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4 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. São Paulo, Fiel. 1996. pp. 133
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tendência natural é ao invés de usarem as disciplinas espirituais e o
sacrifício pessoal como recurso que são para o crescimento espiritual, se
tornarem instrumentos cativos do humanismo modista.
O segundo motivo que pode ser percebido é o aparente desconhecimento e
descomprometimento com as Escrituras. Muito pior do que observar o uso
da espiritualidade como amuleto para ganhar uma vida de satisfação
pessoal, é ver que a bíblia é usada para conveniências pessoais muitas
vezes sustentando pecados que se perpetuam na própria vida.
A insipiência bíblica e a conformação à lógica pragmática social vigente
(secularização) fornecem um substrato ao cristão moderno de que as
disciplinas espirituais não servem para fazer oposição ao velho homem, mas
servem, especialmente no lugares de maior crendice popular, como o
Sertão, apenas como um fator de penitência para galgar direitos e privilégios
diante de Deus a m de obter resultados puramente materiais, e não
espirituais.
Desta maneira, como um estudante aplicado faz sacrifícios pessoais para
crescer na carreira e conseguir status e conforto, a dedicação pessoal ao
crescimento espiritual servem ao cristão moderno como mais um sacrifício
pessoal para conquistar as mesmas coisas que o não cristão conquista
através de seus esforços, ou seja status e conforto, só que dessa forma é
tentando usar Deus.
Parece que a Igreja nada mais tem a ver com buscar e amar a Deus, lutar
contra o pecado, a velha natureza, o diabo e o mundo. O crescimento
espiritual perde sua intenção inerente de tornar o cristão mais piedoso, e se
torna um dispositivo complementar para o cristão ter sucesso conforme o
século.
Há também como motivo o secularismo promovido pelo egoísmo e
hedonismo que usam super cialidade, estética, relativismo, direitos
humanos, respeito e elementos culturais Nordestinos como “jeitinho”,
“apadrinhamento”, “mentira branca” e se justi car pondo a culpa no outro,
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seja o que for esse “outro”, usados dentro de conveniências bem próprias
que sabotam as condições e o espirito da formação espiritual bíblica.
É então fácil para muitos cristãos assegurarem que Deus é amoroso e que
Ele entende e “aceita”5as razões pelas quais ele vive na indolência espiritual
e, consequentemente, a convivência pací ca com práticas pecaminosas,
estabelecendo um padrão libertino, cheio de argumentos perigosos e
fraudadores de uma espiritualidade sem consistência.
Este tipo de espiritualidade de conveniência pessoal sabotadora do
crescimento real, não quer descobrir a soberania divina nos
encaminhamentos que a história humana vai tomando. Transparecendo a
ideia de que, na realidade, Deus nunca está participando soberanamente da
vida e dos acontecimentos grandes e pequenos. Tudo é causa e efeito de
decisões pessoais, sem haver um plano, um guia, um Deus.
E como motivo não menos importante, por causa da forte in uencia das
igrejas Neo-pentecostais, especialmente as televisivas, tem surgido nos
grandes centros e até nas igrejas pequenas do interior, uma aparente falta
de temor ao Senhor, revelado na total irreverência com que se destorce os
ensinos das Escrituras a rmando mandingas, atos proféticos e rituais
cerimonialistas que mais se parecem com expressões de outras religiões
para tirar do el algum recurso nanceiro, além dos shows televisivos que
encenam possessões, milagres e testemunhos de vitorias espirituais que no
mínimo são duvidosos.
Essa, com toda certeza, é uma vitória do esquema maligno. Em muitas
circunstâncias, os cristãos aceitam como verdade as mentiras do maligno
de que seguir tais sacerdotes e ensinos é a melhor maneira de viver com
Deus neste mundo.
5 O historiador Sérgio B. de Holanda, ao comentar a ação católica no Brasil, alega que “No Brasil, ao
contrário [da ação protestante], foi justamente o nosso culto sem obrigações e sem rigor, intimista e familiar,
e que poderia se chamar, com alguma impropriedade, ‘democrático’, um culto que dispensava no fiel todo
esforço, toda diligência, toda tirania sobre si mesmo, o que corrompeu, pela base, o nosso sentimento
religioso.” Holanda, Raízes do Brasil, 110-11. É essa cultura que fornece a idéia de que o amor de Deus não
se expressa na Sua disciplina, e sim no Seu silêncio e complacência.
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A superstição e o clericanismo que sempre foram tão fortes no Sertão do
Brasil se misturam à pratica hodierna dos ditos evangélicos destruindo o
verdadeiro modelo de experiência prática que Jesus deixou para a igreja,
quando viveu em discipulado, durante todo o seu ministério e na sua
ressurreição deixou como instrução: “Portanto ide, fazei discípulos de todas
as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo;Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado;
e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos
séculos.”6
Para que fomos feitos? Para conhecer a Deus.
Que alvo devemos estabeleces para nós na vida? Conhecer a Deus.
O que é a “Vida Eterna” dada por Jesus? João 17:3 responde: “esta é a vida
eterna: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo , a
quem enviaste.”
Qual é a melhor coisa da vida, que traz prazer, alegria e contentamento
acima de todas as outras? O conhecimento de Deus.
“Assim diz o Senhor: Não se glorie o sábio em sua sabedoria, nem o forte
em sua força nem o rico em sua riqueza, mas quem se gloriar, glorie-se
nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor.”7
Viver com Deus e para Deus é como disse Jesus: “perder a própria vida”,
entretanto, não é negativo o que declara o texto8. Ser conduzido como
ovelhas para o meio dos lobos9 é, aparentemente, perder a vida devorado
pelo maligno. Mas, antes de desestimular a pratica da piedade e das
disciplinas espirituais, esses textos revelam a fraqueza que reside no ser
humano enquanto tenta viver a vida por sua própria conta, sem se dobrar
em direção ao Seu Senhor.
Eugene Peterson. A Vocação Espiritual do Pastor: Redescobrindo o chamado ministerial. Sao Paulo:
11
Mundo Cristão. 1998. p, 167
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vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis
suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais.”
O Apostolo Pedro usa a mesma gura de criança espiritual para convocar a
igreja ao crescimento espiritual através do conhecimento mais profundo das
Escrituras12.
Também o escritor aos Hebreus usando a mesma perspectiva de formação
espiritual a rma que era esperado deles um crescimento espiritual grande,
devido ao grande tempo em que eles já haviam recebido o novo
nascimento, conforme diz em Hebreus 5:12-14: “Pois, com efeito, quando
devíeis ser mestres, atendendo ao tempo decorrido, tendes, novamente,
necessidade de alguém que vos ensine, de novo, quais são os princípios
elementares dos oráculos de Deus; assim, vos tornastes como necessitados
de leite e não de alimento sólido. Ora, todo aquele que se alimenta de leite é
inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é
para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades
exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal.”
Portanto, a formação espiritual é a obra de Deus ao longo de toda a nossa
vida, usando todos os elementos e recursos para nos aperfeiçoar conforme
à imagem de Cristo. Tudo é usado por Deus para o nosso bem, para sermos
conforme a imagem do Seu Filho.
Todo crente precisa crescer na sua fé. Muito mais ainda é necessário para
aqueles que pretendem ensinar as Escrituras aos outros, uma vez que suas
vidas servem de modelo para os que estão sendo conduzidos à salvação de
Cristo Jesus.
Muito mais do que uma formação acadêmica, os líderes que cuidam do
rebanho do Senhor Jesus precisam abrir os olhos para conhecer a obra de
Deus em suas próprias vidas a m de poderem ajudar os outros a através
dos olhos de Deus se verem também, reconhecendo essa mesma obra em
suas vidas.
12 1 Pedro 2:1 a 3
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Alguém que abre os olhos para ver isso se depara com a beleza das ações
de Deus em si mesmo e ao mesmo tempo se depara com o espanto de não
compreender e muitas vezes não aceitar a maneira de Deus fazer isso.
A formação espiritual portanto é o amadurecimento de uma espiritualidade
sadia, bíblica e holística. Essa “espiritualidade signi ca viver na inteireza
amadurecida do Evangelho. Signi ca tomar todos os elementos da sua vida
- lhos, cônjuge, trabalho, tempo, bens, relacionamentos - e experimentá-
los como um ato de fé. Deus quer todo o material de nossas vidas.”13
13Eugene Peterson. O Pastor Contemplativo: é hora de voltar ao inicio de tudo. São Paulo: Sepal. 2004, p.
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santa vocação para servir a Deus em todas as áreas de sua vida,
apresentando-se como sacrifício vivo a Deus. E em terceiro lugar, as
Epistolas demonstram que a maneira de se conviver com as pessoas
também foi redimida. Isto é, todo novo nascido possui imperativos
relacionais que iluminam a mente e o coração a m de se viver para Deus
servindo aos outros.
14Eclesiastes 1:18 (Biblia A Mensagem) “Quanto mais se sabe, maior é a responsabilidade; quanto mais se
aprende, maior é o sofrimento.”
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2.1.2. CRESCIMENTO em ESTATURA
Jesus crescia em estatura. Este é o segundo aspecto revelado no texto de
Lucas. Não há dúvida de que a interpretação do texto é literal. O seu corpo
infantil estava sendo bem cuidado e desenvolvia-se como qualquer criança
saudável. Jesus não teve desnutrição, doença ou qualquer síndrome de má
formação que o impedisse de crescer. Crescia em estatura como era
esperado.
A aplicação entretanto deste ponto para a igreja é que deve seguir a gura
que o Novo Testamento segue em relação ao corpo de Jesus, "a igreja é o
corpo de Cristo; ela completa Cristo, o qual completa todas as coisas em
todos os lugares (Efésios 1:23). "Pois bem, vocês são o corpo de Cristo, e
cada um é uma parte desse corpo” (1 Coríntios 12:27) e ainda "nós somos
membros do corpo de Cristo” (Efésios 5:30). Nesse sentido há duas
questões que são altamente recomendadas para o crescimento do corpo:
crescer na vida privada, na moralidade (1 Coríntios 6:15) e na vida
comunitária, na comunhão (1 Coríntios 12:12).
A nossa vida privada precisa ser condizente com aquilo que de fato somos.
Se somos santos então, quando ninguém está olhando o somos. A nossa
moralidade é um limite interno que nos ensina até onde podemos ir. Por ser
interno, não quer dizer somos nós quem a administramos, antes pelo
contrario, ela re ete a obra de Cristo que nos fez nascer de novo.
A nossa moralidade habita no nosso coração e o nosso coração habita em
Cristo. Veja como Paulo fala sobre isso: “Vocês não sabem que os seus
corpos são membros de Cristo? Tomarei eu os membros de Cristo e os
unirei a uma prostituta? De maneira nenhuma! Vocês não sabem que aquele
que se une a uma prostituta é um corpo com ela? Pois como está escrito:
“Os dois serão uma só carne”. Mas aquele que se une ao Senhor é um
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espírito com ele"15. A devassidão moral que existe hoje nos membros da
igreja compromete a saúde e o crescimento do corpo.
Nos dias atuais é considerado normal uma espécie de tolerância quanto a
imoralidade e vemos as igrejas cada dia mais parecidas com o mundo.
Lideres que praticam e ensinam uma moralidade questionável, enquanto o
evangelho vai sendo envergonhado se tornando manchetes lastimosas da
mídia. O mais incrível é que isso é feito muitas vezes a pretexto do
crescimento. Como se pudéssemos pregar o verdadeiro Jesus subtraindo
sua vida moral, que tristeza!
Na formação espiritual, a prática do verdadeiro discipulado que promova
amadurecimento espiritual, o amadurecimento do conhecimento da
verdadeira identidade do cristão vai libertando-o de suas inclinações
imorais. Conhecer a verdade liberta o homem do pecado. Alem disso, a
prática dos mandamentos de mutualidade, como aconselhai-vos uns aos
outros, suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos, sujeitai-vos, admoestai-
vos uns aos outros e a prática da vocação do cristão como serviço a Deus
baseado em fé, sem o dualismo do secular e sagrado, serão ferramentas
promotoras de uma comunidade sadia.
Os líderes do corpo de Cristo precisam de um bom ferramental para servir
bem ao cabeça, que é Cristo. Esse ferramental organiza a vida da
comunidade em torno de uma cosmovisão bíblica e resgata a própria
liderança de perigos grandes, como esgotamento, síndrome messiânica e
vida dupla.
Há uma imensa lacuna nessa área e em muitos casos os líderes não sabem
o que fazer, ou seja muitas vezes na prática da vida comunitária é que o
corpo começa a adoecer.
Outra grande lacuna foi percebida através das entrevistas com os obreiros
do sertão, onde muitas vezes nos foi dito a di culdade que o próprio líder
tem com pornogra a, masturbação e a sensualidade que está entranhada
17(Dicionario Strong) τυπος tupos de 5180 ; TDNT - 8:246,1193; n m 1) marca de uma pancada ou golpe,
impressão 2) figura formada por um golpe ou impressão 2a) de uma figura ou imagem 2b) da imagem dos
deuses 3) forma 3a) ensino que expressa a essência e a substância da religião e que a representa para a
mente, modo de escrever, os conteúdos e a forma de uma carta 4) exemplo 4a) no sentido técnico, modelo de
acordo com o qual algo deve ser feito 4b) num sentido ético, exemplo dissuasivo, padrão de advertência 4b1)
de eventos destrutivos que servem como admoestação ou advertência a outros 4c) exemplo a ser imitado
4c1) de homens que merecem imitação 4d) num sentido doutrinal 4d1) de um tipo, i.e., uma pessoa ou coisa
que prefigura algo ou alguém (messiânico) futuro Sinônimos ver verbete 5919
18Eugene Peterson. O Pastor que Deus Usa: o trabalho pastoral segundo a Palavra de Deus. Rio de Janeiro,
Textus. 2003, pp 189 e 190.
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A partir desse ensino aprendemos que crescer em graça, para Jesus,
signi cou não usurpar ser igual a Deus e se humilhar a si mesmo, ou seja
negar-se através da obediência a Deus.
Isto é incrível, por que Ele passou a vida crescendo em graça à medida em
que dedicava-se a não requerer seus direitos e prerrogativas de Deus, por
isso não usurpava o que lhe era devido, mas abria mão e rejeitava toda
tentação que o colocasse nesse exercício.
Nessa perspectiva Jesus está se colocando passivamente debaixo do
comando de Deus na historia humana. De forma ainda mais profunda, numa
ação complementar, Jesus se humilha voluntariamente, através do caminho
da obediência irrestrita ao Pai. E a sua humilhação só teve m na
consumação completa da vontade do pai e na completa execução do plano
de salvação, onde ambos culminam na cruz.
Seu crescimento em graça foi por meio da obediência que o levou a si
humilhar até a cruz. A mais maldita, indecorosa e humilhante de todas as
mortes.
Será que não vemos, nestas duas áreas do crescimento de Jesus em graça,
as mesmas condições que Ele estabeleceu no seu chamado aos discípulos
para o seguirem: negar-se a si mesmo e tomar a sua cruz.
A igreja de Jesus é chamada hoje a crescer em graça. Uma graça
educadora e transformadora que produz no coração humano tamanho amor
pelo Senhor que se entrega ao seu governo em atitudes muito piedosas e
praticas: negar-se e tomar a cruz, ou seja, abrir mão de direitos e
prerrogativas colocando-se passivamente na vontade de Deus e se humilhar
ativamente através da obediência constante e resoluta a cada comando do
Deus Pai.
Esse crescimento acontecia em Jesus por causa de seu apego incondicional
ao seu Pai. Tudo que estava em pauta na vida de Jesus tinha relação direta
com o Seu amor ao Pai. Em outras palavras, Jesus em todo tempo vivia a
vida como resposta ao seu amor pelo Pai.
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Assim, ele se via agraciado constantemente por ter esse profundo
relacionamento com Deus. Tal sentimento de satisfação em Deus o supria
para toda obra que precisava fazer. A essa completude santi cadora e cheia
de plena satisfação, a bíblia chama de graça.
Muito mais que Jesus, nós precisamos crescer nesta graça. Pois abrir mão
de direitos, prerrogativas e obedecer a Deus podem se tornar matérias
muito áridas e sem sentido no mundo em que vivemos. Se não houver uma
motivação que realmente funcione, que seja maior do que nós mesmos, será
impossível viver a vida de Jesus.
Sentir-se amado por Deus produz apego e satisfação em Deus, que tornam
qualquer ser humano cheio de graça. É inerente. Conhecer a Deus, que é a
nossa maior necessidade, torna-nos apaixonados por Ele. Por que Deus é
Maravilhoso e nos atrai para Si mesmo com amor eterno e laços de
benignidade(Jeremias 31:3).
A vida da igreja não é uma vida de ascetismo religioso, mas uma vida de
profunda devoção e submissão a Deus. Não é apenas fazer o que é certo
pelo certo, sem coração, mas é fazer o certo pelo Senhor, cheio de amor no
coração. Retirando a tirania da performance religiosa e pondo no lugar a
piedade que é cheia de luta e de insalubridade contra a carne, o mundo e o
diabo, mas é cheia de alegria, paz e satisfação. É cheia de graça.
O verdadeiro paradigma da vida eterna precisou crescer na submissão a
Deus e as autoridades fortalecendo sua humildade diariamente por causa do
seu profundo respeito a Deus que é o principio da sabedoria.
O único irrepreensível modelo de vida abundante, tinha seu corpo crescido
diariamente pela ausência de doenças, fome ou síndrome de qualquer
espécie, re etindo para a igreja a necessidade de lutar contra as
enfermidades que dilaceram o corpo de Cristo impedindo seu crescimento,
a saber, imoralidade e falta de comunhão que pode ser sarada no uso
correto de ferramentas como a mutualidade.
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O esplendor da vida humana aprendeu a negar-se diariamente, abrindo mão
dos seus direitos e prerrogativas e cresceu em obediência até ao ponto de
morrer numa cruz. Esse foi o Seu crescimento em Graça, que promoveu um
imenso depósito da graça de Deus para nós, que nos apaixona radicalmente
pelo Seu Pai, fazendo-nos viver inteiramente para Ele.
Esse é o melhor e maior exemplo de crescimento que o cristão tem por toda
a sua vida. Agora e sempre, somos desa ados a nos comprometermos
radicalmente com a paixão por Deus experimentando o máximo possível
desses três fatores de crescimento: Sabedoria (Conhecimento de Deus),
Estatura (Vida no corpo de Cristo) e Graça (Satisfação em Deus).
Até aqui vimos as três áreas do crescimento de Jesus. Agora veremos as
duas perspectivas onde o seu crescimento acontecia.
“E crescia Jesus … diante de Deus e dos homens.” (Lucas 2:52)
Crescimento se dá diante de Deus e diante do Mundo. Crescendo diante de
duas testemunhas, Deus e os homens.
O crescimento que é real não se dá apenas em uma perspectiva. É
impossível que alguém que verdadeiramente está crescendo diante de Deus
não seja uma benção na terra. A vida de piedade ilumina o mundo e causa
reações entre os homens conforme Jesus a rmou em Mateus 5:16: “Assim
brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas
boas obras e glori quem a vosso Pai que está nos céus.”
Por outro lado há também reações negativas pois os homens amaram mais
as trevas do que a luz. Veja o que Paulo falou para seu lho na fé em 2
Timóteo 3:12: “Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo
Jesus serão perseguidos.”
Percebamos também que crescer apenas diante dos homens, mas não
crescer diante de Deus é viver uma vida adoecida pelo pecado. Pode ser até
aplaudido pela sociedade, mas quem chega perto para realmente conviver
não consegue. Por que tal pessoa produz muitos espinhos.
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Quem cresce nas duas perspectivas simultaneamente se torna como uma
arvore frondosa que as aves procuram para aninhar-se. Mesmo que as
vezes não seja aceito pela sociedade, como aconteceu com Jesus, o seu
coração cheio de amabilidade e humildade termina por abençoar até mesmo
aqueles que o perseguem.
O interesse e necessidade de crescimento acompanha o ser humano por
toda a sua vida. Isso o caracteriza. Encontrar o caminho para crescimento
espiritual, seu e dos outros membros da comunidade, é a tarefa dos líderes
do rebanho do Senhor. Por isso, a proposta de formação espiritual de líderes
da Igreja não deve dar apenas instrução teológica, ou ferramentas
capacitadoras, ou espiritualidade devocional. Precisa haver os três
elementos unidos: Instrução teológica, e Ferramental capacitadores e
Espiritualidade devocional.
2.1.4. Os desa os do crescimento integral
Obstáculos atuais ao crescimento.
“Cuidado, que ninguém vos venha enredar com sua loso a e vãs sutilezas,
conforme a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não
segundo Cristo” Colossenses 1:8
Diante do estado presente, onde parece que tudo conspira contra a vida de
piedade, surge a pergunta: será que sempre foi assim? Ou será que o que
se vive no presente é uma continuação remodelada do que já houve na
história?
Nada do que se vive no presente é totalmente novo. Quando se caminha
nas costas dos gigantes da história da Igreja, descobre-se que todos os
homens que quiseram ser piedosos e viveram uma vida real de
amadurecimento precisaram lidar com os mesmos obstáculos à formação
espiritual que houve em todas as épocas, desde os primórdios da igreja.
A grande questão que precisamos aprender com eles é como interpretar a
nossa época com os seus devidos obstáculos e usarmos os instrumentos
certos para transpô-los.
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A Bíblia é tão su ciente para nos capacitar em todo o amadurecimento
espiritual que nos indica quais foram os obstáculo que os homens de Deus
passaram. O Apostolo Paulo advertiu:“Cuidado, que ninguém vos venha
enredar com sua loso a e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens,
conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo”19.
2.1.4.1. VÃS SUTILEZAS
No caso da igreja dos Colossenses, ca evidente que a cultura da cidade
estava in uenciando grandemente o entendimento espiritual deles.
Observemos para aprender como a cultura instalada ao nosso redor é capaz
de nos in uenciar através de vãs sutilezas.
Durante o período de dominação grega, esta cidade era a maior e a mais
importante cidade. Situada no vale do Rio Lico, era uma cidade bem
importante comercialmente, portanto, rica. Mas, na época de Paulo, devido
a estrada principal ter sido desviada, ela havia se tornado um pouco mais
que uma vila. A cidade havia perdido seu status, mas continuava apegada a
seu passado de status ligado ao império.
Surgiu então um forte sincretismo religioso, a ponto de, no período em que
Paulo escreveu a carta, ser possível que uma judia fosse a presidente
honorária de uma sinagoga e uma sacerdotisa num templo ao imperador, ao
mesmo tempo.
Broadus a rma que “o erro contra o qual Paulo escreve nesta carta (...) foi
um movimento sincretista que combinava elementos judaicos com aspectos
da mitologia e loso a pagãs."20 Quer dizer que os pontos doutrinários
basilares do judaísmo sofriam uma fusão sincrética com o mito e a loso a
pagãs, os quais, na verdade, eram um tipo originário de gnosticismo, que só
foi totalmente desenvolvido no segundo século.
A vã sutileza destas loso as e mitos tinham dupla inserção no coração do
cristão. Em primeiro lugar, destronava Cristo do seu lugar devido de único
19 Colossenses 2:8
20 Broadus D. Hale. Introdução ao Estudo do Novo Testamento, São Paulo. Hagnos, 1983. p. 298.
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mediador entre Deus e os homens, e, em segundo lugar, estimulava um
ascetismo violento sobre os cristãos, o qual era uma mistura de práticas
legalistas judaicas.
O ensino religioso impresso culturalmente na mente dos colossenses tinha,
por pressuposto, que Deus estava distante por ser espírito, que
inerentemente é bom, uma vez que a matéria é má. O caminho que Cristo
fez até chegar à humanidade teve que passar por vários anjos e demônios
que eram seres intermediários na relação da matéria com o espírito. O
serviço principal destes seres intermediários era fazer o homem conseguir
se libertar dos ciclos de reencarnações. Assim, quando Cristo veio ao
mundo, precisou entregar uma parte da sua autoridade a cada um dos
intermediários como uma tarifa paga a cada principado. Ao chegar a terra
estava tão enfraquecido que a sua morte aconteceu devido a sua
inferioridade aos anjos e demônios.
A blasfêmia deste ensino torna a pessoa de Cristo e a Sua mediação
des guradas. Para sustentar essa possibilidade, Cristo se torna apenas um
espírito com aparência de homem (Docetismo)21, ou o que aconteceu foi
que, no ato do batismo, Jesus foi ungido com o espírito de Cristo até antes
da sua morte e Jesus não passava de um mortal comum (Cerintianismo)22.
Esse sincretismo era um forte assalto à autoridade de Jesus, tornando-o
sem poder para salvar e conduzir o homem. Sua mediação de nada valia.
Para que viver para Ele? Em que Ele serve de exemplo? Adianta pedir Sua
ajuda e amparo no presente? Como esperar uma salvação futura? Como
adorá-lo, honrá-lo? De que serve a oração?
21Significado de Docetismo (doceta+ismo). Heresia dos séculos II e III que negava houvesse tido Jesus
Cristo corpo verdadeiro e afirmava que só em aparência nascera, vivera e sofrera. Retirado do site http://
www.dicio.com.br/docetismo/ no dia 31/03/2011 às 17:40.
22Fundador Cerinto, acreditava que Cristo não nasceu como Deus, mas tornou-se Deus no batismo. Quando
morreu, Deus o abandonou para recebê-lo na sua 2ª vinda, no final dos tempos. Retirado do livro: Pequena
História das Heresias; João Ribeiro Jr.; Ed. Papirus.
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Jesus ca diluído e misturado com outros elementos para sustentar a vida.
Ele deixa de ser modelo e alvo da con ança única, cando restrito a
algumas áreas da vida e con nado a salvar apenas no dia nal.
Esse é o primeiro elemento que precisamos considerar como obstáculo a
uma vida de crescimento - Um Jesus fraco, misturado com a cultura e
desprovido de poder e autoridade, diluído e que precisa ser misturado a
outros elementos (deuses) a m de prover uma vida digna de ser vivida.
No tempo presente todos os problemas pelos quais passamos possuem
soluções mais e cazes e poderosas do que a pessoa bendita de Jesus.
Desde doenças até questões nanceiras, de traumas a problemas estéticos,
de insegurança até falta de educação, de academicismo até falência familiar,
de garantia de futuro até as questões morais, de religião até a gestão do
tempo pessoal, tudo na nossa vida tem um especialista ou tratamento que é
mais e caz ou poderoso do que Jesus. Ele pode ser descartado ou quando
muito colocado como um amuleto para dar bons uidos ou servir de
autenticador de desejos ilícitos sob a desculpa de que foi a “vontade de
Deus”.
A vã sutileza do nosso tempo estabelece que a nossa relação com Deus não
precisa ser de dependência por que Jesus é fraco quando comparado ao
poder de um analgésico quando há alguma dor. Jesus é incompetente para
garantir o futuro quando comparado a um ingresso em uma instituição rica e
poderosa. Jesus é pouco útil para resolver problemas emocionais quando
comparado a um romance casual ou a um psicólogo ou ainda a um m de
semana cheio de prazer. O Jesus do nosso tempo é fraco, desatualizado,
inútil e sem atrativo.
Assim como no primeiro século, para haver crescimento genuíno, é
necessário que Cristo seja supremo. Capaz de nos satisfazer
completamente. Su ciente em todas as ocasiões. Ele não pode ser um
adendo que embeleza os outros elementos da vida, não pode ser um
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ingrediente que somado a outros torna a nossa vida melhor. Ele é tudo ou
então o Jesus que se cita não é Ele.
Como diz o Salmo 23:1 “O Senhor é o meu pastor, nada me faltará.” O
salmista está completamente satisfeito com o perfeito cuidado do pastor.
Tendo Deus como pastor todas as outras questões da vida já estão
completamente resolvidas.
Ele a rma que esse pastor o levará para situações de provisão (verdes
pastos), de limpeza de consciência e tranquilidade (aguas tranquilas), de
prazer e satisfação profundos (refrigerar a alma), de segurança e coerência
(veredas de justiça).
Ensinando que Deus é totalmente competente para conduzir o ser humano a
uma vida plena e isso tudo por causa do amor que Deus tem ao Seu próprio
nome, o que revela que a Sua competência é avalizada pela Sua identidade.
Mas a continuidade do Salmo revela ainda mais. A su ciência de Deus não é
provada apenas pelo lado bom da vida, mas também pelos percalços que
acontecem. Pois Deus é o guia que conduz a vida nos momentos mais
tensos, cheios de medos, perdas, insegurança, desesperança, saudade e
profunda dor (vale da sombra da morte) trazendo resiliência através da Sua
maravilhosa presença e é e ciente também para resolver interiormente e
exteriormente todos os problemas de relacionamento quebrados que
aconteçam (“preparas uma mesa perante mim na presença dos meus
inimigos”) preparando psicologicamente (unção - decisão) e
emocionalmente (transbordar - perdão) para esta restauração.
2.1.4.2. VÃS FILOSOFIAS
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Em decorrência desta insu ciência de Jesus, o cristão que busca crescer é
levado a usar as disciplinas espirituais por dois caminhos
concomitantemente errados: ascetismo religioso23 e/ou antinomianismo24.
2.1.4. 2.1. ASCETISMO RELIGIOSO
De acordo com o apóstolo Paulo, em Cl 1:8 “Cuidado, que ninguém vos
venha enredar com sua loso a…” o outro engano possível é tentar
comprovar a vida de santidade a partir do acúmulo de conhecimento sobre
Deus.
Neste contexto, o verbete “ loso a” denota qualquer tipo de conhecimento
acumulado sobre Deus ou sobre qualquer outro assunto. Então, o que Paulo
está dizendo é que é preciso se ter muito cuidado para não acreditar que a
verdadeira maturidade é con rmada pela quantidade de conhecimento que
uma pessoa consegue ter.
“O Calvinismo entendeu que o mundo não deveria ser salvo por meio de um
losofar ético, mas somente através da restauração da compaixão da
consciência. Portanto, não entregou-se ao raciocínio mas apelou
diretamente para a alma e colocou-a face a face com o Deus vivo, de modo
que o coração temeu sua santa majestade e nessa majestade descobriu a
glória de seu amor.”25
Os fariseus, por exemplo, tinham um vasto conhecimento sobre Deus, mas
Jesus os chamou, certa vez, de lhos do diabo (Jo 8.44). É impossível que
algum lho do diabo apresente santidade, o máximo que ele vai apresentar é
26John MacArthur Jr. Nossa Suficiência em Cristo: três influencias letais que minam sua vida espiritual. São
Paulo. Fiel, 2015
27 Breve Catecismo de Westminster. São Paulo, Cultura Cristã. 2003, P. 13.
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o enlevo espiritual sem os méritos de Jesus. Antes, todas as disciplinas
precisam ser sujeitas à obra e aos afetos de Cristo, mediante o Seu Santo
Espírito, ministrados ao homem por direção divina.
O crescimento que nasce de um coração que prescinde da graça de Deus,
revelada em Jesus, é articulação demoníaca que se embrenhou no coração,
sob o engano de ser espiritualidade verdadeira. O ascetismo tem a incrível
capacidade de tornar o homem digno aos seus próprios olhos com o
pretexto de santidade.
Desde os primórdios do cristianismo, este mal vem grassando
perversamente o relacionamento mais íntimo dos cristãos, retirando deles o
signi cado do crescimento. O homem auto-su ciente exercita a piedade
apenas de si para si mesmo ou em público a m de ser nutrido no seu
orgulho.
Existe uma outra vã loso a que se emaranha na linguagem do evangelho
tentando perverter a beleza da relação apaixonada entre Deus e o Seu povo.
Essa loso a é chamada antinomianismo.
Como o próprio nome já expressa, o antinomianismo é a tentativa humana
de criar uma justiça e uma lei propria, que se adeque melhor ao estilo de
vida pessoal. É uma tentativa arrogante de fugir da justiça e da aplicação da
lei, sendo também extremamente sutil e destrutivo para o crescimento
cristão. Ele se apresenta multifacetado teologicamente, o que explicaremos
a seguir.
2.1.4. 2.2. ANTINOMIANISMO CENTRADO no ESPIRITO
É aquele que coloca a con ança na ação inspiradora do Espírito Santo,
rejeitando qualquer necessidade de ensino da lei sobre como viver.
Funciona assim, o indivíduo se ver liberto da lei como meio de salvação, o
que é certo, então admite para si mesmo a independência da Lei como guia
moral, o que é errado. Pois como a própria Escritura a rma que “a Lei é
santa, e o mandamento é santo, justo e bom” (Rm 7.12). No Novo
Testamento a Lei é reiteradas vezes a rmada como sendo inerentemente
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boa por causa do seu caráter ético e moral re etirem a santidade, a justiça e
a bondade do próprio Deus (1 Pe 1:15-16; Rm 6:18,22 e 7:12-14).
Paulo ensinava insistentemente a igreja de Corinto de que uma pessoa
verdadeiramente espiritual reconhece a autoridade da Palavra de Deus por
meio dos apóstolos de Cristo (1 Co 14:37; 7:40), isso por que a igreja de
Corinto, que se entendia cheia do Espírito, pendia fortemente para esse tipo
de carnalidade disfarçada de autoridade espiritual.
Nos primeiros 150 anos da Reforma, esta espécie de antinomianismo
ameaçava frequentemente o amadurecimento da igreja.
É fácil identi car esse erro na pratica, pois ele acontece quando há total falta
de disciplina espiritual, colocando no orgulho do ser humano a capacidade
de entender e discernir a vida, e não a partir das Escrituras.
Na maioria dos casos do tempo presente, a linguagem usada é a da
experiência pessoal, em que orescem os sentimentos como
discernimentos o ciais da voz e dos caminhos de Deus. O crescimento ca
manietado aos desejos, aos sentimentos irre etidos e relativista dos
homens. É uma busca por um Deus sem uma vontade própria que vá além
ou contraria as engenhosidades humanas.
A única autoridade real para guiar e instruir cristãos para a maturidade é a
Palavra de Deus.
Um exemplo bem conhecido desse tipo de antinomianismo é quando
pessoas querendo ascender hierarquicamente, em um determinado grupo
cristão, usa dons extraordinários para impressionar ou autenticar sua
maturidade espiritual.
A igreja brasileira está repleta de situações como estas, revelando o quanto
somos uma igreja imatura e sensacionalista. Em muitos ambientes a
formação espiritual do cristão está totalmente desacreditada por causa de
pessoas que agem assim, obstruindo a Palavra de Deus pelo uso indevido
ou impreciso de seus dons e recursos. Em muitos desses casos as ovelhas
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frágeis e recém nascidas são traumatizadas e tropeçam por causa de tais
ego.
2.1.4. 2.3. ANTINOMIANISMO CRISTÃO
Em segundo lugar, o antinomianismo centrado em Cristo argumenta que
Deus não vê pecado nos crentes porque eles estão em Cristo, que cumpriu
a lei por eles, e, portanto, o que eles fazem de pecado realmente não faz
nenhuma diferença, desde que continuem crendo.
A falta de interesse por Cristo decorrente desta linha de argumento é a
prova mais concreta da sua falácia. O interesse é pela liberdade de
consciência e não por Cristo. Havendo, nestes termos, liberdade de
consciência, o ser humano se torna autóctone e sem nenhum apetite por se
relacionar ou se submeter a Deus.
Toda consciência ca con nada no exercício de uma auto-análise cheia de
justi cativas sobre o porquê pode ou não pode fazer ou ser algo. Mais uma
vez é uma piedade se si para si mesmo. O espírito cristão se esvazia de seu
maior privilegio, buscar e conhecer alguém superior, transcender.
Os textos de 1 João 1:8-21 e 3:4-10 apontam para uma direção diferente,
mostrando que não é possível estar em Cristo e, ao mesmo tempo, admitir o
pecado como um estilo de vida. No tempo presente, se vê a su ciência da
consciência humana como medida para determinar a relação com Deus, por
isso, há tão pouco do verdadeiro espírito de contrição e arrependimento.
Certa vez estive aconselhando uma pessoa que se a rmava cristã e mesmo
assim estava desejando destruir um casamento para car uma das partes.
Apos um grande período de conversa e leitura de textos da Palavra que
claramente revelavam o quanto aquele desejo afrontava as Escrituras, a
pessoa usou um argumento inteiramente antinomiano cristão, pois disse que
se suas ações direcionadas aquele casamento conseguissem o seu desejo
ainda assim sua relação com Deus em nada seria afetada, pois sabia que
Cristo já tinha pago o preço por aqueles pecados também. Portanto,
permaneceria no seu intento de terminar aquele casamento.
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Na igreja destes dias os escândalos de pessoas em função de liderança se
proliferam e muitos dos que praticaram tais atos se justi cam atenuando o
pecado e acusando a própria igreja de ser o seu algoz. Mesmo que isso
aconteça em muitas ocasiões, é preciso considerar biblicamente que sofrer
a injustiça e perseguição são partes constituintes de uma vida realmente
piedosa como Jesus prometeu em Mateus 5:10 e 11. E ainda em 1 Pedro
2:19 e 20 a Palavra ensina que “é louvável que, por motivo de sua
consciência para com Deus, alguém suporte a ições sofrendo injustamente.
Pois que vantagem há em suportar açoites recebidos por terem cometido o
mal? Mas se vocês suportam o sofrimento por terem feito o bem, isso é
louvável diante de Deus.”
Desta maneira a Palavra nos ensina que é inadmissível para o cristão usar a
libertação do poder do pecado e da condenação do pecado como pretexto
para viver “em libertinagem, na sensualidade, nas bebedeiras, orgias e
farras, e na idolatria repugnante.”(1 Pedro 4:3) como vivem os ímpios que
nunca conheceram o poder da salvação em Cristo.
É igualmente inadmissível a um verdadeiro cristão render-se à pratica de
pecados sem peso na consciência e sem luta contra esta tentativa do
pecado novamente aprisionar aquele que já foi liberto. Este antinomianismo
usa a obra de Cristo contra o poder do evangelho fazendo o indivíduo
acreditar que é perfeitamente possivel continuar vivendo uma vida de
impiedade.
Onde não há luta contra o pecado não pode haver crescimento. É parte
integrante do verdadeiro evangelho o cristão usar sua fé na Palavra e na
obra de Cristo para lutar ferozmente contra tudo que se levanta em
oposição à vida abundante que Jesus prometeu a todos que o seguissem.
No exercício desta batalha é onde se aprende a usar a Palavra para
“discernir mente e intenções do coração” (Hebreus 4:12), para puri car a
mente e o coração (Efesios 5:26), para ser santi cado por meio da verdade
(João 17:17), para despir-se dos velhos desejos, hábitos e vícios que são
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próprios do velho homem (Efésios 4:22; Colossenses 2:11 e 3:5-9) e para
vestir-se dos desejos, afetos e domínio de Deus que formam os hábitos do
Filho de Deus, para constituir o Novo homem criado segundo Deus, que é
madurado pelo aperfeiçoamento (Colossenses 3:10-17 e Efesios 4:23-32).
2.1.4. 2.4. ANTINOMIANISMO DISPENSACIONAL
Em terceiro lugar, de maneira muito semelhante, mas usando uma outra
linha de argumento teológico há o antinomianismo dispensacional que
sustenta não ser necessário, em nível algum, que os crentes guardem a lei
moral, considerando que já vivemos sob a dispensação da graça, não da lei.
Como no caso anterior é o uso da liberdade que Cristo conquistou a m de
que o ser humano viva seu próprios desejos. Escravo do mundo e das
concupiscências da carne e a dos olhos, além da soberba da vida, este
homem só faz orações conforme diz Tiago28: “De onde vêm as guerras e
pelejas entre vós? Porventura não vêm disto, a saber, dos vossos deleites,
que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais, e nada tendes; matais, e
sois invejosos, e nada podeis alcançar; combateis e guerreais, e nada
tendes, porque não pedis. Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para o
gastardes em vossos deleites.”
O maior nível da oração feita pelo antinomianista dispensacional é este,
pedidos maus. É por isso que o texto segue dizendo: “Adúlteros e adúlteras,
não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto,
qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus. Ou
cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós habita tem
ciúmes?”
Quando um cristão se acomoda em seus próprios prazeres e os justi ca
com explicações como estas sua tolerância ao pecado se torna extensa e
permissiva deixando as afeições por Cristo se enfraquecerem.
Cristo é gracioso, mas não é desejável. Deus é Bondoso, mas não é
anelado. Pois os apetites estão corrompidos por uma falsa justi cativa. Não
32 (Mt 23.13,15).
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No tempo de Calvino, foi estabelecido um veto para os crentes a partir do
entendimento de que nem toda relação pessoal com o mundo não
convertido deve ser considerada lícita. Este veto era contra a in uência
muito profana do mundo, ou seja, o jogo de cartas, o teatro e a dança. Este
é o princípio de que todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm.
Quando as coisas começam a dominar o comportamento do homem, ainda
que sejam perfeitamente lícitas, passam a se tornar inconvenientes, pois o
crente não deve se deixar dominar por nenhuma delas. Esse é o
entendimento bíblico, de que no momento em que “Deus nos regenera, -
isto é, ele reacende em nosso coração a lâmpada que o pecado tinha
apagado. A conseqüência necessária desta regeneração é um con ito
irreconciliável entre o mundo interior de nosso coração e o mundo exterior, e
este con ito é tanto mais intenso quanto mais o principio regenerativo
prevalecer em nossa consciência.”33
As disciplinas espirituais são meios que o homem se utiliza para depender
de Deus em todas as questões da existência. Mas, quanto a questão da
sabedoria, Tiago diz: “se, porém, algum de vós necessita de sabedoria,
peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-
lhe-á concedida.” A oração é sempre um divisor de mente transformando o
entendimento para o indivíduo saber plenamente o que é lícito e o que não
convém.
2.1.4. 4. O engano das experiências sobrenaturais
O terceiro alerta que Paulo faz é sobre o possível engano de alguém querer
autenticar uma vida de santidade baseada em experiências sobrenaturais,
conforme ele escreveu em Cl 2.18: “Ninguém se faça árbitro contra vós
outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões”.
Pelo texto se entende que as experiências sobrenaturais ou místicas não
podem ser um sinal que comprova a verdadeira santidade. Tais experiências
33 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
São Paulo. Cultura Cristã, 2002
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podiam e ainda podem ser encontradas em todo tipo de religião, mesmo
entre aqueles que nunca ouviram falar de Deus.
Há pensadores que a rmam que a vida cristã deve manter-se longe do
recinto do intelecto humano. Neste caso, ela deveria se expressar por meio
de sensações místicas. “No campo da religião, as inclinações místicas e
éticas são saudadas com entusiasmo, mas neste mesmo campo o intelecto,
como conduzindo a alucinações metafísicas, deve ser amordaçado.”34
As pessoas que receberam a carta do apóstolo não deviam acreditar que
aquelas pessoas que estavam vendo e adorando anjos eram mais santas.
Os pagãos, por imaginarem que Deus era inacessível, começaram a buscar
ajuda e revelação de anjos e as tiveram. Miguel, o líder das hostes
angelicais, era largamente adorado na Ásia Menor e a ele eram atribuídas
muitas curas miraculosas. Com base nessas visões, muitos se imaginavam
espirituais, andando na suposta verdadeira santidade. A essas pessoas
Paulo diz não.
Por outro lado é necessário lembrar o que diz Robert S. Paul, na sessão
temas missiológicos do livro Grandes Temas da Tradição Reformada: “...
nossa tentação hoje pode ser precisamente a oposta – enfatizar a
racionalidade às expensas do testemunho interno do Espírito. Se esta é a
tentação , devemos observar que foram os ‘Old Lights’, aqueles que
valorizaram a compreensão puramente racional da Escritura e os Símbolos
de Westminster, que caíram como vítimas do racionalismo cultural de seu
tempo e abriram o caminho para o deísmo.”35
De um lado há perigo e do outro também. Para que um amadurecimento
espiritual sadio acontecesse na igreja de Colossos, Paulo chega a seguinte
conclusão: “Tais coisas, com efeito, têm aparência de sabedoria…todavia,
não têm valor algum contra a sensualidade”36 É como se o apóstolo
34 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
35 Donald K. McKim, ed. Grandes Temas da Tradição Reformada. São Paulo: Pendão Real, 1998, 397 pp.
36 Colossenses 2:23
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estivesse dizendo que, enquanto a vida cristã estiver centralizada no
homem, ou seja, na sua capacidade intelectual, enquanto estiver sendo
operada de fora para dentro através da religiosidade, ou enquanto estiver
fundamentada em êxtases espirituais, ela não será capaz de resistir sequer
aos apelos da carne e por isso revelam-se enganosas na medida da sua
ine ciência .
Sendo assim, apesar de parecerem sinais da verdadeira santidade, essas
referidas práticas e expressões não conseguem refrear os impulsos da
carne; antes, muito facilmente os promovem.
Ao tratar destes problemas graves que sorrateiramente entrava na igreja do
Novo Testamento o Apóstolo Paulo apresenta a Obra de Cristo como sendo
o único e verdadeiro fundamento pelo qual o homem pode aspirar a Deus,
mas esta Obra da Cruz além de ser porta para o verdadeiro caminho
também é o próprio caminho revelado em Jesus.
Ao combater os erros que queriam se assenhorear da igreja o Apóstolo
sempre trazia uma revelação mais profunda e poderosa dos efeitos da Obra
da Cruz no coração do el. Era o antídoto que estava sendo derramado na
ferida espiritual da igreja para que ela casse completamente curada e com
sua espiritualidade cada vez mais sadia.
Bem que já nos advertia o nosso mestre: “Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor! Entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu
Pai que está nos céus. Muitos naquele dia hão de dizer-me: Senhor, Senhor!
Porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não
expelimos demônios, e em teu nome não zemos muitos milagres? Então,
lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que
praticais a iniquidade”.37
2.1.5. Formação integral deve produzir Piedade
Longe de produzir esteriótipos comportamentais e loso as destrutivas, a
obra de Cristo, na medida que amadurece gera piedade. O crescimento
37 Mateus 7.21-23
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integral do cristão o conduzirá ao uma vida piedosa, que em essência é um
estilo de vida que desfruta de um profundo e íntimo relacionamento com
Deus em todas as áreas.
Piedade é a tradução do grego da palavra "eusebeia" que tem sua raiz em
‘eu’(bem ou bom) + ‘sébas’, (respeitar ou adorar a Deus), quer dizer, o
piedoso é aquele que é bom, de qualidade, alguém que é um el e santo
adorador de Deus. Sendo usado normalmente o conceito de que piedoso é
aquela pessoa que anda com Deus. Entretanto, o conceito de piedade não
está restrito ao cristianismo e pode ser entendido de forma equivocada.
2.1.5.1.O CONCEITO de PIEDADE no PERÍODO da GRECIA ANTIGA
O preceito da religião grega mandava “honrar os deuses”. Na Grécia antiga,
o homem piedoso é aquele que assume os seus deveres para com a
divindade e ao mesmo tempo é obrigado à prática da generosidade para
com os seus concidadãos, especialmente os familiares.
No período helenístico a ε σέέβεια foi ganhando novas nuances nesse
dinâmica de dupla exigência de deveres face aos deuses e para com os
familiares. Com o tempo, porém, o termo foi-se restringindo mais ao campo
religioso. Assim, a piedade passou a referir-se sobretudo aos deuses,
santuários de culto ou aos mortos. O conceito mais moderno de piedade
consistia no reto exercício da religião, isto é, no cumprimento das normas e
atos devidos aos deuses.
2.1.5.2. O CONCEITO de PIEDADE no PERIODO HELENISTICO-
ROMANO
Quando Roma vence a Grécia o conceito ganha novas informações
advindas da cultura romana. Piedade passa a se referir aos comportamentos
de respeito e reverência para com os pais, os parentes em geral ou o
imperador.
O homem piedoso é aquele que se mantem respeitoso com os deuses e
mantem uma atitude respeitosa para com os seus superiores. Esse respeito
é uma obrigação incondicional. E é entendida como virtude a ser buscada
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entre outras. Esse comportamento deveria seguir um conjunto de ações
rituais ou cultuais e manter um estado de alma com obrigações morais
condizentes.
2.1.5.3. O CONCEITO de PIEDADE no Período CRISTÃO
No mundo do Novo testamento a piedade é reinterpretada. Só que agora é a
partir de Cristo. Segundo Agostinho de Hipona, a piedade cristã é um
determinado tipo de conduta para honra e serviço a Deus que brota da fé e
se efetiva na vida cotidiana, mais que no culto.
Como ensinou Calvino, a piedade inclui conhecimento genuíno de Deus,
culto sincero, fé salví ca, temor lial, submissão no espírito de oração e
amor reverente, tudo, efetivamente, para a glória de Deus, visto que, o alvo
da piedade, bem como de toda a vida cristã, é a glória de Deus.
Das quinze ocorrências da palavra eusebéia (“piedade”) no Novo
Testamento, nove se encontram nestas duas cartas a Timóteo (1 Tm 2.2;
3.16; 4.7,8; 6.3,5,6; 2 Tm 3.5). Lendo cada um destes textos, podemos
perceber com cristalina nitidez que este termo é um grande conceito
especialmente em 1ª Timóteo.
“A religião verdadeira consiste em viver de tal modo que a mente humana
esteja em perfeita união com a verdade da qual depende no seu ser e no
seu agir, enquanto mente racional, sem interposição de nenhuma criatura ou
fantasma do espírito. Essa verdade plena com a qual a mente se une sem
intermédio de qualquer criatura não é senão o Verbo de Deus e a fonte de
toda verdade.”38
Piedade tem a ver com a vida cristã em um plano mais elevado; não é
meramente uma experiência religiosa; segundo o ensino do Novo
Testamento é muito mais que isso. Tem a ver com um viver relacional com a
Pessoa do Filho de Deus. Conhecer a Deus cada dia mais.
De fato a piedade é um determinado tipo de prática que não se refere a
comportamentos cultuais ou observâncias legais, mas se refere a honrar e
39 2 Pedro 1:5- 7
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Aqui não está sendo descrito somente o que caracterizava sua vida de
Paulo, que ele apresenta como modelo (v.17), mas que esse modelo deve
ser o estilo de vida de todos nós. Estes três princípios determinam toda
nossa formação espiritual. Aqui está toda nossa espiritualidade cristã:
conhecer, ganhar e ser achado em Cristo. É de vital importância para nossa
saúde espiritual que compreendamos este ponto. Poderíamos destacar a
Oração e a Palavra como princípios essenciais para uma vida piedosa;
porém, a Oração e a Palavra não terá efeito nenhum se nós não atentarmos
decididamente a compreender o que signi ca em nosso viver diário estes
três fundamentos. A piedade está no amor adorador que nos direciona
internamente para Jesus. É um grande romance, uma paixão que determina
todo o nosso comportamento.
Portanto, a vida cristã tem como base o relacionamento com a Pessoa de
Cristo. Conhecer Cristo é a base da vida cristã. A vida espiritual de Paulo
começou quando no caminho de Damasco Ele conheceu esta bendita
Pessoa. Ele perguntou: “Quem és tu Senhor” (At 9:5), e a resposta foi: “Eu
sou Jesus, a quem tu persegues”. Sem o conhecimento de Cristo não há
vida cristã. Toda experiência espiritual que desejarmos ter deve ser derivada
do conhecimento desta bendita Pessoa.
A pergunta que devemos fazer a nós mesmos é: a nossa experiencia de
conhecer Jesus, nos faz parecer que todas as coisas são como nada? Ou
ainda existe algo mais importante e nos impede de nos entregarmos
completamente a Cristo?
Não se esqueça que a nossa maior necessidade é conhecer a Cristo! Este
conhecimento não é puramente um conhecimento teológico religioso, e sim
um conhecimento experimental. Um conhecimento baseado na experiência
cotidiana.
Percebamos que para o Apostolo o conhecimento de Cristo é uma
experiência ascensional. Paulo diz: “prossigo para o alvo, para o prêmio da
soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (v.14).
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Que passagem tremenda! “Prossigo”, que expressão maravilhosa é usada
aqui por Paulo. A tradução desta palavra nos dá duas ideias interessantes:
1ª)“procurar ansiosamente”; 2ª) “esforçar-se com todo o empenho para
adquirir”. Estas duas descrições nos mostram que se Cristo é nossa busca
constante, há em nós uma ansiedade continua de conhecê-Lo mais, e,
portanto, não hesitaremos, e persistiremos em alcançá-Lo cada dia mais e
mais para nosso inteiro desfrute.
Perceba o que o Apostolo está dizendo: “... mas prossigo para conquistar
aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus”.
Gosto muito como Eugene Peterson na Versão da Bíblia, a Mensagem,
descreve essa parte: “prossigo para Cristo, que me alcançou de uma forma
impressionante”. Me alcançou de uma forma impressionante, é como
podemos descrever o sentido desta expressão: “prossigo para Cristo”. A
maneira como Cristo me alcançou me lançou numa jornada de busca a Ele
que molda e determina todos os aspectos da minha vida. Isso é piedade.
“... alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”.
O “Alvo” é o “prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. Que
“prêmio” é este? A resposta está nos versos anteriores (Filipenses 3:4 a 10),
que descrevem que Paulo persistia com todo empenho para ganhar a Cristo
e ser achado Nele. Esta era a vocação ascensional. O premio é o próprio
Deus em Cristo. A palavra “soberana” no original pode ser traduzido como
“coisas do alto”, ou “ascensional”.
Em Colossenses 3:1 e 2 podemos encontrar essa palavra: “Portanto, se
fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto,
onde Cristo vive, assentado à direita de Deus. Pensai nas coisas lá do alto,
não nas que são aqui da terra”. Aí está algo precioso, que ilustra o que é a
piedade em seu sentido pleno.
Piedade tem a ver com a vida cristã em um plano mais elevado; não é
meramente uma experiência religiosa. Segundo o ensino do Novo
Testamento é muito mais que isso. Tem a ver com um viver relacional com a
Pessoa do Filho de Deus.
Essa vida relacional, de busca apaixonada por Jesus, delineia e aperfeiçoa
todo o nosso ser. É precisamente isso que é o processo de formação
espiritual. Um amadurecimento gradativo que segue constantemente se
nutrindo da obra consumada de Cristo. A transformação ética, moral,
comportamental, de temperamento e personalidade seguem paulatinamente
o que já está conquistado e posto no novo caráter da nova criatura criada
em Cristo segundo Deus. “Pois somos criação de Deus, realizada em Cristo
Jesus para vivermos em boas obras, as quais Deus preparou no passado
para que nós as praticássemos hoje. A nova humanidade em Cristo.”40
2.2. Segunda Base - A Vocação da Nova Criatura
“Professor: Qual o principal objetivo da vida humana?
Estudante; É conhecer a Deus.
Professor: Por que você diz isso?
Estudante: Porque Ele nos criou e nos colocou na terra para ser gloriftcado
em nós. E, certamente, é correto que dediquemos nossa vida à sua Glória,
já que Ele é o princípio dela”41
O segundo elemento que é base de sustentação na formação espiritual de
todo crente, mas é especialmente importante para quem assume papel de
liderança na igreja, é entender biblicamente a sua vocação. Isso é, para que
você vive, trabalha, se esforça e produz.
O que a bíblia nos ensina sobre a nossa vocação é que a nossa relação com
o mundo se faz a partir do fato de que Cristo é o Mediador de tudo.
Por que Deus estava em Cristo reconciliando consigo mesmo todas as
coisas, descobrimos a magnitude da Sua obra. Ela diz respeito a toda a
criação, não apenas a nossa identidade foi restaurada, mas todas as coisas
foram recolocadas na posição original. Como imagem de Deus somos
43David Jacobus Bosch. Missão Transformadora. Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão, 2ª.
edição, Sinodal, São Leopoldo, 2007, pp 619.
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os quais, tendo-se tornado insensíveis, se entregaram à dissolução para,
com avidez, cometerem toda sorte de impureza”44.
Os que nasceram de novo através da obra consumada de Cristo não são
assim. Eles receberam o Espirito Santo que os faz entender e discernir a
vontade de Deus. São conduzidos pelo Espirito através da humildade e
submissão a Deus para todo trabalho que Deus quer fazer na terra.
“A Escritura usa esta palavra VOCAÇÃO para mostrar que uma forma de
viver não pode ser boa nem aprovada, a não ser que Deus seja o seu autor.
E esta palavra VOCAÇÃO também quer dizer "chamado"; e este "chamado"
implica em que Deus faça sinal com o dedo e diga a cada um: quero que
vivas assim ou assim.45”
Trata-se portanto de participar da atividade do que Deus está fazendo. “A
missão é o sim de Deus ao mundo; a participação na existência de Deus no
mundo”.46
O crente portanto, crer que Deus tem uma missão e ele se entrega para
participar dessa missão, a Missão de Deus.
Esse entendimento é chamado de Missio Dei e remonta os tempos da
patrística nos séculos II-V, onde aconteceram através dos Concílios as
de nições chamadas trinitárias.. Naquele tempo os Pais da Igreja
compreenderam que a vocação derivava diretamente do Deus que está
operando na terra, está em missão. Foi a partir disso que se cunhou a
expressão missio Dei.
“Participar da missão é participar do movimento de amor de Deus para com
as pessoas, visto que Deus é uma fonte de amor que envia.”47 Pelo fato da
missão derivar-se diretamente da natureza de Deus, então foi posicionada
CALVINO. João. Sermão XLIV sobre a harmonia dos evangelhos: Mt. 3:11-12. OPERA CALVIN), tomo
45
XLVI,p. 554.
46 David Jacobus Bosch. Missão Transformadora. Mudanças de Paradigma na Teologia da Missão.
47 ibid.
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como doutrina da Trindade, entendendo que todas as outras missões
derivam diretamente dela.
Durante a idade Média houve muitas distorções desse entendimento e a
igreja assumiu o protagonismo da missão, sendo ela mesma o começo, o
meio e o m da vocação dos éis.
A Reforma protestante retomou o entendimento da Missio Dei,
especialmente através da doutrina do Sacerdócio Universal de todos os
santos. As expressões de buscar o Reino de Deus e a Sua justiça tinham
objetivamente a ver com se colocar submisso em profunda reverencia à
vontade de Deus para executar os Seus Santo desígnios na terra.
Vários movimentos missionários aconteciam como fruto dessa total entrega.
Movimentos como os Huguenotes em 1655 que aportaram na Baia de
Guanabara, o Movimento dos Puritanos na Inglaterra, Escócia e Hungria,
movimento Pietista nascido com Francke August Hermann e o Movimento
Moraviano começado com Nicolau Ludwig Von Zinzendorf , para citar
alguns dos mais importantes.
Depois com a chegada do Iluminismo houve um esmaecimento do sentido
vocacional na igreja, só sendo retomado na Conferência Missionária de
Brandemburgo, na Alemanha, em 1932, onde foi lido um trabalho de Karl
Barth que descrevia a missão como atividade de Deus. Aquele foi um
grande momento de retomada do conceito de vocação para a igreja. a
nalidade da Igreja não estava em si mesma, mas em fazer a obra de Deus.
Essa retomada de Barth foi crucial. Mas só depois de 20 anos, em 1952 que
na Conferencia de Willingen a in uencia da assertiva de Barth chegou ao
seu ápice. Sendo citado por George Vicedon na naquela Conferência, já
tomado pela in uencia de Karl Barth, ele disse: “Deus é o sujeito ativo da
missão. Deus o Pai enviou o Seu Filho, e ambos enviaram o Espírito Santo.
A Trindade envia a igreja e os crentes em particular, para cumprir a tarefa da
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Grande Comissão”48. Ou seja, a igreja é enviada para dentro do mundo pelo
Pai, Filho e o Espírito Santo.
Depois de um novo esmaecimento da vocação da igreja relacionado à
relativização de valores, como o conceito da verdade, que chegou junto com
o Modernismo e especialmente o pós-modernismo, houve uma retomada do
entendimento da Missio Dei através de um Congresso Mundial de
evangélicos em 1974 na cidade de Lausanne, na Suíça com a presença de
mais de 150 nações.
Lá foi feito um pacto, o Pacto de Lausanne que serviu como um “relevante
instrumento para a de nição.. (da vocação da Igreja como um)
comprometer-se com o propósito de Deus, a saber: ser serva e testemunha
de Deus, vivendo à altura do Reino e da Glória de Deus, edi cando-se a si
mesma como o Corpo de Cristo que anuncia a todo o mundo o Reino de
Deus e Sua Glória”49. Era a retomada da vocação dos éis como uma
inclusão no que Deus está fazendo na terra.
Nosso Deus é um Deus missionário. Desse modo, como um movimento de
Deus em direção ao mundo, a igreja é vista como um grupo de pessoas
convocadas a tomar parte nessa missão, isso é a vocação.
Portanto, nossa vocação não tem vida própria, determinada por cobiças ou
impossibilidades. Ela é posta nas mãos do Deus que ao nos enviar ao
mundo, passamos a participar da Sua missão. Nossas vocações só são
autênticas na medida em que re etirem a participação na missão de Deus.
A missio Dei é a atividade de Deus, a qual abarca tanto a igreja quanto o
mundo e na qual a igreja tem o privilégio de poder participar. A vocação
portanto, é uma série de recursos e competências que foram entregues
por Deus…
50 Mateus 25:24-25
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Perceba que a descrição que ele faz do senhor não é condizente com a
maneira com que o senhor tratou os outros dois.
O texto nos revela que ele não conhecia esse senhorio. Ele viveu a vida
como que se escondendo de Deus. É uma vida sem nunca considerar o
senhor como sendo o seu senhor. E a condenação51 dele revela que na
verdade esse tal homem nunca tinha tido a salvação. Foi uma vida cuja
vocação nunca serviu ao seu legitimo propósito, ou seja trazer Gloria para
Deus. Portanto, o juízo cai sobre ele não por causa da sua falta de mérito,
mas sobretudo por causa da sua falta de relação e conhecimento com o seu
senhor. Ele é condenado por não conhecer o seu senhor e isso lhe fez viver
uma vida sem serví-lo.
51 Mateus 25:30 “E o servo inútil, lançai-o para fora, nas trevas. Ali haverá choro e ranger de dentes.”
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demandar. O serviço ui como fruto do relacionamento de amor baseando-
se na conquista da cruz. “Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus
para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos
nelas.”52
Essa provavelmente é uma grave tensão na qual todo obreiro passa. O
perigo de usar o ministério para se a rmar. Negando assim a su ciência da
obra consumada de Cristo. Sorrateiramente os elogios ou as criticas tomam
o lugar da obra da cruz e vão mexendo com o nosso orgulho. O empenho
passa a ser por resultado e não mais como fruto do gracioso relacionamento
com Deus. Todo esforço por resultado mundano, seja ele honra, conquistas,
títulos, salário, números positivos no saldo, demonstram que o coração do
servo não está mais ligado ao seu Senhor, mas segue olhando para si, sem
perceber os próprios limites que lhe foram dados pelo seu Senhor.
Esse olhar para si mesmo é o mesmo processo do não-cristão. Como ele
não conhece bem ao seu Senhor, segue vivendo a vida para si. Muitas vezes
se esforçando até mais que o cristão, mas apenas querendo resultados que
servirão ao propósito de lhe a rmar. Coisa essa que nunca o a rma de
verdade.
É uma vida de canseira e enfado cheia de desgostos conforme nos diz o
livro de Eclesiastes 2:22-23 “Pois que tem o homem de todo o seu trabalho
e da fadiga do seu coração, em que ele anda trabalhando debaixo do sol?
Porque todos os seus dias são dores, e o seu trabalho, desgosto; até de
noite não descansa o seu coração; também isto é vaidade.”
O servo que tinha cinco chegou a ter mais cinco e o que tinha dois chegou a
ter mais dois, e ambos ouviram “Muito bem, servo bom e el; foste el no
pouco, sobre o muito te colocarei; entra no gozo do teu senhor.” essas
palavras ditas a ele revela que embora aparentemente o Senhor deles não
os scalizasse, na verdade, durante todo o tempo ele esteve observando o
esforço e a motivação deles.
52 Efésios 2:10
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O Senhor os chama de bons e éis. A palavra bom usado aqui no texto tem
o sentido de pessoa honrada, de boa natureza. O Senhor esteve observando
muito mais do que o desempenho deles, sobretudo observava o coração. A
palavra el tem o sentido de digno de con ança, alguém em que se pode
con ar, que mostra-se el na transação de negócios, na execução de
comandos, ou no desempenho de obrigações o ciais, ou seja, na execução
das tarefas é alguém que cumpre cabalmente o que lhe foi entregue. Por
isso o juízo sobre eles é tão favorável. Um coração que está apegado ao
Senhor faz a vida servir ao Senhor. Nesse sentido, a vocação é o serviço a
Deus que extravasa do coração na vida hodierna.
Perceba que o tamanho das suas esferas de atuação é diferente. Nem por
isso alguém cresceu menos que o outro, pois ambos conseguiram crescer
100%. A idéia de terem crescido 100% é de que ambos cresceram tudo que
podiam crescer.
A vocação delimita seu raio de ação, mas não delimita o tamanho do seu
crescimento naquele raio.
Sendo assim, a vocação determina onde trabalho, vivo, com quem convivo
e até onde posso chegar com os recursos e competências que me foram
doadas. A vocação, portanto, está diretamente ligada a todos os trabalhos
que realizo na terra. É por isso que tem determinadas áreas da vida que
sempre que tentamos fazer algo nos damos mal. Perceba que em nenhum
dos casos da parábola houve perda total da vocação. A vocação não é algo
arriscado. Não há perigo de ao se investir na vocação se dá mal. O senso de
realização da vida terrena está diretamente ligado ao desenvolvimento da
vocação. Se entregar para a vocação de Deus é o melhor investimento da
vida.
2.2.4. A Direção da Vocação
A vocação é uma série de recursos e competências que foram entregues
por Deus individualmente para nortear a vida em direção à Deus.
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Por último perceba que todos eles tiveram que comparecer diante do seu
senhor para prestar contas. Os dois que se saíram melhor viveram suas
vocações distintas, mas baseadas na mesma coisa.
Viveram a vocação baseada no relacionamento amoroso com o seu senhor
a quem prestariam conta. Não se sentiram obrigados a nada. Foram
trabalhar com muita dedicação em cima dos recursos e competências que
haviam recebido. Quando a vida de serviço é consequência do medo de
perder, de não conseguir conquistar, de não ter mais, de car sem, termina
por se restringir perdendo seu sabor. O terceiro tinha medo de Deus. Ele
pensava, se eu não guardar é certo que não terei amanhã. É como se ele
não contasse com a bondade de Deus, ou mesmo não contasse com a
provisão que desce do alto. Perceba que o terceiro buscou segurança por
causa do medo.
Enterrar a vocação é tentar viver a partir de outra matriz fora do que Deus
preparou você para fazer aqui na terra.
Ele diz ao seu senhor: "eu tive medo que desse tudo errado, a nal de contas
o senhor é meio carrasco". Enquanto descon armos do caráter de Deus
enterramos a nossa vocação.
Ele achava que provavelmente seus "negócios" não prosperariam. Medo de
perder o que tem!
“O mundo existe para servir à glori cação de Deus e só para este propósito.
Os cristãos eleitos estão no inundo apenas para aumentar a gloria de Deus
obedecendo a Seus mandamentos com o melhor de suas forças. Deus
porém, requer realizações sociais dos cristãos, porque Ele quer que a vida
social seja organizada conforme Seus mandamentos, de acordo com tais
propósitos. A atividade social dos cristãos no mundo é apenas uma
atividade in majorem gloria Dei. Este caráter é pois partilhado pelo trabalho
dentro da vocação que propicia a vida mundana da comunidade.”53
54 Abraham Kuyper. Calvinismo: o canal em que se moveu a reforma do século 16, enriquecendo todos os
aspectos culturais dos povos que o adotaram; o sistema que se traduz em uma genuína cosmovisão bíblica.
pp. 24
55 Ibid pp. 22
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limites. Eles estavam conhecendo quem eles eram à medida que conheciam
a Deus.
A percepção da identidade deles amadurecia e era descortinada diante dos
seus olhos. Aprenderam se ver em Deus. Estavam nascendo de novo. A
Vida Eterna estava irrompendo a morte que os dominava por meio do
pecado. Nunca mais seriam os mesmos. Nunca mais viveriam para si
mesmos.
Estavam sendo apresentados a uma vida superior e não conseguiriam mais
abrir mão desse imenso tesouro - viver com Deus a vida de Deus. Isso é a
identidade do crente.
2.3.1.2. Enviados para trazer o Reino de Deus ao reino dos Homens
(Vocação)
A vida de Deus é operosa, por isso os Seus lho são enviados ao mundo
conduzidos pelo Espirito para trazerem a realidade da Nova criação, os
valores e a cultura do Reino de Deus, às estruturas e hierarquias que
dominam o reino dos homens. Como os homens de Deus o zeram ao longo
de toda história, “os quais, por meio da fé, subjugaram reinos, praticaram a
justiça, obtiveram promessas, fecharam a boca de leões, extinguiram a
violência do fogo, escaparam ao o da espada, da fraqueza tiraram força,
zeram-se poderosos em guerra, puseram em fuga exércitos de
estrangeiros.”56
Os discípulos cam espantados com o poder que lhes fora outorgado pelo
Nome de Jesus conforme a narrativa do evangelho de Lucas 10:1 a 24. O
motivo do espanto era esse: “Senhor, os próprios demônios se nos
submetem pelo teu nome!”57
Então Jesus lhes ensina duas coisas: primeiro, “alegrai-vos, não porque os
espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome está arrolado nos
66 Ibid 5:22 e 23
67 Colossenses 3:10 (Bíblia Almeida Strong)
68 Romanos 8:5 e 6 (Biblia A Mensagem)
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bíblico, deve ser holística se preocupando com a revelação da nova
identidade, com o amadurecimento da vocação a partir da Missio Dei e a
construção de boas atitudes relacionais.
3. DOUTRINAS DA GRAÇA COMO BASE PARA A FORMAÇÃO
TEOLÓGICA
Nesta seção ao descrever a formação teológica do pastor a linha doutrinaria
será baseada nas Doutrinas da Graça, pois entendemos que a profundidade
teológica serve ao ministério como a base de sustentação mais solida para
todos os enfrentamentos e crises que certamente todo crente passa e ainda
mais os que estão investindo suas energias emocionais em um ministério
naturalmente mais árido.
A formação espiritual precisa de um arcabouço teológico bíblico que lhe dê
os limites santos das descobertas da revelação. A formação espiritual
precisa que uma estrutura teológica sólida que lhe segure como o aço
fortalece o concreto lhe dando exibilidade interior, mas apenas até certo
ponto.
Todo cristão que tem consciência da sua salvação precisa ter muito claro
quais são os elementos básicos que sustentam a sua fé.
Eles serão norteadores sobre uma boa e coerente interpretação das
Escrituras. As doutrinas da Graça são esse compendio mínimo necessário
para um bom crescimento espiritual. Mas, quais são as Doutrinas da Graça?
As doutrinas da graça mais conhecidas e que se apresentam de forma
resumida através do acrônimo TULIP, são as doutrinas da Total Depravação,
Eleição Incondicional, Expiação Limitada, Graça Irresistível e Perseverança
dos Santos, que são os elementos essenciais para se aproximar com santa
reverencia de um ensino bem maior, que preenche todos os espaços da
dúvida, produzindo uma boa teologia bíblica, ou seja, o ensino da Soberania
de Deus.
O reformador João Calvino, bem nutrido pelos Pais da Igreja, especialmente
Agostinho de Hipona, foi o principal pai dessas doutrinas. Desenvolveu-as
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através de seus muitos comentários bíblicos e sermões, mas especialmente
através da sua obra principal, As Institutas da Religião Cristã, onde
expressou de forma mais elaborada e objetiva sua teologia cristã.
Entretanto só no Sínodo de Dort, que aconteceu para resolver uma disputa
das igrejas holandesas sobre a ascendente teologia arminiana,
aproximadamente 55 anos depois da morte de Calvino em 27 de maio de
1564, foi que essas doutrinas foram apresentadas ao mundo nesse formato.
Ao mesmo tempo que essas doutrinas são concisas, são também profundas
e completas. É uma excelente base teológica para se partir em direção ao
amadurecimento espiritual.
Por meio dessas doutrinas da Graça podemos crer que a salvação é uma
obra da graça de Deus, do começo ao m, sem qualquer contribuição do
homem.
3.1.TULIP
3.1.1.Total Depravação
“Estar debaixo do pecado signi ca que estamos merecidamente
condenados diante de Deus como pecadores, ou que estamos mantidos
sob a maldição em virtude do pecado. A consequência do pecado é a
condenação.”69 Quando o pecado entrou no mundo, todos os seres
humanos se tornaram totalmente perdidos em seu delitos e pecados.
Através da queda o homem “trouxe sobre si cegueira, trevas terríveis,
leviano e perverso juízo em seu entendimento; malícia, rebeldia e dureza em
sua vontade e em seu coração; e ainda impureza em todos os seu afetos”70.
Alheios à vida de Deus, cegos de entendimento, condenados à morte Eterna
e mortos espiritualmente desde já.
Nesse estado de completa incompetência o ser humano não podia salvar-
se, ou mesmo buscar a Deus a m que Ele o salvasse. “O pecado habita em
71 Richard Baxter. Manual Pastoral de Discipulado. São Paulo, Cultura Cristã. 2008. pp. 54
72 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. São Paulo, Fiel. 1996. pp. 133
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somos levados ao profundo arrependimento, somos colocados na posição
de totalmente indignos diante de Deus, é essa doutrina, a da Eleição, que
nos enche de amor e profundo apego a Deus. Ela arranca de nós os maiores
júbilos de alegria e nos faz totalmente con antes no amor de Deus.
Mais que todas as outras doutrinas, é essa que nos ensina sobre a graça
salvadora e é ela quem nos coloca numa posição de humildade interior.
Gente carente da graça para ser alguém e para permanecer de pé.
A doutrina da Depravação total certamente nos humilha, mas até o ímpio
pode em determinado momento da sua vida se perceber como alguém
perdido e mal, sem contudo haver arrependimento. A nal de contas todo
mundo comete seus erros, ele justi caria. Mas a eleição incondicional não,
ela parte da nossa incapacidade nos a rmando que fomos escolhidos por
Deus apenas por que Ele resolveu nos amar. Não houve uma condição
favorável em nós para que Ele nos escolhesse.
3.1.3. Expiação Limitada
Esse artigo básico da nossa fé trata da abrangência e da natureza da obra
de Cristo. O Teólogo John Owen escreveu umas das melhores e mais
abrangentes obra sobre esse assunto - A Morte da Morte na Morte de
Cristo. Desde quando ele publicou essa obra levantou-se muita polemica
por causa do seu conteúdo ser uma fortíssima contestação da idéia de
Salvação Universal. O Pastor John Piper, escrevendo sobre a obra de Owen
usa seus argumentos da expiação limitada chamando-o de ajuda à
redescoberta do verdadeiro Evangelho.
Piper confronta o tipo de evangelho que é pregado atualmente nas igrejas
declarando que a preocupação dos pregadores é que o evangelho ajude o
homem a conseguir ter “paz, consolo, felicidade e satisfação, e [está] pouco
preocupado em glori car a Deus.”73
A Obra de Cristo é poderosa em sua su ciência e salva completamente o
pecador. Do começo ao m.
73 John Piper. Entre os Gigantes de Deus: uma visão puritana da vida. pp. 136
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Entretanto, essa mesma obra não salva a todos os homens conforme a
doutrina da eleição incondicional. O limite da abrangência dela não está na
sua natureza, pois é divina e totalmente su ciente, mas seu limite é por que
alcança apenas aos que Deus escolheu.
A abrangência dela é limitada pela vontade soberana de Deus. Assim, a
Obra de Cristo, sua expiação, tem como alvo a salvação completa do
homem, tirando-lhe toda culpa e o castigo que ele merecia, conferindo-lhe
uma dignidade incomensurável, demonstrando o imenso amor de Deus,
mais seu m é a gloria de Deus e não a ajuda que o homem pode ter para se
sentir melhor.
Enquanto perdemos a Gloria de Deus como motivação real para todas as
ações de Cristo e tornamos o evangelho viciado no ser humano, e o
descaracterizamos. “Enquanto que o alvo principal do antigo [evangelho]
era ensinar os homens a adorarem a Deus, a preocupação do novo parece
limitar-se a fazer os homens sentirem-se melhor. O assunto do antigo
evangelho era Deus e os seus caminhos com os homens; o assunto do novo
é o homem e a ajuda que Deus lhe dá.”74
Por isso, é tão difícil aceitar a ideia de que a expiação de Cristo tem uma
limitação. Não na sua su ciência, mas sim na sua abrangência.
3.1.4. Graça Irresistível
A doutrina da “graça irresistível se refere à obra soberana de Deus de
sobrepujar toda rebelião do nosso coração e trazer-nos à fé em Cristo Jesus
para que possamos ser salvos.” 75
Uma vez abertos os olhos espirituais pelo Espírito Santo, nós somos
cativados pela obra de Cristo que demonstra, de forma cabal, o maior amor
que o homem pode um dia sentir por sua pessoa, e a fé salví ca brota em
nosso coração.
http://www.ministeriofiel.com.br/artigos/detalhes/434/O_Que_e_a_Perseveranca_dos_Santos acesso 21
77
maio 2019
78 A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo, Cultura Cristã, 2017. pp. 10
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Entretanto, a partir das pesquisas e entrevistas percebemos que a melhor
maneira de se ensinar esse conteúdo, uma vez que os sertanejos são Orais,
não Lineares e Contadores de historia, é por meio do desenvolvimento de
uma boa e grande teologia bíblica, contando as histórias através das
narrativas, aprendendo os discursos dos profetas, dos sábios, as orações e
os cânticos dos Salmistas, os Evangelhos e cartas do Novo Testamento.
Seguindo a ordem cronológica dos fatos vamos revelando a TULIP à medida
que somos tomados de espanto pela grandiosidade do nosso Deus que vai
gradativamente revelando o Seu Ser.
Assim, a Soberania, o Amor, a Justiça, a Misericórdia e o Juízo de Deus vão
sendo descobertos e vão preenchendo todos os espaços das dúvidas e da
ignorância sobre Deus.
Dessa forma o processo de formação espiritual vai sendo vivi cante, pois “a
vida Eterna é esta, que te conheçam a Ti, o único Deus verdadeiro, e ao Teu
Filho a quem enviaste.”79
Nesse é o processo de formação espiritual de liderança para igrejas do
Sertão nós usaremos a teologia através das doutrinas da Graça, que nos
servirão como uma estrutura interna que viabiliza a boa interpretação das
Escrituras nos revelando os porquês de muitas situações na Bíblia e como
uma estrutura externa à medida que nos dá o limite de até onde a nossa
mente e imaginação podem ir, para não usarmos os textos da Palavra de
Deus contra a verdadeira Palavra de Deus.
Adentraremos no estudo das Escrituras usando as Doutrinas da Graça como
base hermenêutica e teológica para edi car a liderança das igrejas do
Sertão, usando-as como salvaguardas bíblicas na fundamentação de suas
atitudes e metodologias ao longo do processo de crescimento espiritual.
Isso certamente oferecerá uma série de princípios essenciais para que os
líderes adquiram uma boa cosmovisão cristã extraídos das Escrituras. A
cosmovisão cristã é a base da interpretação de toda a vida, por isso é