Você está na página 1de 4

PERCEPÇÃO DE JOVENS COM SÍNDROME DE DOWN SOBRE

SER E ESTAR NO MUNDO1.


HADDAD, Mariana Lourenço2
FAQUINELLO, Paula3
CIAFFI, Juliana Karyna Romanini4
SILVA, Marcela Frazão5
SILVA, Marcon Sonia6

Introdução: A síndrome de Down (SD) é porciona independência e, por conseguinte,


uma condição genética, caracterizada pela menor necessidade de receber assistência
trissomia do cromossomo 21, e constitui do seu cuidador. Por outro lado, pais e cui-
uma das causas mais freqüentes de defici- dadores, numa atitude de superproteção,
ência mental, compreendendo cerca de tendem a limitar a participação das mesmas
18% do total de deficientes mentais em ins- em atividades do dia-a-dia como alimenta-
tituições especializadas(1). No Brasil, a cada ção, banho, higiene pessoal, e uso do ba-
600 crianças nascidas, uma tem SD, ou nheiro. Esta atitude é justificada pelos mes-
seja, nascem certa de 8.000 bebês com esta mos pela falta de disponibilidade de tempo,
síndrome por ano(2) . Os primeiros anos de uma vez que a execução dessas atividades
vida de qualquer criança constituem um pe- pelas próprias crianças tomam um tempo
ríodo crítico em seu desenvolvimento cog- maior do que se alguém os assistisse(4).
nitivo, e o papel da família nesse período é Deve ser também ressaltado que as habili-
fundamental, principalmente nos casos de dades intelectuais da pessoa com Down
crianças com necessidades especiais, visto têm sido historicamente subestimadas. Es-
que seu desenvolvimento não depende só tudos contemporâneos mostram que a
do grau em que são afetadas intelectual- maioria deles possui um desempenho na
mente, mas também de vários outros fato- faixa de retardo mental entre leve e
res, sendo o ambiente familiar o principal moderado(1). Socialmente, crianças com SD
deles(3). À medida que a criança com SD são cordatas, afetuosas, meigas, brincalho-
vai adquirindo habilidades na área de mo- nas e impulsionadoras de modificações
bilidade, estas parecem ser incorporadas ao profundamente humanitárias, tais como a
repertório diário da mesma, o que lhe pro- espontaneidade, a afetividade, a ingenuida-

1. Pesquisa apresentada como trabalho final da disciplina Assistência à família e ao cuidador, oferecida
pelo programa de pós-graduação – Mestrado em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), Pr.
2. Enfermeira. Mestranda em Enfermagem da UEM. Bolsista Capes. E-mail: mari.tradu@gmail.com.
3. Enfermeira. Mestranda em Enfermagem da UEM. Bolsista Capes. E-mail:plnello@hotmail.com.
4. Enfermeira. Aluna não-regular do Mestrado em Enfermagem da UEM. E-mail: juliana_cioffi@hotmail.
com.
5. Enfermeira. Aluna não-regular do Mestrado em Enfermagem da UEM. mafrazao@hotmail.com.
6. Enfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora adjunta do Departamento de Enferma-
gem da UEM.
de e a alegria(5). Podemos observar movi- da entrevista manifestaram disponibilidade
mentos sócio-culturais que visam a inclu- em compartilhar as experiências vividas;
são destes indivíduos na sociedade, reco- que estavam em condições físicas e psico-
nhecendo seus direitos e capacidades ao lógicas favoráveis para se expressarem de
inseri-los e capacitá-los para o mercado de modo natural. Foram entrevistados 24 jo-
trabalho. Por conseguinte, promovem o au- vens adultos com SD, com idade entre 18 e
mento de sua autonomia quanto à relacio- 32 anos, que freqüentavam Associação de
namentos amorosos, participação em dife- Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)
rentes contextos sociais, e exercem o exer- das cidades de Cândido Mota-Sp, Maringá-
cício da cidadania(1,4,6). As investigações Pr, Nova Esperança-Pr, e participantes do
têm conduzido a um avanço nos estudos Grupo de Teatro para Atores Especiais
com crianças e familiares de portadores de (GTPAE) em Londrina-Pr. A coleta de da-
SD, esquecendo, entretanto, o amparo às dos aconteceu durante os meses de maio e
pessoas jovens e adultas. Na literatura con- junho de 2008, nas APAEs e no campus da
sultada, constatam-se que existem poucas Universidade Estadual de Londrina, onde o
pesquisas sobre a promoção da saúde para GTPAE se reúne. Entrevistas individuais
pessoas portadoras de SD maiores de 18 foram conduzidas pelas pesquisadoras, uti-
anos, sendo que os estudos existentes enfo- lizando um roteiro semi-estruturado com-
cam as questões associadas às doenças. posto por questões abertas e fechadas. Os
Portanto, há a necessidade não só de au- dados foram analisados por meio de leitura
mentar o número de pesquisas, mas tam- e releitura da transcrição das entrevistas e
bém de diversificarem-se os temas investi- relato de alguma observação; separação
gados. Desta forma, com a intenção de for- dos elementos e reagrupamento por freqü-
necer subsídios para a assistência prestada ência ou relevância (categorização e subca-
ao atendimento desta clientela específica, o tegorização); apresentação dos resultados
objetivo deste estudo foi identificar como de forma descritiva com citações ilustrati-
os jovens com Síndrome de Down se per- vas das falas e, por último, realização de
cebem no mundo. Metodologia: Trata-se inferência à luz da literatura. O consenti-
de um estudo descritivo-exploratório de mento prévio foi dado pelos jovens e por
abordagem qualitativa. Este método apre- seus pais, ou responsáveis legais, através
senta o objeto estudado a partir da experi- da assinatura em duas vias do Termo de
ência vivida pelo indivíduo o que permite Consentimento Livre e Esclarecido, após
ao pesquisador dar sentido e interpretar os lhes serem asseguradas todas as garantias
fenômenos de acordo com a perspectiva previstas na Resolução n.°196/96 do conse-
dos entrevistados. Participaram do estudo lho Nacional de Saúde, e informados os de-
os jovens que demonstraram interesse em talhes concernentes à sua participação vo-
participar da pesquisa e que no momento luntária no estudo. Este estudo foi aprovado
pelo Comitê de Ética da Universidade Esta- tratas também foram citadas como bom re-
dual de Maringá pelo Parecer n.º170/2008. lacionamento com os amigos, determina-
Resultados: Dos 24 jovens adultos entre- ção e felicidade. As respostas à pergunta o
vistados, 13 eram mulheres, sendo que 17 que você mudaria em você? revelaram o
freqüentavam as APAEs e sete eram atores desejo de mudar características físicas
do GTPAE. A idade variou entre 18 e 32 (emagrecer, mudar o cabelo, o formato dos
anos, com média de 26 anos. Entre as limi- olhos, não gaguejar) que invariavelmente
tações observadas pelos entrevistadores, os estereotipa como indivíduos com SD; e
três jovens usavam óculos e 10 tinham difi- comportamentais (ser mais paciente). Gran-
culdades com a fala. Dois sujeitos relata- de parte deles locomove-se de carro, con-
ram cardiopatias e três, hipertireoidismo. duzido por familiar; alguns fazem uso do
Três categorias foram identificadas: perce- transporte coletivo ou vans; e apenas dois
bendo-se como pessoa no mundo; relacio- eram independentes quando a este aspecto.
nando-se com o mundo e com as pessoas; e Quanto à categoria “relacionando-se com o
expectativas e planos para o futuro. A pri- mundo e as pessoas”, exemplificaram sua
meira categoria, “percebendo-se como pes- rotina ao listar atividades que realizam dia-
soa no mundo”, revelou que alguns jovens riamente como fazer trabalhos domésticos;
percebiam-se com SD, pois mencionaram atividades educativas (escola, tarefa, aulas
possuir características físicas inerentes à particulares, pintura, balé, teatro); praticar
síndrome tais como olhos puxadinhos, ga- atividades de lazer (esportes, academia, to-
guejar muito, ser gordinho. Outros se sen- car instrumentos musicais, jornal, TV, dan-
tiam diferentes, porém não sabiam dizer o ça). As atividade de lazer coincidiam com
porquê; enquanto que dois atores diziam as atividades que mais gostavam de fazer
ser iguais a todas a outras pessoas. Uma ou que realizavam com maior destreza. O
atriz disse ser especial, citando ter sido bem termo trabalho foi relacionado a tarefas do-
educada pelos pais, e estes a terem como mésticas, ou auxilio em atividades exerci-
especial, no sentido apreciativo do termo. das pelos pais. Dois atores eram assalaria-
Quando indagados sobre suas qualidades dos, um trabalhando como garçom em uma
pessoais, um deles citou posições pessoais lanchonete e outra em assessoria ao cliente
de mérito tais como capitão do time de bas- nas Lojas Pernambucanas; e admitiam que
quete, fanfarra, natação, possuindo muitas o trabalho mudou a rotina e sua compreen-
medalhas e troféus, enquanto uma jovem são do mundo, dotando-lhes de responsabi-
nomeou o cabelo como qualidade. Muitos lidade e crescimento pessoal. No quesito
descreveram atividades manuais nas quais relacionamento interpessoal, todos relata-
tinham maior habilidade ou facilidade de ram relacionarem-se bem com a família e
execução, como crochê, faxina, cozinhar e os amigos, que conhecem dos lugares que
praticar esportes. Algumas qualidades abs- freqüentam. Alguns têm relacionamento
amoroso, com pessoas portadoras de algu- cando na melhoria da qualidade de vida
ma deficiência mental e que freqüentam as destes indivíduos e suas famílias.
mesmas atividades, daí o contato inicial.
Têm como expectativas e planos para o fu- Palavras-chave: Síndrome de Down. Re-
turo, aspirações de longo prazo, que povo- lação Familiar. Jovem. Percepção Social.
am o desejo de todo jovem como ser cantor, Pesquisa Qualitativa.
jogador de futebol e radialistas; assim como
aspirações que representam etapas espera- Referências
das na vida de qualquer pessoa como o de- 1 Moreira LMA, El-Hani CN, Gusmão FAF.
A síndrome de Down e sua patogênese:
sejo de casar, ter filhos, trabalhar e estudar.
considerações sobre o determinismo gené-
Considerações finais: alguns fatores limi- tico. Rev. Bras. Psiquiatr. 2000;22(2):96-9.
taram a execução da coleta de dados, como
a necessidade de várias visitas para coleta 2 Fortes NA, Lopes MVO. Nível de adapta-
ção baseado no modelo de Roy em mães de
das entrevistas; a dificuldade de fala dos
crianças portadores de Síndrome de Down.
entrevistados e a timidez do primeiro e úni- Invest. Educ. Enferm. 2006;(24)2:64-73.
co contato; enquanto que alguns fatores fo-
ram facilitadores, tais como a prontidão da 3 Suneilaitis RC, Arruda DC, Marcon SS. A
repercussão de um diagnóstico de síndrome
instituição em participar e o contato espon-
de Down no cotidiano familiar: perspectiva
tâneo, aberto e receptivo dos entrevistados. da mãe. Acta paul. enferm. 2007;20(3):264-
Durante as entrevistas, revelou-se o maior 71.
desenvolvimento das habilidades de per-
4 Mancini MC, Silva, PC, Gonçalves SC,
cepção, autonomia e desempenho social e
Martins SM. Comparação do desempenho
cognitivo dos jovens que faziam parte do funcional de crianças portadoras de Síndro-
grupo de teatro em relação aos demais. Este me de Down e crianças com desenvolvi-
fato foi percebido pela riqueza de vocabu- mento normal aos 2 e 5 anos de idade. Arq.
neuropsiquiatr. 2003;61(2-B):409-415.
lário, independência na realização de certas
atividades, maior consciência de seu corpo 5 Cardoso MHCA. Uma produção de sig-
e do mundo ao ser redor, reafirmando que o nificados sobre a síndrome de Down. Cad.
estímulo é fundamental para o desenvolvi- saúde pública. 2003;19(1):101-9.
mento desses jovens. Espera-se que os re-
6 Luiz EC, Kubo OM. Percepções de jo-
sultados encontrados ajudem a compreen- vens com Síndrome de Down sobre rela-
der a rotina, anseios, percepções e reflexões cionar-se amorosamente. Rev. bras. educ.
destes jovens, inseridos na família, socie- espec. 2007;13(2):219-38.
dade e mundo. Que possam acrescentar no-
vas e úteis informações aos profissionais
que trabalham com esta clientela, pautando
uma melhor avaliação e intervenção, fo-

Você também pode gostar