades físicas, nos hobbies, no lazer, na família, na Igreja,
ou seja, em qualquer lugar onde você estiver.
Vocação portanto trata-se de poder participar da vida de Deus, cooperando
com Ele em tudo o que Ele quer fazer através dos recursos que nos foram
doados. Na vida comum, enquanto dormimos e acordamos e a vida vai
acontecendo, em cada momento, a cada nova situação onde somos
chamados a agir, Deus está querendo agir na terra através de nós. “Vista
desta perspectiva, a missão é, simplesmente, a participação das pessoas
cristãs na missão libertadora de Jesus, apostando em um futuro que a
experiência veri cável parece desmentir. Ela é a boa nova do amor de Deus,
encarnando no testemunho de uma comunidade, em prol do mundo.”43
Por isso, a vocação depende da relação com Deus. Assim, os que não são
convertidos e não ganharam a nova vida em Cristo, por mais que possam
ser usados por Deus, não vivem a vida a partir de Deus. Antes, são
autônomos, no modo de pensar e agir, andam “na vaidade dos seus
próprios pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de
Deus por causa da ignorância em que vivem, pela dureza do seu coração,

43David Jacobus Bosch. Missão Transformadora. Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, 2ª.
edição, Sinodal, São Leopoldo, 2007, pp 619.
fi
os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para,
com avidez, cometerem toda sorte de impureza”44.
Os que nasceram de novo através da obra consumada de Cristo não são
assim. Eles receberam o Espirito Santo que os faz entender e discernir a
vontade de Deus. São conduzidos pelo Espirito através da humildade e
submissão a Deus para todo trabalho que Deus quer fazer na terra.
“A Escritura usa esta palavra VOCAÇÃO para mostrar que uma forma de
viver não pode ser boa nem aprovada, a não ser que Deus seja o seu autor.
E esta palavra VOCAÇÃO também quer dizer "chamado"; e este "chamado"
implica em que Deus faça sinal com o dedo e diga a cada um: quero que
vivas assim ou assim.45”
Trata-se portanto de participar da atividade do que Deus está fazendo. “A
missão é o sim de Deus ao mundo; a participação na existência de Deus no
mundo”.46
O crente portanto, crer que Deus tem uma missão e ele se entrega para
participar dessa missão, a Missão de Deus.
Esse entendimento é chamado de Missio Dei e remonta os tempos da
patrística nos séculos II-V, onde aconteceram através dos Concílios as
de nições chamadas trinitárias.. Naquele tempo os Pais da Igreja
compreenderam que a vocação derivava diretamente do Deus que está
operando na terra, está em missão. Foi a partir disso que se cunhou a
expressão missio Dei.
“Participar da missão é participar do movimento de amor de Deus para com
as pessoas, visto que Deus é uma fonte de amor que envia.”47 Pelo fato da
missão derivar-se diretamente da natureza de Deus, então foi posicionada

44 Efésios 4:17-19 (Bíblia Almeida Strong)

CALVINO. João. Sermão XLIV sobre a harmonia dos evangelhos: Mt. 3:11-12. OPERA CALVIN), tomo
45
XLVI,p. 554.
46 David Jacobus Bosch. Missão Transformadora. Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão.
47 ibid.
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como doutrina da Trindade, entendendo que todas as outras missões
derivam diretamente dela.
Durante a idade Média houve muitas distorções desse entendimento e a
igreja assumiu o protagonismo da missão, sendo ela mesma o começo, o
meio e o m da vocação dos éis.
A Reforma protestante retomou o entendimento da Missio Dei,
especialmente através da doutrina do Sacerdócio Universal de todos os
santos. As expressões de buscar o Reino de Deus e a Sua justiça tinham
objetivamente a ver com se colocar submisso em profunda reverencia à
vontade de Deus para executar os Seus Santo desígnios na terra.
Vários movimentos missionários aconteciam como fruto dessa total entrega.
Movimentos como os Huguenotes em 1655 que aportaram na Baia de
Guanabara, o Movimento dos Puritanos na Inglaterra, Escócia e Hungria,
movimento Pietista nascido com Francke August Hermann e o Movimento
Moraviano começado com Nicolau Ludwig Von Zinzendorf , para citar
alguns dos mais importantes.
Depois com a chegada do Iluminismo houve um esmaecimento do sentido
vocacional na igreja, só sendo retomado na Conferência Missionária de
Brandemburgo, na Alemanha, em 1932, onde foi lido um trabalho de Karl
Barth que descrevia a missão como atividade de Deus. Aquele foi um
grande momento de retomada do conceito de vocação para a igreja. a
nalidade da Igreja não estava em si mesma, mas em fazer a obra de Deus.
Essa retomada de Barth foi crucial. Mas só depois de 20 anos, em 1952 que
na Conferencia de Willingen a in uencia da assertiva de Barth chegou ao
seu ápice. Sendo citado por George Vicedon na naquela Conferência, já
tomado pela in uencia de Karl Barth, ele disse: “Deus é o sujeito ativo da
missão. Deus o Pai enviou o Seu Filho, e ambos enviaram o Espírito Santo.
A Trindade envia a igreja e os crentes em particular, para cumprir a tarefa da
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Grande Comissão”48. Ou seja, a igreja é enviada para dentro do mundo pelo
Pai, Filho e o Espírito Santo.
Depois de um novo esmaecimento da vocação da igreja relacionado à
relativização de valores, como o conceito da verdade, que chegou junto com
o Modernismo e especialmente o pós-modernismo, houve uma retomada do
entendimento da Missio Dei através de um Congresso Mundial de
evangélicos em 1974 na cidade de Lausanne, na Suíça com a presença de
mais de 150 nações.
Lá foi feito um pacto, o Pacto de Lausanne que serviu como um “relevante
instrumento para a de nição.. (da vocação da Igreja como um)
comprometer-se com o propósito de Deus, a saber: ser serva e testemunha
de Deus, vivendo à altura do Reino e da Glória de Deus, edi cando-se a si
mesma como o Corpo de Cristo que anuncia a todo o mundo o Reino de
Deus e Sua Glória”49. Era a retomada da vocação dos éis como uma
inclusão no que Deus está fazendo na terra.
Nosso Deus é um Deus missionário. Desse modo, como um movimento de
Deus em direção ao mundo, a igreja é vista como um grupo de pessoas
convocadas a tomar parte nessa missão, isso é a vocação.
Portanto, nossa vocação não tem vida própria, determinada por cobiças ou
impossibilidades. Ela é posta nas mãos do Deus que ao nos enviar ao
mundo, passamos a participar da Sua missão. Nossas vocações só são
autênticas na medida em que re etirem a participação na missão de Deus.
A missio Dei é a atividade de Deus, a qual abarca tanto a igreja quanto o
mundo e na qual a igreja tem o privilégio de poder participar. A vocação
portanto, é uma série de recursos e competências que foram entregues
por Deus…

48VICEDOM, de GEORG FRIEDRICH. A MISSÃO COMO OBRA de DEUS : INTRODUÇÃO à


TEOLOGIA da MISSÃO. SÃO LEOPOLDO : SINODAL/IEPG, 1996. 127 pp.
49 https://pt.wikipedia.org/wiki/Pacto_de_Lausana acessado em 16 Maio 2019
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2.2.2. A Individualidade da Vocação

Mas, a vocação é uma série de recursos e competências que foram


entregues por Deus a cada indivíduo…
Perceba também, que no texto de Mateus 25:14 a 30, a cada individuo foi
dado uma gama de recursos e competências diferente. Um ganhou cinco,
outro dois e outro um. Essa é a medida do limite humano.
Deus na Sua santa soberania entrega de forma diferente os limites de cada
um. Entretanto, o limite de cada um não o impossibilita de realizar sua
vocação, apenas o enquadra dentro de circunscrição própria. Ou seja,
naquilo em que fomos dotados por Deus devemos dispor ao Senhor com
toda nossa força, mas aquilo que não nos foi dado, não devemos invejar ou
cobiçar do outro.
Todo ser humano nasce com uma serie de limites próprios. Inteligência,
emoções, desejos e inclinações naturais, condição nanceira, cultura
familiar, experiencias boas e ruins, circunstâncias sociais, geográ cas,
temporais, etc determinam em grande grau a abrangência da vocação do
indivíduo.
Deus controla e determina esses limites, mas não inviabiliza a vocação de
ninguém, por isso no texto da Mateus todos se sabiam com a sua própria
vocação. Tanto o que tinha cinco como o que só tinha um. E obviamente,
Deus irá cobrar na medida do que deu a cada um, não deixando ninguém se
sentir extorquido ou injustiçado, mas também sem que ninguém que
vivendo sem poder participar daquilo que Deus está fazendo na terra.
Portanto, a vocação não é fruto de se querer ter determinados recursos ou
competências para se fazer o que Deus nos chama para fazer, mas
simplesmente se trata de se entregar totalmente a Deus dentro os recursos
que se tem.
A vocação não pode ser avaliada ou almejada ao se comparar com os
outros. Isso seria absurdo e desleal. Antes ela deve ter as condições e
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limites próprios do individuo que Deus está chamando para participar da
Sua Obra na terra. A vocação não deve ser vista como uma carreira
pro ssional onde se almeja chegar a novos patamares, mas deve ser vivida
com muita integridade na medida que só se pode dar o que se tem.
Ela também não pode ser determinada pelo grau de espiritualidade que se
tem. Na verdade a espiritualidade sadia fará o individuo entregar-se sem
reservas ao Senhor para usá-lo completamente, mas isso não determinara a
amplitude do seu ministério. A espiritualidade certamente determinará a
satisfação e em se fazer, seja o que for, para Deus e determinará também a
motivação pela qual o indivíduo se compromete com tanto empenho àquela
obra. Mas, isso não será su ciente para mudar a quantia de recursos e
competências que recebeu do Seu Senhor.
Sendo assim, a vocação não é fruto de esforço pessoal, mas é dádiva de
Deus. A partir dessa dádiva é que se pode entregar 100% a Deus com todo
esforço a m de que Ele seja glori cado através da nossa vida.
A vocação portanto, é o que Deus dá para cada indivíduo produzir na vida e
será medido muito mais pelo grau de entrega e pela motivação com que se
faz o que se tem para fazer, que pelo sucesso, abrangência ou performance.
Por isso mesmo não adianta nada criticar ou se achar injustiçado. Veja que
na parábola o que recebeu 5 alcançou mais cinco, e o que recebeu 2
alcançou mais 2, e ambos não foram censurados por que viveram
produzindo a partir do que receberam. Deus não comparou entre um e
outro. Ambos aparentemente viveram para o seu senhor, tanto que ao se
encontrarem com ele dão os seus relatórios como que tendo conquistado o
dobro para o seu senhor. Eles recebem um caloroso acolhimento do seu
senhor para viverem com Ele.
Mas observe o que diz o que recebera 1 talento: “Senhor, sabendo que és
homem severo, que ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não
espalhaste, receoso, escondi na terra o teu talento; aqui tens o que é teu.”50

50 Mateus 25:24-25
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Perceba que a descrição que ele faz do senhor não é condizente com a
maneira com que o senhor tratou os outros dois.
O texto nos revela que ele não conhecia esse senhorio. Ele viveu a vida
como que se escondendo de Deus. É uma vida sem nunca considerar o
senhor como sendo o seu senhor. E a condenação51 dele revela que na
verdade esse tal homem nunca tinha tido a salvação. Foi uma vida cuja
vocação nunca serviu ao seu legitimo propósito, ou seja trazer Gloria para
Deus. Portanto, o juízo cai sobre ele não por causa da sua falta de mérito,
mas sobretudo por causa da sua falta de relação e conhecimento com o seu
senhor. Ele é condenado por não conhecer o seu senhor e isso lhe fez viver
uma vida sem serví-lo.

2.2.3. O Serviço da Vocação


A vocação é uma série de recursos e competências que foram entregues
por Deus individualmente para nortear a vida de serviço…
- Como foi já percebido, a vocação possui um o raio de abrangência para
cada indivíduo. Isso de certa forma vai determinar o seu grau de in uência e
grau de conquistas, pois o que recebeu dois talentos di cilmente
conseguiria chegar a multiplicar seus recursos para cinco por exemplo. Mas
não determina a quantidade de esforço que será usado para multiplicar o
que lhe foi dado. Também não determina a motivação com a qual o
indivíduo se esforçará.
No caso do crente, sua vocação não te a ver com sua identidade, por isso o
seu serviço não é para ser aprovado ou se sentir apto. Ele não precisa
provar nada para ninguém. Deus já o Salvou dando-lhe a identidade do Seu
Santo Filho. Já não vive a vida do velho homem, mas vive pela fé no Filho de
Deus.
Com a identidade garantida, o cristão segue o chamado divino se
pronti cando a honrá-lo em tudo e qualquer coisa que o se Senhor lhe

51 Mateus 25:30 “E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes.”
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demandar. O serviço ui como fruto do relacionamento de amor baseando-
se na conquista da cruz. “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus
para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas.”52
Essa provavelmente é uma grave tensão na qual todo obreiro passa. O
perigo de usar o ministério para se a rmar. Negando assim a su ciência da
obra consumada de Cristo. Sorrateiramente os elogios ou as criticas tomam
o lugar da obra da cruz e vão mexendo com o nosso orgulho. O empenho
passa a ser por resultado e não mais como fruto do gracioso relacionamento
com Deus. Todo esforço por resultado mundano, seja ele honra, conquistas,
títulos, salário, números positivos no saldo, demonstram que o coração do
servo não está mais ligado ao seu Senhor, mas segue olhando para si, sem
perceber os próprios limites que lhe foram dados pelo seu Senhor.
Esse olhar para si mesmo é o mesmo processo do não-cristão. Como ele
não conhece bem ao seu Senhor, segue vivendo a vida para si. Muitas vezes
se esforçando até mais que o cristão, mas apenas querendo resultados que
servirão ao propósito de lhe a rmar. Coisa essa que nunca o a rma de
verdade.
É uma vida de canseira e enfado cheia de desgostos conforme nos diz o
livro de Eclesiastes 2:22-23 “Pois que tem o homem de todo o seu trabalho
e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol?
Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de
noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade.”
O servo que tinha cinco chegou a ter mais cinco e o que tinha dois chegou a
ter mais dois, e ambos ouviram “Muito bem, servo bom e el; foste el no
pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.” essas
palavras ditas a ele revela que embora aparentemente o Senhor deles não
os scalizasse, na verdade, durante todo o tempo ele esteve observando o
esforço e a motivação deles.

52 Efésios 2:10
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O Senhor os chama de bons e éis. A palavra bom usado aqui no texto tem
o sentido de pessoa honrada, de boa natureza. O Senhor esteve observando
muito mais do que o desempenho deles, sobretudo observava o coração. A
palavra el tem o sentido de digno de con ança, alguém em que se pode
con ar, que mostra-se el na transação de negócios, na execução de
comandos, ou no desempenho de obrigações o ciais, ou seja, na execução
das tarefas é alguém que cumpre cabalmente o que lhe foi entregue. Por
isso o juízo sobre eles é tão favorável. Um coração que está apegado ao
Senhor faz a vida servir ao Senhor. Nesse sentido, a vocação é o serviço a
Deus que extravasa do coração na vida hodierna.
Perceba que o tamanho das suas esferas de atuação é diferente. Nem por
isso alguém cresceu menos que o outro, pois ambos conseguiram crescer
100%. A idéia de terem crescido 100% é de que ambos cresceram tudo que
podiam crescer.
A vocação delimita seu raio de ação, mas não delimita o tamanho do seu
crescimento naquele raio.
Sendo assim, a vocação determina onde trabalho, vivo, com quem convivo
e até onde posso chegar com os recursos e competências que me foram
doadas. A vocação, portanto, está diretamente ligada a todos os trabalhos
que realizo na terra. É por isso que tem determinadas áreas da vida que
sempre que tentamos fazer algo nos damos mal. Perceba que em nenhum
dos casos da parábola houve perda total da vocação. A vocação não é algo
arriscado. Não há perigo de ao se investir na vocação se dá mal. O senso de
realização da vida terrena está diretamente ligado ao desenvolvimento da
vocação. Se entregar para a vocação de Deus é o melhor investimento da
vida.
2.2.4. A Direção da Vocação
A vocação é uma série de recursos e competências que foram entregues
por Deus individualmente para nortear a vida em direção à Deus.
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Por último perceba que todos eles tiveram que comparecer diante do seu
senhor para prestar contas. Os dois que se saíram melhor viveram suas
vocações distintas, mas baseadas na mesma coisa.
Viveram a vocação baseada no relacionamento amoroso com o seu senhor
a quem prestariam conta. Não se sentiram obrigados a nada. Foram
trabalhar com muita dedicação em cima dos recursos e competências que
haviam recebido. Quando a vida de serviço é consequência do medo de
perder, de não conseguir conquistar, de não ter mais, de car sem, termina
por se restringir perdendo seu sabor. O terceiro tinha medo de Deus. Ele
pensava, se eu não guardar é certo que não terei amanhã. É como se ele
não contasse com a bondade de Deus, ou mesmo não contasse com a
provisão que desce do alto. Perceba que o terceiro buscou segurança por
causa do medo.
Enterrar a vocação é tentar viver a partir de outra matriz fora do que Deus
preparou você para fazer aqui na terra.
Ele diz ao seu senhor: "eu tive medo que desse tudo errado, a nal de contas
o senhor é meio carrasco". Enquanto descon armos do caráter de Deus
enterramos a nossa vocação.
Ele achava que provavelmente seus "negócios" não prosperariam. Medo de
perder o que tem!
“O mundo existe para servir à glori cação de Deus e só para este propósito.
Os cristãos eleitos estão no inundo apenas para aumentar a gloria de Deus
obedecendo a Seus mandamentos com o melhor de suas forças. Deus
porém, requer realizações sociais dos cristãos, porque Ele quer que a vida
social seja organizada conforme Seus mandamentos, de acordo com tais
propósitos. A atividade social dos cristãos no mundo é apenas uma
atividade in majorem gloria Dei. Este caráter é pois partilhado pelo trabalho
dentro da vocação que propicia a vida mundana da comunidade.”53

53 WEBER, Max. A ética protestante e o espirito do capitalismo, pp. 46 e 47.


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Isso precisa ser ensinado ao coração de todos os santos, especialmente
aos que são modelos para o rebanho e estão em situação humanamente
desfavorável como é o caso dos obreiros do sertão.
A espiritualidade sadia determina em grande parte o grau de investimento
que fazemos na vocação. Determina o quanto mergulhamos de coração e
sem reservas no propósito de Deus para nossa vida. Determina o quanto
acreditamos no amor e provisão de Deus.
Perceba que o cumprimento da vocação diz muito sobre o nosso
relacionamento com Deus:
O cumprimento da vocação revela o quanto con amos e amamos a Deus.
O cumprimento da vocação revela o quanto a nossa espiritualidade é sadia.
Só você pode cumprir a sua vocação!
Para isso você não depende de mais ninguém, só de um bom
relacionamento com Deus.
Sua Vocação não está diretamente relacionada ao Corpo de Cristo, não
está diretamente relacionada a sua pro ssão, ou a família, não está
diretamente relacionada ao panorama político, social e nanceiro do mundo!
Sua Vocação está diretamente relacionada a sua fé, está diretamente
relacionada a sua maturidade espiritual, está diretamente relacionada a Deus
e está diretamente relacionada a quem você quer agradar!
2.3. Terceira Base - Relacionamentos Interpessoais da Nova Criatura
Entendendo a dinâmica das Escrituras: Identidade - Vocação -
Mandamentos Relacionais
O terceiro aspecto basilar na formação espiritual é a proposição bíblica para
nortear todos as relações interpessoais.
Se colocarmos “toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus,
então segue-se que todos os homens ou mulheres, rico ou pobre, fraco ou
forte, obtuso ou talentoso, como criaturas de Deus e como pecadores
perdidos, não têm de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que
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permanecemos como iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais
como seres humanos.” 54
2.3.1. A Dinâmica do Discipulado de Cristo:
Primeiro Jesus chama os que ele mesmo quiz para estarem com ele. É
diante dEle que se aprende a viver em toda a sua inteireza. Depois Jesus os
envia para participarem do Seu ministério. São pescadores de homens. Por
m Jesus os chama de amigos e quando recebem o Espirito Santo passam
a ter uma insuperável vida comunitária. Essa é a dinamica pela qual O nosso
Jesus vai encaminhando os Seus discipulos à vida abundante de Deus.
2.3.1.1. Chamados para estar com Ele (Identidade)
“Olhar primeiro para Deus, e então para a pessoa do próximo era o impulso,
o pensamento e o costume espiritual ao qual o Calvinismo deu entrada.”55
Começa então uma jornada de construção e desconstrução na vida
daqueles homens. Nunca mais eles conseguiriam ser os mesmos. Estavam
diante de verdadeira vida que vinda a mundo ilumina a todo homem.
Durante 24 horas por dia estavam diante de um espelho iluminado pela
estrela da manhã que os fazia enxergar o que eles na tentativa de ser
alguém, não eram nada, e ao mesmo tempo viam que eram tudo o que
Jesus os ensinava a ser.
O convívio com Jesus os encheu de esperança, os fez falir em seus desejos
e falsas expectativas. Os desa ou a alcançar o inexpugnável e os fez se
sentirem menos que o pó. Enquanto eles conheciam a Deus através da
imagem de Deus entre eles, foram aprendendo o que signi ca ser gente, ser
humano.
Descobriram que não eram nada sem Deus e que com Deus em seus
corações, lhes conduzindo por fé, eram maiores do que suas vontade e

54 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
pp. 24
55 Ibid pp. 22
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limites. Eles estavam conhecendo quem eles eram à medida que conheciam
a Deus.
A percepção da identidade deles amadurecia e era descortinada diante dos
seus olhos. Aprenderam se ver em Deus. Estavam nascendo de novo. A
Vida Eterna estava irrompendo a morte que os dominava por meio do
pecado. Nunca mais seriam os mesmos. Nunca mais viveriam para si
mesmos.
Estavam sendo apresentados a uma vida superior e não conseguiriam mais
abrir mão desse imenso tesouro - viver com Deus a vida de Deus. Isso é a
identidade do crente.
2.3.1.2. Enviados para trazer o Reino de Deus ao reino dos Homens
(Vocação)
A vida de Deus é operosa, por isso os Seus lho são enviados ao mundo
conduzidos pelo Espirito para trazerem a realidade da Nova criação, os
valores e a cultura do Reino de Deus, às estruturas e hierarquias que
dominam o reino dos homens. Como os homens de Deus o zeram ao longo
de toda história, “os quais, por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a
justiça, obtiveram promessas, fecharam a boca de leões, extinguiram a
violência do fogo, escaparam ao o da espada, da fraqueza tiraram força,
zeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de
estrangeiros.”56
Os discípulos cam espantados com o poder que lhes fora outorgado pelo
Nome de Jesus conforme a narrativa do evangelho de Lucas 10:1 a 24. O
motivo do espanto era esse: “Senhor, os próprios demônios se nos
submetem pelo teu nome!”57
Então Jesus lhes ensina duas coisas: primeiro, “alegrai-vos, não porque os
espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos

56 Hebreus 11:33-34 (Bíblia Almeida Strong)


57 Lucas 10:17b (Bíblia Almeida Strong)
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céus”58, ou seja, não deixem que as realizações do ministério digni quem
vocês. Há um tesouro maior que os digni ca, vocês são membros de
carteirinha do Reino dos Céus. Depois lhes falou: “Bem-aventurados os
olhos que vêem as coisas que vós vedes.”59 Ou seja, há uma completude
para aqueles que, vivendo no mundo caído, conseguem ver, pela fé, a
realidade do Reino de Deus descendo e transformando toda a terra.
O discípulos estavam aprendendo que viver a vida de Jesus não se limitava
ao saber teológico regido por uma contemplação abstrata. A vocação era
tornar visível o invisível. Estavam sendo chamados “para sondar, com toda a
energia de seu intelecto, as coisas terrenas bem como as coisas
celestiais;”60 a m de que tudo que foi reconciliado com Deus seja
reconduzido a Deus. Chamados para “promover o desenvolvimento deste
mundo a um estágio ainda mais alto, e fazer isto em constante acordo com
a ordenança de Deus, por causa de Deus, sustentando, no meio da tão
dolorosa corrupção, tudo que é honrável, amável e de boa fama entre os
homens.”61
2.3.1.3. Na Ceia a Comunhão é dada em forma de Mandamento
(Relacionamentos) humildade.
Nas ultimas horas em que Jesus estava entre os seus discípulos, ele os
comandou a amarem uns aos outros assim como ele os amava. A
reconciliação do homem com Deus agora os conduziria a uma nova
disposição de mente e coração para com seus iguais.
Os discípulos tinham uma última lição para aprender. Uma lição de
humildade. A barreiras de separação culturais e de animosidades, as
disputas e tentativas de se sobrepor ao outro, as iras, dissensões e facções

58 Lucas 10:20 (Bíblia Almeida Strong)


59 Ibid 10:23
60 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
pp.101
61 Ibid 59
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precisavam dar lugar ao amor expresso em atos de serviço em favor do
outro. Atos de humildade que se coadunam à nova vida que está presente
no coração deles. Os discípulos de Jesus agora iriam expressar seu
relacionamento com Deus nas relações interpessoais.
Perceba que Jesus primeiro tratou da identidade do discípulos, depois os
conduziu para o serviço de Deus no mundo, a vocação, e por m os ensinou
por meio de mandamento a terem um novo tipo de relacionamento com os
demais seres humanos.
2.3.2. A Estrutura textual das Cartas do Novo Testamento
De forma semelhante, as epistolas do Novo Testamento a estrutura textual
segue o uxo da Obra de Cristo a partir da formação da identidade, indo
para o entendimento da vocação e chegando, sempre ao nal, em
mandamentos para os relacionamentos interpessoais.
Essa estrutura tem a ver com com a própria ordem com que a salvação
acontece. Primeiro o Senhor cruci ca o nosso velho homem dando-nos uma
nova identidade, depois Ele nos envia ao mundo como cooperadores Seus e
por m nos ensina como O serviremos especialmente através das nossas
novas relações interpessoais. Vejamos como Eugene Peterson traduziu isso:
“Nossa decisão rme é trabalhar com base nesta premissa: um homem
morreu por todos. Ele incluiu todos em sua morte, para que cada um fosse
também incluído em sua vida, uma vida ressurreta, incomparavelmente
melhor que qualquer outra já vivida. Por causa dessa decisão, não julgamos
ninguém pelo que possui ou pela aparência. Houve um tempo em que
julgamos o Messias dessa maneira, e estávamos errados, como sabem. Não
vemos mais assim. Agora olhamos para dentro, e o que vemos é que
qualquer um, unido ao Messias, tem a chance de um novo começo e é
criado de novo. A velha vida se foi. Uma nova vida oresce! É demais!”62
Só para apresentar alguns exemplos:
2.3.2.1. Efésios (Identidade + Vocação + Mandamentos Relacionais)

62 2 Coríntios 5:14-16 (Biblia A Mensagem)


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A carta aos Efesios é um bom exemplo para demonstrar essa estrutura
textual. Os capítulo 1 e 2 são um lindo tratado sobre a Obra de Cristo e os
seus efeitos na identidade da Nova Humanidade criada.
Os capítulos 3 e 4 o Apostolo apresenta a sua própria vocação como
exemplo a m de entendam a vocação da igreja.
Os últimos capítulo (5 e 6) nós nos deparamos com mandamentos
relacionais. Instruções vívidas da nova base para os relacionamentos
interpessoais.
2.3.2.2. 1 Pedro (Identidade + Vocação + Mandamentos relacionais)
Outro bom exemplo é a primeira carta do Apostolo Pedro. A partir do
Capitulo 1:1 ate o 2:12, o discípulo do Senhor apresenta a nova identidade
do cristão como consequência da aplicação da Obra de Cristo.
Do verso 2:13 em diante Pedro vai mesclando a vocação com as relações
interpessoais demonstrando assim que a vocação de Deus para o cristão se
dá no âmbito das múltiplas relações que se tem ao longo de sua jornada e
que os relacionamentos servem ao propósito de Deus ser revelado na terra
por meio do amor e da humildade.
2.3.2.3 A comunhão nos relacionamentos interpessoais é primeiro com
Ele e por meio Dele.
A comunhão do crente é mediada. O ponto de interseção entre todos os
cristão é Cristo, é por meio dEle que podemos ter comunhão. Não podemos
ter relacionamentos imediatos, por que não fomos feitos para termos
relações a partir de nós mesmos, mas sim como re exo do próprio Deus na
Sua santíssima Trindade. Como imagem de Deus re etimos o que Deus é.
Por isso nossas relações interpessoais uem a partir de Deus e para Deus.
Vejamos como isso acontece.
“Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo.”63 O
ponto de comunhão onde todos nós, pessoas regeneradas, nos
identi camos é esse, nossa comunhão é com o Pai e com Seu Filho.

63 1 João 1:3b (Bíblia Almeida Strong)


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“Se dissermos que mantemos comunhão com ele e andarmos nas trevas,
mentimos e não praticamos a verdade. Se, porém, andarmos na luz, como
ele está na luz, mantemos comunhão uns com os outros, e o sangue de
Jesus, seu Filho, nos puri ca de todo pecado.”64 Quando a nossa
comunhão com Deus não é uma realidade prática o ponto de unidade está
desfeito e a comunhão que poderíamos ter com os outros irmãos já não
existe.”
2.3.2.4 A Unção do Espírito Santo é a capacitação para os
Relacionamentos
O Espirito Santo não apenas nos sela para a salvação, mas é o único que
pode nos capacitar para vivermos a nova vida doada por Cristo. Por isso, o
Apostolo Paulo ensina que os nossos velho hábitos chamados obras de
carne, já não são condizentes com a nova identidade que recebemos.
Dentre os velhos hábitos descritos pelo Apostolo, nós encontramos os
hábitos que sempre destruiram os relacionamentos humanos, “sexo barato
e frequente, mas sem nenhum amor; vida emocional e mental detonada;
busca frenética por felicidade, sem satisfação; […] solidão paranóica;
competição selvagem; consumismo insaciável; temperamento
descontrolado; incapacidade de amar e de ser amado; lares e vidas
divididos; coração egoísta e insatisfação constante; costume de desprezar o
próximo, vendo todos como rivais.”65 E que o Espirito Santo produz em nós
novos hábitos, chamados de frutos do Espirito, que promovem a vida de
comunhão, são: “afeição pelos outros, uma vida cheia de exuberância,
serenidade, disposição de comemorar a vida, um senso de compaixão no
íntimo e a convicção de que há algo de sagrado em toda a criação e nas
pessoas. Nós nos entregamos de coração a compromissos que importam,

64 1 João 1:6 e 7(Bíblia Almeida Strong)


65 Gálatas 5:19 a 21 (Bíblia A Mensagem)
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sem precisar forçar a barra, e nos tornamos capazes de organizar e
direcionar sabiamente nossas habilidades.”66
Percebamos que são chamados frutos por que são produção do Espirito em
nós. Assim aprofundamos o nosso entendimento de como a nossa
comunhão com os outros é mediada.
O mesmo Apostolo nos ensina que precisamos desistir de seguir com
naturalidade os mesmos hábitos que tínhamos enquanto ainda não
tínhamos a vida Deus operando em nós.
Em Colossenses 3:5-17 ele usa as expressões: Despojai-vos e Revesti-vos.
Agora a analogia é ao uso de roupas. A prática do pecado é como escolher
uma roupa que já não cabe mais em você. Por isso, tal roupa deve ser
“posta de lado” e escolher uma nova roupa que lhe caia perfeitamente bem.
É muito claro como os hábitos do velho homem eram destrutivos nas
relações interpessoais e como os hábitos do novo homem, “que se refaz
para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”67, são
promotores de boas relações com o próximo.
Eugene Peterson descreveu assim esse processo na vida do cristão: “Os
que pensam que podem fazê-lo por si mesmos terminam obcecados por
medir sua força moral, mas sem resultados na vida real. Os que con am na
ação de Deus descobrem que o Espírito de Deus está neles — vivendo e
respirando Deus!”68
Deus sempre é o inicio de tudo. Ele é o alfa e o omega. Começando e
seguindo na vida de Deus os relacionamentos são ensinados na Bíblia nas
sua múltiplas demandas e uxos.
Portanto, enquanto pensamos em formação de líderes no Reino de Deus,
devemos pensar mais que em formação académica, mas numa formação
espiritual. E como temos visto a formação espiritual deve seguir o padrão

66 Ibid 5:22 e 23
67 Colossenses 3:10 (Bíblia Almeida Strong)
68 Romanos 8:5 e 6 (Biblia A Mensagem)
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bíblico, deve ser holística se preocupando com a revelação da nova
identidade, com o amadurecimento da vocação a partir da Missio Dei e a
construção de boas atitudes relacionais.
3. DOUTRINAS DA GRAÇA COMO BASE PARA A FORMAÇÃO
TEOLÓGICA
Nesta seção ao descrever a formação teológica do pastor a linha doutrinaria
será baseada nas Doutrinas da Graça, pois entendemos que a profundidade
teológica serve ao ministério como a base de sustentação mais solida para
todos os enfrentamentos e crises que certamente todo crente passa e ainda
mais os que estão investindo suas energias emocionais em um ministério
naturalmente mais árido.
A formação espiritual precisa de um arcabouço teológico bíblico que lhe dê
os limites santos das descobertas da revelação. A formação espiritual
precisa que uma estrutura teológica sólida que lhe segure como o aço
fortalece o concreto lhe dando exibilidade interior, mas apenas até certo
ponto.
Todo cristão que tem consciência da sua salvação precisa ter muito claro
quais são os elementos básicos que sustentam a sua fé.
Eles serão norteadores sobre uma boa e coerente interpretação das
Escrituras. As doutrinas da Graça são esse compendio mínimo necessário
para um bom crescimento espiritual. Mas, quais são as Doutrinas da Graça?
As doutrinas da graça mais conhecidas e que se apresentam de forma
resumida através do acrônimo TULIP, são as doutrinas da Total Depravação,
Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível e Perseverança
dos Santos, que são os elementos essenciais para se aproximar com santa
reverencia de um ensino bem maior, que preenche todos os espaços da
dúvida, produzindo uma boa teologia bíblica, ou seja, o ensino da Soberania
de Deus.
O reformador João Calvino, bem nutrido pelos Pais da Igreja, especialmente
Agostinho de Hipona, foi o principal pai dessas doutrinas. Desenvolveu-as
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através de seus muitos comentários bíblicos e sermões, mas especialmente
através da sua obra principal, As Institutas da Religião Cristã, onde
expressou de forma mais elaborada e objetiva sua teologia cristã.
Entretanto só no Sínodo de Dort, que aconteceu para resolver uma disputa
das igrejas holandesas sobre a ascendente teologia arminiana,
aproximadamente 55 anos depois da morte de Calvino em 27 de maio de
1564, foi que essas doutrinas foram apresentadas ao mundo nesse formato.
Ao mesmo tempo que essas doutrinas são concisas, são também profundas
e completas. É uma excelente base teológica para se partir em direção ao
amadurecimento espiritual.
Por meio dessas doutrinas da Graça podemos crer que a salvação é uma
obra da graça de Deus, do começo ao m, sem qualquer contribuição do
homem.
3.1.TULIP
3.1.1.Total Depravação
“Estar debaixo do pecado signi ca que estamos merecidamente
condenados diante de Deus como pecadores, ou que estamos mantidos
sob a maldição em virtude do pecado. A consequência do pecado é a
condenação.”69 Quando o pecado entrou no mundo, todos os seres
humanos se tornaram totalmente perdidos em seu delitos e pecados.
Através da queda o homem “trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis,
leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em
sua vontade e em seu coração; e ainda impureza em todos os seu afetos”70.
Alheios à vida de Deus, cegos de entendimento, condenados à morte Eterna
e mortos espiritualmente desde já.
Nesse estado de completa incompetência o ser humano não podia salvar-
se, ou mesmo buscar a Deus a m que Ele o salvasse. “O pecado habita em

69 João Clavino. Romanos. São Paulo. Parakletos, 2001. pp. 119


70Eduardo Silva Leite. O Sínodo de Dort:uma história das controvérsias da teologia arminio-calvinista. São
Paulo: Reflexão, 2016. 3º e 4º Capitulos da Doutrina: A corrupção do homem, a sua conversão a Deus e
como ela ocorre. Artigo 1 - O resultado do queda
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nós e, ainda que preguemos contra ele, cada passo pecaminoso prepara o
coração para o seguinte, cada pecado prepara a mente para outro
pecado.71” É um vicio que domina, uma escravidão que mata.
Essa condição é irrefutável e sem volta para o próprio homem, se ele tentar
salvar-se, pois agora encontra-se destituído da gloria de Deus e totalmente
descon gurado de identidade, de propósito (vocação) e incapaz de se
relacionar com humildade e amor para com o seu próximo.
O prejuízo na condição humana foi total. Não há um ponto que se possa
dizer que seja positivo. Uma desgraça total que alcançou a inteireza do seu
ser.
3.1.2. Eleição Incondicional
“A eleição é um ato pelo qual Deus escolhe pecadores na condição em que
estão, de uma maneira gratuita, soberana e incondicional, para que venham
a ser redimidos por Cristo, venham a receber fé e sejam conduzidos à
glória.”72 Isso signi ca que a única maneira de escaparmos da condição de
morte espiritual em que nos encontrávamos é que Deus nos escolha por sua
muita misericórdia e através de sua abundante graça nos transforme
radicalmente, através de um novo nascimento.
Sem conhecermos o caráter de Deus para crermos na justiça e perfeição
com que Deus sempre age e se não entendermos de coração a condição
que nos encontrávamos a partir da queda de Adão, no pecado, essa
doutrina se torna quase uma blasfêmia diante da concepção da bondade e
do amor de Deus que é proferido atualmente na maioria das Igrejas. Na
verdade, a doutrina da eleição só pode ser recebida por revelação interior
do espírito, se não, parece ser apenas uma crendice de carrancudos
orgulhosos.
Entretanto, quando o nosso coração é iluminado pelo Evangelho revelando a
grandiosidade do nosso estado de perdição e por obra do Espirito Santo

71 Richard Baxter. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo, Cultura Cristã. 2008. pp. 54
72 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. São Paulo, Fiel. 1996. pp. 133
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somos levados ao profundo arrependimento, somos colocados na posição
de totalmente indignos diante de Deus, é essa doutrina, a da Eleição, que
nos enche de amor e profundo apego a Deus. Ela arranca de nós os maiores
júbilos de alegria e nos faz totalmente con antes no amor de Deus.
Mais que todas as outras doutrinas, é essa que nos ensina sobre a graça
salvadora e é ela quem nos coloca numa posição de humildade interior.
Gente carente da graça para ser alguém e para permanecer de pé.
A doutrina da Depravação total certamente nos humilha, mas até o ímpio
pode em determinado momento da sua vida se perceber como alguém
perdido e mal, sem contudo haver arrependimento. A nal de contas todo
mundo comete seus erros, ele justi caria. Mas a eleição incondicional não,
ela parte da nossa incapacidade nos a rmando que fomos escolhidos por
Deus apenas por que Ele resolveu nos amar. Não houve uma condição
favorável em nós para que Ele nos escolhesse.
3.1.3. Expiação Limitada
Esse artigo básico da nossa fé trata da abrangência e da natureza da obra
de Cristo. O Teólogo John Owen escreveu umas das melhores e mais
abrangentes obra sobre esse assunto - A Morte da Morte na Morte de
Cristo. Desde quando ele publicou essa obra levantou-se muita polemica
por causa do seu conteúdo ser uma fortíssima contestação da idéia de
Salvação Universal. O Pastor John Piper, escrevendo sobre a obra de Owen
usa seus argumentos da expiação limitada chamando-o de ajuda à
redescoberta do verdadeiro Evangelho.
Piper confronta o tipo de evangelho que é pregado atualmente nas igrejas
declarando que a preocupação dos pregadores é que o evangelho ajude o
homem a conseguir ter “paz, consolo, felicidade e satisfação, e [está] pouco
preocupado em glori car a Deus.”73
A Obra de Cristo é poderosa em sua su ciência e salva completamente o
pecador. Do começo ao m.

73 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. pp. 136
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Entretanto, essa mesma obra não salva a todos os homens conforme a
doutrina da eleição incondicional. O limite da abrangência dela não está na
sua natureza, pois é divina e totalmente su ciente, mas seu limite é por que
alcança apenas aos que Deus escolheu.
A abrangência dela é limitada pela vontade soberana de Deus. Assim, a
Obra de Cristo, sua expiação, tem como alvo a salvação completa do
homem, tirando-lhe toda culpa e o castigo que ele merecia, conferindo-lhe
uma dignidade incomensurável, demonstrando o imenso amor de Deus,
mais seu m é a gloria de Deus e não a ajuda que o homem pode ter para se
sentir melhor.
Enquanto perdemos a Gloria de Deus como motivação real para todas as
ações de Cristo e tornamos o evangelho viciado no ser humano, e o
descaracterizamos. “Enquanto que o alvo principal do antigo [evangelho]
era ensinar os homens a adorarem a Deus, a preocupação do novo parece
limitar-se a fazer os homens sentirem-se melhor. O assunto do antigo
evangelho era Deus e os seus caminhos com os homens; o assunto do novo
é o homem e a ajuda que Deus lhe dá.”74
Por isso, é tão difícil aceitar a ideia de que a expiação de Cristo tem uma
limitação. Não na sua su ciência, mas sim na sua abrangência.
3.1.4. Graça Irresistível
A doutrina da “graça irresistível se refere à obra soberana de Deus de
sobrepujar toda rebelião do nosso coração e trazer-nos à fé em Cristo Jesus
para que possamos ser salvos.” 75
Uma vez abertos os olhos espirituais pelo Espírito Santo, nós somos
cativados pela obra de Cristo que demonstra, de forma cabal, o maior amor
que o homem pode um dia sentir por sua pessoa, e a fé salví ca brota em
nosso coração.

74 Opus Cit. pp. 136


75 http://www.monergismo.com/textos/graca_irresistivel/graca-irresistivel_piper.pdf acesso 20 maio 2019
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Owen pregava assim: “Se [você] atender ao chamado de Cristo, crendo na
promessa de restauração e recebendo-o como Senhor e Salvador de sua
vida, o Senhor terá misericórdia, concedendo-lhe o perdão dos pecados e a
salvação eterna - e você experimentará, agora mesmo, o que signi ca ser
um novo homem.”76
O fato dessa revelação do amor de Deus acontecer para o individuo gera
duas reações que o transforma por completo. Primeiro lhe humilha e depois
lhe constrange. A humilhação é fruto do amor ser expresso em um sacrifício
hediondo ocasionado por sua culpa, devido à sua inimizade contra Deus, e
no entanto, você recebe a absolvição da culpa e a restauração da amizade,
sendo você incapaz de poder ressarcir qualquer parte do que lhe foi dado,
mesmo que seja uma pequena parte. Essa graça lhe expõe à sua maior
miséria sem condená-lo. Essa humilhação não causa desanimo ou revolta,
pelo contrario, ela lhe quebranta dando-lhe animo novo e grande impulso
para amar a Deus sem merece-Lo.
De outra forma, essa mesma graça lhe constrange por que faz você sentir-
se imensamente devedor sem ter com que pagar. Entregar a vida a Ele e se
apaixonar por Ele não pagam de volta o valor que lhe foi dado na cruz,
mesmo sem você merecer.
Esse constrangimento é a mola propulsora da piedade e da devoção.
Simpli ca a vida e estabelece a vocação. Restaura a alma e redireciona os
relacionamentos à reconciliação, ao amor e à humildade.
É irresistível por que transforma completamente todo o ser. Corpo, mente,
emoções, desejos, impulsos, cobiças, vontades, tudo é reinterpretado por
meio da graça. Diante dessa força avassaladora o que o homem pode fazer,
senão quebrantar-se e passar a viver essa vida que lhe é concedida de
graça?
3.1.5. Perseverança dos Santos

76 Richard Baxter. pp. 217


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Como dá para se perceber as doutrinas da Graça são complementares entre
si. E essa ultima depende totalmente de todas as outras para poder existir.
Se o ser humano estava em total desgraça e não podia salvar-se, mas Deus
o escolheu aplicando-lhe a obra expiatória do Seu Filho e lhe abriu os olhos
para se deslumbrar com Seu imenso amor irresistível que lhe chega de
graça, é certo que esse indivíduo será protegido e guiado até o nal de sua
vida por meio dessa mesma Obra redentora, “o mesmo poder de Deus que
os salvou os preservará e os santi cará até o nal.”77
Essa garantia patrocinada por Deus é a certeza de que aquele que começou
a boa obra em nós, há de completá-la até ao dia de Cristo. A vida que Deus
patrocina e garante, em um de seus aspectos mais fundamentais, consiste
na restauração do que foi perdido na Queda.
Estamos de volta ao relacionamento divino que nos dá identidade, nos
chama com Santa vocação e refaz, com nova perspectiva, todos os nosso
relacionamentos. “Os que são e cazmente chamados e regenerados, tendo
sido criado neles um novo coração e um novo Espírito, são, além disso,
santi cados, real e pessoalmente, pela virtude da morte e ressurreição de
Cristo, por sua Palavra e por seu Espírito, que neles habita; o domínio de
todo o corpo do pecado é destruído, as suas várias concupiscências são
mais e mais enfraquecidas e morti cadas, e eles são mais e mais vivi cados
e fortalecidos em todas as graças salvadoras, para a prática da verdadeira
santidade sem a qual ninguém verá o Senhor.”78
É certo que a Soberania de Deus é um conceito muito maior e é por meio
dele que se entende e adota essas doutrinas. Ao adotá-las, nós colocamos
uma sebe de proteção contra as possíveis distorções e ensinos perigosos,
como já vimos nos capítulos anteriores, que podem atrapalhar em muito o
nosso progresso de crescimento espiritual.

http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/434/O_Que_e_a_Perseveranca_dos_Santos acesso 21
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maio 2019
78 A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo, Cultura Cristã, 2017. pp. 10
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Entretanto, a partir das pesquisas e entrevistas percebemos que a melhor
maneira de se ensinar esse conteúdo, uma vez que os sertanejos são Orais,
não Lineares e Contadores de historia, é por meio do desenvolvimento de
uma boa e grande teologia bíblica, contando as histórias através das
narrativas, aprendendo os discursos dos profetas, dos sábios, as orações e
os cânticos dos Salmistas, os Evangelhos e cartas do Novo Testamento.
Seguindo a ordem cronológica dos fatos vamos revelando a TULIP à medida
que somos tomados de espanto pela grandiosidade do nosso Deus que vai
gradativamente revelando o Seu Ser.
Assim, a Soberania, o Amor, a Justiça, a Misericórdia e o Juízo de Deus vão
sendo descobertos e vão preenchendo todos os espaços das dúvidas e da
ignorância sobre Deus.
Dessa forma o processo de formação espiritual vai sendo vivi cante, pois “a
vida Eterna é esta, que te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e ao Teu
Filho a quem enviaste.”79
Nesse é o processo de formação espiritual de liderança para igrejas do
Sertão nós usaremos a teologia através das doutrinas da Graça, que nos
servirão como uma estrutura interna que viabiliza a boa interpretação das
Escrituras nos revelando os porquês de muitas situações na Bíblia e como
uma estrutura externa à medida que nos dá o limite de até onde a nossa
mente e imaginação podem ir, para não usarmos os textos da Palavra de
Deus contra a verdadeira Palavra de Deus.
Adentraremos no estudo das Escrituras usando as Doutrinas da Graça como
base hermenêutica e teológica para edi car a liderança das igrejas do
Sertão, usando-as como salvaguardas bíblicas na fundamentação de suas
atitudes e metodologias ao longo do processo de crescimento espiritual.
Isso certamente oferecerá uma série de princípios essenciais para que os
líderes adquiram uma boa cosmovisão cristã extraídos das Escrituras. A
cosmovisão cristã é a base da interpretação de toda a vida, por isso é

79 João 17:3 (Bíblia Almeida Strong)


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essencial que seja sadia e bem solida. Nada melhor que aprender a
interpretar as situações da vida à luz das Escrituras.
A isso eu chamo de formação espiritual.

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