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Resenha
Gilson de Sousa Fernandes1

RYKEN, Leland. Santos no Mundo: Os puritanos como realmente eram. São


Paulo: Editora Fiel, 2013. 386 páginas.

É muito comum entre os cristãos, na minha perspectiva, a dificuldade de viver


no mundo, sem contudo, ser mundano. Isto é verdade principalmente em relação às
gerações mais novas. Normalmente, muitas indagações surgem no coração
daqueles que nasceram de novo, e buscam glorificar a Deus com suas vidas. Como
viver no mundo, sem ser tragado por ele? Como viver de modo cristão? Como
posso viver de modo digno do Evangelho de Cristo? Como agradar a Deus em uma
sociedade corrompida? Além de não saberem viver no mundo como cristãos, muitos
têm a ideia de que para agradar a Deus, é necessário abdicar das atividades
terrenas (seculares) e focar ou separar-se totalmente para atividade espirituais,
criando uma dicotomia entre o sagrado e o secular. Diante de tudo isso, a pergunta
central é, como viver para a glória de Deus, no mundo de Deus?
No livro Santos no Mundo, Lelan Ryken nos apresenta como os puritanos
fizeram as mesmas perguntas, e como eles viveram a vida cristã para a glória de
Deus. O objetivo do livro, é principalmente apresentar a visão correta do
puritanismo, suas idéias, modo de vida e recuperar a sabedoria com que viveram,
consertando um mal entendido sobre os mesmos, que dura mais de três séculos. A
tradição puritana, é uma sabedoria prática que não deve ser perdida, é um modo de
viver que deve ser observado, é uma vida cristã que deve ser imitada, ainda que
não exaustivamente, é tão bela, que é difícil não ler estas páginas, sem ser tomado
por um forte senso de querer viver como eles, viver para a glória de Deus.
O aspecto histórico não ganha destaque no livro, pois o foco são as ideias e
pensamentos dos puritanos, com isso o autor, apresenta inicialmente no capítulo
um, um panorama de todas as acusações contra os puritanos, para posteriormente
aprofundar os aspectos destas acusações e trazer a verdadeira natureza do
puritanismo e no que eles realmente criam. Pode-se destacar três aspectos da vida
dos puritanos, que serão examinados do capítulo dois ao dez: a vida
privada/familiar, a vida em igreja, e a vida em sociedade. Nos dois últimos capítulos,
se faz um paralelo do pior é o melhor que houve no puritanismo.
A primeira coisa que deve-se destacar, para os puritanos não existia a
dicotomia entre o sagrado e o secular, tudo era de Deus e tudo deveria ser feito
para a sua glória. Por este motivo, o trabalho não era visto como algo ruim, ou
entregue ao homem por causa da queda, mas sim, que o trabalho foi dado por Deus
ao homem no jardim, e portanto, era algo bom e louvável. Por este motivo, a
preguiça era algo detestado pelos puritanos, e o trabalho era visto como um
chamado, uma vocação santa, na qual todo homem deveria se empenhar, para o
bem da sociedade.

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Aluno do Curso Livre de Teologia Integrado, na Escola Teológica Charles Spurgeon.
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Em consequência disto, o resultado do trabalho justo e digno era a aquisição


de riquezas/dinheiro, apesar disso, os puritanos não viam as riquezas como algo
meritório, e sim como um presente, uma dádiva de Deus. Como disse Richard
Sibbes: “As coisas do mundo são em si boas e dadas para adoçar nossa passagem
ao céu” (p. 113). A pobreza, todavia, não significava desfavor de Deus, em tudo
havia a mão do Senhor e em tudo ele era glorificado, não havia para os puritanos,
conexão entre riqueza e eleição. O dinheiro não deveria ser visto como propriedade
privada e sim como um bem social.
A educação tinha grande destaque entre os puritanos, havendo estabelecido
várias universidades e escolas na Inglaterra, e os puritanos que foram para a Nova
Inglaterra, em apenas seis anos, fundaram a faculdade de Harvard. O conhecimento
era algo muito desejado e apreciado pelos puritanos, e a ignorância era detestada.
A busca de conhecimento não era um fim em si mesmo, mas, começando em casa,
seguindo para as universidade, o “fim então do estudo é reparar as ruínas de
nossos primeiros pais , recuperando o correto conhecimento de Deus , e a partir
deste conhecimento amá - Lo , imitá - Lo , ser como Ele” (p. 273), e a capacitação
para fazer o bem no mundo.
Se a vida é permeada pelas escrituras, o cristão deve também viver
plenamente na sociedade, isso significava que todas as áreas da sociedade
deveriam ser de interesse dos puritanos, a economia, a educação, a política e etc.
as boas obras, não deveriam ficar restritas a família da fé, pois a vocação dada por
Deus permeava todas as esferas da sociedade. Podemos ver no pensamento
puritano, os primeiros vestígios de democracia, ao afirmar que os indivíduos só
deveriam ser governados por uma autoridade escolhida pelo povo, o consentimento
deveria ser uma marca de homens livres.
Ryken, nos mostra a crença dos puritanos em seu estado mais intimo, em
relação ao casamento e sobre sexo. Diferente do pensamento catolico medieval que
tinha em baixa estima o casamento, o puritanismo o via como uma dádiva de Deus.
O casamento era algo desejável, aguardado e preparado, é a extinção da solidão, o
estabelecimento do companheirismo entre homem e mulher e união não apenas de
corpos, mas de mente e de vida. O sexo, até então visto como algo sujo, e um mau
necessario, que só deveria ser realizado com o objetivo de prociração, foi totalmente
reformulado pelo puritanos, que na verdade, apnas se voltaram para as Escrituras,
deixando que leaselas definissem o real valor do sexo. Os putitanos, afirmavam que
o sexo era o “principal de todos os confortos abaixo da esperança de salvação”
(p.99), uma verdadeira revolução para a época.
Era na família que, muitos dos deveres cristãos eram realizados, onde a
teologia bíblica era aplicada e vivenciada. A doutrina do pecado original era vista na
criancinha de colo, a liderança do homem e a submissão da mulher deveriam ser
demonstrados, a ajuda mútua entre marido e mulher, lhes dava crescimento
espiritual. Um aspecto importante, era a ênfase no ensinamento e disciplinas dos
filhos, de nada valeria o sermão do ministro no Dia do Senhor, se no lar não
houvesse a correta instrução. A família era uma pequena igreja, e deveria glorificar
a Deus.
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O puritanismo deu grande destaque para as Escrituras, todos eram


encorajados não apenas a ouvirem, e lerem, mas também, entenderem todo o
conselho de Deus. A inerrância da Bíblia foi um ponto explicitado pelos puritanos,
nela não havia erros, e não estava a sua interpretação restrita aos pais da igreja,
concílios ou a autoridade papal, mas, todo homens poderia interpretá-la, pois o
autor, a saber, o Espírito Santo, era o único e fiel intérprete da mesma. Um ponto
interessante, relacionado à interpretação e a doutrina, estava em afirmar que a
parte “a narrativa bíblica era fonte doutrinária” (p. 254), e/ou confirmação de
doutrinas já proposta em outros livros. Tal afirmação, é sensível ao fato de Deus ter
se revelado ao homem, em diversos estilos literários, afirmado que não importa o
estilo da revelação, e sim o fato de que é verdade de Deus.
O ponto mais notável do puritanismo, foi provavelmente a pregação.
Multidões se reuniam para poder ouvir a pregação da palavra, de tal forma, que ter
bons pregadores na cidade era visto como uma vantagem econômica para a cidade,
as multidões eram atraídas para onde houvesse a boa pregação. Um fato de suma
importância, foi a aplicação da doutrina do sacerdócio de todos os crentes, fazendo
com que o povo comum tivesse acesso às Escrituras, e mais participação no culto
ao Senhor.
Entretanto, nem tudo que o puritanismo produziu foi bom e santo. Houve
muito extremos e exageros, havendo muita ênfase no trabalho de tal forma, que a
recreação era mal vista, sendo um desperdício de tempo e energia. Houve o
desenvolvimento de literatura sobre a possibilidade de adultério com o próprio
cônjuge. Eram detalhistas ao extremos, ao ponto de serem enfadonhos, em um
certo caso, certo ministro pregou por sete horas, em um culto que teve nove horas
seguidas. Um ministro pregou, certa vez, 145 sermões em João 17. Os puritanos,
principalmente os da Nova Inglaterra, eram opressivos contra pessoas de outras
crenças, não concebiam a possibilidade de uma sociedade pluralista. No geral,
pecaram por atribuírem regras demais, para qualquer coisa, ao ponto de chegarem
ao legalismo em certas áreas.
Apesar destes pontos negativos, os puritanos viveram sobre a graça de Deus
e para a Glória de Deus.
O livro consegue cumprir os objetivos propostos. Os temas escolhidos,
abrangem praticamente toda a vida cristã e a vida em sociedade. O lapso temporal
que nos distancia dos puritanos, em nada influencia no conteúdo, ou o deixa mais
pobre, mostrando que as verdades das Escrituras são eternas e aplicáveis em todas
as épocas e povos. Os assuntos são tão atuais, que parecem terem sido escritos no
dia de ontem, os mesmo problemas, pecados parecidos, e para tudo isto, a mesma
solução, a Santa palavra de Deus e sua bendita graça. Com destaque, para o
capitulo três, na qual retrata o pensamento puritano sobre o casamento e o sexo,
assunto este de extrema valia em um mundo de divorcios, adulterios e prostituição,
bem como o capitulo oito, sobre a Bíblia, profundo, inovador, onde se mostra uma
nova era, a do povo em posse da verdade de Deus.
Ainda que, a falta de um contexto histórico não empobreça o conteúdo, sinto
falta de um capítulo reservado a isso, o próprio autor no decorrer do livro, afirma
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várias vezes que, aquela atitude ou ação dos puritanos deveria ser vista no contexto
histórico em que estava inseridos, desta forma, seria imprescindível um capítulo
panorâmico do contexto histórico da época. A maneira como é organizada os
capítulos, também deixa a desejar, deveria haver uma sequência logica e conexa
entre eles, o capitulo sobre dinheiro deveria proceder o capitulo sobre trabalho, e
não serem separados pelo assunto casamento e sexo, pois existe uma conexão
entre os assuntos. Contudo, esses fatores não diminuem a importância desta leitura.
Recomendo o livro para todo cristão que busca conhecer mais sobre a
teologia puritana, bem como, o modo de vida do cristão perante a sociedade e qual
o nosso dever como cidadãos do céu em um mundo corrompido.

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