Você está na página 1de 214

MÉTODOS DE GRUPOS TERAPÊUTICOS ONLINE:

E-TERAPIAS PSICOSSOCIAIS

ORGANIZADORAS:

10
Métodos de grupos terapêuticos online:
e-Terapias psicossociais

11
Métodos de grupos terapêuticos online: e-Terapias psicossociais

Ficha catalográfica elaborada pelas organizadoras

12
Dedicamos esta obra aos viventes da pandemia
da COVID-19, cuja vida pulsa e nos motiva a
caminhar, sempre, em direção à saúde mental,
construindo acesso, ampliação e melhorias no
cuidado, que é possibilitado pelas tecnologias
digitais, de modo “criativo e solidário”.

13
Agradecimentos

14
(Organizadoras)

MÉTODOS DE GRUPOS TERAPÊUTICOS ONLINE:

E-TERAPIAS PSICOSSOCIAIS

15
Prefácio

16
SUMÁRIO

Apresentação .................................................................................................... 10

Seção I: Grupos terapêuticos online: conceitos, princípios e tecnologias


1 E-Terapias psicossociais: aspectos conceituais, princípios e fluxos na
formação dos grupos terapêuticos online ....................................................... 16

2 Tecnologias digitais para gestão de grupos terapêuticos online .................. 26


.

Seção II: Grupos de e-Terapias para promoção do bem estar


3 Programa de Meditação e Bem Estar ............................................................ 40

4 Bate papo literário ........................................................................................... 50


.
5 Grupo de Oração e Meditação em Salmos .................................................... 61

Seção III: Grupos de e-Terapias de apoio psicossocial


6 A Técnica de Redução do Estresse (TRE) no Contexto das E-Terapias .... 75

7 E-Terapia: Cuidando da Qualidade do Sono ............................................... 83

8 Grupo de Terapia Cognitiva Comportamental para pessoas com


Depressão .......................................................................................................... 96

9 Habilidades para a Vida. Modelo e aplicabilidade de uma e-Terapia de


apoio psicossocial ............................................................................................. 108

10 Mulheres: Vidas em tempo de pandemia ...................................................... 121

11 Terapia Comunitária Integrativa on-line na Universidade: os rios


somente chegam ao mar porque contornam as montanhas ........................ 135

12 Sala de Bate Papo Vivencial ........................................................................... 148

17
13 Grupo de Ajuda Mútua on-line: um papo dez conectando pessoas em
tempos de pandemia da COVID-19 ............................................................... 154

Seção IV – Grupos de e-Terapias de Apoio Matricial


14 Aprendizagem compartilhada: grupos de e-Terapias de apoio matricial
com profissionais da Atenção Básica ............................................................ 164

15 E-terapia - Encontros Qualificadores. Proposta para intervenções


pedagógicas sobre a prática profissional para o cuidado de mulheres
180
vítimas de violência por parceiro íntimo e a vitimização secundária. ........

Seção V – Futuros possíveis de um aplicativo para o Projeto e-Terapias


16 Fundamentos para Construção do Aplicativo de Atendimento Online do
Projeto E-Terapias .......................................................................................... 205

18
Apresentação

Esta obra foi escrita pensando compartilhar métodos e técnicas de grupos terapêuticos
online utilizados no Projeto E-Terapias Psicossociais. O projeto teve início na pandemia da
Covid-19, visando minimizar o sofrimento psíquico decorrente das incertezas, adoecimento,
sofrimento e luto, dentre outros eventos causados pelo momento pandêmico e que afetam a
saúde mental. Após esse período, o projeto permaneceu oferecendo apoio psicossocial online,
e nossa experiência de grupos mostrou-se assertiva e com alcance de pessoas de localidades
bem distantes da nossa, não alcançadas se não fosse pelo uso das tecnologias digitais. Ao
escrever sobre elas, pretende-se replicação e recriação a partir do escrito, para alcance ainda
maior na oferta de apoio psicossocial online.
A escolha pela oferta dos grupos teve e tem sua relevância, pois grupos terapêuticos são
intervenções psicossociais que favorecem a partilha dos sentimentos, discussões sobre
diferentes temáticas que contribuam para a compreensão do sentido da existência, e a
(re)elaboração de estratégias de autocuidado (Farinha et al., 2019). Podem ser considerados
espaços de aprendizagem mútuos, em que por meio do compartilhamento de experiências dos
participantes, ocorre produção de protagonismo e autonomia (Menezes et al., 2020).
As atividades grupais facilitam o autoconhecimento, a inclusão social e as expressões
de afeto (Ribeiro et al., 2012). Torna-se essencial que haja interação entre o terapeuta e os
participantes, pois o próprio grupo tem potencial para gerar mudanças e desenvolver
habilidades sociais (Bechelli; Santos, 2005).
O cuidado terapêutico deve envolver um saber-fazer de uma equipe multiprofissional e
ocorrer na perspectiva do “trabalho vivo em ato”, desenvolvido durante a própria prática
(Franco; Merhy, 2012). O grupo pode ainda articular com a questão pedagógica, que envolve
estudantes que se integram à equipe, produzindo potência no cuidado (Souza et al., 2021).
Em um grupo terapêutico é necessário que haja um planejamento, em relação ao número
de participantes, se será aberto ou fechado, o público, o local e a duração do grupo e dos
encontros, e a quantidade de terapeutas. É preciso que haja pelo menos um terapeuta para
conduzir o grupo, sendo ideal que tenha um coterapeuta (Oliveira; Martins, 2018). Para grupos
online, acrescenta-se a necessidade de escolha de uma plataforma digital de videoconferência,
19
que deve permitir o acesso tanto pelo celular quanto pelo computador, para facilitar a adesão
dos participantes. Também deve haver um preparo dos participantes para utilização da
plataforma e uma pessoa responsável para oferecer o suporte técnico aos participantes, caso
seja necessário (Sola et al., 2021).
Tais aspectos foram contemplados nas propostas dos grupos online aqui descritos. Logo
no começo do Projeto e-Terapias em 2020 (Souza et al., 2021), foi necessário criarmos um
cardápio de ofertas, em que foi elaborado um questionário com proposta de roteiro, preenchido
pelos moderadores. O roteiro continha o nome do grupo, objetivos, público-alvo, periodicidade,
número de participantes e a ferramenta digital a ser utilizada para os encontros online. Tais
aspectos são descritos nos capítulos deste livro, sobre cada modalidade de oferta. Além disso,
e respeitando o potencial criativo dos atores envolvidos na moderação dos grupos, são também
apresentados particularidades ou fragmentos de falas, que dão visibilidade à relevância do
grupo.
Convém destacar que o terapeuta precisa ter conhecimento sobre o recurso tecnológico
empregado, pois quando o participante acaba auxiliando o terapeuta nesse manejo, pode afetar
o entendimento dos papéis no grupo (Carlino, 2010). Esse entendimento motivou a gestão do
projeto e-terapias à realização de um curso sobre tecnologias digitais a toda a equipe técnica do
projeto, ministrado por um dos profissionais das ciências da computação. E, para evitar falhas
na continuidade do grupo - até mesmo por conta das “falhas na conexão”, os grupos deveriam
ser formados por dois moderadores e um estudante de cursos da saúde, para atuar como apoio
técnico.
O moderador de grupo terapêutico também precisa declinar da hierarquia, do lugar de
suposto saber aprendida na formação tradicional e atuar na construção de uma horizontalidade
nas relações, prezando pela atmosfera colaborativa. De acordo com Cesar e Costa (2018), as
perguntas do terapeuta durante a dinâmica grupal são um convite ao inusitado, uma
oportunidade para olhar outros ângulos e encontrar histórias periféricas que contribuam para
outras narrativas. Essa mediação visa, pois, propiciar a troca de experiências, e as interpretações
por parte do profissional do que foi dito pelos participantes do processo precisam ser validadas
pelos próprios participantes.
Por fim, cabe à moderação, saber escutar, ouvir, mostrar respeito, considerar aquilo que
o usuário tem para dizer, exercitando a compreensão e mantendo a coerência e o sincronismo,
caracterizando um caminhar horizontal, onde moderadores e participantes escolhem os
caminhos juntos, ao invés do profissional ter atitude prescritiva para com os participantes

20
(Cesar; Costa, 2018). Assim, foram os nossos grupos, no Projeto e-Terapias, uma pluralidade
de formatos, mas que construiu escuta, reflexão, estabelecimento de diálogos, empatia e postura
colaborativa.
Passamos então a apresentar grande parte do que foi produzido em nosso cardápio de
ofertas de grupos terapêuticos online, que foram caracterizadas, inicialmente, por sua natureza
e objetivos em: e-Terapias de promoção do bem estar, e-Terapias expressivas, e-Terapias de
apoio psicossocial e e-Terapias de apoio matricial.
Neste e-book, escrito por muitos autores, você encontrará métodos de grupos
terapêuticos online de três do referido conjunto de modalidades: e-terapias de promoção do bem
estar, dirigida ao público em geral, com vistas à integração social, promoção do bem estar,
autocuidado e prevenção de sofrimento psíquico; e-terapias de apoio psicossocial, visando o
cuidado colaborativo e complementar, para quem já estava com sintomas de ansiedade,
depressão, estresse, alterações do sono ou já era usuário de serviços de saúde mental; e-terapias
de apoio matricial, voltadas ao processo de aprendizagem do cuidado em saúde mental, sendo
ao mesmo tempo, espaços de escuta para profissionais atuantes das redes de atenção em saúde
e assistência social.
Para melhor compreensão dos processos grupais, este e-book foi estruturado em 5
seções. Os dois capítulos da primeira seção descrevem aspectos conceituais, princípios e
tecnologias utilizadas na gestão e oferta dos grupos. Você conhecerá sobre em que se baseia o
termo e-terapias psicossociais, e sobre os princípios e tecnologias utilizadas pela gestão do
projeto na oferta dos grupos online. Além disso, apresenta-se uma linha do tempo quanto ao
uso das tecnologias digitais - ferramentas possibilitadoras do cuidado durante e pós-pandemia.
As três seções seguintes incluem 13 capítulos que demonstram como trabalhamos os
grupos online, sendo um deles escrito por convidados da Equipe da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB). São metodologias diversas, significativas e singulares em seu
desenvolvimento. Os autores foram bem minuciosos em detalhar conceitos, princípios, passos,
etapas e recursos para quem deseja utilizar dos nossos métodos e/ ou aprimorar a moderação na
prática de grupos. Em alguns deles, também são descritos resultados e algumas narrativas de
participantes. Cada capítulo guarda consigo também peculiaridades, relacionadas à livre
espontaneidade dos autores em sua produção. Arte, beleza, seriedade e leveza marcam se não
todos, a grande parte dos escritos, dos quais esperamos afetar você, leitor, sobre a importância
dos grupos terapêuticos online, que denominamos de e-terapias psicossociais, e sobre os
métodos para a sua aplicação.

21
A última seção aponta futuros possíveis, quanto à construção de um aplicativo para uso
do projeto, facilitando comunicação e adesão dos participantes aos grupos terapêuticos, e serve
para difundir a tendência do apoio psicossocial online.
Esperamos, pois, que você, leitor, possa se inspirar nos métodos aqui apresentados, tanto
como um possível participante de um grupo terapêutico online, quanto para (re)inventar novas
estratégias de cuidado utilizando os métodos e as tecnologias digitais aqui apresentadas. Há um
número crescente de pessoas que acessam a internet, e que poderão utilizá-la como o cuidado
com a sua saúde. Convido-o a juntar-se a nós ao aprimoramento das ofertas e criação de novas
possibilidades terapêuticas!
Boa leitura!

REFERÊNCIAS

BECHELLI, L. P. de C.; SANTOS, M. A. dos. O paciente na psicoterapia de grupo. Revista


Latino-Americana de Enfermagem, v. 13, n. 1, p. 118–125, jan. 2005.

CARLINO, R. Psicoanálisis a distancia. Buenos Aires: Lumen, 2010. 288p.

CESAR, C C.F.; COSTA, J. S. Escolas de terapia familiar: do surgimento às escolas de 1ª e 2ª


ordem. In: CESAR, C. C. F.; COSTA, J. S. Terapia familiar sistêmica. Londrina: Editora e
Distribuidora Educacional S.A., 2018. p. 28-51.

FARINHA, M. G. et al. Rodas de conversa com universitários: prevenção e promoção de


sáude. Rev. NUFEN, Belém, v. 11, n. 2, p. 19-38, ago. 2019 . Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-
25912019000200003&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 14 out. 2023.

Franco, T. B.; Merhy, E. E. Cartografia do trabalho e cuidado em saúde. Revista Tempus -


Actas de Saúde Coletiva, Brasília, v. 6, n. 2, p. 151-163, Jun. 2012. Disponível em:
http://www.tempus.unb.br/index.php/tempus/article/view/1120. Acesso em: 16 jun. 2020.

MENEZES, E. S. de et al. Grupo de adolescentes em serviços de saúde mental: uma


ferramenta de reabilitação psicossocial. Vínculo, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 118-140, dez.
2020. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-
24902020000200007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 08 out. 2023.

OLIVEIRA, L. A. de; MARTINS, L. A. L. Grupos terapêuticos: benefícios e desafios desta


modalidade de atendimento em instituições de saúde mental públicas. Revista Terra &
Cultura: Cadernos de Ensino e Pesquisa, [S.l.], v. 34, n. esp., p. 183-191, abr. 2019.
Disponível em: http://periodicos.unifil.br/index.php/Revistateste/article/view/1017. Acesso
em: 15 out. 2023.

RIBEIRO, V. V. et al. Grupo terapêutico em fonoaudiologia: revisão de literatura. Revista


CEFAC, v. 14, n. 3, p. 544–552, mai. 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-
18462011005000131. Acesso em: 15 out. 2023.
22
SOLA, P. P. B. et al. Psicologia em tempos de COVID-19: experiência de grupo terapêutico
on-line. Rev. SPAGESP, v. 22, n. 2, p. 73-88, dez. 2021 . Disponível em
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
29702021000200007&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 08 out. 2023.

SOUZA, R. C. et al. Projeto e-Terapias Psicossociais: Construção e estratégias de promoção


da saúde mental em tempos de pandemia da COVID-19. Research, Society and
Development, v. 10, n. 6, p. e20910615740-e20910615740, 2021. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15740. Acesso em:15 out. 2023.

23
Seção I

Grupos terapêuticos online: conceitos, princípios e tecnologias

24
E-Terapias psicossociais: aspectos conceituais, princípios e fluxos na
formação dos grupos terapêuticos online

As e-Terapias definem intervenções realizadas à distância, mediante o uso de


tecnologias digitais, como um computador, celular ou tablet, com contato adicional de
terapeuta. Os meios incluem a Internet, software para download e aplicativos para dispositivos
móveis (Loucas et al., 2014) desenvolvidos para apoiar o bem-estar mental, prevenindo doenças
mentais e a necessidade de tratamento psicológico (Newman et al., 2011).
A pandemia da COVID-19 provocou uma mudança significativa na atenção à saúde
mental para comunidade, pois de uma hora para outra, os modelos de intervenção psíquica que
eram realizados presencialmente deram lugar à utilização de e-terapia para prevenir e tratar
depressão, ansiedade e outros problemas de saúde mental (Earlie; Fredollino, 2021). A
pandemia mudou acentuadamente os tratamentos de saúde mental e fortaleceu as e-terapias.
A vida precisou ser reinventada, visando o enfrentamento da doença, do luto, do medo,
das incertezas, das interrupções no trabalho, em universidades, escolas e outros espaços sociais.
Esse cenário motivou pesquisadores, docentes e profissionais da saúde mental a desenvolver a
Pesquisa-Ação (P-A), nomeada de E-terapias Psicossociais, um projeto interinstitucional,
envolvendo duas instituições de ensino superior públicas (IES), a Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC), em Ilhéus, Bahia, e a Universidade de Brasília (UnB).
A articulação dessas IES de duas regiões distintas do país, decorreu de pelo menos três
razões: i) o pressuposto de que o trabalho em saúde envolve conexões (Franco, 2023). Nesse
sentido, haviam conexões preexistentes à pandemia entre pesquisadores das duas IES, que
foram fortalecidas e ampliadas durante a pandemia. ii) iniciativas pioneiras da UnB na oferta
de grupos terapêuticos online durante a pandemia, e iii) o compromisso ético, social e solidário,
em contribuir com a inovação de estratégias de enfrentamento psicossociais, para minimizar os
efeitos negativos sobre a saúde mental de grupos específicos e da população em geral. Nesse
sentido, podemos afirmar o e-terapias psicossociais como sendo um projeto de e para conexões,

25
tão efetivas, que não se restringiram nem tão pouco poderiam se restringir ao momento
pandêmico.
Mas, por que e-terapias psicossociais?
O termo e-terapias foi aplicado ao nosso projeto para nomear os grupos terapêuticos,
desenvolvidos mediante o uso de recursos digitais. Associado ao termo e-Terapia, agregamos
o outro termo psicossociais, criando uma nova expressão, e-terapias psicossociais, para dar
evidências de um projeto comprometido com os princípios, dinâmica e as tecnologias
convergentes ao modelo da atenção psicossocial em saúde mental.

PRINCÍPIOS E TECNOLOGIAS OPERACIONAIS DAS E-TERAPIAS


PSICOSSOCIAIS

Fundamentadas no modelo de atenção psicossocial, as e-Terapias psicossociais operam a


partir dos princípios da reforma da atenção psiquiátrica, dentre os quais, destacamos:

a) Atenção usuário-centrada comprometida com o protagonismo, participação ativa


e cidadania dos participantes

Baseado no texto de Aranha e Silva (2003), o modo de atenção psicossocial convida os


profissionais a compreenderem a pessoa que sofre psiquicamente numa rede de relações onde
a história, a família, a constituição do próprio sujeito, dizem mais do que a apresentação de
sinais e sintomas. Além disso, ele opera a construção de um projeto terapêutico coletivizado,
com consequente superação da rigidez profissional e especializada, e deslocamento do lugar da
população usuária – indivíduo e família - de submetida a um projeto/ prática definido(a) pelos
profissionais para o lugar de aliada na resolução dos seus problemas de saúde. O cuidado, pois,
passa a ser um direito e não um dever, e concorre para uma dinâmica permanente e progressiva
de construção da cidadania dos usuários dos serviços/ ou programas. Nesse sentido, os grupos
deveriam ser desenvolvidos, pensando a participação ativa dos usuários, e estímulo à reflexão
e ação, com base no contexto de vida de cada participante, do que existia ou poderia ser criado,
que contribuísse para a sua saúde mental.

b) Ampliação das trocas sociais


26
Tal princípio define o processo de reabilitação psicossocial, que trabalha para
desenvolver o poder de contratualidade, ou seja, a capacidade em desenvolver trocas sociais
dos usuários de serviços de saúde mental (Saraceno, 2011). Para esse autor, essa “é a grande
troca afetiva e material do ser humano” (p.16). E, considerando a pandemia, foi preciso pensar
esse princípio para toda uma sociedade, recomendada a “ficar em casa”, pois o distanciamento
não era limitado a grupos específicos ou de pessoas com algumas doença, mas restringia ao
máximo o contato entre todas as pessoas, ficando apenas mantido os serviços essenciais (Spink,
2020). Para alguns grupos vulneráveis ao adoecimento psíquico mesmo antes da pandemia,
como estudantes universitários - que voltaram para casa, e mulheres e crianças vítimas de
violência em sua própria casa - tal medida também representou riscos e foi extremamente
desafiadora para se pensar/ fazer o apoio psicossocial. Assim, os grupos no Projeto e-Terapias
deveriam representar um espaço de aproximação social e de comunicação terapêutica,
promotores de reflexão em como cada um, do seu contexto de vida, poderia, realizar outras
trocas saudáveis, reduzindo os riscos do distanciamento e ampliando rede de apoio psicossocial.

c) Pluridisciplinaridade

O cuidado à saúde mental requer a superação da prática centrada em especialistas do


campo “psi”, como psicólogos e psiquiatras, e nos medicamentos, e a construção do cuidado
integral construído por equipes multidisciplinares. Tais equipes são importantes para que a
pessoa que sofre possa ser vista dentro de uma multidimensionalidade (biopsicossocial e
espiritual) que constrói sua vida na relação com o outro (Anjos; Souza, 2017). Equipes
multiprofissionais vão influenciar na qualidade das relações, promotoras de desenvolvimento e
da construção de projetos terapêuticos singulares. Além disso, um trabalho em equipe,
caraterizado por um agir comunicativo e interativo entre partícipes de diferentes formações
profissionais, busca consensos na construção de um projeto comum pertinente às necessidades
de saúde dos usuários (Peduzzi, 2001). Assim, é que no Projeto e-Terapias, os grupos formados
foram resultados dos atos de fala de todos os profissionais, em torno de um “horizonte ético”
participativo de cuidado em saúde mental que foi além do contexto pandêmico.

d) Corresponsabilidade

27
Está associada à forma como o usuário se responsabiliza pela sua saúde e da
comunidade. Na corresponsabilização do cuidado ocorre o compartilhamento das tomadas de
decisões e responsabilidades, por isso usuário-profissional de saúde são considerados como
iguais. É importante que o usuário tenha acesso às suas informações de saúde para que participe
da construção do cuidado (Trad; Esperidão, 2009).
As E-terapias fomentam a corresponsabilidade dos participantes na medida em que cada
um é considerado responsável pelas suas decisões no grupo, sendo sempre estimulada a
autonomia e o empoderamento dos participantes nas estratégias de cuidado que podem ser
utilizadas na sua vida.

APLICABILIDADE DE TECNOLOGIAS LEVES DO CUIDADO:

Grupo terapêutico

A prática grupal constitui estratégia relevante no campo do cuidado em saúde mental


(Sousa et al., 2020). No espaço de um grupo terapêutico, as pessoas podem falar sobre os seus
sentimentos (Ruffato, 2006), e a interação pode fomentar nos participantes otimismo e
esperança, pois percebem que não são os únicos a estarem vivenciando determinadas situações
e problemas (Souza et al., 2020). Portanto, essa estratégia de cuidado constitui um importante
elo na rede afetiva e social dos participantes. Além desses efeitos terapêuticos do grupo, o
estudo de Sousa et al. (2020), identificou altruísmo, coesão grupal e comportamento imitativo,
um tipo de um comportamento espelhado, tanto no moderador do grupo quanto nos demais
membros, concretizando uma experimentação de novas ações. Para esses autores, a prática
grupal é rica em opções terapêuticas, podendo ter o mesmo potencial de uma terapia
individualizada. Para nós, a escolha por desenvolver grupos terapêuticos, na forma de e-
Terapias psicossociais, representou uma visão onírica sobre tais efeitos terapêuticos da prática
grupal, além de, durante a pandemia, buscar tornar próximas pessoas distantes, fomentando,
por meio das interações, o seu potencial criativo, para prevenir e promover a saúde mental.

28
Acolhimento

Na abordagem psicossocial, o acolhimento aos sujeitos que sofrem torna-se


imprescindível podendo ser compreendido como uma tecnologia de cuidado que se estabelece
por meio da relação entre esse indivíduo e o profissional de saúde e deve ser fundamentado na
escuta e diálogo, na tentativa de identificar as necessidades das pessoas e traçar estratégias
individuais para supri-las (Moura; Santos; Rosa, 2015). Acolher pressupõe uma atitude de
receber, escutar e tratar de maneira humanizada os usuários e suas demandas e favorece a
compreensão sobre a condição de saúde, contribui para o empoderamento e pode facilitar o
enfrentamento das adversidades pessoais (Fossi; Reinheimer, 2019; Matos et al., 2017).

Escuta

Tecnologia leve de cuidado que permite compreender as necessidades das pessoas,


valorizando suas experiências e atentando para as necessidades e diferentes aspectos que
compõem seu cotidiano (Maynart et al., 2014). Pode ser considerada uma estratégia de
comunicação essencial para compreensão do outro, pois é uma atitude de respeito, calor e
interesse, por isso torna-se terapêutica, sendo importante que o ouvinte identifique aspectos
verbais e não verbais da comunicação (Benjamim, 1983; Watanuki; Tracy; Lindquist, 2006).
Nessa perspectiva, o cuidado começa com a escuta, pois é a partir do espaço oferecido para que
o usuário possa expor suas necessidades que é possível produzir atos e ações que podem levá-
lo a uma melhor qualidade de vida (Merhy, 2002).

Vínculo

O vínculo constitui uma construção de relações de confiança e afeto entre trabalhadores


de saúde e usuários, tendo potencial terapêutico, pois possibilita a continuidade,
corresponsabilidade e longitudinalidade do cuidado (Brasil, 2012, p. 21). Consiste em uma
estratégia de promoção da singularidade e integralidade do cuidado em saúde, pois possibilita

29
não só o estreitamento das relações dialógicas, como também o cuidado na perspectiva da
clínica ampliada (Ilha et al., 2014)

Comunicação terapêutica

Acerca da comunicação, a pandemia pelo Covid-19 possui uma carga de situações em


que a comunicação efetiva pode auxiliar no cuidado aos pacientes e familiares, aos próprios
profissionais e estudantes (Crispim et. al., 2020). A comunicação terapêutica é uma dessas
comunicações efetivas que se propõe a um conjunto de técnicas/ habilidades para ajudar as
pessoas a resolverem os seus problemas, a se relacionarem melhor consigo e com os outros, a
adaptarem-se a sua condição de saúde e contexto de vida. Pode ser a intervenção por si só ou
complementar ao cuidado desenvolvido, a partir de outra tecnologia. Orienta-se por objetivos
específicos, tem uma intencionalidade de ajuda, “requer determinadas competências do
profissional, como a capacidade de escuta, disponibilidade, aceitação, (...), necessita de um
"setting" com características específicas para a sua operacionalização e pressupõe a utilização
de um conjunto de técnicas/habilidades de comunicação verbal e não verbal, nas quais a
empatia e a assertividade desempenham um papel central” (Sequeira, 2014, p. 7).

Sobre as tecnologias digitais

Constituem estratégias de comunicação que envolvem as conexões fio a fio. São meios
técnicos utilizados para abordar a informação e apoiar na comunicação, utilizando meios como
computadores, tablets, internet e smartphones. A utilização das tecnologias de informação deve
ser acompanhada por um sistema educativo, que garanta formação das pessoas que utilizam
(Maia et al, 2022, p.266). As tecnologias digitais possibilitam o desenvolvimento de novos
modos de comunicar, de forma rápida e por meio de ícones que tornam mais eficazes a
compreensão das mensagens (Venturini et al., 2011). Na pandemia da Covid 19 tornou-se uma
estratégia bastante eficaz, frente ao isolamento social, por possibilitar a conexão entre as
pessoas.

FLUXOS NA FORMAÇÃO DOS GRUPOS DE E-TERAPIAS PSICOSSOCIAIS


30
Para que fossem formados os grupos de e-terapias psicossociais foi necessário seguir as
seguintes etapas, conforme demonstra a Figura 1.

Figura 1 – Etapas no desenvolvimento das e-Terapias psicossociais, na forma de grupos terapêuticos online.

Fonte: Souza et al (2020, p. 5), a partir das fases adaptadas do estudo de Hawkins et al. (2017).

De acordo com Souza et al (2021):


Na Etapa 1, nos preocupamos em reunir evidências da literatura, compartilhamos
estudos científicos sobre modalidades e fluxogramas de atendimentos em saúde mental durante
a pandemia da COVID-19. Foram realizados diálogos sobre as ideias de e-terapias que
poderiam ser ofertadas e sobre os dispositivos eletrônicos a serem utilizados nas e-terapias.
Na Etapa 2, chamada de coprodução, foi construído o “cardápio de ofertas” das e–
terapias e definidos os materiais e recursos que seriam utilizados em cada modalidade ofertada.
Também elaboramos um roteiro para ser preenchido pelos moderadores sobre as características
das e-terapias que seriam ofertadas, a definição da e-terapia, objetivos, público-alvo. Foram
construídos cards de divulgação das e-Terapias.
Etapa 3, Prototipagem, o cardápio de ofertas, com conteúdos teóricos foi entregue aos
membros do grupo de construção do projeto. Decidimos pela formação de grupos online, para
desenvolvimento das intervenções e também que seriam aplicados questionários estruturado,
antes e depois da terapia, entrevistas e utilizados diários de campo.

31
CONSIDERAÇÕES FINAIS

As e-Terapias psicossociais consistem em intervenções realizadas à distância, utilizando


tecnologias digitais, com vistas à promoção de saúde mental. Essa estratégia surgiu durante a
pandemia de COVID 19, quando foi necessário reinventar as estratégias de cuidado, o que
motivou pesquisadores, docentes e profissionais da saúde mental a desenvolverem uma
Pesquisa-Ação, as “E-terapias Psicossociais”.
As E-terapias são fundamentadas no modelo de atenção psicossocial e fomentam o
protagonismo, a participação ativa e a cidadania dos participantes, além de permitir a ampliação
das trocas sociais, pluridisciplinaridade e a corresponsabilidade. Essas estratégias grupais
também se pautam na clínica ampliada, utilizando de tecnologias leves como acolhimento,
escuta, vínculo e comunicação terapêutica para pensar o cuidado de forma integral aos
participantes.
No presente capítulo demonstramos o passo a passo de como foram criadas as E-terapias
e esperamos que possa mobilizar ideias de construção de novos grupos terapêuticos utilizando
as tecnologias digitais, como também de outras estratégias de cuidado em saúde mental nesse
contexto.

REFERÊNCIAS

ANJOS, N.C.; SOUZA, A.M.P. A percepção sobre o trabalho em equipe multiprofissional


dos trabalhadores de um Centro de Atenção Psicossocial em Salvador, Bahia, Brasil.
Interface - Comunicação, Saúde, Educação, v. 21, n. 60, p. 63–76, jan. 2017.

BELL, C.J. et al. Effectiveness of computerised cognitive behaviour therapy for anxiety
disorders in secondary care. Aust N Z J Psychiatry, v.46, n.7, p. 630–40, jul. 2012

BENJAMIM, A. A entrevista de ajuda. São Paulo: Martins Fontes; 1983.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção


Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. (Série E.
Legislação em Saúde).

COWPERTWAIT, L.; CLARKE, D. Effectiveness of web-based psychological interventions


for depression: A meta-analysis. Int J Ment Health Addiction, v.11, n.2, p. 247–268, jan.
2013.

32
CRISPIM, D.et al. Visitas virtuais durante a pandemia do Covid-19. Recomendações
práticas para comunicação e acolhimento em diferentes cenários da pandemia.
https://ammg.org.br/wp-content/uploads/Visitas-virtuais-COVID-19.pdf. Acesso em: 20 de
abril de 2020.

EARLE, M.J.; FREDDOLINO, P.P. Meeting the Practice Challenges of COVID-19: MSW
Students’ Perceptions of E-Therapy and the Therapeutic Alliance. Clinical Social Work
Journal, v.50, n.1, p. 76–85, mar. 2022.

FOSSI, L.B.; REINHEIMER, F.K. Acolhimento coletivo como espaço de cuidado: uma
análise das demandas em saúde mental na adolescência. Rev. Psicol. Saúde, Campo Grande ,
v. 11, n. 3, p. 35-48, dez. 2019 .

HAWKINS, J. et al. Development of a framework for the co-production and prototyping of


public health interventions. BMC Public Health, v. 17, n.689, set. 2017.

ILHA, S. et al. Vínculo profissional-usuário em uma equipe da estratégia saúde da família.


Cienc Cuid Saude, v.13, n.3, p.556-562, Jul/Set.2014.

LOUCAS, C.E. et al.. E-therapy in the treatment and prevention of eating disorders: A
systematic review and meta-analysis. Behav Res Ther, v.63, p. 122-31, dez. 2014.

MAIA, M.S.D.; JACOMELLI, M.K.; BINDELA, E.M.F. O Uso das Plataformas Digitais
como Promovedoras no Ensino e Aprendizagem do Ensino Médio. Rebena-Revista
Brasileira de Ensino eAprendizagem, v. 4, p. 265-273, 2022.

MATOS, M.L.et al. Integrative Community Therapy and its Meaning for Student Life: a
Meeting of Experiences. Int Arch Med, v. 10, n. 83, p. 1–12, 2017

MAYNART, W.H.C. et al. A escuta qualificada e o acolhimento na atenção psicossocial.


Acta Paulista de Enfermagem, v. 27, n. 4, p. 300–304, ago. 2014.

MERHY, E. E. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. 3ª Ed. São Paulo: Editora Hucitec;
2002

MOURA, E.L.; SANTOS, R.S.; ROCHA, S. S. Evidências sobre o acolhimento e vínculos de


enfermeiros da Estratégia Saúde da Família junto aos adolescentes. Rev Saúde Foco,
Teresina, v. 2, n. 2, art. 5, p. 62-79, ago./dez. 2015.

NEWMAN, M.G. et al. A review of technology-assisted self-help and minimal contact


therapies for drug and alcohol abuse and smoking addiction: is human contact necessary for
therapeutic efficacy? Clin Psychol Ver, v.31, n.1, p. 178-86, fev. 2011.

PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: conceito e tipologia. Rev Saúde Pública.


São Paulo, v. 35, n. 1, p. 103-109, 2001. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rsp/a/PM8YPvMJLQ4y49Vxj6M7yzt/?format=pdf&lang=pt. Acesso
em: 15 out. 2023.

RICHARDS, D.;RICHARDSON, T. Computer-based psychological treatments for


depression: a systematic review and meta-analysis. Clin Psychol Ver, v.32, n.4, p. 329–42,
jun. 2012.

33
RUFATTO, A.T. O grupo como lugar de aprendizagem. Vínculo, São Paulo, v. 3, n. 3, p. 37-
45, dez. 2006.

SARACENO, B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível.


2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Te Corá/Instituto Franco Basaglia; 2001.

SEQUEIRA, C. Comunicação terapêutica em saúde mental. Revista Portuguesa de


Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 12, p. 6-8, dez. 2014.

SILVA, A.L.A.E.; FONSECA, R.M.G.S. Os nexos entre concepção do processo


saúde/doença mental e as tecnologias de cuidados. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, v. 11, n. 6, p. 800–806, nov. 2003.

SOUSA JM, VALE RRM, PINHO ES, ALMEIDA DR, NUNES FC, FARINHA MG, et al.
Effectiveness of therapeutic groups in psychosocial care: analysis in the light of yalom’s
therapeutic factors. Rev Bras Enferm, v. 73, Supp 1. e20200410. 2020. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0410. Acesso em: 26 set. 2023.

SOUZA, J.M.et al. Effectiveness of therapeutic groups in psychosocial care: analysis in the
light of yalom`s therapeutic factors. Revista Brasileira de Enfermagem, v.73, p.e20200410,
dez. 2020

SOUZA, R. C. et al. Projeto e-Terapias Psicossociais: Construção e estratégias de promoção


da saúde mental em tempos de pandemia da COVID-19. Research, Society and
Development, v. 10, n. 6, p. e20910615740-e20910615740, 2021

SPINK, M.J.P. “Fique em casa”: a gestão de riscos em contextos de incerteza. Psicologia &
Sociedade, v. 32, p. e020002, set. 2020.

TRAD, L. A. B.; ESPERIDIÃO, M. A. Gestão participativa e corresponsabilidade em saúde:


limites e possibilidades no âmbito da Estratégia de Saúde da Família. Interface -
Comunicação, Saúde, Educação, v. 13, p. 557–570, 2009.

VENTURINI, T. Buildings on faults. How to represent controversies with digital methods.


Public Understanding of Science, v.21, n.7,dez.2010. Recuperado de:
http://www.tommasoventurini.it/wp/wp-
content/uploads/2011/08/TV_BuildingOnFaults_FullText.pdf [ Links ]

WATANUKI, M.F.; TRACY, R.; LINDQUIST, R. Therapeutic listening. In: Tracy R,


Lindquist R. Complementary alternative therapies in nursing. New York: Springer; 2006.
p. 45-55.

34
Tecnologias digitais para gestão de grupos terapêuticos online

O cenário da pandemia da COVID-19 produziu novas finalidades e significados no uso


das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC’s) (Oliveira, Cunha,2022). Uma
vez recomendado o isolamento social como uma das principais medidas para o enfrentamento
da doença, as pessoas buscaram novas formas de relacionamento, sendo as TDIC’s ferramentas
possibilitadores desse processo.
Assim, surgiu o Projeto e-Terapias Psicossociais (Souza et al., 2021), com o intuito de
oferecer auxílio à saúde mental de grupos específicos e da população em geral, mediante o uso
das TDIC’s. Foi delineada uma Pesquisa-Ação, sendo um dos desafios primários habilitar os
integrantes da equipe do projeto quanto à aprendizagem e o manejo das tecnologias digitais.
Tais ferramentas representaram - durante a pandemia e no pós-pandemia - lugar de encontro,
pluralidade de contextos de trocas sociais, meios de acessibilidade diversas e de produção de
cuidado e de habilidades para a vida.
A incorporação dos aprendizados da pandemia no uso das tecnologias digitais se faz
necessária ao cuidado psicossocial (Brasil, 2022), a fim de possibilitar a continuidade do seu
uso. Este capítulo apresenta uma linha do tempo, demonstrada na Figura 1, sobre as TDIC’s
utilizadas para gestão e inovações no cuidado em saúde mental à distância, mediante a
construção e a oferta de grupos terapêuticos online, com abordagem para etapas, decisões
compartilhadas e resultados de gestão.

35
Figura 1 – Demonstrativo das tecnologias digitais utilizadas na Gestão do Projeto e-Terapias
Psicossociais para produção de Grupos Terapêuticos Online, durante os anos 2020-2021.

Fonte: Elaboração própria, por meio da Plataforma Canva1.

1
Disponível em: https://www.canva.com/design/DAFxYN2kkNY/AXUBJIibKPrvAlXf6e23Ig/view. Elaborado
em: 15 out. 2023.
36
WhatsApp

O início da comunicação entre os coordenadores e primeiros membros do projeto


ocorreu mediante a formação de um Grupo no WhatsApp. Por meio dessa ferramenta, possíveis
participantes do projeto eram convidados a entrar no grupo, que reuniu profissionais, docentes
e estudantes da area da saúde/ saúde mental e da ciência da computação, configurando um grupo
multidisciplinar, e o primeiro momento do projeto. Essa etapa marcou diálogos e levantamento
de evidências, onde eram compartilhados materiais bibliográficos ou informações de cursos
online sobre o apoio em saúde mental em tempos de endemias/ pandemias.
No Grupo também eram construídos consensos sobre dias e horários para reuniões de
equipe, divulgação dessa agenda e da plataforma a ser utilizada, assim como para envio da Ata
produzida por algum integrante da equipe. Na última fase do projeto, fase de prototipagem, o
grupo também funcionava como ótima ferramenta para divulgação de cards com as
modalidades de ofertas das e-terapias.
Posteriormente, utilizou-se da Plataforma Slack, para comunicação entre os membros
da equipe, a fim de garantir segurança, confidencialidade e um arquivo digital do projeto.
Mesmo assim, o Grupo no WhatsApp nunca deixou de existir, e, finalmente, acabou
substituindo o Slack, pela praticidade do uso. E, para facilitar a comunicação entre os
estudantes, a gestão passou a contar com outro grupo de WhatsApp, que inclui bolsistas e
voluntários do projeto.

Plataforma Google

Para gerir os dados gerados pelo projeto, como atas, diários, formulários de inscrições,
planilhas de acompanhamento, entre outros, foi escolhida a suíte de aplicativos do Google pela
praticidade, por ser gratuita e já inserida na rotina das atividades da Uesc. A suíte Google é
composta por diversas aplicações que funcionam em nuvem, com acesso online, possibilitando
o compartilhamento dos dados de maneira segura e simples. Os aplicativos utilizados neste
projeto foram o Google Meet, Google Docs, Google Sheets e Google Forms.

Google Meet

Google Meet é uma plataforma de videoconferência que permite que as pessoas se


conectem virtualmente para realizar reuniões, conferências, seminários on-line e interações por

37
vídeo em tempo real. O Google Meet é uma ferramenta muito versátil que pode ser utilizada
para uma variedade de finalidades. Neste projeto foi utilizado para reuniões da equipe, a
aplicação de oficinas sobre saúde mental e gravação de entrevistas.
O Google Meet permite que os membros da equipe compartilhem informações,
atualizações e documentos em tempo real. É possível compartilhar a tela do computador para
mostrar apresentações, documentos, gráficos e outras informações. Os membros da equipe
puderam colaborar em tempo real, usando recursos como o quadro branco interativo para
esboçar ideias ou esquematizar planos. Também foi possível agendar reuniões com
antecedência, enviar convites por e-mail e adicionar eventos através do Google Agenda,
mantendo a equipe informada sobre as próximas reuniões.
O Google Meet é uma excelente plataforma para realizar sessões de terapia ou oficinas
sobre saúde mental remotamente, tornando o acesso mais conveniente para os usuários. A
ferramenta oferece recursos de segurança, como senhas de reunião e salas de espera, para
garantir a privacidade das sessões. Os profissionais podem compartilhar recursos,
apresentações e ferramentas interativas para ajudar os participantes a entender e gerenciar
melhor o tema trabalhado. O Google Meet oferece legendas automáticas em tempo real para
tornar as sessões mais acessíveis para pessoas com deficiência auditiva.

Google Forms (Formulários do Google)

A plataforma Google Forms foi muito utilizada durante o desenvolvimento do projeto,


principalmente por ser de fácil manuseio e operacionalização. Sua utilização foi realizada tanto
para o processo de inscrição nas e-Terapias e eventos de divulgação, quanto para a criação do
questionário de satisfação da pesquisa.
Inicialmente, as inscrições dos participantes se deram a partir de um formulário único
na qual constavam todas as modalidades ofertadas pelo projeto durante os anos de 2020 a 2022.
Esse formulário foi desenvolvido pela gestão de modo a permitir que os indivíduos pudessem
escolher quais eram as modalidades de interesse, podendo selecionar quanto às e-Terapias de
primeira e segunda escolha.
O formulário possuía seções cuja as informações estavam relacionadas a dados pessoais,
vínculo com a instituição na qual o projeto é associado, ocupação, além de outros dados como
orientação sexual, etnia/raça, religião, renda, motivo do interesse em participar do projeto e
informações relacionados à pandemia como se o participante ou familiar foi diagnosticado com
COVID 19. Esse formulário foi utilizado até o ano de 2022. Posteriormente, no ano de 2023, o
38
formulário foi remodelado. Ao invés de se seguir um único link para a inscrição nas
modalidades, foram criados links individualizados para cada oferta. Essa mudança se deu de
maneira a facilitar e flexibilizar o acompanhamento das inscrições, uma vez que esse processo
era realizado por duas estudantes do curso de graduação da UESC.
As principais mudanças realizadas nesse novo formulário foram a inclusão de
informações das respectivas modalidades, como horário, nome de moderadores e um breve
texto de apresentação. Foi incluída também uma seção que dizia a respeito do número de vezes
que o participante se inscreveu naquela modalidade ou em outra. As seções relacionadas a dados
pessoais, vínculo com a instituição, ocupação, e dados como orientação sexual, etnia/raça,
religião, renda, motivo do interesse em participar do projeto foram mantidas.
Foram excluídas perguntas relacionadas ao COVID 19, uma vez que essa nova fase do
projeto não tinha como foco a pandemia. No entanto, foram incluídas perguntas específicas que
se relacionavam com cada modalidade, a exemplo, Cuidando da qualidade do sono e perguntas
sobre padrão de sono, Meditação e perguntas relacionadas ao conhecimento e prática de
meditação, entre outros. No que diz respeito à periodicidade com que os formulários de
inscrição eram revistos, normalmente, eles eram verificados a cada 2 ou 3 dias.
A outra forma pela qual o Google Forms foi utilizado se refere aos Questionários da
Pesquisa, desenvolvido para avaliar o grau de satisfação dos usuários e a efetividade das e-
Terapias a partir do TCLE. Nele, os participantes puderam deixar registrado o tempo que
participou da e-Terapia, se atendeu ou não às suas necessidades e sugestões para melhoria
daquela modalidade.

Google Sheets (Planilhas do Google)

As planilhas do Google foram desenvolvidas a partir dos formulários, de modo a


organizar as informações colhidas em cada inscrição.
Essas planilhas foram gerenciadas por duas estudantes de enfermagem, que já estavam
responsáveis pelos formulários. Cada categoria contida nas planilhas eram analisadas
minuciosamente, visto que era necessário verificar, principalmente, idade e ocupação de cada
participante, pois haviam modalidades cujo grupo era restrito a um perfil específico, como
estudantes, profissionais da área da saúde ou adolescentes.
Após toda a análise, essas planilhas eram enviadas para os moderadores de cada oferta,
para que verificassem os critérios postos nas perguntas específicas e caso o inscrito não se
encaixasse eram remanejados para outras modalidades de interesse.
39
Uma vez concluída esse processo de investigação, as planilhas eram enviadas aos
estudantes responsáveis pelo apoio técnico para que os incluíssem nos seus respectivos grupos.
No que diz respeito à periodicidade com que essas planilhas de inscrição eram revistas,
normalmente, eles eram verificados a cada 2 ou 3 dias.

Google Docs (Documentos do Google)

Os diários de campo foram utilizados como registros de cada reunião pelos moderadores
e estudantes responsáveis no suporte técnico de cada e-Terapia, durante todas as ofertas. Sua
criação se deu a partir de um Google Docs compartilhado entre os membros da equipe. Além
disso, era importante e essencial que esses registros fossem feitos durante as reuniões ou logo
após o seu término, para que essas informações não se perdessem.
Esses diários tornaram-se os principais registros das modalidades, seu objetivo era
sistematizar as experiências vividas nas reuniões e descrever as principais impressões de cada
grupo, como sensações, emoções, colaboração dos participantes, frequência e alguns relatos
considerados importantes pelos moderadores e estudantes. Esses registros serviram,
posteriormente, para análise e escrita de artigos.

Slack

Slack é uma plataforma de comunicação e colaboração que vem ganhando popularidade


nos últimos anos. Ela é uma ferramenta poderosa que pode ser usada para diversos propósitos,
incluindo o gerenciamento de projetos e a comunicação da equipe.
O Slack pode ser usado para gerenciar projetos de diversas maneiras. Uma das principais
vantagens é que ele permite que as equipes se comuniquem de forma rápida e eficiente. Isso é
importante para o gerenciamento de projetos, pois ajuda a garantir que todos estejam na mesma
página e que as informações sejam compartilhadas de forma clara e concisa. O Slack também
pode ser usado para acompanhar o progresso dos projetos. Isso pode ser feito por meio de canais
específicos para cada projeto, onde as equipes podem compartilhar atualizações, discutir
desafios e resolver problemas.
Também é uma ferramenta valiosa para a comunicação da equipe. Ele permite que as
equipes se comuniquem de forma informal e direta, o que pode ajudar a promover um ambiente
de trabalho mais colaborativo.

40
No Projeto e-Terapias Psicossociais, a utilização do Slack representou uma ferramenta
bastante útil à comunicação e organização das informações gerenciais do projeto, especialmente
no primeiro ano de atuação, com um declínio importante nos anos que se seguiram à sua
implantação (Figura 2). Destaca-se, pois, que o uso de uma ferramenta robusta requer uma
significativa adaptação por parte da equipe e assim, efetivamente, a maior parte da comunicação
voltou a ser absorvida pelo WhatsApp, principalmente pela popularização e facilidade de uso.

Figura 2 - Demonstrativo do acesso ao slack, envolvendo comunicação e informações compartilhadas


pelos participantes do Projeto e-Terapias, durante os anos de 2020 a 2023.

Fonte: Canal GTSM, Plataforma Slack, 2023.

Trello

Trello é uma ferramenta comercializada pela Atlassian, com foco no gerenciamento de


projetos baseado em quadros, listas e cartões. É uma solução flexível e fácil de usar que pode
ser adaptada a qualquer tipo de projeto, desde pequenos projetos pessoais até grandes projetos
de equipe. Apresenta como principal benefício a visibilidade e transparência, permitindo que
todos os membros de uma equipe visualizem a situação do projeto em tempo real.
Funciona com a proposta de disponibilização a quadros, cartões e listas de tarefas. Cada
cartão representa uma tarefa ou um subprojeto, que podem ser personalizados e atribuídos a
grupos de membros da equipe, para controle do fluxo do projeto.
No escopo do Projeto e-Terapias Psicossociais, o Trello foi utilizado como a principal
ferramenta de gestão, para controle e gerenciamento de demandas da coordenação e
41
acompanhamento da criação de conteúdos para o site e da organização das ofertas. A Figura 3
dá uma visão geral do que essa ferramenta contribuiu para a gestão:

Figura 3 - Uso da ferramenta Trello, para organização do site do Projeto e-Terapias. Ano: 2020.

Fonte: https://trello.com/b/8bwL6c7w/projeto-e-terapias.

Site

Logo no início do projeto a equipe de gestão sentiu necessidade de ter uma ferramenta
para centralizar as inscrições e divulgação sobre as oficinas. A alternativa mais viável foi a
criação de um site para concentrar todas as informações sobre o projeto.
Foi elaborada uma identidade visual que combinasse com a proposta do projeto,
trazendo uma paleta de cores suaves, que transmitisse calma e tranquilidade. A logomarca do
projeto foi construída por Vitor Souza Silva (apud Souza et al., 2022), e mostra uma borboleta,
que possui um significado relevante na psicologia, significando o renascimento da vida, o
símbolo da transformação, da mudança e da renovação. Para demonstrar a interdisciplinaridade
e o apoio com a tecnologia, a logomarca possui ramificações ponto-a-ponto, que se assemelham
aos circuitos digitais, transmitindo a composição e objetivos do projeto (Figura 4).
O site foi lançado para toda comunidade em outubro de 2020, com o apoio do Centro
de Computação Avançada e Multidisciplinar (Ccam) da Uesc através da url

42
https://eterapias.uesc.br. Seu conteúdo foi dividido em 5 seções: início, e-terapias, inscrições,
sobre e contato. Ao acessar o site o conteúdo da página inicial era exibido, trazendo banners
com atalhos para as oficinas em oferta no momento, além de outros conteúdos que mereciam
destaque no momento. A seção “e-terapias” apresentava aos usuários as opções de e-terapia do
projeto, trazendo informações sobre público-alvo, a periodicidade, qual(is) aplicativo(s) e o(s)
moderador(es) responsáveis. O espaço “inscrições” trazia informações sobre as oficinas com
possibilidade de inscrição no momento, trazendo informações detalhadas, através de vídeos. A
seção “sobre” trazia páginas com informações do projeto, entre elas a equipe, a história,
instituições parceiras e trabalhos publicados sobre o projeto. Finalmente, o conteúdo da seção
“contato” trazia todos os meios de contato com a equipe do projeto, como os telefones,
endereços de email, formulários de dúvidas.
O site demonstrou ser uma ferramenta fundamental para atingir os objetivos previstos
pelo projeto.

Figura 4 – Imagem demonstrativa da logomarca e do site do Projeto e-Terapias Psicossociais.

Fonte: Página do site do Projeto e-Terapias Psicossociais2.

2
Disponível em: http://eterapias.uesc.br/. Acesso em: 16 out. 2023.
43
TECNOLOGIAS ASSOCIADAS À DIVULGAÇÃO DA OFERTA DOS GRUPOS
ONLINE

Youtube

O uso do YouTube teve seu início durante o primeiro evento online de saúde mental,
promovido conjuntamente pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e a Universidade
de Brasília (UnB) em agosto de 2020. Este evento foi concebido como uma resposta remota aos
desafios impostos pela pandemia da Covid-19, que criou um cenário altamente incerto em todo
o mundo. Notavelmente, este evento foi reconhecido pelo coordenador da Associação Brasileira
de Saúde Mental (ABRASME) como o maior encontro online dedicado à saúde mental
realizado em 2020 (Figura 5).

Figura 5 – Descrição sobre o Canal do YouTube do e-Terapias Psicossociais.

Fonte: Página do Canal do e-Terapias no YouTube3.

A escolha da plataforma YouTube como meio de transmissão possibilitou a participação


de um público diversificado, abrangendo todos os estados do país. Além disso, o evento

3
Disponível em: https://www.youtube.com/@e-terapias-saudemental-ues5510/about. Acesso em: 16 out. 2023.
44
cumpriu com sucesso seu principal objetivo, que era debater questões relevantes relacionadas
às consequências da drástica mudança na rotina diária de milhões de indivíduos, que se viram
confrontados com uma emergência de saúde pública sem precedentes. Nesse contexto
desafiador, o evento buscou identificar caminhos viáveis para a melhoria dos sintomas mentais
resultantes desse novo cenário.
Esta iniciativa, realizada por meio do YouTube, demonstrou a capacidade de adaptação
e inovação no setor de saúde mental diante de desafios sem precedentes, ao mesmo tempo em
que permitiu o acesso e a participação de um amplo espectro da população brasileira.
Após o sucesso da transmissão do evento no YouTube, o e-Terapias incorporou a
plataforma como uma ferramenta essencial em seus futuros eventos online. Por exemplo, a
divulgação dos menus das e-terapias ofertadas. Além disso, a plataforma foi adotada como um
meio versátil para conectar pessoas de diferentes localidades, facilitando a comunicação e a
transmissão de simpósios e discussões em grupo, que ocorreram tanto no início quanto no
encerramento de cada edição. Essa integração do YouTube provou ser uma abordagem eficaz
para ampliar o alcance e o envolvimento dos participantes, independentemente de sua
localização geográfica.

Instagram

O uso do Instagram desempenhou um papel crucial na disseminação das e-terapias,


incluindo informações sobre a abertura de vagas, o cardápio de serviços, esclarecimento de
dúvidas e a promoção de eventos realizados pela equipe do projeto. Essa abordagem visava tirar
o máximo proveito do alcance dessa rede social, o que possibilitou atingir um público
diversificado em termos de idade, gênero, raça/etnia e condições econômicas. Além disso, essa
estratégia estendeu o reconhecimento e a acessibilidade do projeto para além dos limites das
instituições acadêmicas, democratizando o acesso ao cuidado com a saúde mental por meio das
e-Terapias.
Notou-se uma resposta positiva do público presente na plataforma, refletida na interação
através de comentários e compartilhamentos, o que contribuiu para ampliar o alcance e a
visibilidade do projeto. Na bio do Instagram, eram disponibilizados os principais links
relacionados ao projeto, como os de inscrições, o site oficial e o canal do YouTube,
simplificando o acesso a informações importantes para os interessados. Essa estratégia
integrada no Instagram demonstrou ser eficaz em conectar e engajar o público, ao mesmo tempo
em que facilitou o acesso a recursos adicionais.
45
StreamYard

A utilização da plataforma de transmissão StreamYard desempenhou um papel


fundamental como intermediária na realização de lives, vídeos e palestras promovidos pelo
projeto E-terapia. Foi por meio do StreamYard que conseguimos reunir os palestrantes em um
único ambiente virtual e transmitir as apresentações em tempo real. Um ponto particularmente
vantajoso foi a disponibilidade gratuita da plataforma, o que representou uma economia
significativa para o projeto. Além disso, o StreamYard se destacou por sua interface interativa
e de fácil manuseio, tornando-o acessível para uma ampla gama de participantes, inclusive
aqueles com menos familiaridade em tecnologias de comunicação.
A escolha pelo uso dessa plataforma surgiu a partir da recomendação de um dos
professores que faziam parte do projeto, visando simplificar e aprimorar o processo de
realização das transmissões dos eventos online. Essa decisão demonstrou-se acertada ao
proporcionar uma experiência mais eficiente e acessível tanto para os organizadores quanto
para o público envolvido.

WhatsApp

O uso do WhatsApp inicialmente foi estabelecido para comunicações internas da equipe


do projeto, incluindo bolsistas, voluntários, professores e moderadores. No entanto, com a
criação dos cardápios das e-terapias, reconhecemos a importância de criar grupos no mesmo
aplicativo para os participantes. O WhatsApp foi escolhido devido à sua ampla base de usuários
e facilidade de uso.
Foram criados vários tipos de grupos para diferentes finalidades: grupos para
comunicação entre os participantes, moderadores e equipe de apoio técnico (bolsistas e
voluntários); grupos para comunicação interna entre os professores do projeto e os bolsistas e
voluntários; e, por fim, o grupo para cada e-terapia com os participantes, moderadores e apoio
técnico. As comunicações individuais entre os moderadores e a equipe de apoio técnico eram
realizadas por meio de chat privado.
O WhatsApp desempenhou um papel fundamental na agilidade da comunicação, uma
vez que informações relacionadas aos horários e datas das e-terapias eram compartilhadas nos
grupos. Além disso, avisos sobre listas de presença, mudanças de programação e outras
comunicações importantes eram efetuados de forma direta com os participantes. Os membros
da equipe de apoio técnico eram responsáveis por criar os grupos, adicionar os participantes

46
selecionados e informar individualmente cada participante sobre sua inclusão no grupo. Além
disso, os grupos do WhatsApp eram usados para compartilhar os links dos encontros que
ocorreriam nas plataformas previamente acordadas entre os moderadores. Essa abordagem
permitiu uma comunicação eficaz e organizada entre todos os envolvidos no projeto e-Terapia.

Assim, muitas foram e são as TDIC’ utilizadas para a produção dos grupos terapêuticos
online, as e-Terapias psicossociais, que possibilitaram o trabalho em equipe, de modo
participativo, pluridisciplinar, consensual e criativo, no desenvolvimento de intervenções
terapêuticas, pedagógicas e de promoção da saúde mental. Podemos dizer que para alguns de
nós – profissionais da saúde – éramos um tipo de “analfabetos digitais”, e que a interação com
os profissionais da ciência da computação implicou em aprendizagem, que proporcionou um
outro olhar e posicionamento frente a essas tecnologias. E, depois de uma curta, porém, intensa
trajetória, vimos que o projeto precisavam continuar, mesmo após a pandemia. As
possibilidades de uso das TDIC’s em saúde mental, portanto, são dinâmicas e crescentes, e
apontam uma tendência para a inovação e o aprimoramento das ofertas de grupos terapêuticos
online, a partir da incorporação dos aprendizados enquanto ocorre o manuseio das mesmas ou
novas descobertas. Nisto, ainda temos muito a aprender. Sigamos em frente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Documento orientador da 5ª conferência nacional


de saúde mental (5ª CNSM). Disponível em:
https://conselho.saude.gov.br/images/5cnsm/doc/documento_orientador_5CNSM.pdf. Acesso
em: 02 out. 2023.

OLIVEIRA, K. S. de; CUNHA, J. R. da. Dialogando sobre ciências: o uso de podcast no


processo de ensino e aprendizagem. In: SOUZA JUNIOR, A. A. et al. [Orgs.], organizadores.
Recursos digitais e metodologias inovadoras no ensino de ciências naturais e matemática
[recurso eletrônico] / — Natal : IFRN, 2022. Dados eletrônicos (pdf). Disponível em:
https://memoria.ifrn.edu.br/bitstream/handle/1044/2279/Ebook_Recursos%20digitais%20e%2
0metodologias%20inovadoras%5Bfinal%5D%2028-11-22.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Acesso em: 30 out. 2023.

SOUZA, R. C. et al. Projeto e-Terapias Psicossociais: Construção e estratégias de promoção


da saúde mental em tempos de pandemia da COVID-19. Research, Society and
Development, v. 10, n. 6, e20910615740, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-
v10i6.15740

47
Seção II

Grupos de e-Terapias para promoção do bem estar

48
Programa de Meditação e Bem-Estar

“Que possamos continuar a nos entregar ao que é mais profundo e melhor em


nós mesmos, repetidamente, encorajando essas sementes da nossa natureza mais
verdadeira a crescer, florescer e – em nome de todos os seres, próximos e
distantes, conhecidos e desconhecidos – nutrir nossa vida, nosso trabalho e
nosso mundo momento a momento, dia a dia” (Kabat-Zinn, 2020:222).

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde decretou estado de


pandemia mundial, causada pelo SARS-CoV-2 (Eurosurveillance Editorial Team, 2020). As
dúvidas, incertezas, despreparo da população e ausência de suporte do governo diante do
contexto pandêmico parecem ter repercutido para o aumento dos níveis de estresse, ansiedade,
depressão e medo.
Foi necessário agir urgentemente. Assim, a sociedade civil se organizou em torno de
ações para o enfrentamento dos desafios apresentados. As Universidades e Institutos de
Pesquisa tiveram um papel fundamental nas pesquisas científicas e na construção de programas
úteis à população.
Uma dessas ações foi o grupo de Meditação e Bem-Estar, desenvolvido pelo Projeto e-
Terapias psicossociais (Souza et al., 2021:03), e organizado a partir de um protocolo adaptado
do Programa de Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (MBSR), Prática de Pontos
Fortes Baseada em Mindfulness (MBSP) e da Meditação da Bondade Amorosa.
Este capítulo tem por objetivo apresentar o Protocolo de Meditação e Bem-Estar
desenvolvido para o Programa E-Terapias/UESC (Souza et al., 2021), iniciado em 2020. O
protocolo segue ações formais e informais de atenção pura/focada com a finalidade de auxiliar
os participantes no manejo das condições de saúde associadas ao estresse, depressão, ansiedade
e melhoria do bem-estar subjetivo.

DA ANTIGA ÍNDIA A ATUALIDADE: MEDITAÇÃO E SAÚDE

As evidências mais antigas sobre a prática da meditação estão em registros encontrados


na Índia em desenhos e imagens de pessoas sentadas em lótus, olhos semicerrados que
remontam os anos 5000 a 3500 a.C. Nos primeiros registros, a meditação estava associada a
49
princípios religiosos e morais, porém, a partir da segunda metade do século XX adentrou no
ambiente científico/acadêmico (Shapiro,1981). Das práticas Indus às laicas, realizadas hoje em
diferentes instituições, como escolas e hospitais, há um longo percurso de grupos, ações e
técnicas.
No campo científico/acadêmico desde os relatos de consciência alterada e as
características consideradas extraordinárias de controle corporal do Zen e mestres de Yoga nos
anos de 1960 (Shapiro,1981:141), às revisões sistemáticas e meta-análises mais recentes
(Dunn,et al. 2023; Chaudhary, et al. 2023; Seekircher, et al. 2023; entre outros), práticas e
protocolos de meditação ganharam espaço significativo como intervenção em diversas
condições de saúde.
Em um mapa de revisão recente, Schlechta, et al. (2021) analisaram os trabalhos
científicos envolvendo meditação dividindo em três categorias: Saúde Mental; Saúde Física e
Metabolismo e; Vitalidade, Bem-Estar e Qualidade de Vida. Nele, correlataram efeitos
positivos em todas as categorias, com destaque para a Saúde Mental, principalmente no
tratamento da ansiedade, depressão e estresse.
Ganessan et al. (2022) analisaram mudanças neurofisiológicas, propiciadas pela prática
da meditação, em estudos de imagem por ressonância magnética funcional (fMRI),
identificando correlatos neurais mais consistentemente implicados na meditação de atenção
concentrada. Foram observadas mudanças no córtex cingulado anterior, no córtex cingulado
posterior, no córtex pré-frontal medial, no córtex pré-frontal lateral dorsal e na ínsula, que
constituem três redes cerebrais principais em grande escala. Estas mudanças da estrutura
cerebral envolvem potencial desenvolvimento da autorregulação, pois estão associadas a
alocação de atenção, antecipação de recompensas, tomada de decisão, ética e moralidade,
controle de impulso e emoção.
Zheng et al.,2023, analisaram os estudos empíricos publicados até março de 2022 sobre
Meditação da Bondade Amorosa e compaixão (LKCM). Foram incluídos estudos que tomaram
o LKCM como corpo principal e mediram a ansiedade como desfecho. De acordo com os
autores, as intervenções LKCM mostrou-se eficaz na redução da ansiedade. O valor incremental
de combinar a meditação da atenção plena com a meditação da bondade amorosa parece muito
promissor e encorajador.
Ao analisar os efeitos dos programas de meditação clínica sobre o estresse e o bem-
estar, Seekircher et al. (2023) encontraram efeitos benéficos para o estresse psicológico, que se
suspeita estar ligado ao desenvolvimento e curso da doença, e para o bem-estar subjetivo. De

50
acordo com os autores, em termos de estresse, os efeitos parecem ser estáveis ao longo do tempo
e ainda podem ser encontrados no acompanhamento. Isto sugere que os pacientes são capazes
de aplicar o que aprenderam no curso de meditação na vida diária mesmo após o término do
programa de meditação.
De forma geral, ainda que sejam necessários mais estudos científicos sobre as práticas
de meditação em estudos randomizados e a comparação de diferentes protocolos para diferentes
desfechos, vemos a crescente análise sobre a prática e resultados positivos e promissores para
manejo de condições de saúde associadas ao estresse, depressão e ansiedade, e para melhora do
bem-estar subjetivo.

FUNDAMENTOS DO PROTOCOLO

O protocolo de Meditação e Bem-Estar para o programa E-terapias, foi organizado a partir


da adaptação de protocolos já sistematizados, com a finalidade de possibilitar a prática da forma
remota na plataforma Google Meet e permitir acolhimento e garantia de permanência das
pessoas que chegavam, via inscrições online. Assim, fundada nos dados científicos organizados
acima, algumas decisões foram tomadas em duas dimensões: Referências para o protocolo e
aspectos técnicos/organização dos encontros.
A primeira referência do Meditação e Bem-Estar foi o Programa de Redução de Estresse
Baseado em Mindfulness – MBSR (Kabat-Zinn, 2017). O programa introduzido por Kabat-
Zinn, (MBSR), incorpora a meditação da atenção plena no dia a dia e demonstrou ser eficaz na
redução dos sintomas em pacientes com dor crônica (Kabat-Zinn, 1982) e redução do estresse
(Kabat-Zinn, 2017). Em particular, o MBSR ensina técnicas de meditação selecionadas e como
aplicá-las ao estresse, à dor e aos sintomas vivenciados pelos pacientes. O objetivo do programa
não é mudar as causas biológicas das doenças, mas como os pacientes lidam com elas (Kabat-
Zinn, 2003).
Em acordo com Kabat Zin, o MBSR é baseado num treinamento rigoroso e sistemático em
mindfulness:
em poucas palavras, mindfulness é consciência de momento a momento, sem julgamento. É
cultivada quando prestamos atenção de modo intencional a coisas que normalmente
desconsideramos. É uma abordagem sistemática para o desenvolvimento de novos tipos de
intencionalidade, autonomia e sabedoria, com base na capacidade interna de prestar atenção, bem
como na consciência, percepção e compaixão que surgem naturalmente quando prestamos atenção
de maneira específica. (Kabat-Zinn, 2017:41).

51
As atitudes fundamentais na prática de mindfulness, no protocolo MBSR são: 1. Não
julgamento, 2. Paciência, 3. Mente de principiante, 4. Confiança, 5. Não lutar, 6. Aceitação e
7. Soltar; descritos da seguinte forma:
1. Atitude do Não Julgamento: A partir do cultivo da atenção pura se aprende a manter um
certo distanciamento dos julgamentos, tomando consciência do fluxo constante e não se
identificando com os pensamentos, apenas permitindo o teu ir e vir.
2. Atitude da Paciência: pressupõe a capacidade, de forma intencional, de ter paciência
com a própria mente, aceitando tua tendência dispersiva e não se envolvendo nessa
dispersão.
3. Atitude de Mente de principiante: está na permissão de que os pensamentos, crenças e
saberes que temos, ou pensamos ter sobre a realidade, não nos impeça de ver as coisas
como elas são. Pressupõe estarmos dispostos a ver as coisas como se fosse a primeira
vez.
4. Atitude da Confiança: consiste no ato de confiar em si mesmo, compreendendo que é
impossível ser outra pessoa, nossa única esperança é nos tornarmos mais plenamente
nós mesmos.
5. Atitude do Não Lutar: está na orientação de não travar qualquer conflito interno,
cultivando o repouso cognitivo, buscando estar no momento presente, simplesmente em
atenção, sem qualquer necessidade de mudança.
6. Atitude de Aceitação: pressupõe em aceitação de modo intencional, vendo as coisas da
forma como são, para, de forma lúcida e presente, agir sobre aquilo que é preciso.
7. Atitude de Soltar: está na orientação de desapegar de expectativas da experiência da
meditação, deixando ela ser o que é.
Além destas atitudes fundamentais, Kabat-Zinn inclui o necessário cultivo de “... não
causar danos, generosidade, gratidão, tolerância, perdão, bondade, compaixão, alegria
empática e equanimidade” (Kabat-Zinn, 2017: 87).
O cronograma do MBSR segue da seguinte forma:
1. Semanas 01 e 02 – prática do escaneamento corporal, por aproximadamente 45 minutos
diariamente e 10 minutos de atenção plena à respiração
2. Semanas 03 e 04 – Alternância entre escaneamento corporal num dia e uma sequência
de hatha yoga no outro dia, praticando atenção plena na respiração durante 15 a 20
minutos ao dia, de forma crescente até 30 minutos. Na quarta semana inicia-se a escrita
de um diário, anotando quando estava realmente consciente e o que ocorria.

52
3. Semanas 05 e 06, substitui-se o escaneamento corporal pela prática da atenção plena na
respiração por 45 minutos, alternando com o Hatha Yoga.
4. Semana 07 – Prática personalizada, preferencialmente sem auxílio de áudio.
5. Semana 08 – Prática com ou sem os áudios, com o meditador escolhendo a meditação
que considera mais adequada a ele, ou combinando as práticas já realizadas no
protocolo.
O segundo protocolo que nos serviu de base para o Meditação e Bem Estar foi desenvolvido
por Niemiec (2014). O Programa denominado Mindfulness-Based Strengths Practice (MBSP),
combina mindfulness e pontos fortes4 visando orientar indivíduos e organizações para o
florescimento. De acordo com Niemiec et al. (2014) a integração de mindfulness e forças de
caráter facilitaria o florescimento nos propósitos de vida, bem como melhoraria do bem-estar
psicológico e as relações interpessoais.
Os pontos fortes do caráter, integrados nas práticas de mindfulness, podem combater as
barreiras da meditação (por exemplo, divagação mental; problemas de agendamento;
desconforto corporal) que os participantes relatam quando tentam manter uma prática de
mindfulness. Por sua vez, a prática de mindfulness ajuda os indivíduos a estarem mais
sintonizados com as situações sociais e com os fenômenos internos para auxiliar na expressão
ideal dos pontos fortes do caráter.
Práticas populares de pontos fortes de caráter, como identificação de pontos fortes,
desenvolvimento de pontos fortes característicos e direcionamento de pontos fortes específicos,
são apoiadas pela natureza aberta e receptiva das abordagens de mindfulness. Ao mesmo tempo,
os indivíduos podem se tornar mais engajados e adeptos de práticas de vida consciente, como
atenção plena nos relacionamentos, escuta atenta, alimentação consciente e caminhada
consciente, ao empregar seus pontos fortes.
O protocolo está assim organizado:
1. Semana 01 - Mente consciente e mente piloto automático: exercício da uva-passa.
2. Semana 02 - Forças de Caráter e Forças de Assinatura – detecção das forças de
assinatura.
3. Semana 03 - Obstáculos e lutas são oportunidades – meditação da estátua.

4
Peterson, C., & Seligman, M. E. P. (2004), apresentam uma classificação dos pontos fortes reivindicando o
caráter e a virtude como tópicos legítimos de investigação psicológica e de discurso social informado.
Posteriormente, Niemiec desenvolveu os guias: Intervenções com forças de caráter: um guia de campo para
praticantes (2019) e Mindfulness and Character Strengths A Practical Guide to Flourishing (2014). Nesse segundo
Guia Niemiec (2014) integra os conhecimentos sobre as virtudes e forças de caráter, desenvolvidos no âmbito
da psicologia positiva, aos conhecimentos sobre os protocolos de meditação mindfulness.
53
4. Semana 04 - Cada momento importa – caminhada consciente.
5. Semana 05- Fortaleça seus relacionamentos – meditação da bondade amorosa e
exploração das forças de assinatura.
6. Semana 06 - Atenção plena nos pontos dourados– revisão 360 dos pontos fortes e
meditação do novo começo - Pontos fortes: uso excessivo, subutilização e uso ideal.
7. Semana 07 - Autenticidade e bondade – meditação nos pontos fortes e como eles
contribuem para a felicidade e para o bem maior.
8. Semana 08 - Seu envolvimento com a vida – Meditando nos pontos fortes de seu
caráter e maior atenção plena- desacelerar e viver o momento presente – meditação
das pepitas de ouro.
Os protocolos MBSR e MBSP estão organizados em oito semanas, com um encontro
presencial de uma hora e meia a duas horas por semana. Nestes encontros, além da meditação
formal os participares são convidados a compartilhar a percepção sobre a prática da
meditação, desafios e descobertas.
A meditação da Bondade Amorosa, por sua vez, não segue um cronograma fixo em
semanas e horários, mas se fundamenta nos seguintes elementos: atenção pura na respiração,
imaginação de um ser amigo, um neutro, um com qual teve alguma desavença e a própria
pessoa, e desejo de felicidade e a ausência de sofrimento para cada ser imaginado (Gunaratana,
2017 e Fredrickson, 2015).

MEDITAÇÃO E BEM-ESTAR
Com a necessidade de adaptação de um programa de meditação para o formato remoto,
foi realizado um estudo minucioso dos dois protocolos descritos, e da meditação da bondade
amorosa (Gunaratana, 2017 e Fredrickson, 2015), permitindo a organização de uma sequência
de nove semanas, da seguinte forma:
1. Semana 01 - Passos iniciais: atenção pura à respiração.
2. Semana 02 - Atenção pura ao corpo.
3. Semana 03 - Contemplando sons.
4. Semana 04 - Contemplando pensamentos.
5. Semana 05 - Alegria apreciativa.
6. Semana 06 - Meditação sobre os sentimentos.
7. Semana 07 - Meditação da bondade amorosa.
8. Semana 08 - Viver consciente na minha melhor versão.

54
9. Semana 09 - Uma lembrança para a vida.
A meditação guiada de atenção plena a respiração é a mais curta de todas, variando entre
cinco a oito minutos. O objetivo é iniciar a jornada da meditação de forma tranquila, permitindo
eficácia e permanência de mais pessoas no programa.
A meditação de atenção pura ao corpo, realizada na segunda semana, é um pouco mais
longa, normalmente quinze a vinte minutos, entretanto, mesmo com o tempo maior, costuma
ter boa aceitação por parte de meditadores iniciantes.
Na terceira semana retornamos para uma meditação de aproximadamente dez minutos.
A atenção pura é direcionada aos sons do corpo do meditador e aos sons externos com
intencionalidade, variando entre estar atento aos sons mais distantes e aos sons mais próximos
do meditador, incentivando a contemplação.
Na quarta semana a meditação guiada propõe um afastamento consciente dos
pensamentos. Mais uma vez a meditação varia de dez a quinze minutos. Normalmente são
oferecidas pelo menos duas propostas diferentes de meditação guiada com o mesmo intuito:
observar os pensamentos sem apego, sem julgamento, sem narrativas.
Na quinta semana seguimos duas práticas distintas: a primeira da meditação guiada da
alegria apreciativa, direcionando o meditador a contemplar as belezas e coisas boas que
encontra no dia a dia. Também nessa semana o meditador inicia o exercício diário das três
bênçãos5, onde deve escrever, ao fim de cada dia, pelo menos três situações positivas ocorridas
nas últimas 24 horas, e agradecer por elas.
Na sexta semana realizamos a meditação sobre os sentimentos considerados negativos.
A meditação guiada propõe acolher as imperfeições, no reconhecimento e aceitação de nós
mesmos. De forma amorosa, os meditadores são guiados pelos princípios do não julgamento,
da paciência consigo, da confiança, não resistência, da aceitação, e do desapego.
Na sétima semana a prática guiada pelos princípios acima aprofundam os sentimentos
de generosidade, tolerância, perdão, bondade, compaixão, e equanimidade, com a meditação da
bondade amorosa.
Na oitava semana, a meditação guiada ganha um aliado: as forças de assinatura do
meditador. Seguindo a premissa proposta no MBSP, onde a atenção pura encontra a psicologia
positiva, trazendo para a prática as forças e virtudes individuais.
No último encontro todos são convidados a levar um objeto pequeno e significativo,
preferencialmente sem valor material. Os praticantes são também convidados a apresentar um

5
Seligman (2012).
55
poema, música ou imagem que represente o que foi o programa de meditação em sua vida
pessoal. Após explicação de que o objeto é um símbolo para termos sempre por perto como
lembrança da importância do estado de presença em nosso dia a dia, é realizada uma meditação
guiada final com o objeto em mãos.
Os encontros, de uma hora, em plataforma online Google Meet, seguem a seguinte
organização: 1. Uma reflexão inicial, 2. Abertura para trocas sobre os desafios e oportunidades
na prática da semana, 3. Meditação formal, 4. Trocas sobre as sensações da meditação formal,
5. Explicação das ações necessárias da semana e finalização de agradecimento.
Em cada semana é apresentada uma meditação guiada diferente para ser realizada
diariamente. Além da meditação formal, os participantes são orientados a buscar estado de
presença nas ações cotidianas mais simples, desde lavar uma louça até apreciar um alimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os programas de meditação requerem um compromisso individual para uma vida lúcida


e consciente. Embora os dados científicos mostrem-se promissores sobre os programas que
envolvam atenção pura e a meditação da bondade amorosa no manejo de estresse, sintomas de
ansiedade e depressão, autorregularão e bem-estar subjetivo, a prática nem sempre é simples e
requer disciplina diária e intencionalidade clara.
O Protocolo de Meditação e Bem-Estar desenvolvido para o E-terapia da UESC, foi
pensado para o aumento de aderência em um Programa de Meditação. Segue-se uma lógica
simples, partindo de meditações mais curtas de atenção na respiração, de apenas cinco minutos,
até a meditação da bondade amorosa de quinze a vinte cinco minutos.
Entretanto, entende-se que a vida é cíclica e, portanto, mesmo nas últimas semanas, se
o participante apresenta dificuldade em realizar as meditações mais longas, ele é incentivado a
retornar à meditação da atenção pura na respiração, permitindo assim a manutenção da
frequência.
Ao final, espera-se que cada participante possa escolher a meditação preferida, ou, sendo
possível, possa simplesmente, de forma intencional e consciente, praticar a atenção pura ao
caminhar, ao sentar, ao andar, ao falar, ao se alimentar e em outras ações ou não ações do dia a
dia.

56
A meditação nos convida à lucidez, nos convida a acordarmos e vivermos plenamente
todos os dias. Assim, finalizo com as palavras de Thoreau: “A luz que extingue nossos olhos é
escuridão para nós. Apenas o dia em que estamos despertos amanhece. Há mais dias para
amanhecer. O sol é apenas uma estrela da manhã” (Thoreau, 2009:399).

REFERÊNCIAS

CHAUDHARY, I; SHYI, G; HUANG, S-T T. A Systematic Review and Activation


Likelihood Estimation Meta-Analysis of fMRI Studies on Arousing or Wake-Promoting
Effects in Buddhist Meditation. Frontiers in Psychology, v. 14, p. 1136983.

DE SOUZA, R. C. et al. Projeto e-Terapias Psicossociais: Construção e estratégias de


promoção da saúde mental em tempos de pandemia da COVID-19. Research, Society and
Development, v. 10, n. 6, p. e20910615740-e20910615740, 2021.

EUROSURVEILLANCE EDITORIAL TEAM et al. Note from the editors: World Health
Organization declares novel coronavirus (2019-nCoV) sixth public health emergency of
international concern. Eurosurveillance, v. 25, n. 5, p. 200131e, 2020.

FOLK, D.; DUNN, E. A systematic review of the strength of evidence for the most
commonly recommended happiness strategies in mainstream media. Nature Human
Behaviour, p. 1-11, 2023. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/s41562-023-01651-4>.

FREDRICKSON, B L. Love 2.0: Creating happiness and health in moments of


connection. Penguin, 2015.

GANESAN, S. et al. Focused attention meditation in healthy adults: A systematic review


and meta-analysis of cross-sectional functional MRI studies. Neuroscience &
Biobehavioral Reviews, p. 104846, 2022. Disponível em:
<https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2022.104846.>

GUNARATANA, H. Loving-Kindness in Plain English: The Practice of Metta. Simon and


Schuster, 2017.

KABAT-ZINN, J. An outpatient program in behavioral medicine for chronic pain


patients based onthe practice of mindfulness meditation: Theoretical considerations and
preliminary results. General Hospital Psychiatry, 4(1), 33-47, 1982.

KABAT-ZINN. J. Viver a Catástrofe total. São Paulo: Palas Athena, 2017.

KABAT-ZINN, Jon. Mindfulness-based stress reduction (MBSR). Constructivism in the


Human Sciences, v. 8, n. 2, p. 73, 2003.

KABAT-ZINN, J. Aonde quer que você vá, é você que está lá: Um guia prático para
cultivar a atenção plena na vida diária. Sextante, 2020.

57
NIEMIEC, Ryan M. Mindfulness and Character Strengths: A Practitioner's Guide to MBSP.
Hogrefe Publishing GmbH, 2014.

NIEMIEC, Ryan M. Intervenções com forças de caráter: um guia de campo para


praticantes. São Paulo: Hogrefe, 2019.

PETERSON, C.; SELIGMAN, M. EP. Character strengths and virtues: A handbook and
classification. Oxford University Press, 2004.

SCHLECHTA PORTELLA, Caio Fábio et al. Meditation: evidence map of systematic


reviews. Frontiers in Public Health, v. 9, p. 1777, 2021. doi: 10.3389/fpubh.2021.742715.
PMID: 34926371; PMCID: PMC8674467.

SEEKIRCHER, J., BURGARD, T., & BOŠNJAK, M. (2023). The effects of clinical
meditation programs on stress and well-being: An updated rapid review and meta-
analysis of randomized controlled trials (RCTs) with active comparison groups.
Zeitschrift für Psychologie, 231(1), 16–29, 2023. https://doi.org/10.1027/2151-2604/a000510.

SELIGMAN, M. E. P. A vida que floresce. Alfragide: Estrela Polar, 2012.

SHAPIRO JR, Deane H. Psychiatry—Epitomes of Progress: Meditation: Clinical and


Health-Related Applications. Western Journal of Medicine, v. 134, n. 2, p. 141, 1981.

THOREAU, H.D. Walden ou A Vida nos Bosques. Lisboa: Edições Antígona, 2009.

ZHENG, Y., YAN, L., CHEN, Y. ET AL. Effects of Loving-Kindness and Compassion
Meditation on Anxiety: A Systematic Review and Meta-Analysis. Mindfulness 14, 1021–
1037, 2023. Disponível em: <https://doi.org/10.1007/s12671-023-02121-8>

58
BATE PAPO LITERÁRIO

Isolado me encontro, cercado de muros dos quais estou acostumado a estar preso
E por estar isolado, pouco faço, mas muito penso
Penso no mês de março, início do caos instaurado
Será que fiz algo de errado? Indaga o jovem isolado
Meses depois me encontro assim, longe do início e duvidoso do fim
Aflito pelos que se foram, receoso pelos que ainda estão a partir
Quando juntos somos mais fortes, no momento mais distantes
Sobre o futuro inúmeras dúvidas, marcadas pela angústia do antes
Com votos se faz eleições, com mortes se fez pandemia
Com o medo se domina nações, independente de pobres ou ricas
Com trabalho se ganha o pão, o vulgo sustento da vida,
Do descaso se fez um governo, espelho vivo da tal hipocrisia
Porém, em tempos incertos, nem do pão todos tem garantia
Alguns comovidos por falsas promessas, no fim só palavras vazias
Exibidos em diversos veículos, nos milhares tipos de mídia
Que da verdade não tem compromisso, já pela vida não demonstram empatia
E o jovem isolado reflete, busca levar com leveza
Aproveita o que de bom se pode ter, o que não se pode ele apenas anseia
De rimas se fez tal poema, com a estrutura definindo formato.
“Isolamento Social” de Filipe Tevjovits.

Este capítulo apresenta o grupo Bate-papo Literário, uma e-Terapia para promoção do
bem-estar. É uma satisfação compartilhar do grupo com você, leitor! Tudo foi escrito com
bastante carinho e reflexão a respeito de encontros semanais online, iniciados na pandemia e
que permanecem nos dias atuais, sempre muito marcante na vida de todos envolvidos.
Esperamos que através dessas palavras você consiga ter um encontro consigo mesmo.
Agora, pare um pouco, e medite conosco: já pensou como uma pintura, uma música,
trechos de um filme, páginas de contos, podem colaborar com sua saúde mental? No bate papo
literário, a proposta é respirar arte, e deixar com que ela nos ajude a trabalhar nossa criatividade
e imaginação. Aproveite a leitura!

BREVE HISTÓRICO
Na conjuntura de um mundo tomado pelo COVID-19, onde grande parte da população
sofria de intensa crise de ansiedade, apreensão, tristeza, medo e outros, nasceu o bate papo
literário, trazendo consigo a “novidade” de que era possível realizar encontros semanais,

59
baseados em discussões de imagens, textos, músicas… e por meio disso, amenizar as pressões
adquiridas pela pandemia.
As primeiras rodas de bate papo literário surgiram com profissionais da Universidade
de Brasília, e tão logo foi compartilhada com docentes da Universidade Estadual de Santa Cruz
– UESC e profissionais do Projeto e-Terapias psicossociais, estes decidiram pôr em prática a
ideia. O bate-papo seria a oferta de um grupo online, que tivesse como base, inicialmente,
poemas e textos diversos, para ser o disparador de discussões que ocasionaram melhoria do
bem-estar das pessoas afetadas pela pandemia.
Para tanto, reunimos profissionais da área de psicologia, enfermagem, e serviço social
bem como estudantes da UESC, dotados de habilidades e sensibilidade no meio psicossocial.
Em seguida foi proposto que as reuniões fossem realizadas pela plataforma de encontros online
Google Meet, a qual ficava sempre disponível semanalmente.
O desafio então surgiu quando foi lançada a primeira versão dessa modalidade, em 2020,
pois sabíamos o que deveríamos fazer como moderadores, mas não sabíamos o que nos
esperava atrás de cada tela que iriam nos assistir. As divulgações aconteceram em massa e já
no primeiro encontro nós tivemos um número expressivo de participantes, que foi marcado por
uma presença significativa de pessoas, que em sua maioria mantinham suas câmeras fechadas,
uma vez que os participantes eram livres para abri-las ou não, contudo o diálogo fluiu
harmonicamente a produção de diálogos tornou-se cada vez mais consistente, dessa forma o
bate papo literário ia se desenhando. Para alegria de todos havia uma poetisa como participante
e com sua sensibilidade encorajava a todos a socializar o que os olhos da alma haviam lido.
Nossos encontros eram permeados de dinâmicas, risos, reflexões, vídeos, canções e
escolhas do próximo poema. Cada participante socializa suas impressões sobre poema, conto,
HQ. etc. Falar num ambiente de ética e sigilo sobre seu coração, pois apesar de ser virtual havia
acolhida (isso foi bastante peculiar). A cada encontro ia nascendo mais confiança, as câmeras
se abrindo, o que antes era tímido descortinava sua alma.

INTRODUÇÃO E BASE TEÓRICA


A Educação a Distância, também conhecida pela sigla EAD, é algo que já está em vigor
há algumas décadas. Veio ter o seu maior pico de efetivação quando ocorreu a pandemia do
COVID-19 no ano de 2020; neste cenário o mundo educacional, sobretudo, teve que se
reconfigurar para continuar realizando suas atividades acadêmicas de variadas formas, para que
os alunos não sofressem mais ainda com os impactos da pandemia (Magalhães, 2021). Este e-

60
book é uma exploração cuidadosa de como a EAD, impulsionada por circunstâncias
extraordinárias, transformou o mundo educacional e, mais especificamente, como o Bate-papo
Literário emergiu como uma resposta singular a esses desafios.
O autor Magalhães, em suas reflexões sobre esse fenômeno, nos lembra que as três
esferas do governo – Municipal, Estadual e Federal – incentivaram e apoiaram o uso de
aplicativos em dispositivos móveis e computadores como parte das soluções para continuar a
oferta de atividades acadêmicas. Nesse contexto de transformação acelerada, professores e
estudantes se viram diante de desafios monumentais, adaptando-se a novas ferramentas,
repensando métodos tradicionais e explorando novos caminhos para a educação.
Existe uma infinidade de temas que podem ser trabalhados nessa e-terapias. Durante os
anos que temos participado como moderadores utilizamos temas como morte, vida, existência,
aceitação, liberdade de expressão, tristeza, ansiedade, desistência, leitura, etnia, direitos
humanos, profissões, doenças, amor, hospitalidade, deslealdade e outros.
Cogitamos, que seja inevitável a possibilidade de englobar mais temas no bate papo
literário, uma vez que os disparadores são escolhidos, em sua maioria, pelos participantes, os
quais possuem existências singulares, dando a cada sujeito um olhar distinto do que lhe é
pertinente em seu cotidiano.
Merhy e Franco (2009), em sua obra “Trabalho em Saúde”, destaca a importância do
trabalho vivo em ato, ou seja, o encontro com o outro como uma tecnologia de cuidado,
especialmente relevante na área de saúde mental, Estes fundamentam sua abordagem na
construção de relações significativas, apontam a existência de uma práxis que acontece no
encontro e que esta faz parte da produção do cuidado. assim não podemos perder de vista que
o encontro do bate papo literário é uma produção viva de cuidado.
Neste e-book, não apenas exploraremos os desafios enfrentados pelos educadores
durante esse período de transição, mas também destacaremos como o Bate-papo Literário, uma
modalidade terapêutica inovadora, surgiu como uma resposta humanizadora ao isolamento e à
incerteza, que afetaram a saúde mental da comunidade acadêmica e além. Este livro oferece um
olhar sob novas perspectivas das experiências, realizações e lições aprendidas durante esse
período extraordinário, examinando como a arte, a literatura e a comunicação online se uniram
para formar um espaço de apoio e transformação em tempos de crise.

NOSSOS PRINCÍPIOS

61
Aqui estão alguns princípios e possíveis enquadres terapêuticos que consideramos
fundamentais para o bom andamento de nosso grupo:
 Acolhimento e respeito: O Bate-papo Literário deve ser um espaço onde todos os
participantes se sintam acolhidos e respeitados, independentemente de suas opiniões e
vivências. O respeito mútuo é fundamental para promover um ambiente seguro e
terapêutico.
 Promoção da expressão: Um dos objetivos principais do grupo é promover a expressão
individual e coletiva. Os participantes devem se sentir incentivados a compartilhar seus
pensamentos, sentimentos e experiências de forma autêntica.
 Inclusão e Diversidade: O grupo deve valorizar e respeitar a diversidade de
perspectivas, identidades e experiências dos participantes. Isso enriquece as discussões
e promove a compreensão mútua.
 Confidencialidade: A confidencialidade das informações compartilhadas pelos
participantes deve ser rigorosamente mantida. Isso cria um ambiente de confiança no
qual as pessoas se sentem à vontade para compartilhar suas preocupações.
 Foco na Saúde Mental: O Bate-papo Literário deve estar centrado no bem-estar
emocional e psicológico dos participantes. As discussões devem ser conduzidas de
maneira a apoiar a saúde mental e promover o autocuidado.
 Flexibilidade temática: Embora haja um tema inicial para cada sessão, deve haver
espaço para a flexibilidade e adaptação de acordo com as necessidades e interesses dos
participantes. Isso permite que o grupo se ajuste às preocupações do momento.
 Facilitação sensível: Os moderadores devem facilitar as discussões de forma sensível
e empática, mantendo o equilíbrio entre direcionar a conversa e permitir que os
participantes se expressem livremente.
 Aprendizado contínuo: O Bate-papo Literário deve ser um espaço de aprendizado
constante, onde os participantes têm a oportunidade de expandir seu conhecimento,
perspectivas e habilidades de comunicação.
 Feedback construtivo: Os participantes devem ser encorajados a fornecer feedback
construtivo sobre o funcionamento do grupo e as discussões. Isso ajuda a melhorar
continuamente a qualidade das sessões.
 Promoção da criatividade: A arte e a criatividade devem ser celebradas como
ferramentas terapêuticas. Os participantes são incentivados a explorar diferentes formas
de expressão artística, como poesia, música e escrita.

62
O enquadre terapêutico é uma espécie de contrato, é uma forma de organizar o espaço,
respeitar o lugar e as colocações do outro; é também um conjunto de possibilidades e pode ser
dividido em duas partes: o enquadre material que está relacionado ao tempo de duração dos
encontros, dia dos encontros, espaço; e o “enquadre interno” que diz respeito ao conteúdo
trazido pelo sujeito e sua subjetividade (Gerab; Berlinck, 2012).
Em suma, é reforçado no grupo que cada um está ali participando e levando sua
contribuição, a qual não deve ser julgada e ou analisada, a proposta é que cada um se coloque
da maneira que seja mais confortável naquele momento, que leve percepções e sentimentos,
trazendo suas experiências vividas e vivenciadas; o participante pode relatar, falar, levar algum
arquivo extra mesmo que pareça não ter uma ligação com o tema proposto ou o disparador, mas
na intenção de evidenciar como e de que forma aquele disparador o atravessou e/ou tocou.

ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO GRUPO


O grupo que participa dessa modalidade de e-terapias é composto por uma diversidade
de profissionais, abrangendo tanto aqueles com formação superior quanto média. Entre os
membros, alguns estão atualmente em processo acadêmico na graduação de enfermagem,
enquanto outros já possuem experiência e especialização na área de saúde mental. A seleção
deliberada desses profissionais da área de saúde mental reflete a intenção de aproveitar suas
habilidades e conhecimentos para lidar com as complexas questões relacionadas ao sofrimento
mental, especialmente em um mundo marcado pelas sequelas da pandemia de COVID-19. Essa
composição diversificada promove uma troca rica de perspectivas e experiências, enriquecendo
ainda mais as discussões terapêuticas e a oferta de apoio aos participantes.
Assim, o grupo sempre contou a moderação de dois profissionais de saúde mental de
formações distintas, incluindo psicólogo, assistente social e enfermeiro, e um estudante de
Enfermagem que atua como apoio técnico.

Atribuições dos moderadores


O moderador é uma pessoa que possui importante papel no desenrolar de uma e-terapia,
pois é ele quem conduz o grupo e o incentiva a realizar discussões sem perder o rumo do
objetivo principal. Na modalidade do bate papo literário possuímos dois moderadores, os quais
estão sempre alertas para a interação que acontece no grupo.
Algumas atribuições do moderador são: introduzir a discussão e a manter acesa;
enfatizar para o grupo que não há respostas certas ou erradas; observar os participantes,

63
incentivando a palavra de cada um; buscar as "deixas" da própria discussão e fala dos
participantes; observar as comunicações não-verbais e o ritmo próprio dos participantes, dentro
do tempo previsto para o debate.
A tarefa de condução, enquanto instrumento de pesquisa, exige do moderador
habilidades específicas no manejo de discussões em grupo. Ele deverá ter sensibilidade e bom
senso para conduzir o grupo de modo a manter o foco sobre os interesses do estudo, sem negar
aos participantes a possibilidade de expressar-se espontaneamente. O moderador de grupo deve
ser treinado para exercer um papel menos diretivo e mais centrado no processo de discussão;
ter o cuidado de não induzir o grupo, de forma consciente ou não, a partir de seu ponto de vista.
Ademais, diversos são os casos em que moderar exigirá ter habilidade para administrar
possíveis catarses coletivas; neste momento, é importante que os profissionais que ocupam o
lugar de moderador tenham sensibilidade na condução do grupo, estes precisarão acolher e
passar segurança aos participantes, buscando assertividade em suas pontuações e permitindo
que os participantes sejam ativos na produção de diálogo.

Atribuições do Apoio Técnico


A presença de um estudante atuando como apoio técnico desempenha um papel de
extrema importância em um contexto terapêutico, como o Bate-papo Literário. Esse estudante
não apenas facilita aspectos logísticos e técnicos das sessões, garantindo um ambiente virtual
funcionando sem problemas, como abrir a sala previamente, lidar com eventuais problemas de
conexão e auxiliar os participantes com a tecnologia, mas também desempenha um papel crucial
na construção de um ambiente acolhedor e seguro para os participantes.
Sua presença permite que os moderadores se concentrem nas discussões terapêuticas,
enquanto ele lida com questões mais técnicas, como o gerenciamento da plataforma e a
comunicação entre os membros do grupo, o mesmo pode ficar responsável por enviar convites
para as reuniões semanalmente, compartilhando os links, comunicar informações importantes
no canal de informações existente, e garantir que todos estejam cientes dos detalhes da sessão.
Além disso, o estudante apoio técnico pode oferecer uma perspectiva única e fresca para a
equipe, trazendo novas ideias e insights para melhorar constantemente a qualidade das sessões
terapêuticas.
Durante as reuniões online: o apoio técnico ajuda na construção do trabalho coletivo.
Ele pode auxiliar na exposição de tela para iniciar o grupo com o material disparador da semana,
garantindo que todos tenham acesso ao conteúdo relevante. O voluntário pode ajudar a manter

64
a dinâmica do grupo principalmente auxiliando na moderação das interações no chat, ajudando
a gerenciar o tempo, e se colocando à disposição dos participantes conforme necessário.

MÉTODOS
O método adotado para conduzir os encontros do Bate-papo Literário foi pensado para
garantir uma experiência terapêutica eficaz e enriquecedora. Os encontros são realizados
semanalmente, com uma duração média de uma hora, e a escolha do dia e horário é flexível,
sendo decidida no início do semestre, de acordo com as necessidades e disponibilidade dos
moderadores e apoio técnico, bem como dos participantes.
O processo começa com a comunicação via WhatsApp (em um grupo criado
previamente e que fica estabelecido como canal principal de informações e avisos internos),
onde o link para a sala de reunião online é compartilhado com os participantes, moderadores e
apoio técnico. Durante o primeiro momento, a equipe técnica assume a responsabilidade de
apresentar o "disparador", que é o ponto de partida para as discussões do grupo. Esse disparador
pode ser uma imagem impactante, um trecho de um poema, uma música, uma frase provocativa
ou até mesmo um vídeo inspirador.
O encontro é estruturado em três etapas fundamentais:
a) Acolhimento: Ao ingressarem na sala de reunião online, os participantes são
calorosamente recebidos pelos moderadores e apoio técnico, criando um ambiente acolhedor.
Como parte de uma dinâmica de quebra-gelo, os participantes são convidados a compartilhar
um pouco sobre suas semanas e a se apresentarem. Aqueles que se sentem à vontade têm a
opção de ligar suas câmeras, promovendo um senso de conexão e comunidade.
b) Disparador: O disparador é cuidadosamente introduzido pela equipe técnica e serve
como ponto de partida para as discussões do grupo. Pode ser uma fonte de inspiração, reflexão
ou debate. Os participantes são encorajados a expressar suas considerações, pensamentos e
sentimentos em relação ao disparador, promovendo um diálogo enriquecedor e terapêutico.
c) Fechamento: À medida que o encontro se aproxima do fim, a equipe técnica conduz
o fechamento, despedindo-se dos participantes e proporcionando um momento de reflexão.
Durante esse momento, às vezes uma pergunta pode ser deixada como semente para a reflexão
semanal dos participantes, que podem compartilhar suas respostas no próximo encontro.
Sempre finalizamos pedindo que todos os presentes resumissem o encontro daquele dia com
uma palavra-chave. Isso ajuda a manter a continuidade das discussões e promove uma
experiência de aprendizado contínua. Esse método estruturado e sensível cria um ambiente

65
propício para a exploração terapêutica da arte e da literatura, oferecendo suporte emocional e
enriquecimento pessoal aos participantes.
Durante os encontros do grupo, é fundamental reconhecer a presença das resistências,
que são reações naturais que podem surgir quando os participantes se deparam com questões
ou temas desafiadores. As resistências podem se manifestar de diversas formas, como o
silêncio, a negação, a minimização de sentimentos ou até mesmo a evitação de certos tópicos.
Nesse sentido, os moderadores e o apoio técnico desempenham um papel crucial no manejo
dessas resistências, criando um ambiente seguro e acolhedor que encoraja a expressão genuína.
Isso envolve a escuta empática, o estímulo à reflexão e a validação das experiências dos
participantes. Além disso, é importante lembrar que não há respostas certas ou erradas nas
discussões do Bate-papo Literário, e que cada pessoa traz sua perspectiva única.
O grupo também pode desempenhar um papel na superação das resistências, pois a
atmosfera de apoio mútuo e compreensão cria um espaço onde as pessoas se sentem à vontade
para compartilhar suas emoções e pensamentos. À medida que essas resistências são
reconhecidas e enfrentadas com empatia, os participantes têm a oportunidade de explorar suas
próprias barreiras emocionais e expandir seu crescimento pessoal. No Bate-papo Literário,
vemos tudo isso como oportunidades para o crescimento e a autodescoberta, e é muito
importante que a equipe de trabalho se comprometa em apoiar uns aos outros ao longo desse
processo.

Exemplo de interação desenvolvida

Figura 1 – Exemplo da interação.

66
Fonte: https://www.youtube.com/, 2023.

Como mencionado, em nosso grupo, há um espaço aberto para a expressão pessoal e a


partilha de experiências, onde as obras de arte se tornam pontes para histórias pessoais e
reflexões profundas. Por exemplo, em um dos encontros memoráveis do Bate-papo Literário,
exploramos a obra "Janela de ônibus" de Miró da Muribeca (Figura 1).
Nesse dia, um dos participantes compartilhou uma experiência única e emocionante,
demonstrando como a arte e a literatura podem transcender as fronteiras das telas dos nossos
eletrônicos e tocar nossas vidas de maneiras profundas. Este participante estava em meio a uma
viagem, e quando se sentiu à vontade, decidiu compartilhar conosco sua "felicidade
clandestina", fazendo uma referência carinhosa a outra obra previamente discutida pelo grupo.
Ele nos levou para uma jornada através de fotografias do acervo pessoal dele,
explicando-as e proporcionando uma visão cativante de sua experiência de viagem. Mesmo
enfrentando diversos contratempos ao longo do caminho, como quando a sua barraca de
camping furou e logo depois enfrentou um período de chuva, ele mostrou uma incrível
resiliência e adaptabilidade. No final, ele compartilhou conosco suas histórias com um toque
de humor e brincadeira, tornando esse encontro um momento especial de conexão e inspiração.

Produções do grupo

67
Figura 2 – Exemplos da produção do grupo: Sarau dos amantes pela vida! Anos: 2022 e 2023.

Fonte: Acervo do projeto e-Terapias Psicossociais, 2023.


Desde o início do Bate-papo Literário, em 2020, a modalidade vem evoluindo e se
reinventando a cada turma envolvida. Uma das inovações que surgiu durante nossos encontros
foi a ideia de realizar um 'Sarau Literário' (Figura 2). No último dia de nossas reuniões,
transformamos o espaço em um ambiente criativo, onde todos os participantes são convidados
a compartilhar algo especial.
Nesse Sarau, eles têm a oportunidade de trazer uma obra de sua própria autoria ou algo
que os tenha tocado profundamente durante o período em que estiveram conosco. Essa
experiência tem se revelado enriquecedora, pois permite que todos compartilhem suas
perspectivas únicas e celebrem a jornada literária que percorremos juntos. E os participantes
têm aderido a ideia positivamente, contribuindo com abordagens originais que agregam muito
à nossa experiência.

68
Figura 3 – Acróstico.
Exemplo notável foi quando uma participante criou
um acróstico (Figura 3) com os nomes de cada
membro do grupo, destacando qualidades e
características memoráveis de cada um. Essa
abordagem inovadora demostra como o Bate-papo
Literário é um espaço de colaboração e expressão
individual, onde as contribuições de cada membro são
valorizadas e celebradas.
Essas aplicações e contribuições do grupo não apenas
fortalecem nosso senso de comunidade, mas também
enriquecem nossa compreensão da arte e da terapia
através da literatura e artes em geral.

Fonte: Acervo do projeto, 2023.

A Figura 4 apresenta uma imagem ilustrativa do grupo online. É emocionante ver como o grupo
evolui e se desenvolve, e estamos ansiosos para as futuras contribuições e descobertas que todos
trarão para nossos encontros.

Figura 4 – Retrospectiva do Grupo Bate Papo literário, 2022.2.

Fonte: Acervo do projeto, 2023.

69
E, para finalizar este capítulo, a partir das palavras do conjunto e de cada autor(a)
partícipe, cujos nomes foram substituídos por nomes de flores, e no intuito de convidá-lo a
juntar-se a nós, podemos afirmar que:

NÓS TEMOS SÉRIOS POEMAS MENTAIS!!!

“No verão de 2020, sol escaldante, o mar continuava convidativo com sua água
refrescante, refletindo o brilho do sol. Para muitos era o verão dos sonhos, para outros mais um
motivo para diversão, férias, crianças, enfim família. À noite o céu quase sem nuvens brilhava
vibrantemente as estrelas, muitos correndo para perto do mar e recebendo a brisa no rosto tal
como água em momento de sede. Era verão e suas promessas de diversão eram garantidas.
Despreocupados recebemos notícia de um vírus letal que primeiro infectou chineses,
dias após estava na Europa. Mas no Brasil... teve carnaval, então continuamos vivendo
normalmente. Findo carnaval, surge o imperativo PANDEMIA, FECHAREMOS,
ISOLAMENTO SOCIAL, não há vacina, não se conhece tratamento. Este cenário foi se
agravando, aquilo que seriam apenas 20 dias evoluiu para não se sabe quando acabaria
informações desencontradas, politização da pandemia, em que acreditar?
Crises de ansiedade, síndrome do pânico, dificuldades econômicas, dor, medo, estresse,
inseguranças, perdas, perdas, perdas, gritava a cidade quebrando o silêncio. Houve dias que era
possível ouvir gemidos de dor, para muitos parecia que uma navalha estava a cortar a sua pele
tão fina e que agora parecia mais fria que o normal.
O que fazer? Como ajudar aqueles em sofrimento e se ajudar? Por onde começar? Surge
então convite do Núcleo de Saúde Mental para participarmos do Projeto de E-terapias como
moderadores, para nós foi a “leveza” dita pelo poeta acima, nos voluntariarmos para a E-terapia
Bate Papo Literário e começarmos a aventura encantadora de navegar ‘por mares nunca dantes
navegados’. Manejar o leme das tecnologias, realizar lives, ler poemas, contos, assistir vídeos
com grupo de pessoas virtualmente e contribuir para dirimir o sofrimento nesses dias de
isolamento social.” – Mimo do Céu, Moderadora.
“O bate papo literário em minha vida foi e será um divisor antes e pós-pandemia, foi o
alicerce que contribui para o meu crescimento pessoal e profissional, terapêutico, fortalecedor,
me fez ver possibilidades de enfrentamento, às pessoas, os diálogos produzidos em cada
encontro foram únicos e que se transformaram em um só. uma prática que aprendi a desenvolver

70
e a viver. Mesmo virtual, a sensação era de aproximação. fizemos amigos, encontramos pessoas,
trocamos experiências que levarei para vida.” – Azaléia, Moderadora.
“A oportunidade de participar de algo tão intenso e profundo, quanto o bate-papo
literário, representa muito para mim. Saber que no período de sete dias tenho a oportunidade de
encontrar amigos e colegas, refrigerar meu espírito com palavras positivas e encorajadoras e
ainda auxiliar na recuperação pessoal de outras pessoas, é revigorante. De fato, o bate-papo
literário me trouxe inúmeros benefícios, mas o crescimento pessoal e profissional está entre um
dos primeiros tópicos dessa experiência incrível.” – Tulipa, Moderador.
“O bate papo literário tem sido em minha vida uma oportunidade de me conectar com a
arte mais impactante que poderia ter contato: o “mundo interior” de cada um dos participantes,
um lugar do qual tenho muito respeito. Tenho aprendido na experiência do voluntariado que é
preciso “tirar as sandálias dos pés” e pedir licença nessa aproximação com as pessoas. E assim
funciona o grupo pra mim: busco aquilo que há de humano no sofrimento e na vontade de viver
do outro, e me disponho a acompanhá-lo em sua dor, buscando ser sinal de esperança. Uma
troca enriquecedora, tanto para minha formação profissional quanto para a minha evolução
pessoal.” – Girassol. Apoio técnico.

REFERÊNCIAS

GERAB, CK; BERLINCK, MT. Considerações sobre o enquadre na clínica do AT. Estilos
clin. vol.17 no.1 São Paulo jun. 2012.

MAGALHÃES, Rodrigo Cesar da Silva. Pandemia de covid-19, ensino remoto e a


potencialização das desigualdades educacionais. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,
Rio de Janeiro, v.28, n.4, out.-dez. 2021, p.1263-1267.

MERHY, Emerson Elias; FRANCO, Tulio Batista. Trabalho em Saúde. 2009. Disponível
em: <http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trasau.html>. Acesso em 08 Out
2023.

TEVJOVITS, F. Isolamento Social. 2020. Disponível em:


<https://medium.com/iand%C3%A9/isolamento-social-ff0b1d55168e>. Acesso em 08 Out
2023.

TRAD, LAB. Grupos focais: conceitos, procedimentos e reflexões baseadas em


experiências com o uso da técnica em pesquisas de saúde. Physis Revista de Saúde
Coletiva, Rio de Janeiro, 19 [ 3 ]: 777-796, 2009. Disponível em
<https://www.scielo.br/j/physis/a/gGZ7wXtGXqDHNCHv7gm3srw/?lang=pt>. Acesso em
08 Out 2023.

71
Grupo de oração e meditação em Salmos

A espiritualidade como uma dimensão da vida não pode estar dissociada da promoção do
cuidado à saúde humana. Evidências científicas mostram de modo crescente, como a
espiritualidade e religiosidade ajudam na compreensão dos sofrimentos e na construção de
significados e propósito à vida. Sobretudo, em situações de desastres e pandemias, agem
aliviando o estresse e o sofrimento psíquico (Sant’Ana, Silva; Vasconcelos, 2020).
A religiosidade e a espiritualidade podem também estar associadas a uma maior resiliência
em condições estressantes ou situações de perda, em todos os momentos do ciclo vital, sendo
um recurso para o bem-estar na velhice (Margaça; Rodrigues, 2019). Além disso, tais
dimensões possuem implicações significativas para prevalência, diagnóstico, tratamento,
desfechos clínicos e prevenção de doenças (Moreira-Almeida et al., 2016).
Em situações de emergências de saúde pública, como foi o caso da pandemia da COVID-
19, a depressão e a ansiedade aumentaram mais de 25% apenas no primeiro ano da pandemia
(OPAS/OMS, 2022). Para as pessoas que puderam ressignificar o trauma vivido da pandemia,
através de valores pessoais, com atividades espirituais e compaixão, foram observadas maior
resiliência e menores índices de complicações psicológicas (Polizzi; Lynn; Perry, 2020).
Assim, “a pandemia acarretou muitos desafios, mas também trouxe muitas oportunidades”,
como a de vivenciar transcendência, solidariedade e compaixão. Pensar uma “nova
humanidade”, valorizando cada momento diante da própria existência temporal e frágil
(Sant’Ana, Silva, Vasconcelos, 2020, p.75).
Nesse contexto, surgiu o grupo oração e meditação em salmos, que buscou desenvolver
terapias espirituais, como uma das estratégias de enfrentamento de crises ou de situações
adversas durante e pós-pandemia, mediante práticas de oração, leituras e reflexão de salmos
bíblicos, portanto, de práticas orientadas pela cultura judaico-cristã. Desde sua gênese, podemos

72
afirmar que o grupo produziu e produz múltiplos sentidos, que, nos dizeres dos participantes,
podem ser resumidos em palavras como paz e felicidade.

RAZÕES PARA MEDITAR E ORAR COM SALMOS

O livro de Salmos, ou poemas, foi escrito por vários autores. Dentre eles, são citados
Moisés, muito conhecido como “aquele que abriu o Mar Vermelho”. Foi líder do povo hebreu
guiando-os no deserto por um período de 40 anos. Outro poeta não menos conhecido é Davi,
que enfrentou um gigante. De pastor de ovelhas ele tornou-se rei de Israel, e escreveu pelo
menos 74 dos 150 Salmos registrados na Bíblia (Salmos. In: Bíblia.1997).
O rei Davi foi um grande líder, que cometeu erros nos relacionamentos interpessoais, como
o adultério cometido com uma mulher, e depois o engendramento da morte do seu general para
esconder esse adultério. No Salmo 51 (Bíblia. 1997), Davi revela assume o seu erro e expressa
arrependimento e fraquezas diante de Deus. Ele sabia que de Deus nada se esconde, e essa
relação franca e sincera atraía o coração do Senhor. Por este e outros motivos da vida desse rei
(Biblia on. 2023), ele foi citado muitos anos mais tarde no Novo Testamento como “homem
segundo o coração de Deus”, livro de Atos 13.22 (Atos. In: Bíblia. 1997).
Outro poeta que não podemos esquecer é o Asafe, escreveu 12 dos Salmos compilados no
Antigo Testamento. Levou até Deus seu questionamento sobre justiça, vez que assistia pessoas
que não criam em Deus, que viviam praticando injustiças, corrupções, prosperando, enquanto
ele passava grandes dificuldades financeiras (Salmos 73. In: Bíblia. 1997). Assim, os poemas
achados nos Salmos narram dramas e situações vividas por seus autores, envolvendo Deus, sua
criação, o bem e o mal, perdão, guerras, alegria, louvores, entre outros temas.
Estando no século XXI, e tendo vivenciado situação tão singular como foi a pandemia, com
o lockdown, esses poemas poderiam trazer alento, conforto, estímulo para pessoas da pós-
modernidade? Seus autores possuem algo em comum conosco, viventes de um país tropical,
com cultura, vida urbana, geografia e hábitos tão díspares? Poemas escritos por mais de 2.000
anos falarão ao meu e ao seu coração? Quem é esse Deus cantado em 150 Salmos? Foi assim
que, certos de que os salmos teriam algo a contribuir, iniciamos nossos encontros, esperançosos
que eles embalariam nossas almas, nos aconchegando aos braços do Deus hebraico/cristão.
Para todos os envolvidos no Grupo E-terapia Meditação e Oração em Salmos foi como um
brilho no olhar e regozijo no coração descobrir que esses poemas falam de quem somos, do que
se passa na nossa alma, independente do contexto histórico. Eles revelam-se extremamente
atual, pois dissecam nosso coração, nossa alma. Afinal, na condição de humanos, vimos nossas
73
fragilidades, angústias, dúvidas, fracassos, alegrias e vitórias desfiladas nos Salmos escolhidos
pelos próprios participantes da E-terapia.
Durante os encontros fomos conhecendo o Deus revelado pelos citados poetas. Deus
poderoso, criador, protetor dos seus, “que não dorme, ou cochila, guardando seu povo” (Salmo
121. In: Bíblia. 1997). Onisciente, que “sabe o que se vai ao meu pensamento, mesmo de longe”
que “viu o meu corpo ainda informe” (Salmo 139. In: Bíblia. 1997), e que nos ama, que está
conosco em todo o tempo. Deus justo, que nada passa despercebido a Ele e que no seu tempo
agirá segundo o seu plano.
O Deus dos salmistas é compassivo, paciente, se inclina até nós para nos ouvir e agir a
nosso favor, mesmo sendo frágeis, imprudentes e fazendo escolhas que não aprova. Deus que
por amor nos corrige, tal qual um pastor de ovelhas que “quebra suas patas” para aprender a
não fugir e ser devorada pelo predador. Assim, que à cada encontro, saíamos encorajados a
prosseguir, mesmo sendo cônscios da nossa pequenez em enfrentar as agruras do momento, e
suas sequelas impressas nas nossas almas.
E para exemplificar e melhor dar visibilidade à importância dos Salmos, compartilhamos
aquele muito solicitado nos diferentes grupos online, o Salmo 23 (Bíblia, 1997). Escrito por
Davi, pastor de ovelhas, que as retirava do aprisco nos primeiros raios de sol e as conduzia para
pastar entre montanhas, vales, e rios de água cristalina. Ele enfrentou leões, ursos para que
estes não as devorassem, bem como a obstinação das suas ovelhas que mesmo sendo frágeis
teimavam em se distanciar da sua proteção. Aprendeu quem é Deus nesse cotidiano, viveu sob
sua proteção, o contemplou na sua criação ao ver o céu estrelado de uma noite sem luar, o amou
e o temeu e nos apresentou o Deus Pastor de Ovelhas, provedor:

O Senhor é o meu pastor; nada me faltará.


Ele me faz repousar em pastos verdejantes.
Leva-me para junto das águas de descanso;
refrigera-me a alma.
Guia-me pelas veredas da justiça
por amor do seu nome.
Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte,
não temerei mal nenhum,
porque tu estás comigo;
o teu bordão e o teu cajado me consolam.
Preparas-me uma mesa
na presença dos meus adversários,
unges-me a cabeça com óleo;
o meu cálice transborda.
Bondade e misericórdia certamente me seguirão
todos os dias da minha vida;
e habitarei na Casa do Senhor
para todo o sempre.

74
(Salmos 23:1-6 In: Bíblia. 1997)

Esse poema se mostra atemporal, pois expressa momentos de medo, de falta,


vulnerabilidade e risco que todo e qualquer ser humano neste planeta já passou. E nos leva para
além desses momentos, para além do que nossos olhos podem ver, nos retira do ordinário e nos
descortina um Deus acolhedor, que acalenta, sustenta, e em todo e qualquer momento se faz
presente. Levanta nosso olhar para cima, para além do sol e nos mostra um futuro promissor.
Terminamos essa E-terapia certos de que enfrentaremos dissabores, é claro que sim. Muitos
deles parecerão areia movediça tentando nos tragar, sim, porém não estamos sozinhos nesse
cosmo, num barco à deriva. No leme o Deus de Moisés, Davi e Asafe está a nos conduzir a um
lugar com grama verde e macia. Neste lugar a água matará a nossa sede, a justiça reina e amor
nos alcançou.
E é tão empolgante e profundo a meditação nesse salmo, que convidamos você leitores, a
ouvi-lo, na forma de uma canção, de autoria de Cinthya Miranda (2019), como muitas vezes
terminamos nosso grupo de meditação. Um momento de silêncio ouvindo o poema musicado,
tal qual o povo reunido na época dos salmistas.

ASPECTOS DA COMPOSIÇÃO E DINÂMICA DOS GRUPOS

A e-Terapia de Oração e Meditação com Salmos foi formado através da inscrição dos
interessados no projeto e-terapias, divulgado previamente por meio de posts e vídeos
compartilhados em redes sociais como instagram, WhatsApp e Youtube, além do site da UESC
(Universidade Estadual de Santa Cruz) e do próprio site do projeto (www.eterapias.uesc.br)
onde foi disponibilizado um formulário no Google forms para inscrição. Vale ressaltar que para
a modalidade em tela, não houve público-alvo específico, logo, todos que desejassem se
inscrever, independente de idade, crença, gênero ou religião, eram bem-vindos.
A aproximação com os inscritos foi dada através do e-mail que inseriam na ficha de
inscrição, onde, após enviado mensagem de confirmação da inscrição e boas vindas, era
apresentado um link de acesso para participação do grupo no WhatsApp, criado
antecipadamente pela estudante responsável pelo apoio técnico. Aos inscritos que não entravam
pelo link fornecido via e-mail, eram contatados pelo número de WhatsApp também fornecido

75
no formulário e desta forma o mesmo convite para participação do grupo era enviado. Esse
grupo, além de proporcionar interação contínua com os participantes, também foi usado para
compartilhamentos dos links dos encontros semanais que aconteciam pela plataforma Google
Meet.

Organização e ofertas

O Grupo foi ofertado pela primeira vez no ano de 2021 e até 2023 totalizou a oferta de 4
grupos, em cinco edições do projeto e-Terapias. A moderação acontece com dois profissionais
da saúde e um estudante de curso da formação em saúde. Já atuaram como moderadores,
enfermeiros e assistente social, e como apoio técnico uma bióloga e estudantes do curso de
Enfermagem da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC).
O Grupo pode ter duração de 2 a 3 meses, com encontros semanais, através de uma
plataforma digital. Como já referido, nossa equipe trabalhou com a Plataforma do Google Meet,
e mantinha fluxo contínuo para inscrições, através de um formulário do Google Forms e site do
projeto e-Terapias. Curiosamente, ocorrem participantes que se inscrevem e são assíduos desde
sua primeira edição.
Dentre as ações que acontecem no grupo, citam-se: dinâmicas de quebra-gelo, acolhimento,
autocondução da saúde espiritual, tendo em voga os poemas que são os salmos de escolha dos
participantes. Para cada encontro, ocorre a meditação de apenas um salmo, acompanhada de
momentos para músicas inspirativas e pedidos de orações.
Ressaltamos que, com exceção do primeiro encontro, os demais salmos aplicados à
meditação é de escolha dos participantes. Os moderadores possuem papel relevante na
condução do grupo para produzir diálogos e orientar os sujeitos na melhor forma de meditar
nos salmos. A partir disso, os encontros eram planejados pelos moderadores para que todos
pudessem participar ativamente dos diálogos.

Postura dos moderadores

O papel de um moderador é o de facilitar o diálogo, orientar nas discussões de grupo,


debater as ideias sem fugir da temática proposta e ocasionar o bom ambiente terapêutico. Para
tanto o moderador desenvolve opiniões neutras dentro de um ciclo de debates, ainda que saiba
a fundo grande parte do tema debatido.

76
Nesse sentido, a postura dos moderadores dessa modalidade de e-terapias foi desenvolvida
com o intuito de facilitar a discussão dos salmos entre os participantes. Salientamos que a
neutralidade foi um elemento presente em todos os encontros e, em algumas discussões outros
trechos bíblicos eram citados, dando lugar a novas temáticas, neste momento os moderadores
dialogavam com o grupo e os estimulavam a seguir a temática inicial proposta.

Manejo das resistências

Apesar de não ter acontecido nada relacionado a resistência de participantes quanto a


apresentação dos salmos ou a exposição de suas opiniões nas reuniões remotas, nós, os
moderadores, estamos sempre alertas a qualquer tipo de ato resistente que pudesse ser
levantado, uma vez que era um grupo misto, formado por pessoas de diferentes entidades
religiosas e com, naturalmente, divergentes opiniões.
Um fato que merece destaque nos encontros remotos é a liberdade que os participantes têm
de ligarem ou não as suas câmeras, ou seja, eles são livres para expor seus rostos e aqueles que
não se sentem à vontade para isso, não encontra forças contrárias de nenhum daqueles que estão
no encontro.
Salientamos, ainda, que a participação verbal ou escrita nos encontros semanais, devem
sempre ser respeitadas, pois não existe expressão certa ou errada e sim pontos de vista distintos,
com crenças particulares e um respeito mútuo em prol de alcançar maior crescimento espiritual
de todos.

Exemplos de roteiros da meditação com salmos

Para que o grupo fosse desenvolvido, com o máximo de êxito possível, entre os
moderadores, firmamos o compromisso de catalogar um roteiro específico que pudesse seguir
como modelo no ato das discussões dos salmos, porém, salientamos, que conforme a discussão
no grupo ia acontecendo, alguns desses roteiros tomavam novas formas. Segue abaixo alguns
exemplos de como os salmos foram conduzidos nas reuniões.

Salmos 126

O título deste salmo, na versão da tradução bíblica de João Ferreira de Almeida Atualizada
(Bíblia, 1997) é chamado de “Consolo para que choram”. Daí surge a primeira pergunta para

77
os participantes: “alguém aqui já chorou ou pode garantir que jamais irá chorar na vida?”.
Conforme as respostas são dadas, os moderadores vão fazendo reflexões para atrair a atenção
destes.
Esse é um salmo composto por seis versículos, sendo os dois primeiros no tempo verbal
passado, os dois que se seguem no presente e os dois finais no futuro, fato este que é mais
perceptível para aqueles que fazem um estudo prévio do mesmo. Após a reflexão que foi
descrita no parágrafo supracitado, passamos para a meditação nos dois primeiros versículos, ou
seja, para o que aconteceu no passado das pessoas, e os participantes do grupo são motivados a
interagir, contando experiências individuais.
Seguidamente, abordamos os versículos que falam sobre o tempo verbal presente, e mais
uma vez meditamos no que aquelas palavras querem dizer, tanto de forma isolada quanto
coletiva. Nesse momento o salmo especifica um rio, que é chamado de Neguebe e o moderador
responsável pela parte técnica da sala virtual apresenta um vídeo, contendo o momento em que
esse rio recebe suas águas formando um grande manancial (Figura 1) e quando seca deixa um
lindo jardim.

Figura 1 – Imagem do vídeo transmitido que ilustra as torrentes do Rio Neguebe citado nos Salmos.

Fonte: Canal de Maria de Luca, no YouTube6

6
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fTDXdN1VFyw&t=121s. Acesso em: 14 out. 2023.
78
Mais uma vez abrimos a oportunidade para aqueles que se sentirem à vontade
externalizarem suas opiniões e sentimentos com base naquilo que compreendem como
espiritualidade. Em geral, os comentários variam muito de pessoa para pessoa, mas em todos
eles o respeito mútuo é constante.
Finalmente, chegamos aos dois últimos versos, os quais são escritos no tempo verbal
futuro, desejando dias melhores e acreditando que o choro das mágoas que a vida traz, irá
passar. É nesse momento que os moderadores realizam uma espécie de motivação emocional,
comovendo os participantes e os convidando a fortalecerem ainda mais a sua fé.
Os sujeitos têm mais uma vez a oportunidade de dialogarem sobre o que acharam do salmos
em conjunto com o vídeo, e finalizam suas falas com palavras positivas e animadoras, que
deverão ser lembradas durante toda a semana, até que chegue o próximo encontro. O encontro,
então, é finalizado com uma oração.

Salmo 40

Intitulado “Cântico de louvor e pedido de ajuda” na versão da tradução bíblica de Nova


Almeida Atualizada (Bíblia, 2017), o Salmo 40 foi inicialmente apresentado para os
participantes como um salmo de Davi, em formato de poesia de louvor, gratidão e confiança
em Deus, e cita as maravilhosas obras operadas ao clamar por socorro. Ao todo, o salmo 40
possui 17 versos e foi dividido em 5 momentos:
No primeiro momento (versos 1-2), foi indagado aos participantes sobre experiências de
vida nos quais precisaram exercer a fé ao confiar e esperar em Deus. Os espaços de
compartilhamentos sempre eram relevantes e por vezes a experiência de um trazia à memória
momentos vividos por outros e desta maneira todos se sentiam à vontade para abrir seus
microfones e compartilhar suas histórias.
No 2º momento (versos 3-5), o salmista testemunha de como Deus o resgatou, colocando
em seus lábios cânticos de louvor e gratidão. Mais uma vez todos têm a oportunidade de falar
da maneira como Deus os ouviu e trouxe alívio das suas dores, lutas e sofrimentos.
No 3º momento (versos 6-10) foi refletido com os participantes a gratidão de Davi e o forte
anseio em obedecer e agradar a Deus, proclamando a todos os Seus feitos. Vale ressaltar que
os participantes tinham total liberdade em qualquer tempo, para falar sobre suas impressões
referente ao versos lidos.
O 4º momento (versos 11-15), Davi volta a clamar pela proteção divina e para que seus
inimigos sejam envergonhados e o salmo finaliza (versos 16-17) com um pedido do salmista
79
para que Deus não se afaste, refletindo a total dependência do auxílio divino, assim como
enfatiza a alegria e regozijo do mesmo em buscar o Senhor.
Por fim, foi aberto espaço para os pedidos de oração e todos foram convidados a interceder
uns pelos os outros durante toda aquela semana até o próximo encontro, trazendo sempre à
mente o que o salmo estudado ensinou sobre pedir e esperar na provisão divina. Em uma das
reuniões, o grupo foi finalizado com uma oração feita por um dos participantes e logo em
seguida, no grupo do whatsapp, um louvor sobre o salmo 40 foi compartilhado.

Temas trabalhados

A respeito dos temas mais trabalhados destacamos aqueles que os participantes citaram no
momento da inscrição, como salmos que mais gostavam. Segue abaixo a lista dos temas mais
trabalhados, conforme os títulos dados aos salmos na versão da tradução bíblica de João Ferreira
de Almeida Atualizada (Bíblia, 2017).

 Salmo 23 – Deus, o nosso pastor;


 Salmo 24 – A vinda do Rei da glória;
 Salmo 37 – O fim dos maus e dos bons;
 Salmo 40 – Cântico de louvor e pedido de ajuda;
 Salmo 51 – Confissão e arrependimento;
 Salmo 91 – Sob a sombra do Altíssimo;
 Salmo 121 – Deus, o nosso protetor;
 Salmo 126 – Consolo para os que choram;
 Salmo 128 – Temor de Deus e felicidade no lar;
 Salmo 139 – Deus onisciente e onipotente.

NARRATIVA DE UM PARTICIPANTE

A seguir, apresentamos uma narrativa de um dos participantes sobre o Grupo de oração


e meditação em Salmos. Seu nome foi substituído por outro fictício, a fim de preservar o
anonimato.

As palavras demoram a aparecer. A memória turva. Descrever é como dirigir numa


neblina baixa à noite. Eram tempos indescritíveis e tinha ao meu lado um diagnóstico
80
de depressão aguda e longas horas de vazio. Havia sobrevivido ao vírus ainda no
início daquele ano. Foi por pouco. Lembro de acordar fraco todos os dias com uma
moléstia desconhecida e esfregar as paredes da casa com alvejante para que minha
filha não se contaminasse. Minha esposa havia contraído. Era mais uma profissional
de saúde a trabalhar 12 horas por dia na Pandemia. Lembro de sentir um frio mortal
todo o entardecer e lutar por um pouco de ar com medo de desmaiar e não acordar
mais. Eram infinitas horas que tinha para esconder de uma criança todo horror que
se passava. Não me considero religioso e, sendo bem sincero, eu achava que não
poderia mais entender Deus naquele momento. Um convite para um programa de
terapia em grupo online da UESC apareceu. A proposta: Meditação e oração com
Salmos bíblicos. Aceitei. Nos primeiros encontros não consegui ligar a câmera. Ouvia
escondido palavras de conforto que soavam distantes. Pessoas agradáveis pareciam
estender a mão do outro lado da tela. Demorei a integrar-me ao grupo. Porém,
àquelas pessoas que sorriam e demonstravam uma confiança estranha parecia não
desistir de mim. A cada encontro, a cada Salmo lido, a cada atenção em ouvir nosso
lamento parecia voltar para casa. Era como se houvesse inesperadamente me perdido
e ferido e cansado tentava em vão voltar para a casa. Entendi. Deus não é religião.
A Bíblia não é religião. É sobre estarmos perdidos e termos confiança que existirá
Alguém que nos guiará de volta. É sobre se sentir completamente sozinho e acontecer
a presença constante do Amparo, do Amor. Aqueles homens, mulheres neste livro
velho sentiram medo, solidão, cansaço, desesperança. Eles, elas como eu, também
aflitas diante de acontecimentos cruéis mostraram-se perdidas, desamparadas,
frágeis. E sem enganar-se ou enganar com toda a sinceridade deixaram para nós a
lição de jamais desistir. Com Deus é possível tudo suportar, pois com Ele todas as
nossas ações valem a pena. Eu não sou religioso. E, mesmo que seja, a Bíblia não é
religião. Mas um notável instrumento pedagógico para qualquer ser vivente que
sinceramente queira viver uma vida sem precisar de tantas rasuras, perdas de tempo.
Entendi. Jesus é O nosso melhor Psicólogo. Sempre a nos ouvir, guiar, amar.
Obrigado a vocês por cada sorriso, cada gesto, cada silêncio, cada oração. Cada
coração desperto é um coração em união. Até que ninguém mais se sinta perdido.
Amém.

Pedro, 2023.

Com a emoção desta narrativa, finalizamos este capítulo. Podemos dizer que um grupo
com as terapias espirituais propostas para oração e meditação em salmos é uma modalidade de
e-terapias que se diverge um tanto das demais, pois trata especificamente de temas extraídos
dos salmos, com diálogo aberto e reflexões pontuais, tendo como base a realidade vivida por
cada participante ou, até mesmo, o desejo de se pensar numa sociedade mais igualitária e
pacífica.
O nosso entusiasmo em fazer parte de um grupo tão rico em reflexões, como foi e é a
modalidade Meditação com Salmos, faz pulsar forte os nossos corações, sobretudo por
identificar que a cada encontro semanal, ganhamos muitas bênçãos no ato de compartilhar o
que sabemos e aprender com as opiniões dos participantes.

81
Assim, a espiritualidade desenvolvida no grupo, por meio de tecnologias digitais, tem se
mostrado de grande valia para promover equilíbrio e harmonia, validadas pelo tempo de uso e
pela experiência de cada um dos partícipes, num “contínuo caminhar na fé”!

REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no


Brasil. 3ª. Edição. Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1917.

BÍBLIA, A. T. Salmos. In: Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Revista e
Atualizada no Brasil. 3ª. Edição. Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1917.

BÍBLIA, N. T. Atos. In: Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida. Revista e
Atualizada no Brasil. 3ª. Edição. Barueri, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1917.

BÍBLIA on. Bíblia Online. Davi: um homem segundo o coração de Deus. Disponível em:
https://www.bibliaon.com/davi_um_homem_segundo_o_coracao_de_deus/. Acesso em: 15
out. 2023.

Margaça, C.; Rodrigues, D. Espiritualidade e resiliência na adultez e velhice: uma


revisão. Fractal: Revista de Psicologia, 2019. 31(2): 150-157. doi:
https://dx.doi.org/10.22409/1984-0292/v31i2/5690.

Miranda, C. Salmo 23. YouTube, 12 fev. 2019. Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=99UAp0etKtk.

Moreira-Almeida A, Sharma A, Van Rensburg BJ, Verhagen PJ, Cook CC. In:
https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.21672018WPA. Position Statement on Spirituality
and Religion in Psychiatry. World Psychiatry, v. 15, n. 1, p. 87-88. 2016.

OPAS/OMS. Organização Pan-Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde. OMS


destaca necessidade urgente de transformar saúde mental e atenção. 17/Jun/2022.
Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/17-6-2022-oms-destaca-necessidade-
urgente-transformar-saude-mental-e-atencao. Acesso em: 15/09/2023.

Polizzi C, Lynn SJ, Perry A. Stress and coping in the time of COVID-19: Pathways to
resilience and recovery. Clinical Neuropsychiatry. 2020, 17(2): 59 62. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/34051703_Stress_and_Coping_in_the_
Time_of_COVID-19_Pathways_to_Resilience _and_ Recovery. Acesso em 06 de abril de
2020.

Sant’Ana, Geisa; Duarte Silva, Cristina; Vasconcelos, Maria Beatriz Aguiar. Espiritualidade e
a pandemia da COVID-19: um estudo bibliográfico. Com. Ciências Saúde. 2020; 31(3):71-
77.

82
Parte III

Grupos de e-Terapias de apoio psicossocial

83
Técnica de Redução do Estresse no Contexto das E-Terapias

A Técnica de Redução do Estresse (TRE) é uma prática corporal que ajuda reduzir os
níveis de tensão e estresse no corpo. A prática tem efeitos terapêuticos, mas não é considerada
uma terapia. É um método não invasivo, não catártico, não interpretativo, com aplicação em
ampla variedade de contextos o que permite a sua utilização fora de ambientes clínicos.

HISTÓRICO

A TRE foi desenvolvida pelo assistente social clínico Dr. David Berceli como resultado
de seu trabalho com populações sob o impacto de estressores extremos. Sua vivência por mais
de 20 anos em países assolados por guerras e desastres naturais exigiu o desenvolvimento de
uma intervenção terapêutica aplicável em contextos adversos e em grande escala; contextos
onde a prática clínica não bastava para responder à demanda. Nos anos 2000, trabalhando em
regiões de conflito na África, a realidade das populações e a dificuldade com a língua trouxeram
a necessidade de um trabalho puramente corporal e que pudesse ser conduzido em grupos. Neste
contexto foi desenvolvida uma sequência de exercícios de fácil execução, capaz de promover o
alívio das tensões e do estresse e restaurar o estado de equilíbrio do corpo. A TRE foi
desenvolvida para gerar autonomia, ou seja, os praticantes após o aprendizado da técnica,
podem realizar sozinhos, como uma atividade de autocuidado e alívio dos sintomas do estresse
(Berceli, 2010).
A TRE foi trazida para o Brasil em 2009 quando aconteceram as primeiras formações.
Está presente em diversas regiões do país e é oferecida em contextos muito variados como
escolas, igrejas, parques ou grupos específicos como o de mulheres em situação de
vulnerabilidade (Mota, 2021). Em 2019 a TRE foi incorporada como Prática Integrativa de
Saúde pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal (DODF 107 07-06-2019) passando a ser
oferecida pelo SUS no DF.
Durante a Pandemia da COVID-19, a Gerência de Práticas Integrativas em Saúde da
SES-DF criou um programa de oferta de TRE online, pelo SUS, de forma gratuita com o apoio

84
voluntário da comunidade de facilitadores de TRE do Brasil. Este programa permanece em
atividade até hoje, de forma muito bem-sucedida, e é aberto a todas as pessoas interessadas em
participar. Os encontros online acontecem semanalmente e as inscrições podem ser feitas pelo
e-mail: tre.ses.gdf@gmail.com (Amaral et al., 2021).

INTRODUÇÃO E BASE TEÓRICA

A TRE baseia-se nas mais recentes pesquisas sobre o estresse e o seu impacto no
Sistema Nervoso Autônomo (SNA). O corpo possui mecanismos naturais de restabelecimento
da saúde que podem ser potencializados através de exercícios simples que ativam as respostas
profundas de autorregulação do organismo.
As pressões do estilo de vida contemporâneo agem sobre o sistema nervoso fazendo
com que ele fique constantemente ativado. O corpo se acostuma a viver dessa forma e perde a
capacidade natural de retornar ao estado de equilíbrio. Isso faz o Sistema Nervoso Autônomo
ficar desregulado. Os movimentos involuntários desencadeados pelos exercícios da TRE fazem
parte dos recursos que o SNA tem para regular a si mesmo e os níveis de ativação do corpo de
forma que sejam adequados às necessidades fisiológicas do momento.
A Teoria Polivagal desenvolvida por Stephen Porges (2011) amplia nossa compreensão
da anatomia e fisiologia do SNA abrindo possibilidades de intervenções terapêuticas que
apoiam os processos de equilíbrio e homeostase. Os conceitos de neurocepção e regulação são
trabalhados durante a prática dos exercícios desenvolvendo no praticante a autopercepção para
o manejo de seus estados de estresse.

ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO GRUPO

A TRE, por ser uma prática corporal, apresenta aspectos diferentes das demais E-
terapias no que se refere ao número de participantes e dinâmica de sessão. Ao adaptarmos a
atividade corporal ao contexto online, a forma de interação com vídeo aberto permitindo a
visualização e acompanhamento dos participantes em tela foi fundamental para o
desenvolvimento das práticas, diferentemente de outras E-terapias oferecidas no Programa.
Qualquer pessoa apta à prática de exercícios físicos leves, como uma caminhada, pode
praticar TRE. Pessoas com questões de saúde ou que passaram por algum procedimento
cirúrgico, são aconselhadas a aguardar a liberação médica para a prática de exercícios.

85
Foram acolhidas as inscrições, em ordem de realização, das pessoas que atendem a essas
prerrogativas: a) estar apto a praticar; b) ter equipamento com câmera funcionando para
acompanhar a aula; c) estar disposto a permanecer com vídeo aberto; d) ter a disponibilidade
do horário oferecido.

ASPECTOS TÉCNICOS E MÉTODOS UTILIZADOS

As práticas foram conduzidas semanalmente, seguindo o protocolo internacional de


condução de sessão online de TRE. Para facilitar o aprendizado, nas primeiras sessões
utilizamos fotos das posturas durante a explicação dos exercícios.
Um grupo de WhatsApp foi criado para facilitar a comunicação com os participantes.
Esse canal de comunicação foi utilizado para esclarecimentos sobre a prática e para
disponibilizar as instruções necessárias aos participantes. Orientações para a organização do
ambiente adequado, uso de roupas confortáveis para exercícios e questões tecnológicas como
equipamento, conexão com internet e baterias foram ressaltadas antes de cada prática.

POSSÍVEIS ENQUADRES TERAPÊUTICOS

A prática da TRE traz o entendimento de que os ciclos de tensão e relaxamento do


estresse são algo natural e fisiológico do sistema nervoso autônomo. A prática pode trazer alívio
de sintomas diversos relacionados ao estresse do dia a dia como insônia, irritabilidade e
ansiedade. Participantes com diferentes queixas podem praticar juntos e se beneficiar da
técnica. É indicada para pessoas que buscam promoção de saúde, melhoria da qualidade de
vida, praticantes de atividades físicas e profissionais de diversas áreas como meio de
autocuidado e prevenção do burnout.

ETAPAS NO DESENVOLVIMENTO DO GRUPO

Cada sessão de TRE contém momentos distintos em que o participante é estimulado a


ouvir as respostas do próprio corpo desenvolvendo assim sua autopercepção e capacidade de
autorregulação. São eles:
a) Acolhimento - Consiste na construção de um ambiente de inclusão,
vínculo e segurança para que os participantes se sintam à vontade para a prática de TRE.

86
b) Sequência dos Exercícios - São 7 exercícios ou posturas, conduzidos de
forma não mecânica que trabalham o alongamento da musculatura, o resgate da
pulsação e o aumento da percepção corporal. Os exercícios procuram desenvolver a
sensibilidade e a escuta do indivíduo em relação ao corpo. Respeito aos limites e às
necessidades corporais estão presentes durante toda a prática.
c) Manejo das respostas involuntárias - Ao longo do processo de TRE o
praticante se familiariza e aprende a manejar as respostas involuntárias do organismo
regulando a intensidade de sua experiência. Deste modo, o organismo resgata e fortalece
sua capacidade de transitar de forma equilibrada entre a resposta de estresse e a resposta
de relaxamento, fazendo com que todo o sistema se reorganize de forma saudável.
Autorregulação, desenvolvimento da autonomia e autopercepção são exercitados na
prática.
d) Relaxamento - Fase de repouso e integração.
e) Partilha - A partilha é um momento importante no processo de integração
onde o praticante é encorajado a colocar em palavras a experiência vivida durante a
prática. É também um momento de troca de experiências, esclarecimento de dúvidas e
aprendizado. A experiência de um enriquece a experiência do(s) outro(s), estreitando e
aprofundando os vínculos entre os participantes.

POSTURA DOS MODERADORES

Os Moderadores (Facilitadores) de TRE, durante a sessão, acolhem os participantes,


explicam como funciona a técnica e a sessão, ensinam os exercícios, observam sua execução,
sempre acompanhando o bem-estar dos praticantes ao longo da sessão promovendo consciência
e recursos de autorregulação. Quando necessário, sugerem correções e ajustes que podem
beneficiar os praticantes durante cada exercício.
Todas as explicações e orientações são feitas de forma convidativa, isto é, nenhum
participante é obrigado a fazer algo que não queira ou não se sinta bem. A TRE enfatiza a
promoção da autonomia, o empoderamento e o vínculo seguro. Essa postura de acolhimento é
essencial para garantir uma condição de segurança e confiança entre o facilitador e o grupo,
sem a qual o relaxamento seria mais difícil.

87
Os facilitadores também orientam os participantes quanto ao melhor posicionamento
das câmeras para maximizar a visualização e compreensão dos processos de cada indivíduo,
mantendo uma postura ética que preserva a imagem e integridade dos participantes.
TEMAS TRABALHADOS

Durante a sessão, os participantes são convidados a manter contato com o próprio corpo
e com as sensações, em um exercício de autopercepção, autorregulação e autocuidado. Dessa
forma trabalhamos temas como: percepção e consciência corporal; sensações; autorregulação;
estresse; ansiedade; sistema nervoso; vitalidade; vibração e pulsação; consciência corporal;
tensão e relaxamento; recursos de manejo e autorregulação; carga-descarga e liberação de
estresse.

EXEMPLOS DA INTERAÇÃO DESENVOLVIDA

O convite à autopercepção e autorregulação está presente em todas as etapas da sessão


de TRE assim como orientações relativas à segurança e ajustes nas posturas de acordo com a
necessidade de cada indivíduo. Procuramos o estabelecimento de um ritmo para a condução do
grupo como um todo e breves interações individuais para manejo de questões específicas. As
interações acontecem em diálogo, mantendo a conexão e o acompanhamento dos processos
vividos pelo grupo. Ao final da prática, a partilha oferece ao participante um espaço estruturado
para a troca e integração da experiência.

MANEJO DAS RESISTÊNCIAS


Na TRE incentivamos os participantes a ouvir e respeitar o próprio corpo desenvolvendo
o hábito de observar sua própria ativação e o que é necessário para retornar ao estado de
equilíbrio (autorregulação). Assim, se algum participante tem dificuldade, resistência, ou não
se sente à vontade para fazer um determinado exercício ou movimento, podemos sugerir uma
adaptação, ou sugerimos que o participante apenas continue em contato com sua respiração e
com o seu corpo enquanto aguarda o grupo terminar o exercício.
Compreendemos a resistência como uma forma de proteção e autopreservação. A
promoção de sensação de segurança e vínculo tende a naturalmente reduzir as resistências. A
TRE enfatiza a importância do acolhimento e do uso de uma linguagem convidativa evitando
comandos imperativos.

88
DEPOIMENTOS DOS PARTICIPANTES

“Sentir o corpo nesse outro formato foi incrível! Aquele gosto de querer mais está aqui!
Essa questão de parar e perceber o corpo foi importante para mim, desligar um pouco o
automático, sentir esse corpo que está aqui, latente, vivendo. Agora eu estou com vontade de
mais, estou me sentindo muito leve, muito tranquila.”
“A gente não se permite ter esse momento de relaxar. Foi muito bom, gostei de sentir o
tremor. Na primeira vez, eu dei muita risada, e isso é muito relaxante. Agora eu estou me
sentindo relaxada, com sono e bocejando.”
“É importante separar um momento do dia para esse relaxamento. A gente vive cheia
de tensões. Foi um momento bom de relaxar. Na primeira vez, senti muita vibração na perna e
foi engraçado, eu tive uma crise de riso. Eu tive uma experiência parecida fazendo uma
meditação. No nível muito profundo da meditação, tive uma sensação parecida, mas o tremor
foi muito mais intenso agora. Estava com as costas bem tensionadas, mas agora estou me
sentindo mais relaxado.”
“Hoje eu estou estressada desde a hora em que abri os olhos. Depois que terminei o
exercício em que a moderadora solicitou que relaxasse, fiquei mais relaxada. Agora estou um
pouco estressada, mas menos do que quando eu vim.”
“A sensação dos tremores subindo foi como se fosse uma massagem. A massagem
normalmente é um estímulo do externo para o interno, mas, nesse caso, é só interno. Hoje
encontrei uma posição bastante confortável. Senti uma vibração um pouco mais controlada e
mais frequente se espalhando mais pelo corpo e, quando eu relaxei a perna um pouquinho, senti
isso se espalhar pelo resto do corpo, como se fosse uma sensação de prazer e de relaxamento.”
“Eu comecei a sessão com o corpo dolorido e terminei totalmente relaxada. É como um
analgésico natural. Eu achei interessante o tremor, porque, da última vez, eu não senti o corpo
tremendo tanto. Só fiquei pensando no trecho da música do AraKetu: “Que o corpo estremece,
as pernas desobedecem”, porque mesmo tentando segurar o arco da perna, ele tremia em
qualquer posição. Achei muito relaxante. É como se o meu corpo tivesse voz própria.”
“Parece que, a cada vez, a gente vai criando uma intimidade com o tremor. Eu tive a
sensação do tremor subindo até os ombros e da mandíbula tremendo parecido com o que a gente
sente quando está com frio, batendo os dentes. Ainda estou sentindo um pouco essa sensação
de vibração.”

89
“Depois da pandemia, eu tive crises de ansiedade e, nesse período aqui na TRE, passei
por uma aceitação desse tremor. Foi um certo alívio percebê-lo de um outro modo e agora eu
percebo que outras pessoas também precisam ter acesso a isso.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os relatos dos participantes (alguns dos quais foram reproduzidos acima) a
TRE, no contexto do Programa das E-Terapias, mostrou sua eficácia na modalidade online na
promoção de saúde, bem-estar e qualidade de vida. Possibilitou o alívio de sintomas do
estresse, trazendo benefícios como: relaxamento, indução e melhora do sono, foco no momento
presente, alívio de dores e tensões físicas, desenvolvimento de mais consciência corporal,
percepção das necessidades do corpo e dos sintomas do estresse se manifestando.

REFERÊNCIAS

AMARAL, M. Programa on-line de apoio emocional e redução de estresse para


profissionais de saúde durante a pandemia da covid-19. Experiência selecionada e
apresentada na Mostra nacional de gestão do trabalho e educação na saúde em tempos
de pandemia: experiências dos/as trabalhadores/as do sus no enfrentamento da covid-19,
2021.

AMARAL, M. MACHADO, D.A.; SILVA, P.H.; GRUBER, S.L., ALMEIDA, J.T.; LIMA,
R.J. Programa on-line de apoio emocional e redução de estresse para profissionais de
saúde durante a pandemia da covid-19. CONGREPICS - Congresso de Práticas
Integrativas, 2021.

BERCELI, D. Exercícios para liberação do trauma. Recife: Libertas Editora, 2010.

MACEDO, D. S. Exercícios para Liberação da Tensão e do Trauma (TRE): aplicação a


situações de violência conjugal. 2013. 180 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica e
Cultura) - Universidade de Brasília, Brasília, 2013. Disponível em
<https://repositorio.unb.br/handle/10482/14691/>.

MOTA, S. F. A TRE (Tension & Trauma Releasing Excercises) na elaboração de


experiências estressoras e traumáticas de mulheres em situação de vulnerabilidade. 2021
252 f. Tese (Doutorado em Saúde, Interdisciplinaridade e Reabilitação) - Faculdade de
Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. Disponível em
<http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/360027>.

PEDROZA, M. TCI e TRE - Abordagens Novo paradigmáticas respondendo aos desafios


atuais. In: SCARDELAI, A.; CAMAROTTI, M.H.; FREIRE, T. (Org.). Terapia Comunitária
Integrativa Sem Fronteiras. Brasília, 2013. ISBN: 978-8564911000.

90
PEDROZA, M. Bioenergetic Analysis and Community Therapy: Expanding the
paradigm. Bioenergetic Analysis, [S. l.], v. 20, n. 1, p. 79–112, 2022. DOI: 10.30820/0743-
4804-2010-20-79. Disponível em: <https://bioenergetic-analysis.com/article/view/0743-4804-
2010-20-79>

PORGES, Stephen W. The Polyvagal Theory: Neurophysiological Foundations of


Emotions, Attachment, Communication, and Self-regulation (Norton Series on
Interpersonal Neurobiology). W. W. Norton & Company, New York, london; 1st edition
(April 25, 2011).

91
E-terapia: cuidando da qualidade do sono

O sono desempenha um papel fundamental em nossa saúde, tanto física quanto mental.
Logo, desempenha um papel crucial na manutenção do equilíbrio emocional, cognitivo e na
regulação dos níveis hormonais do humor, como a serotonina. Dito isto, a baixa qualidade do
sono pode resultar em insônia, distúrbio caracterizado por dificuldade em adormecer e sensação
de sono não reparador. Isso pode afetar aspectos da qualidade de vida, tanto física quanto
mental.
Para se ter um bom sono, alguns fatores são muito importantes: que o sono não seja
fragmentado, tenha uma continuidade e duração adequada. Os despertares durante o sono
acabam levando a pessoa a acordar cansada, passar pelos estágios do sono adequado, ou seja,
ter a quantidade de sono profundo ou superficial de forma adequada para ser restaurador. Isso
é muito importante, às vezes, a pessoa dorme 8-9 horas, mas acorda cansada, chegando à
conclusão que talvez “perder tempo” dormindo não valha tanto a pena assim.
No que diz respeito ao aspecto cognitivo, a qualidade do sono pode acarretar problemas
de memória e dificuldade na concentração, o que, por sua vez, pode prejudicar a aprendizagem
e a capacidade de retenção de informações. Quanto à saúde mental, a má qualidade do sono
pode desencadear ou intensificar os níveis de ansiedade e estresse, desta forma, indivíduos que
já sofrem de ansiedade podem ver seus sintomas agravados e até desenvolver outros transtornos
relacionados. Além disso, o aumento do estresse pode manifestar sintomas físicos que, por sua
vez, aumentam o risco de desenvolver diversas condições, como problemas cardíacos,
dermatológicos e outras doenças.
A má qualidade do sono, ilustrada na Figura 1, ao desregular os hormônios responsáveis
pelo nosso humor, pode impactar significativamente nossa sensação de prazer, resultando em

92
sintomas de depressão, flutuações no estado de ânimo, redução da motivação e interesse nas
atividades do dia a dia.

Figura 1 – Imagem de homem idoso, deprimido e estressado, sentado na cama por insônia.

Fonte: Foto do Freepik7.

Quando discutimos a importância do sono de alta qualidade, é essencial lembrar do


papel do hormônio cortisol, que está diretamente relacionado a ele. O cortisol desempenha um
papel crucial ao nos acordar de manhã, sendo ideal que seus níveis estejam mais elevados
durante esse período. No entanto, é importante notar que o cortisol também está ligado aos
sintomas de estresse e ansiedade. A liberação frequente de cortisol na corrente sanguínea devido
a picos de ansiedade tem um efeito catabólico, que prejudica nossas células. Portanto, faz parte
da prática do fisioterapeuta empregar técnicas destinadas a minimizar o impacto negativo no
organismo.
Falar em qualidade do sono é não omitir o cortisol, um hormônio diretamente ligado a
ele. Necessário para o despertar matutino, o cortisol deve se encontrar em maiores
concentrações neste período do dia. No entanto, é relevante mencionar que o cortisol também
está intrinsecamente relacionado aos sintomas de estresse e ansiedade.
A liberação frequente de cortisol na corrente sanguínea devido a picos de ansiedade tem
um efeito catabólico, prejudicando nossas células. Portanto, faz parte da prática do
fisioterapeuta empregar técnicas destinadas a minimizar o impacto negativo no organismo.

7
Disponível em: https://br.freepik.com/fotos-premium/um-homem-idoso-com-uma-barba-branca-deprimida-
e-estressada-sentou-se-na-cama-por-
insonia_30069727.htm#query=homem%20com%20ins%C3%B4nia&position=10&from_view=search&track=ais.
Acesso em: 16 out. 2023.
93
PROJETO E-TERAPIA: CUIDANDO DA QUALIDADE DO SONO

A trajetória e a caminhada do projeto

O projeto foi iniciado em agosto de 2020, como parte de uma iniciativa da Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e da Universidade de Brasília (UnB), no qual englobou diversas
outras medidas de apoio psicossocial às pessoas durante a pandemia da Covid-19. Todas essas
ações foram conduzidas de maneira remota, por meio de plataformas como o Google Meet.
Inicialmente, foram ofertados dois grupos: um às terças-feiras e outro às quintas-feiras,
ambos com sessões que duravam aproximadamente uma hora. Essas sessões eram conduzidas
em grupo, com um limite máximo de 15 participantes em cada um deles, sendo a duração total
dos encontros de dois meses.
No segundo ano, optamos por unificar o grupo, permitindo a participação de mais
pessoas. Também, realizamos uma mudança no horário dos encontros, uma vez que a escolha
anterior de realizar as reuniões pela manhã estava se mostrando desafiadora para a pontualidade
dos integrantes. Assim, a equipe decidiu conduzir as sessões durante a parte da noite, visando
auxiliar os participantes a encerrar os encontros de forma mais tranquila e, consequentemente,
facilitar um sono de melhor qualidade. Atualmente no ano de 2023, os encontros ocorrem nas
noites das quinta-feiras às 19h:30min e a sessão permanece com duração máxima de uma hora.
A seleção dos participantes ocorre por meio da identificação daqueles que apresentam
alguma necessidade relacionada à qualidade do sono. Tal seleção é realizada pelas moderadoras
da e-terapia e quanto ao público alvo, são selecionados adultos das universidades (discentes,
docentes, servidores técnicos e terceirizados), bem como membros da comunidade em geral,
tanto da região local quanto de outras áreas ou estados.
Após a seleção dos candidatos conforme os critérios estabelecidos pelas moderadoras,
a equipe técnica do projeto inicia o processo de comunicação com os participantes selecionados.
Essa comunicação é realizada por meio de e-mail ou mensagens de celular e visa informar ao
candidato sobre sua seleção, estabelecer conexões iniciais, fornecer orientações sobre os
horários e turnos das sessões e o aplicativo que será utilizado (Google Meet). Além disso,
solicitamos que o participante se junte ao grupo no WhatsApp por meio de um link fornecido
no corpo do e-mail.
Simultaneamente ao contato inicial com os participantes, procedemos com a criação do
grupo no WhatsApp. Este grupo desempenha um papel fundamental, permitindo uma

94
comunicação eficaz entre as moderadoras, os bolsistas (responsáveis pelo apoio técnico) e os
participantes. Ele facilita o esclarecimento de dúvidas, a distribuição dos exercícios realizados
nas sessões e o compartilhamento dos links das salas no Google Meet.
Embora os e-mails enviados contenham o link para ingressar no grupo do WhatsApp,
reconhecemos que alguns participantes podem enfrentar dificuldades para aderir ao grupo.
Portanto, é de extrema importância que a equipe de apoio técnico tenha a capacidade de
adicionar os participantes ao grupo usando os números de celular fornecidos. Ressaltamos que,
antes de adicionar um participante ao grupo, é essencial comunicar essa ação em seu chat
privado.
O apoio técnico, constituído por bolsistas e voluntários do projeto, desempenha um
papel fundamental no suporte às atividades da e-terapia. Antes da formação dos grupos ou do
contato com os participantes, ocorre uma reunião presencial ou remota com as moderadoras,
onde são definidas as responsabilidades que serão atribuídas aos bolsistas/voluntários. Isso
inclui tarefas como a criação dos grupos com os participantes e moderadoras e um só com as
moderadoras para discussão de questões particulares, dentre outras, a configuração dos links no
Google Meet, a elaboração de listas de presença, o esclarecimento das dúvidas dos participantes
e a organização de possíveis encontros para abordar situações que possam surgir durante as
sessões.
Além disso, o apoio técnico assume a responsabilidade de estabelecer comunicação com
outros bolsistas e voluntários, a fim de esclarecer dúvidas ou buscar suporte junto à equipe
gestora quando necessário.
Durante as sessões da e-terapia, os apoiadores técnicos auxiliam tanto as
moderadoras quanto os participantes que possam encontrar dificuldades ao utilizar a
plataforma. É essencial que a lista de presença seja compartilhada no chat da sala do Google
Meet, e que as moderadoras ou a pessoa encarregada informem aos participantes sobre a
existência desta lista. A lista de presença tem como finalidade principal acompanhar a presença
dos participantes e, se necessário, facilitar a comunicação com aqueles que não puderam
comparecer à sessão.
Após a conclusão de cada sessão da e-terapia, é responsabilidade do apoiador
técnico encerrar a lista de presença e enviá-la exclusivamente para o grupo das moderadoras.
Durante os intervalos entre as sessões, é fundamental manter os participantes do grupo do
WhatsApp informados sobre os próximos encontros e eventuais mudanças que possam ocorrer.
Além disso, é importante estabelecer contato privado com os participantes ausentes ou que

95
tenham deixado o grupo, buscando informações sobre suas circunstâncias e oferecendo suporte,
dentro do possível.
Essa abordagem fortalece os laços com esses indivíduos e promove um sentimento de
pertencimento a um grupo de apoio psicossocial, contribuindo para uma experiência mais
significativa e enriquecedora.

METODOLOGIA DOS ENCONTROS

O propósito principal do grupo é aprimorar a qualidade do sono dos seus participantes.


Para alcançar esse objetivo, adotamos uma abordagem abrangente que integra a fisioterapia e a
psicologia. Oferecemos sessões em grupo (Figura 2), proporcionando um ambiente de suporte
coletivo, além de encontros individuais para aqueles que necessitam de informações mais
personalizadas, conduzidos por cada profissional especializado.

Figura 2 – Grupos com pessoas online

Fonte: Sociis RH - Consultoria de Recursos Humanos e Gestão de Pessoas8.

FISIOTERAPIA

De forma prática, a fisioterapia atua na conscientização e na educação social das


pessoas em relação à importância do sono, um sono de qualidade, explanar sobre as suas
funções, bem como sobre o impacto negativo da privação de sono. Apresenta para os
participantes orientações posturais e de higiene do sono que irão proporcionar um sono

8
Disponível em: https://sociisrh.com.br/equipe-multidisciplinar. Acesso em: 3 out. 2023.

96
reparador e assim contribuir para a promoção de saúde daquele grupo que está caminhando na
e-terapia. O fisioterapeuta também pode encarregar-se da identificação e do tratamento dos
distúrbios não respiratórios (insônia e pernas inquietas) e dos respiratórios.

PSICOLOGIA E A GESTALT E SUA CONTRIBUIÇÃO NA QUALIDADE DO SONO

Foram elaboradas estratégias na área da psicologia para abordar ações direcionadas a:

 Autoconhecimento

A ênfase no trabalho com o autoconhecimento é de extrema importância, pois visa


capacitar o participante a compreender a si. Isso, por sua vez, facilita a identificação das técnicas
mais eficazes para seu caso ou técnicas similares que ele possa incorporar em sua vida cotidiana.
Essa abordagem é fundamental para garantir que os exercícios realizados durante os encontros
sejam continuados e aplicados de forma consistente, resultando em melhorias sustentáveis na
qualidade do sono.

 Ansiedade

A ansiedade é um dos focos de trabalho, uma vez que se configura como um dos
sintomas que tendem a aumentar quando a qualidade do sono está comprometida ou quando os
níveis de estresse se elevam.

 Pensamentos Negativos

Pensamentos negativos, frequentemente intrusivos, desempenham um papel relevante


no aumento da ansiedade, tornando o processo de adormecer mais desafiador e perturbado.

 Estresse

O estresse cotidiano nos sobrecarrega com uma série de atividades que carregamos até
o momento de dormir, o que resulta em agitação, ansiedade e dificuldade para desconectar e
relaxar.
Esses quatro pontos na psicologia têm se mostrado eficazes, e temos observado que
estão auxiliando os nossos grupos a aprimorar a qualidade do sono.

TÉCNICAS UTILIZADAS NAS DUAS ÁREAS E SUAS FUNDAMENTAÇÕES

97
FISIOTERAPIA

Durante o primeiro até o terceiro encontro, no percurso da e-terapia, nós tentamos


entender qual a prevalência de distúrbio de sono no grupo. De acordo com a Classificação
Internacional dos Distúrbios do Sono (International Classification of Sleep Disorders - ICSD-
3), os distúrbios do sono são divididos em 7 categorias principais: insônia, distúrbios
respiratórios relacionados ao sono, hipersonias de origem central, distúrbios do ritmo circadiano
de sono e vigília, parassonias, distúrbios do movimento relacionado ao sono e outros distúrbios
do sono. Entre os distúrbios respiratórios do sono, a Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) é a
mais predominante.
No geral, encontramos mais participantes com insônia, hipersonia,
hipersonolência diurna e síndrome de pernas inquietas. A partir da identificação do grupo, é
construído o percurso, as orientações a serem dadas e as técnicas que serão utilizadas no
momento da e-terapia (Figura 3), onde os participantes são convidados a aplicar na sua vida
diária.

Figura 3 – Mulher realizando exercícios respiratórios

Fonte: Foto do Freepik9.

9
Disponível em: https://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-loira-meditando-com-espaco-de-
copia_11233274.htm#query=mulher%20realizando%20exerc%C3%ADcios%20respirat%C3%B3rios&position
=0&from_view=search&track=ais. Acesso em: 14 out. 2023.

98
Ao falar em sono de qualidade, não podemos nos esquecer do hormônio ligado
diretamente a ele que é o cortisol, necessitamos dele para acordar pela manhã, o ideal é que
esteja em dosagem mais elevada neste período do dia. Porém, o cortisol também está associado
aos sintomas de estresse e ansiedade.
O disparo do cortisol várias vezes ao dia na corrente sanguínea atribuído a picos de
ansiedade tem ação catabolizante (destruidora) sobre nossas células. Sendo assim, faz parte da
prática do profissional da Fisioterapia atuar com técnicas que reduzam danos ao organismo.
Exercícios de conscientização respiratória:
 Respiração através do revezamento das narinas esquerda e direita de forma lenta e
contínua da forma que melhor conseguir realizar. Importante ter atenção voltada
para a melhor narina para respirar naquele momento, pois uma das duas pode estar
congestionada temporariamente.
 Inspire o nariz por quatro segundos, contando lentamente, depois segure o ar nos
pulmões por mais quatro. Expire lentamente pela boca pela mesma quantidade de
segundo e, após "esvaziá-los", mantenha-se assim por mais quatro. É como se você
fechasse um quadrado da respiração, fazendo quatro passos por quatro segundos
cada. Faça 4 vezes, pela manhã e à noite.
 Deite-se, coloque as mãos sobre a barriga e respire expandindo e relaxando a
barriga, sentindo ela crescer e diminuir. Faça isso por pelo menos 3 minutos e você
se sentirá instantaneamente mais relaxado e tranquilo.
 Deite de costas, inspire por três segundos; expire durante seis; repita até que você
caia no sono.

EXERCÍCIOS CORPORAIS:

 Alongamento na região cervical: Durante o alongamento cervical lateral inspira por 5


segundos, segura por 5 a inspiração no alongamento e, voltando à posição neutra, você
expira todo o ar.
 A caminhada é uma excelente opção para o bem estar físico e mental, pois aumenta o
fluxo sanguíneo de áreas periféricas e centrais do organismo. Com o intuito de
relaxamento, pode ser realizada de forma lenta a moderada, com respiração normal sem
ficar ofegante. Os batimentos cardíacos devem aumentar lentamente, não pode acelerar
o passo ao ponto que fique desconfortável quando a intenção é reduzir estresse e

99
ansiedade. O tempo de duração pode ser de 10 a 15 minutos para iniciantes na
modalidade.
 Alongamentos toracolombar e do corpo no geral, também são importantes realizados na
e-terapia para liberação da fáscia muscular e uma melhor noite de sono dos participantes
(Figura 4).

Figura 4 – Mulher realizando alongamento toracolombar

Fonte: Foto do Freepik10.

 SPA em casa: Tornar sua casa um ambiente agradável para proporcionar o autocuidado
é fundamental quando há necessidade de um olhar direcionado para ações simples que
quando bem executadas causarão um efeito terapêutico. Trazemos aqui o exemplo da
prática popularmente chamada Escalda Pés, onde se coloca água morna em uma bacia
numa profundidade que permita atingir os maléolos (região lateral dos tornozelos). Essa
região é rica em linfonodos, células diretamente relacionadas à imunidade e linfa do
organismo. Na água é colocado sal grosso, ervas medicinais como camomila, erva-doce,
alecrim, pétalas de rosas, óleos essenciais como lavanda e também podem fazer parte
do escalda pés bolinhas de gude para realização de massagem na sola dos pés (realizada
através do rolamento dessas bolinhas).

10
Disponível em: &lt;https://br.freepik.com/fotos-gratis/full-shot-mulher-se-exercitando-no-
tatame_21934841.htm#query=Alongamentos%20toracolombar%20negra&amp;position=6&amp;from_
view=search&amp;track=ais&gt;. Acesso em: 14 out. 2023.
100
Todas as práticas citadas estão diretamente ligadas à circulação sanguínea e à respiração
lenta e suave. O bem-estar proporcionado, assim como o efeito terapêutico na saúde da pessoa,
é percebido desde a primeira aplicação.
PSICOLOGIA

Na nossa metodologia, utilizamos uma abordagem humanista, especificamente a


abordagem Gestalt, e incorporamos técnicas da Gestalt-terapia, experimentos da Gestalt, bem
como a arteterapia e o ciclo do contato. Essas abordagens são empregadas para trabalhar
aspectos como o autoconhecimento, a ansiedade, os pensamentos negativos e o estresse,
visando promover uma melhora significativa na qualidade de vida dos participantes, como
veremos a seguir.

O autoconhecimento (experimentos da Gestalt)

No autoconhecimento a Gestalt faz uma integração equilibrada do organismo (corpo e


psique) ao meio, o que faz com que os insights que vão fazendo durante os exercícios, ajudem
a conhecerem-se pouco a pouco, dar conta de sua forma de ser e viver no dia a dia, colocando
os devidos limites, para melhorar a qualidade de vida.
Assim, as técnicas da Gestalt poderão contribuir com o autoconhecimento da pessoa nos
seguintes aspectos:

 Descobrir-se mais profundamente, identificando e compreendendo emoções e


comportamentos;
 Aprender a aceitar a si e aos outros de forma mais autêntica;
 Desenvolver habilidades para se relacionar de maneira mais saudável e
autêntica;
 Saber lidar com emoções negativas e a reduzir o estresse emocional.

A ansiedade (exercícios de relaxamento /tranquilidade)

Segundo Perls (1977), a ansiedade é a excitação que se estagnou porque a pessoa ficou
incerta quanto ao papel que deveria desempenhar em determinada situação: “se não sabemos
se vamos receber aplausos ou vaias, nós hesitamos; então o coração começa a disparar, e toda

101
a excitação não consegue fluir para a atividade, e temos ‘medo de palco’” (Perls, 1977, p.15-
16). Isso significa que, ao invés de estar no aqui e agora, as pessoas se transportam mentalmente
a um espaço fantasioso que produz a ansiedade disfuncional. Uma sugestão de técnica para lidar
com a situação para potencializar o autoconhecimento seria: se posicionar no aqui e agora.
Se a pessoa estiver no aqui e agora, encontrará criatividade, inventividade e, como
resultado, achará a solução – mesmo que a solução seja simplesmente esperar a
circunstância fluir (Figura 5).
Figura 5 – Mulher vivenciando o “aqui e o agora”.

Fonte: Foto do Freepik11.

Perls destaca: “quanto menos confiança tivermos em nós mesmos, quanto menos
contato tivermos com nós mesmos e com o mundo, maior será nosso desejo de controle” (Perls,
1977, p.38). E assim a tensão a ansiedade estarão presentes.
Na compreensão de Perls, se a pessoa compreender a situação em que se encontra e
deixar a relação organismo/meio se regular, por conseguinte aprenderá a lidar com a vida.
Afinal, “a intuição é a inteligência do organismo” (Perls, 1977, p.42).

Os pensamentos intrusos (negativos) (exercícios de concentração /meditação)

11
Disponível em: https://br.freepik.com/fotos-gratis/mulher-relaxed-que-aprecia-o-
mar_859039.htm#query=bem%20estar&position=3&from_view=search&track=ais. Acesso em: 14 out. 2023
102
A Gestalt visa trabalhar no aqui e agora, para trazer o participante para o momento
presente, para preservar o momento, é preciso romper com as fantasias mentais que geram
preocupação e ansiedade, dificultando o adormecer ou interrompendo o sono.
Os exercícios da Gestalt visam para esses pensamentos, enfrentá-los, conscientizar-se,
conhecer o que traz o pensamento, os medos, voltamos a necessidade do autoconhecimento
Para Perls, pela concentração, favorece-se o contato consigo e propõe-se ao indivíduo
aceitar sua experiência da forma que se apresenta à sua consciência, ou seja, pela atenção focada
e concentração corporal.
A experiência com a concentração na gestalt é uma forma de meditação que ajuda a
focar na atenção e concentração do indivíduo em sua experiência atual, incluindo a sensação,
a motricidade e a linguagem, para aumentar o nível de autoconsciência sobre si a partir de sua
experiência, e auxiliar o indivíduo a tomar consciência da inibição e favorecer sua resolução de
conflitos.
Perls, à época, chamou essa proposta de “terapia da concentração” (Muller-Granzotto e
Muller-Granzotto, 2016, p. 141).

O estresse (exercícios de arteterapia)

Para a Gestalt o autoconhecimento ajudará a diminuir o estresse, porque irá permitir a


você ser menos exigente consigo mesmo, o que costuma ser uma das causas principais do
estresse. Isso significa controlar o sentimento de culpa porque não terminou uma tarefa que
tinha estipulado ou porque hoje não foi para a academia ou fez qualquer tipo de exercício.
Na abordagem da Gestalt, Segundo Perls (1975), quando não vivemos uma situação no
aqui e agora, consequentemente, ela será vivida em outra instância corporal, por exemplo, em
uma tensão muscular ou uma emoção que nos surpreende devido à intensidade desproporcional
à circunstância. Nas palavras de Perls (1975c, p.101-102), “nada desaparece, mas é deslocado
e desarranjado”.

Por fim, uma reflexão final:

Novos caminhos poderemos percorrer a partir do aqui e agora nas experiências vividas.
Deixemos fluir as novas experiências.
E nesse caminhar poderemos nos encontrar e termos novos contatos.
Como as águas de um rio, deixemos que nossas vivências fluam.
103
Cada um tem seu tempo.

REFERÊNCIAS:

ALEXANDRA-MARIA KAZALA; V. KARAGIANNI; GRAMMATIKAS, G. Sleep


disorders in childhood. Disponível em: <https://www.semanticscholar.org/paper/Sleep-
disorders-in-childhood-Kazala-Karagianni/89a9ec8652528ec7f98166ed8911da290bb65c86>.
Acesso em: 14 out. 2023.

MENEZES, C. B.; DALBOSCO, D.; AGLIO, D.’. Os Efeitos da Meditação à Luz da


Investigação Científica em Psicologia: Revisão de Literatura. Disponível em:
<https://www.scielo.br/j/pcp/a/mZ3rqctVVfPzsZHmp9kXJBr/?format=pdf&lang=pt>.
Acesso em: 27 set. 2023.

PERLS, Frederick S., HEFFERLINE, Ralph e GOODMAN, Paul. Gestalt-terapia. São Paulo:
Summus, 1997

POLSTER, E.; Polster, M. Gestalt Terapia Integrada. Belo Horizonte, Unilivros, 1979

RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia: Refazendo um Caminho. São Paulo, Summus, 1985

RIBEIRO, J. P. Gestalt-terapia de Curta Duração. São Paulo: Summus, 1999

GINGER, A.; GINGER, S. Gestalt: uma terapia do contato. Tradução: S. de S. Rangel. 3 ed.
São Paulo: Summus, 1995.

T. DOUGLAS BRADLEY; FLORAS, J. S. Obstructive sleep apnoea and its cardiovascular


consequences. The Lancet, v. 373, n. 9657, p. 82–93, 1 jan. 2009.

PERLS, F. S. Abordagem gestáltica e testemunha ocular da terapia. Tradução: J.nz. Rio de


Janeiro: Zahar Editores. (Trabalho original publicado em 1973),1981.

STEVENS, O. J. Tornar-se presente: experimentos e crescimento em Gestalt terapia .São


Paulo: Summus, 1976.

Doença do sono: o que é, sintomas e tratamento. Tua Saúde. Disponível em:


<https://www.tuasaude.com/doencas-do-sono/>. Acesso em: 3 out. 2023.

Sono e saúde mental: insônia pode ser indício de algum transtorno psiquiátrico. Disponível
em: <https://www.saude.ce.gov.br/2023/03/16/sono-e-saude-mental-insonia-pode-ser-indicio-
de-algum-transtorno-psiquiatrico/>. Acesso em: 26 set. 2023.

104
Grupo de Terapia Cognitiva Comportamental para pessoas com Depressão

INTRODUÇÃO E BASE TEÓRICA

A terapia cognitiva foi desenvolvida por Aaron T. Beck, na Universidade da Pensilvânia


no início da década de 60, como uma psicoterapia breve, estruturada, orientada ao presente,
para depressão, direcionada a resolver problemas atuais e a modificar os pensamentos e os
comportamentos disfuncionais. É uma abordagem diretiva, ativa, de prazo limitado, usada para
tratar uma variedade de transtornos psiquiátrico como a depressão, ansiedade, fobias, queixas
somáticas dentre outros. A teoria é fundamentada no entendimento de que o afeto e o
comportamento de um indivíduo são em grande parte determinados pelo modo como ele
estrutura o mundo. As técnicas terapêuticas são utilizadas para identificar, testar a realidade e
corrigir as conceituações distorcidas e as crenças disfuncionais por trás das cognições. Elas
visam delinear e testar as concepções errôneas específicas e as pressuposições mal adaptativas
do paciente.
Esta abordagem consiste em experiências de aprendizagens altamente específicas
projetadas para ensinar ao paciente as seguintes operações: monitorar seus pensamentos
automáticos negativos (cognições), reconhecer as conexões entre cognição, afeto e
comportamento, examinar as evidências a favor e contra seu pensamento automático distorcido,
substituir estas cognições tendenciosas por interpretações mais orientadas à realidade e
aprender a identificar e alternar as crenças disfuncionais que o predispõem a distorcer suas
experiências.
O modelo cognitivo da depressão evoluiu a partir de observações clínicas sistemáticas
e de testagem experimental (Beck, 1963, 1964, 1967). No entanto, ele postula três conceitos
específicos para explicar o substrato psicológico da depressão: a tríade cognitiva, esquemas e
erros cognitivos.
A tríade cognitiva consiste em três padrões cognitivos maiores que induzem o paciente
a considerar a si mesmo, seu futuro e suas experiências de uma forma idiossincrásica. O
105
primeiro componente da tríade gira em torno da visão negativa que o paciente tem de si mesmo
vendo a si mesmo como defeituoso, inadequado, doente ou carente atribuindo suas experiências
desagradáveis a um defeito psicológico, moral ou físico em si mesmo. O segundo componente
consiste na tendência da pessoa deprimida a interpretar suas experiências atuais de forma
negativa e o terceiro consiste em uma visão negativa do futuro.
Os esquemas (conceituações distorcidas e crenças disfuncionais) ativados em uma
situação específica determinam diretamente o modo como a pessoa responde e em estados
psicopatológicos como a depressão, as conceituações do paciente de situações específicas são
distorcidos para encaixar nos esquemas disfuncionais prevalentes.
Os erros cognitivos são o processamento de falha de informações quando a pessoa
deprimida mantém a crença de seus conceitos negativistas apesar da presença de evidências
contraditórias.
A depressão tem um conjunto específico de sintomas e comportamentos discrimináveis
que a separa de outras neuroses. Ela tende a percorrer uma trajetória específica sendo que uma
depressão típica começa suave, atinge um pico de severidade e então geralmente declina em
intensidade. Devido a complicação fatal que é o suicídio o seu diagnóstico é particularmente
importante.

ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO GRUPO

Considerando que a psicoterapia cognitiva consiste de várias técnicas de tratamento


específicas, cada qual aplicada de forma lógica e planejada organizamos o grupo terapêutico
voltado para o público de pessoas com diagnóstico de depressão e/ou sintomas relacionados ao
transtorno levando em consideração a presença dos seguintes sintomas: desesperança, tristeza,
choro frequente, pensamento de morte, apatia, irritabilidade, falta de prazer em atividades
anteriormente prazerosas, insônia e/ou falta de apetite.
O grupo foi criado com proposito de cumprir o seguinte plano de tratamento: avaliação
(cognitiva, comportamental e interpessoal), risco de suicídio e uso de medicação,
estabelecimento de objetivos e metas, familiarização com o modelo cognitivo, intervenções
cognitivas e comportamentais e prevenção de recaída.
A avaliação cognitiva, comportamentais e interpessoais tem o objetivo de identificar os
déficits e excessos nestas áreas da vida do paciente deprimido. A checagem do uso de
medicação se faz necessário para melhor acompanhar a evolução do paciente diante do
106
tratamento. Os objetivos do tratamento estão vinculados a lista de problemas, o mais claro e
objetivo possível, feita pelos pacientes que vai guiar o tratamento até o objetivo final da terapia.
A familiarização com o modelo cognitivo começa já no primeiro encontro sendo importante
que o paciente aprenda todos os princípios básicos da terapia cognitiva sendo informado como
funciona o tratamento e o que se espera de cada uma das partes (terapeutas e pacientes). As
intervenções cognitivas e comportamentais a partir da teoria da terapia cognitiva de Beck
objetiva primeiramente o rompimento do ciclo vicioso que perpetua a depressão, por meio de
técnicas de ativação comportamental, ao mesmo tempo em que focaliza seu trabalho na
identificação e modificação dos pensamentos e das crenças disfuncionais que mantem a
depressão. Na prevenção de recaída o paciente necessita antecipar-se para prever eventos
futuros que poderão trazer dificuldades emocionais tendo em vista os sinais iniciais de que pode
estar havendo um desequilíbrio no estado emocional do paciente.

DESENVOLVIMENTO E FORMAÇÃO DO GRUPO

As inscrições para as e-terapias ocorreram após lives e workshop presencial realizado


na Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC. Para cada e-terapia tinha um vídeo
explicativo sobre o referido grupo terapêutico com informações sobre o público – alvo, número
de vagas, data de início, dia da semana e horário dos grupos. Após as inscrições realizamos
triagem conforme descrições feitas no formulário de forma a selecionar apenas pessoas com
depressão e/ou sintomas depressivos tornando o grupo o mais homogêneo possível.
O grupo tinha 10 vagas, mas tivemos um total de 18 inscritos e 12 foram selecionados
para participar do grupo sendo que apenas10 participaram de pelo menos 1 encontro e 4 tiveram
frequência de 75% dos encontros.
O formato dos encontros foi baseado em alguns protocolos de tratamento para pessoas
com depressão sugeridos e utilizados em diferentes centros de tratamento sendo apenas
adaptado para modalidade online.
Realizamos um total de dez encontros, totalizando 2 meses com encontros semanais que
teve início no dia 12 de maio de 2023 e término no dia 21 de julho de 2023. Dos inscritos
selecionados tivemos 9 mulheres e 3 homens com idades entre 47e 19 anos.
Dos participantes que informaram não poder dar continuidade ao grupo foi por conta de
incompatibilidade do horário com atividades do trabalho e/ou faculdade, no entanto, no decorrer

107
do processo percebemos dificuldades de alguns em acordar cedo por conta de problemas
relacionados ao sono.
Considerando as indicações terapêuticas para trabalhar com pessoas deprimidas e o
modelo estruturado da terapia cognitiva, as sessões terapêuticas foram planejadas de forma a
enfatizar a participação ativa de todos os participantes, psicoeducar, enfatizar a prevenção de
recaída dentro de um tempo limitado de sessões. Desta maneira nos planejamos da seguinte
forma:
- Primeiro encontro: apresentação do projeto e-terapias, das moderadoras, bolsista e
participantes do grupo; contrato do grupo (sigilo das informações, pontualidade, assiduidade e
recomendações diante das atividades na modalidade online); Explicação sobre o modelo
cognitivo e funcionamento de todos os encontros; Avaliação inicial dos sintomas da depressão
e da ansiedade.

- Segundo encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); mais uma breve
apresentação e resumo do último encontro, esclarecimentos sobre a estrutura das sessões;
levantamento de lista de problemas e metas de cada integrante do grupo, psicoeducação sobre
a depressão com indicação de leitura de texto sobre o mesmo tema e tarefa de casa com a técnica
Monitoramento de Atividades.

- Terceiro encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum


tema relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos
participantes a serem trabalhadas; técnica de reestruturação cognitiva propondo que cada um
fizesse a leitura do problema do outro dizendo o que faria se tivesse naquela situação; Examinar
registro de atividades de cada participante e o que foi pontuado diante da leitura que foi
proposta; Como tarefa de casa experimento baseado no registro de atividades.

- Quarto encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
serem trabalhadas; Revisar o experimento da sessão anterior com cada participante; trabalhar
com as folhas de registro pedindo para que cada participante relate uma situação em que tenha
havido uma mudança de humor significativa de modo a introduzir e começar a trabalhar a
relação em situação e sentimentos; Como tarefa de casa preencher durante a semana os dois
quadros do registro se tiver ocorrido alguma situação em que tenha havido mudança de humor.

- Quinto encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
108
serem trabalhadas; trabalhar com as folhas de registro pedindo que cada participante relate uma
situação em que tenha havido uma mudança de humor significativa de modo a introduzir e
começar a trabalhar a relação entre situação e sentimentos; Introduzir a relação entre situação,
sentimento e pensamentos automáticos destacando a relação de distorções cognitivas; Como
tarefa de casa preencher as três primeiras colunas da folha de registro de pensamentos e
identifica as possíveis distorções cognitivas.

- Sexto encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
serem trabalhadas; Revisar as folhas de registro feitas em casa; Introduzir a coluna de respostas
alternativas (verificar se as emoções estão compatíveis com as situações e também a
compreensão da noção de pensamentos automáticos, de distorções cognitivas, reforçando
novamente a ideia do modelo cognitivo; Tarefa de casa terminar de preencher o RPD e realizar
um experimento em cima de uma situação examinada a partir dos registros de pensamentos,
além de fazer uma lista cuidadosa das dificuldades que apresenta e o motivo destas dificuldades.

- Sétimo encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
serem trabalhadas; Discutir progressos atingidos até o momento da terapia para avaliar se os
participantes estão desqualificando suas conquistas e/ou discutir uma das crenças deles e
procurar identificar as que aplicam ao grupo; Examinar o repertório social e o fortalecimento
de vínculos afetivos; Rever as tarefas de casa, avaliar a sessão e como tarefa fazer uma lista
cuidadosa das dificuldades que apresenta e os motivos.

- Oitavo encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
serem trabalhadas; estabelecer agenda da sessão; continuar a trabalhar com a folha de registro
de pensamentos disfuncionais; introduzis a noção de “cartão de enfrentamento”; discutir
progressos atingidos e como tarefa de casa fazer experimento relacionado a lista de dificuldades
discutida por cada participante.

- Nono encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum tema
relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos participantes a
serem trabalhadas; estabelecer agenda da sessão; revisar estado de cada participante desde a
última sessão; continuar a trabalhar com a folha de registro de pensamentos disfuncionais;
introduzir a noção de crença central através dos pensamentos recorrentes tomando como base
109
os aspectos relacionados a história de cada um. Tentar fazer o diagrama da conceituação
cognitiva de um dos participantes usando a técnica da seta descendente; trabalhar novamente
com cartão de enfrentamento e discutir a tarefa de casa da última sessão e como tarefa de casa
fazer uma lista de metas e objetivos e realizar um experimento diante da situação examinada a
partir dos registros de pensamentos.

- Décimo encontro: preenchimento dos inventários (BDI e BAI); inclusão de algum


tema relacionado a resposta a eles na agenda diante das temáticas apresentadas pelos
participantes a serem trabalhadas; fazer diagrama cognitivo de um participante e discutir a
noção de crença central. Mencionar os temas e as técnicas que foram trabalhados ao longo do
processo terapêutico; falar da lista de metas e prevenir recaídas; fazer e discutir sobre o
curtograma; avaliar o processo terapêutico e encerrar.

DINÂMICA DO GRUPO

Todos os encontros foram ministrados através de vídeo conferência pelo google meet às
quintas-feiras das 8:00 às 9:30h com link institucional enviado pela bolsista do projeto e-
terapias. O primeiro encontro aconteceu com a presença de 6 participantes e duas moderadoras
sendo posteriormente realizado busca ativa dos demais inscritos e realizado mais um encontro
com a presença de 3 participantes sendo que os outros 3 justificaram ausência e desses 3 que
faltaram apenas 1 participou dos demais encontros.
Depois da apresentação dos participantes registramos as seguintes informações
importantes, apresentadas no Quadro 1:
Quadro 1 – Informações sociodemográficas e queixas dos participantes do Grupo de TCC

N° Sexo Idade Local Faz uso de Queixas


medicação
controlada
1 Feminino 47 Itabuna Não Irritabilidade, nervoso,
anos muito emotiva,
insônia, sentimento de
incapacidade,
distanciamento social e
crises de ansiedade.
2 Feminino 36 Itabuna Sim Alterações no humor,
anos dificuldade de
concentração,
irritabilidade,
110
agressividade e falta de
prazer em atividades
antes prazerosas.
3 Masculino 36 Morro Não Dificuldade de
anos de São concentração e com a
Paulo ansiedade, problemas
emocionais e
diagnóstico de
depressão.
4 Feminino 34 Ilhéus Não Variação do humor,
anos angústia, dificuldade
de se levantar da cama
e choro frequente.
5 Feminino 31 Itabuna Sim Choro frequente,
anos tentativa de suicídio,
crises de ansiedade.
6 Masculino 27 Ilhéus Não Sono alterado, falta de
anos foco, procrastinação,
raciocínio lento e
ansiedade elevada.
7 Feminino 25 Ilhéus Não Falta de prazer em
anos atividades antes
prazerosas, choro
frequente,
pensamentos
negativos.
8 Feminino 23 Itabuna Sim História de
anos automutilação e
pensamentos suicida.
Diagnóstico de
depressão.
9 Masculino 22 Itacaré Não Ansiedade elevada,
anos irritabilidade,
dificuldade de atenção
e foco, agressividade,
esquecimento e
dificuldade de
relacionamento.
10 Feminino 22 Itabuna Não Choro frequente,
anos isolamento, falta de
vontade para viver.
11 Feminino 19 Ilhéus Não História de
anos automutilação, falta de
vontade de viver.
Fonte: Acervo do Projeto, 2023.

No primeiro encontro conseguimos colher informações sobre os participantes,


avaliamos através dos instrumentos BDI E BAI e psicoeducamos sobre a terapia cognitivo
comportamental tendo um feedback positivo a respeito do encontro com falas do tipo: “Muito
111
bom está num grupo onde as pessoas estão enfrentando problemas parecidos”, “Saber do sigilo
foi muito bom”.
No segundo encontro dois participantes precisaram manter a câmera desligado um por
conta do filho que estava doente e o outro devido à dificuldade com a conexão da internet.
Participaram mais dois novos integrantes que após suas devidas apresentações falaram sobre
suas expectativas em relação ao grupo psicoterápico que era ter acesso a ferramentas que
pudesses ajudar no enfrentamento da doença, assim como entender sobre as próprias emoções
e consegui organizar os pensamentos e entender o que está acontecendo consigo mesmo. Outros
integrantes disseram ter a intenção de conhecer a sim mesmo. Como pauta trabalhamos com o
tema insônia e falta de concentração quando o grupo trouxe algumas alternativas para resolver
esses problemas. Todos os participantes informaram não ter conseguido ler o texto sobre a
depressão e ficamos de comentar sobre ele no próximo encontro.
No terceiro e quarto encontro trabalhamos com a psicoeducação sobre a depressão
falando sobre o texto “lidando com a depressão” indicado como leitura após o primeiro
encontro. Iniciamos o entendimento sobre pensamento, sentimento e comportamento conforme
a teoria da terapia cognitiva comportamental. No atendimento tivemos como pauta falar sobre
as dificuldades encontradas com o sono, a procrastinação, falta de concentração e dificuldade
de relacionamento, além de trabalhar o pensamento automático “não vou me dar bem”, “não
vou conseguir” apresentado por uma das participantes quando se sentiu ansiosa. Também
falamos sobre o monitoramento de atividades tendo alguns participantes relatado dificuldade
de fazer por acreditar que não estão realizando muitas tarefas no seu dia a dia e ter resistência
de se deparar com essa realidade.
No quinto encontro alguns integrantes informaram sobre suas emoções e dos esforços
adotados para mudança de hábitos e planejamento de atividades. Neste encontro reforçamos o
entendimento entre pensamento, emoção e comportamento sendo apresentado uma lista de
distorções cognitivas comuns apresentadas por pessoas deprimidas.
No sexto encontro alguns integrantes justificaram ausência no encontro anterior por
conta de dificuldade de acordar no horário da sessão e da preocupação excessiva em relação as
coisas da faculdade e dificuldade de organização das próprias atividades. Falamos sobre
prevenção de recaída e trabalhamos com as distorções cognitivas estimulando o grupo na
identificação dos pensamentos e formulação de pensamentos alternativos através da avaliação
dos pensamentos automáticos identificados.

112
No sétimo encontro falamos sobre as avaliações preenchidas sempre ao início dos
encontros tendo os participantes assíduos aos encontros percebido significativa mudança nos
sintomas assim como na sua intensidade, assim como avaliamos o progresso na psicoterapia até
o presente momento tendo os participantes presentes informado perceber melhoras no humor
estando mais atentos sobre os pensamentos por trás de cada emoção negativa vivenciada.
Durante o encontro foi solicitado aos participantes formulação de lista de dificuldades com seus
respectivos motivos tendo os mesmos relatado sobre a tendencia de ficar tentando a todo o
tempo antecipar o futuro, sobre a indecisão, variação do humor e medo de enfrentar as próprias
dificuldades, além da dificuldade de controlar a alimentação, manter rotina, vida monótona por
desejar ter uma vida mais dinâmica, dificuldade de ficar só e se manter positivo.
No oitavo encontro um participante relatou perceber que o medo de tomar decisões
ainda persiste embora o choro frequente tenha melhorado significativamente, que estava se
sentindo mais tranquilo embora por vezes ainda muito ansioso. Relatou ainda apresentar
sentimentos de irritabilidade, perda de energia e alteração no apetite além de pensamentos
catastróficos persistentes o que mantinha a ansiedade elevada em algumas situações. Foi
relatado que após o grupo terapêutico tem sido mais fácil identificar os pensamentos, avaliando-
os o que tem lhe feito ser mais justa consigo mesma. No decorrer do encontro reforçamos as
técnicas que foram apresentadas até aqui e fizemos de forma coletiva um cartão de enfretamento
para os momentos que estivessem apresentando humor deprimido e também para momentos de
muita ansiedade.
No nono encontro utilizamos a técnica da seta descendente identificando crença de
incapacidade que reforçada através de muitos pensamentos automáticos tidos como verdadeiros
além de reforçar as técnicas que foram utilizadas até aqui e como tarefa de casa foi solicitado o
preenchimento do curtograma.
No décimo encontro tivemos um bom feedback sobre a significativa melhora no humor
embora ainda percebam necessidade de continuar evoluindo emocionalmente. Revisamos a
última tarefa de casa solicitada e falamos sobre a prevenção de recaída.
No grupo tivemos um total de 12 inscritos que foram selecionados para o grupo tendo 2
deles desistido antes mesmo do início das atividades, 3 participantes desistiram dentro dos 5
primeiros encontros por conta de trabalho e faculdade e mais 2 nos últimos encontros por conta
de dificuldade com a internet e falta de espaço privativo para participar das sessões semanais.
Percebemos ainda que as duas participantes com grau de ansiedade e sintomas depressivos

113
elevados tiveram mais dificuldades na adesão ao tratamento o que dificultou os resultados
esperados.
Em cada sessão foi possível observar, através dos instrumentos de avaliação (BDI e
BAI), uma melhora significativa nos padrões de humor dos participantes mais assíduos ao grupo
terapêutico, principalmente em relação aos sintomas relacionados a depressão. Através dessa
continua avaliação os participantes conseguiram desenvolver uma autopercepção clínica e
conseguiram identificar e interpretar a evolução. Neste processo foi possível estimular o
aprimoramento do repertório de autorregulação e prevenção de recaída, possibilitando mais
autonomia no processo terapêutico.
Outra estratégia importante utilizada foi o canal de comunicação via WhatsApp
utilizado pelos participantes do grupo entre sessões. Este ambiente virtual também funcionou
como rede de apoio entre os participantes, possibilitando acolhimento e suporte emocional entre
eles. Foi possível observar também um maior compartilhamento de informações sobre como
estavam se sentindo, assim como também, sobre as tarefas que estavam sendo propostas.

TÉCNICAS E FERRAMENTAS UTILIZADAS

Inventários BDI e BAI: instrumentos utilizados para medir a intensidade dos sintomas
relacionados a depressão e a ansiedade.
Psicoeducação: ações que buscam promover a conscientização a respeito de algum
transtorno mental e do funcionamento cognitivo de um indivíduo e/ou grupo.
Monitoramento e planejamento de atividades: É um cartão com os dias da semana
colocados na horizontal e com cada hora colocada na vertical do lado esquerdo. Tem como
objetivo possibilitar que o paciente consiga visualizar todas as suas atividades realizadas
fazendo com que consiga observar toda sua rotina entendendo que o fato de, muitas vezes, não
ter realizado tarefas importantes não significa que não tenha realizados tarefas funcionais no
seu dia.
Registro de Pensamentos: é uma minuta que ajuda o paciente a responder mais
efetivamente a seus pensamentos automáticos, reduzindo sua disforia. Tendo identificado uma
situação problemática, o terapeuta primeiro ajuda a identificar os pensamentos automáticos
específicos e as emoções associadas apenas através do questionamento verbal.
Cartão de Enfrentamento: são anotações que o paciente mantém por perto
(frequentemente em uma gaveta de escrivaninha, bolso, afixado em um espelho de banheiro,
114
refrigerador ou no painel de carro) sendo encorajado a lê-los em um período regular ou na
medida do necessário. Esses cartões podem assumir várias formas sendo uma delas projetar
estratégias comportamentais para usar em situações problemáticas específicas e compor
autoinstruções para motivar o paciente.
Seta descendente: técnica utilizada com objetivo de identificar as crenças centrais do
paciente sejam elas a respeito de si mesmo, dos outros ou do mundo.
Reestruturação Cognitiva: quando o paciente já aprendeu a diferenciar e a relacionar
sensações, pensamentos automáticos, emoções e comportamentos utilizando uma estratégia
diretamente ligada à modificação dos pensamentos.
Distorções Cognitivas: lista que apresenta diferentes tipos de distorções cognitivas, as
mais comuns, que sustentam as patologias com que nos defrontamos, de maneira que
consigamos permitir que elas sejam tratadas.
Curtograma: instrumento que o paciente a identificar o que gosta e o que não gosta de
fazer e o quanto se dedica a cada uma das atividades relacionadas.
Prevenção de Recaída: conjunto de técnicas utilizada com objetivo de preparar o
paciente para o término do tratamento e possível recaída. É quando o terapeuta prepara o
paciente para oscilações e retrocessos desde o início do tratamento, sendo menos provável que
o paciente reaja negativamente quando esses períodos ocorrerem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Terapia Cognitivo Comportamental em grupo constitui uma técnica eficaz para a


diminuição da sintomatologia e para reestruturação cognitiva do paciente resultando em um
ganho importante de habilidades para o enfrentamento da doença. O grupo, permite que um
número maior de pessoas se beneficia, mas nem os pacientes se adaptam a esta abordagem.
Alguns desafios foram apresentados ao longo do processo sendo um deles o número
limitado de sessões, além dos problemas relacionados a conexão de alguns integrantes do grupo.
O horário proposto foi bem desafiador considerando a presença do sintoma relacionado a
dificuldade com o sono apresentado pela maioria dos participantes o que trouxe como
consequência muitas faltas dos participantes que quiseram se manter até o último encontro.

REFERÊNCIAS

115
BECK, AARON. T. Terapia Cognitiva da depressão / Beck, Aaron T., A. John Rush, Brian
F. Shaw e Gary Emery; Trad. Sandra Costa – Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

KNAPP, P. et al. A Terapia Cognitivo-Comportamental na Prática Psiquiátrica. Porto


Alegre: Artmed, 2004.

116
Habilidades para a Vida
Modelo e aplicabilidade de uma e-Terapia de apoio psicossocial

O ato de ouvir exige humildade de quem ouve. E a humildade está nisso: saber,
não com a cabeça mas com o coração, que é possível que o outro veja mundos
que nós não vemos.
Rubem Alves –Psicanalista, do Livro: Ostra feliz não faz pérola.

A E-terapia “Promoção de Habilidades para a Vida” visa o desenvolvimento de


habilidades socioemocionais, um conjunto de competências e aptidões que ajudam as pessoas
a desenvolverem habilidades de enfrentamento, a desenvolver relacionamentos saudáveis,
minimizar do sofrimento, melhorando o bem-estar emocional e mental e aumentando a
qualidade de vida.
Inserido no Paradigma da Atenção Psicossocial, o E-terapias utiliza-se de equipe
multiprofissional e baseia-se nos princípios de promoção da saúde, proposto pela Organização
Mundial da Saúde, constituindo-se uma estratégia na redução de comportamentos de risco e
aumento dos cuidados com a saúde mental.
A e-terapia “Promoção de Habilidades para a Vida” trabalha as seguintes habilidades:
Autoconhecimento, Empatia, Comunicação eficaz, Relacionamentos interpessoais,
Autoestima, Resiliência, Capacidade para dizer não, Capacidade para pedir ajuda, Capacidade
de lidar com os sentimentos e emoções, e a prática da Gratidão. Atende ao público em geral
com sintomas de ansiedade/ depressão/ estresse e ou pensamentos recorrentes de morte.

HISTÓRICO

O referido projeto teve origem a partir dos diálogos entre docentes de saúde mental de
duas Universidades Públicas (Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC e da Universidade

117
de Brasília - UnB) e do anseio dessas pesquisadoras em contribuir com medidas de apoio
psicossocial para o enfrentamento da pandemia da COVID-19. O E-terapias teve como objetivo
utilizar tecnologia para minimização do sofrimento e promoção de bem-estar durante o
enfrentamento da pandemia causada pela COVID-19, por meio de ações de pesquisa e extensão.
Pelo fato de o isolamento social ser medida de controle no enfrentamento da COVID-19 durante
os anos de 2020 e 2021 e considerando impactos no período pandemia e pós-pandemia, o
projeto pretendeu se aprimorar no apoio psicossocial, frente aos crescentes problemas, como
depressão, estresse, ansiedade e risco de suicídio.
A E-terapia habilidades para a vida teve sua primeira edição em 2021.1, a segunda
edição em 2021.2, a terceira edição de 2023.2 e a quarta edição em 2023.2. Em cada edição
foram realizados onze encontros. As moderadoras no decorrer das quatro edições incluíram
uma psicóloga e duas enfermeiras, que foram foram auxiliadas por estudantes da UESC, que
atuavam como apoio técnico, no uso das tecnologias digitais e na mediação dos diálogos entre
moderadoras e participantes.

INTRODUÇÃO E BASE TEÓRICA

A vida apresenta bastantes desafios que estimulam a uma constante adaptação, em este
processo, surgem várias condições que podem favorecer de forma positiva essa mudança. A
adaptação é a habilidade mostrada do indivíduo que mediante a sua subjetividade se expressa
na construção de um ser social. Para isso ser possível, é necessário de uma troca coletiva, do
entorno entre si mesmo e o outro, para assim promover o bem-estar psicossocial, através de um
comportamento positivo cultural e social (UNICEF, 2017).
Essas construções se permeiam no direcionamento de habilidades psicossociais que são
direcionadas na arte de viver na coletividade em um contexto de cultura e sociedade. Esta é a
maneira ideal para o seu desenvolvimento ao qual permite a promoção do bem-estar pessoal e
social e proteção dos direitos humanos (UNICEF, 2017).
A partir dessa concepção, o termo Habilidades para a Vida implementado pela OMS no
ano de 1997, busca medidas de promoção e proteção à saúde mediante comportamentos que
possam promover um bom convívio social e redução do comportamento de riscos, mediante a
abordagem de assuntos em qual possa desenvolver habilidades nos âmbitos: cognitivos,
emocionais e sociais (Paiva, 2008).

118
A palavra chave para desenvolver as habilidades é a busca pela comunicação assertiva,
como fundamento para uma vida saudável onde se procure pelo manejo apropriado das emoções
e o uso de conhecimentos de habilidades apropriadas para a mediação de conflitos. Todo isso,
promove o estimulo a sensibilidade do indivíduo para com o outro, na direção para uma cultura
de paz (UNICEF, 2017).
Diante disso, o presente trabalho mostra ao leitor a importância da interação coletiva
mediante grupos terapêuticos que permitem a interação dos indivíduos, onde se permeiam as
trocas de vivencias e concepções sobre a vida e seus enfrentamentos. Para poder tornar esse
processo efetivo é necessário que a troca se dê mediante uma conversa franca sem julgamentos
(Cesar, Costa, 2018).
A disposição para um diálogo e a colaboração para que o mesmo se dê permite histórias
periféricas e perguntas reflexivas sobre o futuro e a alteridade, na escuta ativa as mudanças. A
experiência na coletividade tira o lugar da verdade, porém leva ao lugar do outro em forma
empática sem abrir mão da sua experiência individual (Cesar, Costa, 2018).
É necessário que todos os integrantes do grupo possam criar questionamentos e buscar
a melhor forma de explicar ou descrever a situação mostrada, procurando no outro a
curiosidade, que adicione perguntas ideias e questionamentos diante o assunto que seja
abordado, mantendo uma escuta ativa (Cesar, Costa, 2018).
A atividade grupal não é o somatório de indivíduos; mas é a parte importante onde todos
os integrantes se juntam para com um objetivo em comum. É importante que a terapia grupal
possa haver planejamento prévio que proporcione uma adequação com as vivências de forma
flexível onde ermita uma contextualização com seu cotidiano para ser mais interessante e que
desperte aspectos afetivos, cognitivos e sociais próprios do comportamento humano (Pinheiro,
2014).
O profissional de saúde que media os grupos terapêuticos tem que permitir a fala e a
escuta ativa, prestando atenção a comunicação verbal e não verbal dos integrantes, o mesmo
permite que a história do cliente possa ser contada de forma fluida sem interrupção, após isso a
equipe de forma reflexiva deve reservar um tempo para formular as reflexões para a partilha
com os demais usuários. O professional atua como o mediador e inovador de ideias libertadoras,
que permitem novas concepções do que foi vivido como problema. Para isso tem que ter um
planejamento eficaz (Cesar, Costa, 2018).
PRINCÍPIOS

119
Os grupos terapêuticos funcionam através de princípios que fortaleçam o SUS e faz que
a política Nacional de HumanizaSUS seja implementada, a troca entre participantes e
professionais são elos que fortalecidos permite a compreensão do conceito de saúde definido
pela OMS (1946) como “saúde como um estado de completo bem-estar físico, mental e social,
e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade” (BRASIL, 2021). Dessa maneira
podemos discorrer sobre princípios que permeia nos grupos terapêuticos tais como:
Integralidade: Buscar mediante esse princípio um olhar voltado a saúde mental como
parte importante na integralidade do indivíduo, promovendo ações de promoção e prevenção,
Habilidades para a Vida busca implementar ações que empodere aos participantes uma melhor
qualidade de vida diante o olhar na saúde mental (BRASIL, 2023).
Acolhimento: Acolher é receber a demanda compartilhada no grupo, como legitima. A
dinâmica grupal compartilha de forma respeitosa cada demanda mediante trocas de saberes,
para assim permitir que o outro se sinta que são permitidos vínculos terapêuticos entre os
participantes (BRASIL, 2013).
Escuta ativa: O agrupamento dos participantes tem que permitir a troca de saberes a
comunicação eficaz assim como uma escuta ativa pelos mediadores, promover um diálogo
eficaz permite a abertura de saberes e reflexões (Macedo et al., 2018).

ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO GRUPO

A formação do grupo é essencial para que a e-Terapia possa acontecer, podendo ser
caracterizada como uma das etapas mais importantes. Para que essa formação ocorra de maneira
eficaz, são empregados diversos meios com o objetivo de dar visibilidade ao projeto,
alcançando assim um número significativo de inscritos.
Para divulgar a e-Terapia, são empregadas estratégias como a realização de lives,
seminários, talk-shows e, principalmente, a publicação de conteúdos online na plataforma
digital "Instagram". Esta última se destaca como um eficiente canal de comunicação com a
população e uma forma viável de atingir potenciais participantes.
Uma vez divulgada a e-Terapia, o processo de inscrição é iniciado. O formulário de
inscrição abriga questões de relevância, tais como a experiência prévia do inscrito com e-
Terapia, informações pessoais como nome, sexo, idade, ocupação, vínculo com a UESC,
orientação sexual, religião, motivação para participar da e-Terapia, perspectivas em relação à

120
e-Terapia, entre outras. Essas perguntas constituem meios para conhecer o inscrito e avaliar se
ele se enquadra nos critérios de inclusão.
A partir dos dados coletados no formulário de inscrição, as moderadoras assumem a
responsabilidade de selecionar os inscritos que atendem aos critérios de inclusão estabelecidos.
Dentre esses critérios, pode-se mencionar a faixa etária como um exemplo de critério de
exclusão, uma vez que a e-Terapia, devido à natureza dos temas discutidos, como o sofrimento
psíquico, pode não ser adequada para crianças.

ASPECTOS TÉCNICOS E MÉTODOS UTILIZADOS

O grupo terapêutico virtual é constituído por dois profissionais da área da saúde mental,
estes que são considerados os moderadores, e um apoio técnico, geralmente um estudante. Os
encontros são realizados através da Plataforma Google Meet, semanalmente, com duração de 1
hora por encontro, no período de 3 meses.
Nesse contexto, o apoio técnico é considerado um observador participante, e tem um
papel fundamental para a realização dos encontros terapêuticos, pois é responsável por co-
desenvolver escuta e diálogos terapêuticos, registrar conteúdos grupais em diário de campo, e
manter a organização e funcionamento do grupo.
Suas principais funções serão descritas a seguir.

a) Levantamento e seleção dos inscritos: Como passo inicial, é importante que o


apoio técnico realize o levantamento dos inscritos na e-Terapia através da planilha de inscritos
disponibilizada no site de inscrição, e enviar para as moderadoras.
b) Avaliação dos inscritos: As moderadoras são responsáveis por selecionar os
inscritos aptos para a participação na e-Terapia considerando os critérios inclusivos. É
importante que as moderadoras do grupo avaliem quais são os inscritos que satisfazem os
critérios para a participação da e-Terapia, dada as circunstâncias dos assuntos discutidos no
grupo, a exemplo o sofrimento psíquico. Nesse sentido, um critério de exclusão para a HV é a
faixa etária, não sendo indicado para crianças.
c) Criação do canal de comunicação: Uma vez selecionados os inscritos aptos para
a participação da e-Terapias através dos moderadores, é importante a criação de um canal de
comunicação, que deve ser rápido e eficiente, onde a troca de comunicação entre os

121
participantes e moderadores seja eficaz. Este canal será utilizado para avisos, a disponibilização
do link de acesso da e-Terapia, para resolução de problemas e demandas que possam surgir ao
longo dos encontros, como por exemplo a necessidade de adiar um encontro. O apoio técnico é
responsável por criar o canal de comunicação, inserir os participantes e moderadores no grupo,
manter a organização do grupo, responder dúvidas e perguntas dos participantes, enviar o link
de acesso e informar sobre o início das reuniões, além de outras demandas que possam surgir.
Sugere-se como canal de comunicação o WhatsApp ou Telegram, visto a facilidade de uso e
eficiência na visualização das mensagens, uma vez que são aplicativos bastante utilizados pela
população e de fácil acesso.
d) Criação do link de acesso dos encontros: A plataforma utilizada para os
encontros virtuais é o Google Meet. É dever do apoio técnico criar o link da sala virtual, e
disponibilizar no canal de comunicação para as moderadoras e os participantes. Ademais, é de
sua responsabilidade abrir as salas de encontro (de preferência, com cinco minutos de
antecedência do início da reunião), e ao final do encontro, fechá-las.
e) Controle de entrada na sala virtual: A pontualidade é um fator importante para a
manutenção do encontro, visto que toda reunião possui somente 1h de duração. Nesse sentido,
serão permitidos tolerância de apenas 20 minutos de atraso, passado o tempo estabelecido, não
será permitida a entrada do participante na sala virtual. É dever do apoio técnico realizar essa
monitoração.
f) Controle de frequência: O grupo terapêutico Habilidades para Vida possui
critérios para a participação. O inscrito que não participou das duas primeiras reuniões, será
impedido de participar das restantes pois não conseguirá acompanhar as dinâmicas utilizadas
com o grupo. É dever do apoio técnico controlar a entrada dos participantes na sala de encontro
virtual de acordo com o critério citado anteriormente, e anotar a frequência de participação dos
inscritos. Para isto, sugere-se a utilização da planilha Excel. A lista de frequência deve ser
encaminhada para as moderadoras ao final de toda reunião.
g) Diário de campo: o diário de campo é um instrumento no qual é possível registrar
informações de acontecimentos importantes e relevantes das reuniões, reflexões e impressões
pessoais, e qualquer outra anotação julgada importante. É dever do apoio técnico alimentar o
seu diário de campo frequentemente, uma vez que os conteúdos emergentes dos diários também
servirão de material para análise dos dados e futuras publicações científicas, na forma de relato
de experiência e de estudo descritivo das narrativas.

122
O apoio técnico pode fazer o seu diário de campo em cadernos, blocos, folhas, em
aplicativos virtuais, mas sugere-se o aplicativo do Google Drive, uma vez que as informações
ficam salvas no computador, sem risco de perdê-las.

POSSÍVEIS ENQUADRES TERAPÊUTICOS

O projeto em periodicidade semanal e utiliza a tecnologia dos aplicativos Google Meet


e WhatsApp para realização dos encontros virtuais. É uma tecnologia de cuidado, pautada no
acolhimento aos sujeitos que sofrem, que se estabelece entre participantes e profissionais de
saúde, na construção de uma horizontalidade nas relações, em uma atmosfera colaborativa
fundamentada na escuta e diálogo.
As seguintes regras foram elaboradas para o estabelecimento de um ambiente de
confiança, acolhimento e reciprocidade.

1. Todos os conteúdos compartilhados no grupo são de caráter sigiloso, pautados na


relação de confiança estabelecida entre os membros.
2. Porque os conteúdos são de caráter sigiloso, pedidos que o participante esteja sozinho
no ambiente em que participa dos encontros.
3. Importante manter as câmeras ligadas para possibilitar a confiança de todo o grupo
4. Sempre que possível recomendamos a utilização de fones de ouvido.
5. Caso algum familiar precise adentrar no ambiente, e o participante não estiver usando
fones, pedimos que abaixe o volume do seu dispositivo.
6. Nossa e-terapia começará pontualmente no horário e tem duração de 1 (uma) horas).
7- A sala é aberta 10 minutos antes do horário de início.
8- Após o horário estabelecido para início temos 15 minutos de tolerância para entrada
dos participantes. Um atraso superior ao estipulado impossibilita a participação uma vez que o
integrante perdeu a explicação inicial da dinâmica do dia.
9- Podem usar o chat da sala para comentar algo que está sendo dito. Essa ferramenta
permite a interação entre os participantes sem que ocorra interrupção d
10- Tempo consciente de fala. Estabelecido pelo próprio participante levando em conta
a duração total do encontro e a quantidade de participantes.
11- Em todos os encontros vamos exercitar: Confiança, Respeito, Acolhimento e
Empatia.

123
TEMAS TRABALHADOS

Primeiro encontro: Apresentação

É importante que as pessoas de um grupo se conheçam pois o conhecimento mútuo


dentro de um grupo facilita o funcionamento eficaz, o fortalecimento, a coesão e o sucesso
desse grupo. Esse momento inicial de apresentação possibilita uma compreensão mais profunda
das personalidades, experiências, valores e motivações uns dos outros. À medida que os
membros conhecem uns aos outros, desenvolvem laços mais fortes, o que aumenta a
solidariedade e o senso de pertencimento ao grupo.
Entendendo que é importante conhecer as pessoas além de suas profissões e títulos
acadêmicos no momento inicial de apresentação pede-se que o participante apresente-se de uma
forma diferente da convencional: pedindo que ele fale seu nome e a história de como ele recebeu
esse nome.
Essas histórias trazem sempre informações valiosas sobre cada um dos participante
permitindo a humanização pois quando nos concentramos apenas nas profissões e títulos
acadêmicos de alguém, podemos desumanizá-los, vendo-os apenas como um conjunto de
habilidades ou realizações. Conhecer uma história do início da vida de uma pessoa possibilita
refletir que todos têm emoções, histórias de vida e experiências pessoais.

Habilidades Trabalhadas:

 Autoconhecimento
O autoconhecimento é o ponto de partida para o crescimento pessoal leva a
autenticidade existencial. No início do encontro são lançadas as seguintes perguntas: Quais
foram pontos positivos e negativos da sua infância? Você acha que os pontos citados
influenciaram na formação da sua personalidade? De que modo esses acontecimentos ainda
estão presentes em sua vida?

 Empatia

124
A empatia desempenha um papel fundamental em promover relacionamentos saudáveis,
comunicação eficaz, resolução de conflitos, inclusão social, bem-estar pessoal e contribuição
positiva para a sociedade. É uma qualidade essencial que pode ser desenvolvida e cultivada ao
longo da vida.
O encontro sobre empatia começa sempre com um vídeo ou com uma história. Em
seguida, o tema é aberto para que todos os membros do grupo participem de uma discussão
sobre o que é empatia. Outra abordagem para explorar essa temática é convidar os participantes
a compartilharem uma situação que os deixou com raiva e, em seguida, incentivá-los a refletir
sobre a perspectiva da outra pessoa envolvida na situação. Após o relato da situação a reflexão
é proposta da seguinte forma: “Você consegue ser empático com a pessoa que fez com que você
sentisse muita raiva? O que pode ter acontecido ou estar acontecendo na vida daquela pessoa
para elas terem agida daquela forma com você?”
No encontro sobre Empatia propomos que os participantes assistam, posteriormente, ao
filme “Crash- No Limite” e analise as personagens Jean Cabot (Sandra Bullock) e o Policial
John Ryan (Matt Dillon) com olhar empático tentando compreender o que os leva a agir da
forma como agem.

 Relacionamentos interpessoais
Através dos relacionamentos interpessoais, aprendemos sobre nós mesmos e como nos
relacionamos com os outros. Isso pode levar ao crescimento pessoal, autoconhecimento e
autoconsciência.
Nesse encontro os participantes relatam experiências dobre relacionamentos, situações
de conflitos e discorrem sobre pessoas com as quais não consegue se relacionar bem, mesmo
sendo uma pessoa amada.

 Comunicação eficaz
Relacionamentos interpessoais bem-sucedidos dependem de uma comunicação eficaz.
Quando compreendemos como as pessoas se comunicam, podemos melhorar nossa capacidade
de transmitir nossas ideias, ouvir atentamente e resolver conflitos de maneira construtiva.
Nesse encontro trabalhamos a importância da escuta e abordamos alguns princípios da
Comunicação Não-Violenta (CNV) do psicólogo americano Marshall Bertram Rosenberg.

 Autoestima

125
Autoestima é a avaliação subjetiva que uma pessoa faz de si mesma. É a percepção,
crença e valorização que alguém tem em relação a sua própria autoimagem e autovalor. Está
intimamente relacionada à autoconfiança e à autoaceitação. Quando uma pessoa possui uma
autoestima saudável, ela tende a ter uma visão positiva de si mesma, acredita em suas
capacidades e valoriza quem é. Esse é um dos poucos encontros com apresentação de slides,
onde o tema é abordando. No entanto, a fala dos participantes tem sempre prioridade sobre a
apresentação. Ao final do encontro indica-se o filme It’s a Wonderful life (A felicidade não se
compra), produzido e dirigido por Frank Capra (1946).
 Resiliência
Resiliência é a capacidade de uma pessoa ou de um sistema de se recuperar ou se adaptar
após enfrentar adversidades, desafios ou situações de estresse. É a habilidade de resistir à
pressão, superar dificuldades, se adaptar a mudanças e, crescer com as experiências
desafiadoras. Nesse encontro pedidos que os participantes relatem situações difíceis que
viveram e como superaram.

 Capacidade para dizer não


Dizer "não" requer que o sujeito conheça seus próprios limites, necessidades e objetivos,
envolve autoconhecimento e o entendimento de si mesmo. Também permite que você
estabeleça limites pessoais, matenha o foco em suas prioridades, A capacidade de dizer "não"
demonstra autonomia. O tema é apresentado e aberto para reflexões do grupo e relatos de
experiências.

 Capacidade para pedir ajuda


Pedir ajuda pode ser uma oportunidade de crescimento pessoal além de uma forma de
adquirir conhecimento e experiência de outras pessoas que podem ter uma compreensão mais
profunda ou experiência em uma área específica. Requer humildade, autoconhecimento e a
capacidade de admitir que não temos todas as respostas. Nesse encontro refletimos sobre as
dificuldades que os participantes têm de pedir ajuda e a necessidade de desenvolver essa
capacidade que pode diminuir o estresse da vida cotidiana, cria laços mais fortes e conexões
mais profundas.

 Lidar com os sentimentos e emoções

126
O conhecimento, o equilíbrio e a gestão de emoções podem ajudar a promover o bem-
estar emocional e mental. Nesse encontro trabalhamos quanto emoções básicas. São elas:
alegria, tristeza, raiva e medo. Partindo do princípio de que as emoções existem por uma razão
pede-se aos participantes que reflitam sobre o lado positivo e negativo de cada uma dessas
emoções.

 Gratidão
A prática da gratidão está associada a níveis mais elevados de satisfação e felicidade.
Quando o participante se concentra no que é bom em sua vida, ele tende a experimentar
emoções mais positivas. Estudos sugerem que a gratidão pode ter benefícios para a saúde física,
como um sistema imunológico mais forte, pressão arterial mais baixa e um sono de melhor
qualidade. Nesse encontro pedimos participantes que listem motivos pelos quais são gratos.

MANEJO DAS RESISTÊNCIAS

Por se tratar de um grupo terapêutico on-line, composto por pessoas de diversas regiões,
que geralmente não possuem vínculos prévios, podem surgir algumas resistências. Isso pode se
manifestar na forma de não participação das atividades propostas, seja em não comentar durante
as reuniões, não realizar as tarefas sugeridas pela moderadora e faltas frequentes.
Para lidar com essas situações, a moderadora enfatiza, tanto no primeiro encontro
quanto sempre que necessário, a importância da segurança do ambiente. É crucial deixar claro
que o espaço é seguro e acolhedor, e que as informações compartilhadas ali não serão
divulgadas em momento algum. Isso é fundamental para que os participantes se sintam à
vontade para compartilhar suas experiências e sentimentos.
A frequência regular se faz importante pois possibilita a criação de laços. Isso, por sua
vez, facilita a abertura emocional e a confiança necessárias para compartilhar experiências e
sentimentos pessoais. Dessa forma, a presença consistente nos encontros do grupo é de extrema
importância, dada a sua relevância para o desenvolvimento do processo terapêutico. Nesse
sentido, as faltas frequentes podem impactar negativamente na capacidade de acompanhar as
dinâmicas do grupo e no não desenvolvimento das relações com o grupo.

APLICAÇÕES DO GRUPO

127
A dinâmica grupal de Habilidades para a vida é viável e muito eficaz, podendo ser
presencial ou online, diante os avanços das redes e o uso da tecnologia divulga em forma eficaz
atingindo o público proposto. Assim afirmamos que é uma modalidade terapêutica eficaz, de
baixo custo e viável para qualquer espaço geográfico, principalmente se for implementado de
forma em encontros virtuais.

COMENTÁRIOS FINAIS

O presente capítulo é resultado de um gratificante projeto de pesquisa-ação, que trouxe


bons resultados, a adesão da comunidade e a credibilidade permitiu o fortalecimento das
práticas grupais. O presente trabalho também evidenciou a importância do planejamento assim
como ações estratégicas para com o grupo. Evidenciamos também a alta demanda dos serviços
com respeito a saúde mental, e como a universidade pública pode retribuir de forma eficaz sua
responsabilidade social com a população.

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Sobre o ouvir. Ostra feliz não faz pérola. São Paulo: Planeta do Brasil,
2008

BRASIL. Ministério da Saúde. O que significa ter saúde?. Disponível em:


https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/eu-quero-me- exercitar/noticias/2021/o-
que-significa-ter-saude. Acesso 3 de outubro, 2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização PNH. 1ª. Edição.


Brasília, 2013. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_humanizacao_pn h_folheto.pdf.
Acesso 3 d outubro, 2023.

BRASIL. Ministério da Saúde. Sistema Único de Saúde. Disponível em:


https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-
z/s/sus#:~:text=Integralidade%3A%20este%20princ%C3%ADpio%20considera%20as,o%20t
ratamento%20e%20a%20reabilita%C3%A7%C3%A3o. Acesso 3 de outubro, 2023.

CAPRA, F. A Felicidade não se Compra. Título original: It ́s a Wonderful Life. 1947.


Roteiro e Direção de Frank Capra. Distribuído pela Paramount.

128
CESAR, C. C. F; COSTA, J. S. Terapia familiar sistêmica. Londrina: Editora e
Distribuidora Educacional S.A., 2018.

LIMITE, Crash–No. "Directed by Paul Haggis." São Paulo: Imagem Filmes 1 (2005).

MACEDO, S.; SOUZA, G. W. de; LIMA, M. B. A. Oficina de desenvolvimento da escuta:


prática clínica na formação em psicologia. Rev. abordagem gestalt., Goiânia , v. 24, n. 2, p.
123-133, ago. 2018. Disponível em &l
t;http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S1809-
68672018000200002&amp;lng=pt&amp;nrm=iso&gt;. acessos em 10 out. 2023.

PAIVA, F. S. de; RODRIGUES, M. C. Habilidades de vida: uma estratégia preventiva ao


consumo de substâncias psicoativas no contexto educativo. Habilidades de vida: uma
estratégia preventiva ao consumo de substâncias psicoativas no contexto
escolar. Estudado. pesca. psicol. , Rio de Janeiro, v. 3, dez. 2008. Disponível em
&lt;http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S1808-
42812008000300009&amp;lng=pt&amp;nrm=iso&gt;. acessos em 3 out. 2023.

PINHEIRO, A. F. S. Técnicas e dinâmicas de trabalho em grupo. Montes Claros: Instituto


Federal do Norte de Minas Gerais, 2014.

UNICEF. Habilidades para la vida. Herramientas para el #BuenTrato y la prevención de la


violencia. UNICEF: Venezuela, 2017. Disponivel em:
https://www.unicef.org/venezuela/informes/habilidades-para-la-vida- herramientas-para-el-
buentrato-y-la-prevenci%C3%B3n-de-la-violencia. Acesso em: 29 de setembro 2023.

129
Mulheres: vidas em tempo de pandemia.

O Grupo da e-terapia “Mulheres: vidas em tempos de pandemia” é uma alternativa de


atendimento on-line, na perspectiva de oferecer acolhimento e escuta às mulheres, durante a
pandemia, época em que elas sofreram os impactos do isolamento social e do cuidar familiar e
doméstico. A metodologia consistiu em aplicar a técnica da Terapia Comunitária Integrativa
(TCI).
A TCI foi criada pelo Dr. Adalberto de Paula Barreto, antropólogo, psiquiatra e
professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Em 1983, ele criou o projeto de extensão
“Quatro Varas” na favela de Pirambu, em Fortaleza, com o intuito de inserir os seus alunos no
contexto da comunidade. A partir desse projeto desenvolveu-se o Movimento Integrado de
Saúde Mental (MISMEC/CE), visando promover saúde mental na comunidade no intuito de
implantar um cuidado mais integrativo, distanciando-se do modelo biomédico. Esse movimento
contribuiu para a criação da TCI, em 1987 (Barreto, 2011; Silva, 2016). Atualmente, essa
abordagem terapêutica já se expandiu para diversos outros países do mundo e no Brasil já está
oficialmente inserida na Política Nacional de Prática Integrativas e Complementares, desde
2017, e vem sendo reconhecida como uma importante ferramenta de intervenção psicossocial,
sendo complementar aos serviços de saúde (Brasil, 2017; Valério et al., 2017).
Na TCI, o termo “terapia” significa acolher, servir, atender; “comunitária” se refere à
união de duas palavras: comum e unidade. Tem a ver com o que é comum entre pessoas com
as mesmas características e locais onde vivem; já a palavra “integrativa” indica a abrangência
dos diversos saberes associando o saber científico ao saber popular (Barreto; Lazarte, 2013).
A TCI possibilita a dialogicidade, a escuta e a partilha. Os participantes tornam-se
terapeutas de si mesmos e dos outros, o que permite as resoluções dos conflitos familiares e
pessoais de forma coletiva (Felipe et al., 2020). Nesse espaço, as experiências de vida são
valorizadas, há o resgate da identidade cultural, restauração da autoestima e das redes solidárias
(Barreto; Lazarte, 2013).

130
Além disso, valorizando a particularidade de cada um, a TCI restitui a identidade das
pessoas quando elas percebem semelhanças dos outros em suas vidas. À medida em que a
história de cada um é apresentada, estimula as recordações das histórias de vida dos outros,
acontecendo a inclusão social (Barreto, 2011). Por ser desenvolvida no próprio território, com
a comunidade, a terapia estimula a formação de redes sociais e a solidariedade (Valério et al.,
2017).
A terapia é estruturada por regras precisas, permitindo que a partir dos problemas
compartilhados apareçam diversas estratégias de enfrentamento para as circunstâncias
cotidianas. Por isso, ela fortalece o empoderamento e o senso de pertencimento dos
participantes (Barreto et al., 2011).
Além de ser um espaço aberto às trocas de sabedoria e experiências da comunidade, a
TCI resgata a autonomia dos participantes, transformando as suas carências em competências,
o que proporciona a resiliência, por meio das ressignificações das dores e perdas (Barreto,
2010).
A comunicação é uma estratégia muito importante utilizada nessa prática, pois é a fala
que possibilita dar voz às emoções dos participantes, sendo considerada um recurso terapêutico,
permitindo que as pessoas tomem consciência de seus problemas e recebam o apoio do grupo
(Silva et al., 2020).
A TCI proporciona aos participantes o resgate da autoconfiança, por estimular o
desenvolvimento e fortalecimento da capacidade de cada um lidar com seus problemas e
mudanças da vida (Barreto, 2011; Oliveira et al., 2017). Além disso, essa estratégia de cuidado
estimula as competências e os saberes dos participantes, sendo que cada um pode se tornar
capaz de superar os seus problemas (Silva et al., 2020).
A terapia foi criada originalmente para ser realizada em forma de “roda” e
presencialmente. A roda nada mais é do que um formato de círculo onde todas as pessoas podem
se ver e ocuparem uma mesma posição, naquele espaço físico. Esse formato original propicia a
integração e a formação de vínculos entre as pessoas. Além disso, o contato visual e corporal
facilita a comunicação verbal e não verbal.
Entretanto, durante a pandemia de COVID 19, a TCI precisou ser adaptada para atender
as pessoas que enfrentavam o distanciamento social imposto na época. Assim, houve
necessidade de assumir e utilizar os espaços nas redes de conexão com a internet. O criador da
terapia, juntamente com terapeutas da Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa

131
(ABRATECOM), começaram a desenvolver Rodas Virtuais e perceberam que os efeitos
positivos da terapia ocorriam também no modelo virtual (Barreto et al., 2011).
No que diz respeito ao presente trabalho, pesquisadores da Universidade Estadual de
Santa Cruz (UESC) e Universidade de Brasília (UNB), juntamente com profissionais da Rede
de Saúde Mental de Ilhéus desenvolverem um projeto de pesquisa-ação de apoio psicossocial
intitulado “Efetividade das e-terapias psicossociais no enfrentamento da COVID 19” por serem
terapias executadas de forma on-line (Souza et al., 2021).
No desenvolvimento e formulação deste projeto, docentes e bolsistas da UESC e UNB,
foram agregando-se até a idealização da proposição das Rodas virtuais com mulheres,
utilizando-se da abordagem psicossocial da TCI.
As Rodas Virtuais com mulheres tiveram impactos positivos na vida delas apontados
por depoimentos no final de cada roda.

HISTÓRICO

Em dezembro de 2019, surgiu a pandemia da COVID-19, que teve início em Wuhan,


China, e rapidamente espalhou-se por todo o mundo trazendo repercussões danosas à vida das
pessoas, como o alto índice de mortalidade, e impondo à população medidas restritivas de
isolamento social, dentre outras.
Diante deste cenário, ficou evidente o aumento do sofrimento mental das pessoas, com
a exacerbação de sentimentos como o medo, a ansiedade e a depressão havendo a necessidade
de desenvolver estratégias de apoio psicossocial de forma virtual. Nessa perspectiva, insere-se
o projeto das “E-terapias” (Souza et al., 2021).
A modalidade da e-terapia intitulada “Mulheres: vidas em tempos de pandemia” surgiu
de uma demanda percebida por uma das moderadoras, que já atendia como psicóloga de forma
presencial, mulheres em situação de vulnerabilidade social em um bairro do município de
Ilhéus. Essas mulheres enfrentavam dificuldades emocionais, com maior prevalência de
sentimentos de medo e angústia relacionados às questões de relacionamentos afetivos-
familiares e dependência financeira.
A ansiedade e a insegurança eram evidentes diante dos desafios que surgiam quando
elas buscavam explorar outras perspectivas além do papel tradicional de cuidado doméstico e
familiar. Com a chegada da pandemia, os atendimentos presenciais tiveram que ser suspensos.
Afortunadamente, depois de alguns meses, o grupo de pesquisa-ação da UESC/UNB foi criado.

132
A oferta dos atendimentos às mulheres pôde ser transformada em atendimento online através
deste projeto da E-terapias de apoio psicossocial.
As mulheres em sua maioria, vivenciam a sobrecarga de trabalhos domésticos, os
cuidados com a casa, com os filhos e com a saúde, a violência doméstica, as dificuldades
financeiras, e a responsabilidade de prover a casa com poucos recursos. Durante a pandemia,
todos estes aspectos intensificaram-se, aumentando assim o sofrimento mental das mulheres.
Diante desse contexto e do impedimento de realizar atendimentos de forma presencial,
foi importante a criação do grupo de mulheres visando a promoção do apoio psicossocial,
fundamentado na escuta, interação e acolhimento. O uso de tecnologias digitais permitiu a
adesão de mulheres de todo país e facilitou a participação de todas, por estarem isoladas em
seus ambientes domésticos. A Terapia Comunitária Integrativa (TCI) foi escolhida porque uma
das moderadoras é terapeuta comunitária e já desenvolvia esta abordagem terapêutica de forma
presencial. Foram feitas adaptações no sentido de adequá-la ao formato remoto tendo o cuidado
de manter as regras e a metodologia proposta pelo autor da TCI.

BASE TEÓRICA DA TCI

A Terapia Comunitária Integrativa traz em sua base teórica cinco eixos, a saber:
Pragmática da Comunicação Humana; Antropologia Cultural; Pedagogia de Paulo Freire;
Pensamento Sistêmico; e entendimento psicossocial do conceito de Resiliência (Barreto, 2011).
A Pragmática da Comunicação Humana, de Watzlawick, Helmick e Jackson (1967) traz
algumas regras sobre comunicação importantes para a TCI, como: 1) Todo comportamento
comunica algo; 2) Toda comunicação é composta pela mensagem e pela relação entre os
interlocutores; 3) Toda comunicação depende da pontuação; 4) Toda comunicação tem duas
formas de expressão: a comunicação verbal e a comunicação não-verbal; e 5) A comunicação
pode ser baseada na semelhança e na diferença. Além disso, a TCI se fundamenta na
observação da linguagem verbal e não verbal evidenciada na teoria da comunicação.
A Antropologia Cultural é vista como um resgate da nossa cultura, considerada o
arcabouço da identidade dos humanos. Dentro de um grupo social, os membros adquirem
habilidades para pensar, avaliar e tomar decisões de acordo com o referencial cultural em que
vivem (Barreto, 2011). A TCI ressalta que a transformação social ocorre quando há o
entrelaçamento do conhecimento científico com o saber popular (Braz et al., 2017).

133
A pedagogia de Paulo Freire direciona o terapeuta da TCI a exercer um papel de
mediador entre o aprendiz e o produto do aprendizado. Paulo Freire nos lembra que ensinar não
é apenas transferência de conhecimentos, assim como o terapeuta de TCI considera que não
cabe no processo terapêutico a prática de aconselhar e/ou julgar. Tal qual recomenda Paulo
Freire, a TCI valoriza o diálogo, a reciprocidade, a troca de conhecimentos entre as pessoas.
Para Paulo Freire o conhecimento não está separado do contexto de vida (Barreto, 2011; Freire,
1997; 2003).
O Pensamento Sistêmico permeia a prática da terapia, na medida em que considera que
crises e problemas são partes de uma rede complexa, que ligam e relacionam as pessoas num
todo, que envolve o biológico, o psicológico e o sociocultural. Desse modo, o pensamento
sistêmico nos diz que somos interdependentes, tanto com os membros da nossa comunidade
como de outras diferentes e que por isso sempre existe uma possibilidade de transformação
(Barreto, 2011; Vasconcelos, 2002).
O conceito de Resiliência fundamenta os objetivos da TCI na medida em que
desenvolve atividades em grupo que fortalecem os vínculos entre os participantes em busca de
novas formas de enfrentamento dos problemas. A resiliência é a capacidade humana de superar
dificuldades ou de transformar a realidade, adaptando-se às adversidades a partir de forças
internas e de condições externas favoráveis a esse acontecimento (Rocha et al., 2013; Braga et
al., 2013)

ASPECTOS TÉCNICOS E METODOLÓGICOS

Todas as modalidades da pesquisa-ação UESC/UNB, foram divulgadas no site do


projeto, disponível na página da UESC e também através das redes sociais (instagram, facebook
e whatsapp). As pessoas interessadas em participar faziam sua inscrição pelo site e,
posteriormente, os bolsistas responsáveis pelo apoio técnico, listavam os nomes dos inscritos e
encaminhavam aos moderadores para que fossem conferidos os critérios estabelecidos para
inserção no grupo. Aqueles que atendiam aos critérios eram inseridos em grupos do whatsapp
da respectiva e-terapia, através dos quais eram informadas as datas de início dos grupos e
disponibilizado o link de acesso à sala do Google meet. Além disso, também foi enviado um e-
mail confirmando a participação na e-terapia.
Para realização da e-terapia “Mulheres: vidas em tempo de pandemia”, a metodologia
escolhida foi a Terapia Comunitária Integrativa (TCI). O autor dessa abordagem terapêutica

134
percebeu, durante as suas vivências em uma favela de Fortaleza (CE), que muitas pessoas não
tinham espaço de escuta para os seus sofrimentos e por isso, tentavam minimizá-los apenas com
o uso de medicação. Então, criou a TCI para ser um espaço onde as pessoas, utilizando-se da
linguagem verbal e corporal, pudessem expressar seus problemas, angústias e sofrimentos,
percebendo que essa estratégia contribuiu para promoção da saúde mental naquela comunidade.
A utilização da TCI com as mulheres possibilitou a formação de um grupo on-line, onde
elas puderam partilhar as suas inquietações e encontrar espaço de escuta e acolhimento, que
aliviaram os seus sofrimentos.
Este trabalho refere-se a três edições da e-terapia de mulheres a saber: primeiro e
segundos semestres de 2021, e segundo semestre de 2022. O período de duração de cada versão
da e-terapia foi de em média 3 meses, totalizando aproximadamente de 10 a 15 encontros.

Formação do grupo de mulheres

As inscrições foram realizadas através do site do e-Terapias. Os critérios de seleção


foram: ser mulher, com idade de 20 a 59 anos, residente em todo território nacional e que tivesse
acesso a internet e ao google meet. Na primeira versão da e-terapia, em 2021.1, foi estipulado
um número de até 30 participantes, pois havia um receio por parte das moderadoras de não
conseguir acompanhar todas as mulheres inseridas no grupo. Nas outras versões, não havia uma
quantidade estipulada de participantes e nem do quantitativo de rodas que deveriam participar.
A e-terapia de mulheres era realizada uma vez por semana, tinha duração de uma hora
e meia a duas horas, utilizando-se a plataforma google meet. A moderação do encontro era
realizada por uma enfermeira com curso de formação em Terapia Comunitária, uma co-
terapeuta psicóloga e ainda contava com o apoio técnico de uma estudante do curso de
enfermagem da UESC, bolsista do projeto.
Após a realização do encontro, o terapeuta, o coterapeuta e a bolsista registraram suas
experiências em forma de diário de campo, que serviram para a produção do relatório da
pesquisa-ação, como também de manuscrito, resumos para a apresentações em eventos
científicos e este E-book.

Dinâmica da e-terapia de Mulheres (do grupo)

A condução da e-terapia “Mulheres: vidas em tempo de pandemia”, seguiu as etapas


propostas por Adalberto Barreto (Barreto, 2011), a saber: Acolhimento; Escolha do tema;
Contextualização; Problematização e Finalização.
135
Acolhimento e enquadre terapêutico - A co-terapeuta iniciava a e-terapia com alguma
música e/ou dinâmica de acolhimento. A seguir realizava um momento de celebração da vida,
em que incentivava as mulheres a relatarem algo de positivo que tivesse acontecido com elas,
naquela semana, que invocasse o sentimento de gratidão ou merecesse ser parabenizado e/ou
celebrado. Logo após, eram explicadas e lembradas as regras da TCI: não julgar, não dar
conselhos, fazer silêncio quando alguém estivesse falando e falar sempre na primeira pessoa do
singular. Também era reforçado que seria permitida e até desejada, a utilização de músicas,
poemas, versos e ditados populares que tivessem associados ao que foi dito. Explicava-se
também que aquele espaço não era para contar segredos, mas para falarem dos problemas do
cotidiano, que as incomodavam.
Escolha do tema - A terapeuta iniciava essa etapa mobilizando a fala das mulheres,
utilizando os ditados populares “Quando a boca cala, os órgãos falam e quando a boca fala, os
órgãos saram” e/ou “Quando guarda azeda, quando azeda estoura, quando estoura cheira mal”.
Indagava-se sobre o significado destes ditados populares e se alguém se identificava, ou estava
vivenciando, alguma situação que causava angústia, tirava o sono, trazia ansiedade, medo ou
algum sentimento que as incomodavam. Algumas vezes, utilizava-se a técnica da terapia
temática, na qual, a partir de objetos, imagens ou vídeos expostos sobre determinado tema,
perguntava-se se alguma delas havia se identificado e gostaria de compartilhar comentando
sobre o que a afetou.
As mulheres eram incentivadas a compartilhar suas vivências, mas era facultativa a
participação. A terapeuta registrava os pontos principais das falas, depois lia o que havia
anotado para ter a confirmação de quem falou. A seguir, solicitava que cada uma identificasse
o sentimento que surgiu ao vivenciar aquela situação.
A terapeuta agradecia àquelas que partilharam pela confiança que depositaram no grupo
e informava que, em virtude do tempo delimitado, apenas um caso seria trabalhado naquele
encontro. Fazia-se, pois necessário, que as participantes escolhessem e votassem em um caso,
com o qual se identificassem para que fosse aprofundado naquele dia. Após a votação era
escolhida a mulher que iria falar mais detalhadamente do problema trazido naquele encontro.
Em caso de empate, a bolsista responsável pelo apoio técnico também participava da escolha
do tema.
Contextualização- Durante essa etapa, a mulher que foi escolhida para falar mais sobre
a sua história tem a oportunidade de contextualizar melhor o seu problema. Logo após, abre-se
espaço para que as outras mulheres possam fazer perguntas, para aumentar o esclarecimento

136
sobre a história de quem está relatando. Explicávamos que naquele momento não era permitido
julgar nem dar conselhos. Recomendávamos que transformassem seus “conselhos” em
“perguntas” que devem ser feitas no sentido de permitir à mulher que falou a reflexão sobre o
assunto ou para entender melhor o problema.
Problematização- Nesta etapa, propomos o “mote”, ou pergunta chave da terapia, que
é “quem aqui na roda de terapia já viveu ou está vivenciando uma situação semelhante à
situação problema da pessoa escolhida para falar e o que você fez ou tem feito para superar essa
situação?”. As mulheres compartilharam as suas vivências e estratégias de superação.
Finalização- Nesta etapa, cantávamos uma música simbolizando a dinâmica da vida,
propondo às mulheres que fizessem um balanço com o corpo. Utilizamos músicas criadas para
serem cantadas nas rodas de TCI, da coletânea “No colo da comunidade” do cantor Josemar
Freitas e outras músicas propostas pelas participantes. Também pedimos que as mulheres
relatassem com uma palavra o sentimento emergido naquele momento. Encerrávamos o
encontro agradecendo a participação de todos e convidando-as a participarem na próxima
semana.

Postura dos moderadores e da equipe técnica e manejo das resistências.

Os moderadores da terapia comunitária devem estar dispostos a acolher as demandas do


grupo, as ansiedades, angústias, estresse, e as situações de sofrimento, permitindo que as
pessoas partilhem suas experiências. Por isso, não deve ter uma postura de julgamento, sendo
sensível às necessidades do grupo e estando sempre dispostos a compreender o outro (Barreto,
2011).
O papel dos moderadores não é o de resolver o problema das pessoas, mas provocar
reflexões e partilhas de experiência, de modo que se forme uma rede de apoio. Eles não devem
exercer a função de psicólogo ou psiquiatra fazendo análises e diagnósticos, mas trabalhar o
sofrimento das pessoas, estimulando a competência de cada um, utilizando perguntas para
ajudá-las a se descobrirem (Barreto, 2011).
O moderador precisa se atentar para que alguns participantes não monopolizem o
encontro, permitindo que todos tenham oportunidade de falar e expressar os seus sentimentos.
Também deve demonstrar estar atento às falas dos participantes, utilizando alguns recursos de
comunicação como: o silêncio, ajudá-los a esclarecer os seus sentimentos, reafirmar o que eles
disseram e focalizar nas questões principais (Stuart; Laraia, 2002; Barreto; 2011).

137
O moderador também deve conduzir o grupo de uma forma mais descontraída, sendo
possível também falar dos seus sentimentos e tanto pode utilizar como estimular os
participantes a utilizarem músicas, poemas, ditados populares que tenham a ver com os temas
trazidos por eles (Barreto, 2011). Também é importante que ele desenvolva nos participantes
segurança, vínculo e sentimento de pertencimento.
Na condução do grupo de mulheres, estávamos sempre motivadas e conseguíamos
mobilizar o grupo, adotando a postura de facilitadoras, dispostas a crescer e aprender com os
participantes e também estabelecer relações de trocas e de aprendizado mútuo. Na medida em
que conduzíamos a terapia, também vivenciávamos os benefícios proporcionados por ela.
Nos encontros com as mulheres, realizados de forma remota, estávamos atentas à
presença de novos participantes na sala virtual, sempre acolhendo, seja através de músicas ou
frases positivas a pessoa que chegava. Também nos preocupamos com a linguagem não verbal
do grupo, pedindo que os participantes ligassem as suas câmeras. Quando não era possível a
visualização, ficávamos atentas ao tom de voz das pessoas. Também tínhamos o cuidado para
que o grupo não utilizasse conselhos, pois a terapia tem como perspectiva a autonomia das
pessoas em fazerem suas escolhas.
Uma das resistências encontradas na TCI de mulheres foi manter a câmera ligada. Por
estarem dentro dos seus lares, não queriam expor seu ambiente e também, muitas vezes não
tinham privacidade por conta de familiares no recinto onde acessavam a internet. Câmeras
desligadas dificultavam a visualização das expressões não verbais. Essa resistência foi sendo
vencida à medida em que se fortaleceram os vínculos e se sentiram seguras em expor seus rostos
e suas casas.
Algumas mulheres tinham dificuldade de falar sobre os seus sentimentos, muitas vezes
ficando em silêncio nas rodas. Então, utilizamos alguns recursos como: dizer que o grupo não
era espaço para julgamentos e que mesmo que achassem que o problema não era importante,
poderiam compartilhar. Também citávamos ditados populares, conforme recomendado por
Adalberto Barreto (2011), trazendo a reflexão sobre a importância de falarmos sobre os nossos
sentimentos para não adoecermos. Nesse momento também fazíamos perguntas como: quem
aqui, tem sentido os órgãos falarem? Outro recurso utilizado foi o da Roda Temática, ou seja,
a utilização de vídeos, objetos, imagens e histórias sobre algum tema da vida, utilizados, no
sentido de fazer com que a pessoa se identificasse e falasse sobre os seus sentimentos.
No ambiente online, desafios foram enfrentados, como a oscilação da internet, a falta
de recursos digitais e a necessidade de manter a proximidade.

138
Para minimizar o vínculo com as mulheres, contamos com a atuação de uma bolsista,
que englobou diversas responsabilidades e competências, facilitando virtualmente os grupos,
auxiliando nas necessidades técnicas das mulheres. Além disso, a bolsista demonstrou empatia
e estimulou a participação igualitária.
Uma estratégia eficaz para fortalecer os vínculos, foi a criação de um grupo no
WhatsApp, onde ocorriam trocas e compartilhamentos, mantendo assim um canal aberto de
acolhimento. A bolsista gerenciava o contato com as participantes, atuando como elo entre elas
e as moderadoras. Isso envolveu verificar a assiduidade e incentivar a participação, tendo o
contato direto com todas as envolvidas.

Temas trabalhados e/ou Rodas Temáticas.

Em todo início da TCI existe um momento em que os participantes são convidados a


celebrar a vida relatando uma situação a ser festejada. Durante as rodas com as mulheres, as
situações mais comemoradas foram: Retorno ao estudo e ao trabalho, término de
relacionamento abusivo, reencontros com familiares, conquistas nos negócios, viagens,
finalização de curso, férias do trabalho, gratidão pela vida, pelo término da chuva e aniversários
de pessoas próximas.
A Terapia Comunitária pode ser desenvolvida tanto de forma tradicional, utilizando as
etapas preconizadas por Adalberto Barreto (2011) e acima citadas, como também podem ser
realizadas rodas temáticas.
Nos encontros com as mulheres, os problemas mais emergentes nas rodas de terapia
tradicionais foram: conflitos familiares, envolvendo violência e abuso sexual; dificuldades
socioeconômicas; excesso de trabalho; dificuldade para dormir; gravidez não planejada; filhos
com necessidades especiais; adoecimento de pessoas da família; ansiedade; ideação suicida e
dores físicas somatizadas. Todos esses relatos foram expressos pelas mulheres com muita
intensidade de sentimentos e denotando grande sofrimento por estarem vivenciando aquelas
situações.
Neste aspecto, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) funcionou como um espaço
acolhedor e de escuta para todas as problemáticas trazidas pelas mulheres. Após o
compartilhamento grupal e o apoio mútuo recebido, as mulheres tiveram a possibilidade de
enxergar a vida sob novas perspectivas.

139
Na terapia temática foi trabalhado o texto de Rubem Alves “Pipoca”, em que fizemos a
relação de que o milho que não passa pelo fogo, não consegue se transformar em pipoca.
Correlacionamos a história do milho com o que acontece nas nossas vidas, que é preciso passar
pelas dificuldades para que haja crescimento e perguntamos quem já havia ou estava passando
pelo fogo da vida. A partir desse tema trazido no grupo, as participantes relataram pensamentos
suicidas, estigma de vivenciar o sofrimento mental e dificuldades nas relações familiares.
Outra temática utilizada foi um vídeo com a música “A casa”, de Vinicius de Morais. A
música retratada pelo autor fala de uma casa que não tinha teto, paredes, nada…, mas, era feita
com muito esmero. A letra desta música provocou nas participantes lembranças de infância,
tanto no aspecto de carências, abandonos, situações de pobreza, relações conflituosas com os
pais, situações de abusos sexuais na infância, e também provocou saudades por lembranças
doces vividas.
Outro tema para despertar as falas foi a imagem de um sapo. A partir daí as mulheres
deveriam fazer relação com o ditado popular que implicava em “engolir sapos” como situação
de não falar o que deveriam no momento em que se sentissem incomodadas. A partir desta
imagem, as mulheres abordaram questões como: ser ludibriada em uma questão de herança e
ter seu direito tirado e não conseguir recorrer, deste modo vem “engolindo sapo” há mais de 15
anos; ficar calada diante de debates políticos para não causar polêmica na família; dificuldade
de cobrar seus credores; e sentimento de ser traída pelos próprios irmãos e não poder dizer nada
para não perturbar a relação familiar.
Com a imagem de um pássaro na gaiola, as falas das mulheres foram mobilizadas para
demandas de tristeza, falta de liberdade e surgiram depoimentos sobre pássaros presos,
sentimentos aprisionados de mágoas com relação às figuras parentais e à falta de perdão.
Significados de “prisões internas” foram apresentadas em forma de pensamentos de baixa
autoestima e ideias suicidas.

Caminhos trilhados, percepções e resultados gerados

As histórias de vida das mulheres eram marcadas por problemáticas diversas que
repercutiam em diversos níveis de sofrimentos psíquicos. Porém, também foram relatadas
histórias de resiliência e superação.
A TCI permitiu que as mulheres expressassem seus sentimentos e reconhecessem a
importância de certas habilidades psicossociais para enfrentar o sofrimento psíquico/emocional.

140
Dentre essas habilidades destacam-se a comunicação para o diálogo e a escuta ativa, o
desenvolvimento de relacionamentos interpessoais saudáveis e a capacidade de empatia.
A presente modalidade terapêutica demonstrou seu potencial em fortalecer os laços
sociais das mulheres participantes, favorecendo a criação de uma rede de apoio sólida, o que
resultou na melhora da autoestima, no desenvolvimento de resiliência e empoderamento, além
da promoção da autodeterminação e autonomia, ajudando-as a adquirir habilidades e
desenvolverem uma compreensão mais profunda dos dilemas da vida.
Além disso, esse ambiente terapêutico online se estabeleceu como um espaço propício
para oferecer apoio emocional, acolhimento, confiabilidade e solidariedade. As participantes
destacaram, de maneira singular, a importância das rodas de TCI em suas vidas e enfatizaram
o desejo de continuar participando dessa modalidade de e-terapia.
No final de cada encontro da e-terapia, era perguntado às mulheres qual o sentimento
que levavam daquele dia. As falas mais recorrentes giraram em torno das temáticas:
acolhimento, por encontrarem um ambiente em que pudessem falar das suas dores; aprender
a dar limites, pois perceberam que muitas vezes sofriam por não saberem se impor;
resistência, por tomarem consciência de que eram mais fortes do que imaginavam; reinventar
por conseguirem enxergar outras possibilidades para resolução de seus problemas;
ressignificar pois perceberam que era possível resolver os seus dilemas; e aprender a dizer
não para que não sofressem com algumas situações.

A experiência de moderar a e-terapia com mulheres, nos convidou a uma mudança de


olhar: para além do individual, pensar no coletivo; sair da dependência para pensar na
autonomia das pessoas; e reconhecer o potencial que cada um tem para lidar com os seus
problemas.
Em muitos momentos, durante as conduções das rodas nos sentíamos sendo cuidadas,
pois as estratégias que as participantes traziam para superar os seus problemas também
passaram a ser utilizadas e refletidas por nós. Nos identificamos com as histórias delas e criamos
uma rede de apoio e de confiança, que foi muito significativa, principalmente nos períodos de
isolamento social, em que não tínhamos muito contato com outras pessoas.
Atuar como bolsista na TCI com mulheres permitiu à estudante de enfermagem, que
realizou o apoio técnico, aplicar habilidades adquiridas durante sua formação, como a escuta
terapêutica e o cuidado holístico. Também destacou a importância do enfermeiro como agente
de apoio e promoção da saúde mental.

141
Além disso, essa atividade trouxe a importância da Universidade em estender seus
serviços à comunidade, indo além das salas de aula, especialmente em um momento de extrema
necessidade, que foi o durante a pandemia.
Pelo fato de as moderadoras e a bolsista serem mulheres, o processo de identificação foi
muito significativo e nos trouxe a reflexão da importância de haver espaços de cuidado como
esses, em que podemos compartilhar com a certeza de que não seremos julgadas e
encontraremos a rede de apoio que necessitamos. Os encontros conseguiram transpor as telas
digitais, e na finalização de uma das rodas, conseguimos reunir o grupo, para fazer uma
confraternização.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, M. A. M.et al. A Terapia Comunitária: criando redes solidárias em um Centro de


Saúde da Família. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, Porto, n. 19, p.
71-76, jun. 2018.

BARRETO, A.P. Terapia comunitária: passo a passo. 4. ed. Fortaleza: LCR; 2011.

BARRETO, A. P.; LAZARTE, R. Uma Introdução à Terapia Comunitária Integrativa:


conceito, bases teóricas e método. In: FERREIRA FILHA, M. O.; LAZARTER.; DIAS, M.D.
Terapia comunitária integrativa: uma construção coletiva do conhecimento. João Pessoa:
Editora Universitária da UFPB, 2013.

BLAV, D.M.D. et al. Terapia Comunitária e resiliência: história de mulheres. Revista de


pesquisa: cuidado é fundamental, v.5, n.1, p. 3453-71, jan./mar. 2013.

BRASIL. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes.


Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 80p. Acessado em 06/03/2021

BRASIL. Portaria n.849, de 27 de março de 2017.


Disponívelem:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html.
Acesso em:26jan. 2020

BRAZ, J.L. et al. Terapia Comunitária Integrativa e Seu Diálogo com a Gestalt- Terapia. IGT
rede, Rio de Janeiro , v. 14, n. 27, p. 201-217, mar. 2017 .

FELIPE, A.O.B. et al. Autolesão não suicida em adolescentes: terapia comunitária integrativa
como estratégia de partilha e de enfrentamento. SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental
Álcool Drog. (Ed. port.), Ribeirão Preto, v. 16, n. 4, p. 75-84, dez. 2020.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 2 ed. São


Paulo: Paz e Terra, 1997.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 23 ed.Rio de Janeiro: paz e Terra, 2003.

142
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE (BR). Portarianº849, de 27 de março de 2017. Inclui
a Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Dança Circular, Meditação, Musicoterapia,
Naturopatia, Osteopatia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Shantala, Terapia
Comunitária Integrativa e Yoga à PNPIC [Internet]. 2017[citado em 22 jan 2021].Diário
Oficial da União. Brasília: DF; 2017. Disponível
em:http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt0849_28_03_2017.html6.

OLIVEIRA, S.M. et al. Rodas de terapia comunitária: construindo espaços terapêuticos para
idosos em comunidades quilombolas. Revista de Enfermagem da UFSM, v. 7, n. 4, p. 712-
724, nov. 2017.

ROCHA, I.A. et al. Terapia comunitária integrativa: situações de sofrimento emocional e


estratégias de enfrentamento apresentadas por usuários. Rev. Gaúch Enferm, v.34, n.2, p.
155-62, set. 2013.

BRASIL, A.P. et al. Terapia Comunitária Integrativa: cuidando da saúde mental em


tempos de crise .Recife: Fiocruz-PE; ObservaPICS, 2020. 1 recurso online (17 p.) : PDF. —
(Cuidado integral na Covid; n. 2) ISBN (online). 1. Barreto, Adalberto de Paula. 2. Terapias
complementares. I. Barreto, Adalbeto de Paula. II. Silva, Milene Zanoni da. III. Horta,

OLIVEIRA, S.M. et al. Rodas de terapia comunitária: construindo espaços terapêuticos para
idosos em comunidades quilombolas. Revista de Enfermagem da UFSM, v. 7, n. 4, p. 712-
724, nov. 2017.

SOUZA, A. S.R.; SOUZA, G.F.A.; PRACIANO, G.A. F. Women's mental health in times of
COVID-19. Rev. Bras. Saude Mater. Infant., Recife , v. 20, n. 3, p. 659-661, set. 2020.

SILVA, P.M.C.A terapia como estratégia de intervenção para o empoderamento de usuários


do CAPS em processo de alta. Jõao Pessoa, Tese de Doutorado-UFPB/CCS, 2016, 276f..

SILVA, M. Z. et al. O cenário da Terapia Comunitária Integrativa no Brasil: história,


panorama e perspectivas. Temas em Educação e Saúde , Araraquara, v. 16, n. esp.1, p. 341–
359, set. 2020.

STUART, G.W.; LARAIA, M.T. Enfermagem psiquiátrica. 4.ed. Rio de Janiero:


Reichmann & Affonso editores, 2002.

VALERIO, R. G. et al. Impacto das rodas no contexto universitário e comunitário. Temas em


Educação e Saúde , Araraquara, v. 13, n. 2, p. 335–347, jul./dez. 2017.

VASCONCELOS, M. J. E. Pensamento Sistêmico: o novo paradigma da ciência. 10 ed.


Campinas - São Paulo: Papirus, 2002.

WAZLAWICK, P.; HELMICK, J. H. B.; JACKSON, D. Pragmática da comunicação


humana. São Paulo: Cultrix, 1967.

143
Terapia Comunitária Integrativa on-line na Universidade: os rios somente
chegam ao mar porque contornam as montanhas

A rápida disseminação do novo coronavírus levou ao surgimento de uma pandemia,


infectando mais de 160 milhões de pessoas em todo o mundo e causando mais de 3 milhões de
mortes (WHO, 2021). Foram feitas recomendações e estratégias integradas de prevenção ao
contágio e de restrição social (OPAS, 2020), com o fechamento de grande parte das atividades
econômicas e o isolamento social. As restrições geraram profundo impacto psicossocial,
principalmente, nas populações mais vulneráveis, como mulheres, estudantes, pessoas de etnia
não branca, solteiros, pessoas sem emprego (Barbosa et al., 2021; Brunoni et al., 2021).. Tal
situação demandou a utilização de estratégias de atendimento online para estabelecer a
interação social, por entender ser uma forma eficaz de fornecer suporte para aliviar as tensões às
pessoas mais afetadas e diminuir o impacto emocional resultante das medidas restritivas (Holmes
et al., 2020; Zhou et al., 2020; Yang et al., 2020).
No cenário pandêmico a Universidade de Brasília (UnB), impulsionou a atuação do
Grupo de Trabalho de Promoção e Prevenção à Saúde, que teve como uma das prioridades
estabelecer parcerias, cuja finalidade era possibilitar apoio psicossocial às ações de
enfrentamento à COVID-19 e produzir tecnologias sociais de cuidado, por meio de atividades
on-line. Entre as várias ações, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) on-line, promoveu a
assistência em saúde mental para a comunidade universitária, por meio da parceria com a
Gerência de Práticas Integrativas em Saúde (GERPIS) da Secretaria de Estado de Saúde do
Distrito Federal (SES/DF).
A TCI é uma abordagem de atenção à saúde comunitária, criada pelo Prof. Dr. Adalberto
Barreto, compreendida como uma prática em grupo que incentiva a expressão de experiências
de vida, possibilita que as alegrias e dificuldades vivenciadas no cotidiano sejam
compartilhadas, é dado ênfase às estratégias de superação desenvolvidas (Barreto, 2013) para a

144
resolução dos problemas. É uma prática reconhecida pela Política Nacional de Práticas
Integrativas e Complementares (BRASIL., 2017).
A TCI foi criada, originalmente, para acolhimento presencial em formato de grupo,
comumente denominada de roda. Todavia, devido ao confinamento necessário em função do
período pandêmico, foi preciso que os encontros presenciais passassem a ser realizados em
ambiente on-line, a fim de promover a saúde mental. Os encontros foram pautados no
documento norteador “Diretrizes para realização da Terapia Comunitária Integrativa Online”,
elaborado pela Associação Brasileira de Terapia Comunitária Integrativa (ABRATECOM). A
finalidade era promover intervenções de suporte emocional, fortalecer a rede de apoio social e
prevenir os efeitos na saúde mental relacionados à pandemia da COVID-19.
Conforme afirma Silva et al. (2020), a TCI on-line foi implantada como um desafio; no
sentido de utilizar um meio tecnológico duro, como o celular ou o computador (tecnologia
dura), mediado pela construção de protocolo (tecnologia leve-dura), para ser utilizado como
uma intervenção de tecnologia leve que teve como objetivo o acolhimento, a escuta empática,
o estabelecimento de vínculos e as trocas e compartilhamentos de experiências no contexto
pandêmico (Pontes, Santos, Holanda, 2021). Foi criado assim, um espaço on-line de cuidado
coletivo por meio do acolhimento e da escuta. Este capítulo buscou abordar aspectos
metodológicos do grupo de TCI online, e também resultados de um estudo sobre os efeitos do
mesmo na vida de estudantes universitários durante a pandemia da COVID-19.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

As rodas de TCI e o estudo foram conduzidos por servidores da GERPIS e professores


integrantes do Grupo de Trabalho de Promoção e Prevenção à Saúde da UnB, com a
participação de 12 pessoas, sendo oito profissionais e pesquisadores da área de promoção à
saúde de categorias diversas (psicologia, terapia ocupacional, enfermagem, psicanálise e
filosofia), e quatro estudantes de cursos de graduação da UnB, em parceria com a Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), no intuito de desenvolver ações de promoção e prevenção em
saúde mental para a comunidade acadêmica e externa, no período de agosto de 2020 a agosto
de 2021, totalizando 90 rodas. O estudo contemplou os quatro campi da UnB: Campus Darcy
Ribeiro, Faculdade de Ceilândia, Faculdade do Gama e Faculdade de Planaltina.
Participaram das atividades 130 pessoas, sendo 128 estudantes de graduação e pós-
graduação da UnB, 1 técnica de enfermagem da Universidade e 1 estudante da UnB Idiomas

145
(escolas de línguas da universidade). As inscrições na TCI on-line eram realizadas por um link,
disponibilizado nas redes sociais oficiais da UnB, via preenchimento de formulário pelo Google
Forms. Ao acessar a página inicial da pesquisa, os participantes tinham disponível para a leitura
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com as devidas explicações sobre o
estudo. Esse termo foi assinado virtualmente através de um ícone de preenchimento obrigatório
do tipo concordo ou não concordo.
As rodas de TCI on-line foram realizadas por meio da Plataforma Zoom, com
periodicidade semanal e duração de aproximadamente 2h, para toda comunidade acadêmica,
decorrente da acessibilidade que o universo virtual possibilitou. Tais rodas foram desenvolvidas
seguindo a metodologia estabelecida pelo psiquiatra Prof. Dr. Adalberto Barreto, ancorada no
“pensamento sistêmico, na teoria da comunicação, na antropologia cultural, na pedagogia de
Paulo Freire e na resiliência” (Pontes, Santos, Holanda, 2021), respeitando as cinco etapas do
método: “acolhimento, escolha de tema para partilha, contextualização, problematização,
encerramento com rituais de agregação e apreciação” (Barreto, 2008).
Durante as rodas, os participantes foram informados de que teriam de desenvolver uma
atividade que expressasse o significado da TCI em suas vidas em tempos da COVID 19. A
atividade expressiva é uma ferramenta para desbloquear a comunicação sobre as experiências
com a TCI e os sentidos que atribuem a essa vivência. Também possibilita o entrelaçamento de
pensamentos e emoções, um material importante para alcançar o objetivo da pesquisa.
As mais de 100 atividades expressivas foram coletadas durante os meses de setembro,
outubro e novembro de 2021 e primeiro semestre de 2022, e todos os participantes realizaram
as tarefas. Porém, foram selecionadas, seis atividades dos seis participantes. Para evitar o viés
da desejabilidade social, os trabalhos foram selecionados aleatoriamente, e não se fez correlação
das respostas dos participantes.
O estudo dessas atividades expressivas foi orientado por um abordagem qualitativa. Por
isso, a técnica de análise dos conteúdos dos materiais selecionados foi a de Análise de Conteúdo
defendida por Bardin (2011), que se estrutura em três fases: 1) pré-análise; 2) exploração do
material, categorização e codificação; 3) tratamento dos resultados, inferências e interpretação.
Segundo a autora, a validade dos achados da pesquisa é resultante de uma coerência interna e
sistemática entre essas fases, cujo rigor na organização da investigação inibe ambiguidades e
se constitui como uma premissa fundante.
A análise de conteúdo foi escolhida porque guarda a mensagem do participante como o
foco. No início dos dados, analisaram-se, revisaram-se, independentemente, os desenhos, e

146
anotaram-se as impressões iniciais de cada imagem. Procuraram-se e anotaram-se os pontos
focais das atividades expressivas, como situações, pessoas, objetos e sentimentos (Halpenny,
2021).
Ao longo do desenvolvimento de 90 rodas, no período de agosto de 2020 a dezembro
de 2021, ainda se vivenciava a TCI on-line. A faixa etária dos participantes da pesquisa ficou
entre 23 e 28 anos de idade. Quatro se autodeclararam pardos e dois pretos; quatro do sexo
feminino e dois, do masculino.
A seguir, apresentamos o resultado do estudo, abordando os temas mais frequentes na
fala dos participantes para nomear as rodas de TCI, seguida das seguintes categorias de análise
temáticas: a) TCI on-line, um espaço de cuidado em meio à pandemia; e b) Autoconhecimento
e processo de autocura na TCI on-line.

OS TEMAS FALADOS

No que concerne aos temas que mais apareceram na TCI, destacaram-se: o medo e
ansiedade pelas incertezas do futuro; a impotência diante das circunstâncias; a dificuldade de
concluir tarefas pendentes; o sofrimento por não poder expressar-se pelo afeto do toque. As
palavras mais utilizadas pelos participantes durante os encontros estão destacadas na
visualização da ferramenta Cmap, na Figura 1.

Figura 1 – Palavras mais frequentes utilizadas na identificação dos temas da TCI.

Fonte: Software Cmap – nuvem de palavras (Coes/UnB, 2020)

147
TCI ON-LINE, UM ESPAÇO DE CUIDADO EM MEIO À PANDEMIA

No que diz respeito aos encontros da TCI on-line como um espaço de cuidado, os
resultados indicaram o quanto os participantes mostraram sentir-se menos solitários ao
compartilhar com os outros experiências pessoais das quais podem ter vergonha ou relutância
em revelar. O exercício da autorrevelação de experiências e sentimentos pessoais em um
ambiente de grupo de apoio pode ser eficaz na redução dos sintomas da ansiedade e depressão,
trazendo impactos positivos no bem-estar social e emocional, assim como uma oportunidade
das pessoas de compartilharem de dificuldades semelhantes (Gonsalves et al., 2023).
Explorando o fenômeno peculiar da TCI on-line durante a pandemia, os participantes
representaram essas vivências com cartas, poemas, desenhos e símbolos. Silveira (2001) afirma
que as produções artísticas trazem um valor terapêutico em si mesmas, “pois davam forma a
emoções tumultuosas, despotencializando-as, e ou objetivam forças autocurativas que se
moviam em direção à consciência, isto é, à realidade.” (Gonsalves et al., 2023). Essa
representação produziu reflexão sobre o equilíbrio que as pessoas alcançaram entre a
dificuldade de isolamento e a necessidade de se proteger gerado pelo impacto da pandemia de
Covid-19. A TCI virou rotina e os encontros on-line serviram como uma espécie de companhia
com outras pessoas durante o difícil período de quarentena e distanciamento social, dando uma
sensação de normalidade no cotidiano dos integrantes e um espaço de cuidado, conforme texto
escrito pela Participante 1. O texto é apresentado como uma carta à TCI.

Querida terapia comunitária,


Agradeço por me proporcionar momentos de reflexão a cada encontro. Agradeço pela
dinâmica do grupo. Agradeço por como tornaram o grupo um local seguro de partilha
e escuta. Agradeço por cada momento de cada encontro, as músicas, o peixinho, as
risadas, as plaquinhas, os exercícios de relaxamento e cada vivência que o grupo me
proporcionou. Agradeço pela preocupação e pelo jeitinho acolhedor do grupo com
cada participante. Cada detalhe faz com que o grupo seja único e isso é essencial, por
esta razão sou tão grata por conhecê-lo. A cada temática de cada semana trazidas pelos
participantes do grupo, o quanto nos identificamos com a maioria delas e as reflexões
que fazíamos tanto de forma grupal como cada um em seu íntimo. Pensar sobre essas
questões tão atuais e tão relevantes que a TCI me apresentou, me fez parar, desacelerar
e ampliar meu olhar sobre tudo. A TCI é um lindo projeto que muda a vida e o dia de
muitas pessoas, quantas histórias escutamos ao longo desses meses que nos
emocionaram e quantos parabéns cantamos para celebrar os aniversariantes, mesmo a
distância, o grupo se faz presente a cada sexta-feira. Parabenizo e desejo sempre o
melhor para as meninas que guiam o grupo por desenvolverem esse belo trabalho.
Deixo aqui meu muito obrigada à terapia comunitária e a UnB, por ter tido a
oportunidade de conhecê-la. Esta não é uma despedida, é apenas um muito obrigada
por tudo. Com carinho (Participante 1)

148
O depoimento acima expressa o que Yalom e Leszcz (2006) chamam de
“universalidade” que se apresenta como um fator terapêutico e se relaciona com o fato do
indivíduo sentir que está "no mesmo barco" que os demais colegas. Os referidos autores
afirmam que os grupos são uma poderosa fonte de alívio, já que, após ouvirem outros membros
revelarem preocupações semelhantes as suas, passam a se sentir mais em contato com o mundo.
A dimensão terapêutica do grupo proposta por Yalom e Leszcs (2006) também pode ser
ilustrada com o relato apresentado pelo Participante 2:

As semanas se passaram e a cada uma delas algo diferente era trazido para a conversa.
Ouvi relatos de alegria, tristeza, saudade, irritação. Todos eles foram dados por
pessoas corajosas e cheias de sentimentos. Alguns não me tocaram, outros me
traduziram, seja no momento atual ou em outrora. Escolhi aproveitá-los da forma que
eu sei: ouvindo e refletindo. A forma como meus colegas expressavam suas angústias
me fez concluir que cada um tem seus próprios males, seus leões a serem derrotados
diariamente. Muitos deles convergem com os meus. Me compadeci grandemente com
a história da Isadora, que com bravura se abriu para nós e deixou exposta uma ferida
própria, acreditando que poderia ser curada ou vista por outras pessoas. Achei
interessantíssimo as palavras de indignação da K. quando falou sobre sua ira
momentânea por causa dos problemas da vida, havia muita verdade nelas. De uma
forma ou de outra, todos somos parecidos. Sorrimos ao ficarmos felizes e choramos
ao sentirmos dor. Ninguém é realmente sozinho nesse sentido. A terapia me ajudou a
enxergar isso. Aprendi que, apesar de escolher não me abrir com palavras, a troca
entre pessoas pode ocorrer, e que pessoas em quem confiar podem ser a diferença
entre uma noite bem dormida ou um surto de sobrecarregamento. Levarei comigo
essas horas de quinta à tarde. Pensarei nelas e nas pessoas que lá estavam comigo,
mesmo que pela tela de um computador. (Participante 2)

Para outros participantes, a TCI on-line consolida-se como um espaço que estimula o
aprofundamento em si, como foi demonstrado na figura 2 pelo Participante 3, ao expressar sua
experiência processual com a TCI, desenhando dois estágios. Num primeiro momento há uma
representação de uma pessoa num lago dentro da cabeça. O desenho exprime um contato
consigo, porém numa área superficial. No desenho, a pessoa está no lago interior, porém com a
cabeça fora da água. Num segundo momento, há um mergulho em si, simbolizando que a TCI
estimulou e propiciou este maior contato consigo; um mergulhar em sua história de vida, dores
e superações; o que proporcionou uma ampliação no autoconhecimento,

149
Figura 2 – Representação de dois momentos proporcionados pela TCI on-line, segundo o Participante 3.

Fonte: Dados da pesquisa.

Na pandemia, os espaços da universidade e sala de aula foram transferidos para outros


ambientes, e, por conseguinte, houve mudança no local para realização das atividades
pedagógicas (Copeland et al., 2021). O uso dos recursos tecnológicos como computadores,
fones de ouvido, plataformas de conferências virtuais, dentre outros, tornaram-se familiares
como recursos para o ensino e mediavam a relação do estudante com o ambiente acadêmico. O
participante 4 ilustrou esse contexto por meio de um desenho (Figura 3) em que utiliza os fones
de ouvidos para participar dos encontros de TCI Online. No desenho apresenta o recurso
tecnológico, e, também, a representação das músicas utilizadas na TCI e as mãos dadas
simbolizando o apoio mutuo, a solidariedade nos encontros. Os efeitos desse espaço terapêutico
pode ser identificado na palavra “Eu” escrita no tórax, na região próxima ao coração, e das
flores desenhadas que emanam desta palavra. Na TCI, as dimensões comunitárias e individuais
são trabalhadas de modo que haja uma harmonização entre elas. É preciso que a dimensão
individual tenha força, seja reconhecida sua importância, para que haja um coletivo igualmente
forte. É fundamental que sejam valorizadas as histórias de vida dos participantes, seus processos
resilientes e de ressignificação.

150
Figura 3 – Representação dos encontros da TCI on-line.pelo participante 4

Fonte: Dados do estudo.

De acordo com Vieira (2019), o coração foi tido como centro da vida, das emoções e
sentimentos. O símbolo pode ser associado a diferentes significados e, metaforicamente, ele
reflete que o coração comanda as emoções humanas, como carinho, amor e tristezas.
Percebe-se que a TCI on-line possibilitou novas maneiras de lidar com a pandemia. De
fato, os resultados evidenciaram uma forma efetiva de interação entre o terapeuta e
participantes, o que transformou o contato como acolhimento. O ato de convocar a falar é o
princípio básico para o acolhimento em grupo. A TCI on-line, durante o período pandêmico,
tornou-se um recurso de acompanhamento das pessoas, um coletivo que fomentou conexões
que favoreceram o manejo de sofrimento por meio de uma rede de apoio, devido ao impacto do
confinamento, como solidão, medo, ansiedade, perdas físicas, simbólicas, sentimento de
impotência e frustração (Silva et al. 2022). O acolhimento proporcionada na TCI on-line foi
expressa pelo participante 5 por meio de um desenho (Figura 4).

151
Figura 4 – Representação do acolhimento nos encontros da TCI on-line.pelo participante 5

Fonte: Dados da pesquisa

Corroborando com Crispim et al. (2020) e Souza et al. (2021), os serviços on-line foram
alternativas possíveis para atuar nos diferentes cenários da pandemia, tanto na prevenção quanto
na promoção e recuperação da saúde, pois permitiram aproximação e comunicação durante os
momentos de restrições sociais, uma vez que esse formato superou as fronteiras geográficas,
sendo uma das formas que favoreceram o sentimento de acolhimento e o alívio do medo e da
ansiedade no enfrentamento à pandemia.

AUTOCONHECIMENTO E PROCESSO DE AUTOCURA NA TCI ON-LINE

O envolvimento com a TCI permitiu que os participantes tivessem contatos com afetos
de alegria, os quais aumentaram a potência de existir, diminuíram o isolamento social,
aumentaram a comunicação e experiência social positiva, mesmo diante da pandemia. Os bons
relacionamentos interpessoais, vínculos e envolvimento na comunidade são fatores-chave para
melhorar a satisfação com a vida, para que seja possível superar as dificuldades e os desafios
que surgem ao longo do caminho através da resiliência e do autoconhecimento, culminando,
assim, em soluções próprias (Souza et al., 2021). O Participante 6, escreveu suas reflexões por
participar do encontros de TCI roda:

Como imaginar que numa tarde de escolhas, eu encontraria a TCI. Eram tantas opções,
mas nada me chamou tanta atenção como a terapia comunitária e práticas integrativas.
Eu não tinha noção de como era e do que acontecia, mas me permiti tentar o que não

152
conhecia, me surpreendi, de quão leve eu sai no primeiro dia. Nunca fui boa em lidar
com sentimentos, muito menos expressa, já guardei tanto que carreguei um peso
desnecessário e uma sensação horrível de nó na garganta. Com a TCI, eu refleti e
aprendi muito, hoje compreendo que nem tudo tem que ser guardado apenas para mim,
que falar sobre o que me afeta, é me libertar. Com encontros inesquecíveis, pessoas
incríveis, risada e emoções, as terças ficaram mais alegres e tornou-se um esse dia tão
esperado em cada semana. As comemorações, os relatos, as reflexões, as conversas,
as trocas, as risadas foram únicas e fundamentais para cada encontro. Hoje a minha
comemoração é pela TCI, que me deu um novo olhar em muitas áreas da minha vida,
que me ensinou a liberdade de falar, refletir e de estar disposta a mudanças. Obrigado
Rô, Fernando, Luan e colegas vocês foram fundamentais em cada encontro, foi uma
alegria imensa está com vocês em cada terça-feira!!! (Participante 6)

O Participante 6 sente-se grato aos terapeutas comunitários que o fizeram se sentir


alegre a cada encontro. Estudos verificaram que sentimentos de gratidão aumentam a
resiliência, a saúde física e a qualidade da vida diária (Komase et al., 2021). Para esses autores,
a gratidão ajuda as pessoas a responder mais positivamente aos acontecimentos da vida e a
valorizar situações em que os outros são benevolentes para com elas, fornecendo recursos para
o bem-estar psicológico.
As sessões de TCI on-line realizadas com a comunidade universitária foram estratégias
que remetem a palavra acolher, que vai se transformando, reconstruindo continuamente a
percepção dos participantes a respeito de si e do outro. Esse processo aconteceu em um
momento limite em que a única ferramenta disponível era on-line, um desafio para uma
construção rica de compartilhamento de experiências e de prática de cuidado de promoção à
saúde mental, para abrir espaço de conexão para enfrentamento das dificuldades impostas no
período de confinamento decorrente da pandemia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As rodas de Terapia Comunitária Integrativa (TCI) on-line significou uma estratégia de


acolhimento e cuidado colocado à disposição da comunidade universitária no período da
pandemia da COVID-19. Assim, este capítulo evidencia que, diante de um evento com essa
magnitude, a realização das TCI on-line ofertada na UnB por uma equipe multidisciplinar,
driblou os obstáculos impostos pela pandemia, buscou outros caminhos para chegar aos seus
objetivos, contornou as montanhas e chegou ao mar.
A TCI online venceu o obstáculo do isolamento e serviu como estratégia de promoção
de bem-estar e apoio psicossocial, mantendo as características dos encontros presenciais:

153
acolhimento, criação e fortalecimento de redes sociais solidárias por meio de partilha de
experiências, criação de um espaço de reflexão e de promoção de saúde mental diante do
contexto pandêmico.
Embora a TCI tenha demonstrado ser apoio psicossocial importante, não deve ser
tomado como única opção, em especial para os casos que necessitem de atendimento
especializado, como casos de depressão, transtorno de ansiedade, entre outros. Para estes,
recomendamos a busca concomitante de outros caminhos terapêuticos.

REFERÊNCIAS

BARBOSA L. N. F. et al. Brazilian’s frequency of anxiety, depression and stress symptoms in


the COVID-19 pandemic. Rev Bras Saude Mater Infant, v. 21, p. 413-419. 2021.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1806-9304202100S200005. Acesso em: 15 out.
2023.

BARDIN L. Análise de conteúdo. São Paulo: Almedina; 2011.

BARRETO A. P. Terapia comunitária: passo a passo. 3. ed. revisada e ampliada. Fortaleza:


Gráfica LCR; 2008. 407p.

BARRETO A. P. Terapia comunitária: passo a passo. 4. ed. revisada e ampliada. Fortaleza:


Gráfica LCR; 2013.

BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 702, de 21 de março de 2018. Altera a Portaria de


Consolidação nº 2/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para incluir novas práticas na
Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC [internet]. Brasília:
MS; 2018 [citado em 2023 jul 9]. Disponível em:
https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2018/prt0702_22_03_2018.html.

BRUNONI A. R. et al. Prevalence and risk factors of psychiatric symptoms and diagnoses
before and during the COVID-19 pandemic: findings from the ELSA-Brasil COVID-19
mental health cohort. Psychol Med., 2021:1-12. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1017/S0033291721001719.

COPELAND W. E. et al. Impact of COVID-19 Pandemic on College Student Mental Health


and Wellness. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry, v. 60, n. 1, p. 134-141. 2021.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/j.jaac.2020.08.466.

CRISPIM D. et al. Visitas virtuais durante a pandemia do Covid-19. Recomendações


práticas para comunicação e acolhimento em diferentes cenários da pandemia. Biblioteca
Virtual e Saúde [Internet]. 2020 [citado em 2021 abr 01]. Disponível em:
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1104030

154
GONSALVES P. P. et al. Uma revisão sistemática e síntese de experiência vivida de auto-
revelação como um ingrediente ativo em intervenções para adolescentes e adultos jovens com
ansiedade e depressão. Adm Policy Ment Health, v. 50. 2023. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1007/s10488-023-01253-2.

HALPENNY A.M. Capturing Children's Meanings in Early Childhood Research and


Practice: A Practical Guide. New York: Routledge; 2021.

HOLMES E. A. et al. Multidisciplinary research priorities for the COVID-19 pandemic: a call
for action for mental health science. Lancet Psychiatry, v. 7, n. 6, p. 547-560. 2020.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.1016/S2215-0366(20)30168-1.

Komase Y. et al. Effects of gratitude intervention on mental health and well-being among
workers: A systematic review. J Occup Health, v. 63, n. 1, p. e12290. 2021. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1002/1348-9585.12290.

OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde [internet]. Brasil: OPAS; 2020 [citado em 2022
Aug 8]. Disponível em: https://www.paho.org/pt/brasil

PONTES G. O., SANTOS A. G. L., HOLANDA V. R. Terapia comunitária integrativa como


espaço de cuidado em saúde mental durante a pandemia do novo coronavírus. RTE, v. 30, n.
1. 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.22478/ufpb.2359-7003.2021v30n1.54308.

SILVA A. L. P. et al. Implantação de Terapia Comunitária online: tecnologia do cuidado em


tempos de pandemia. Temas em Educ. e Saúde [Internet], v. 16, esp.1, p. 393-408. 2020.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.26673/tes.v16iesp.1.14319

SILVA M. Z., MUHL C., GIORDANI R. C. F., BARRETO A. P. A promoção da Saúde mental
no contexto da pandemia de COVID-19: o acolhimento do sofrimento por meio da terapia
comunitária integrativa. Cad. Psic. /Psych, v. 2, n. 2, p. 1-18. 2022. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.9788/CP2022.2-08

Silveira N. O mundo das imagens. São Paulo: Ática, 2001.

SOUZA R. C. et al., Psychosocial e-Therapies Project: Construction and strategies to promote


mental health in times of pandemic COVID-19. RSD [Internet]. 2021 [citado em 2022 Aug
8];10(6):e20910615740. Disponível em:
https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/15740.

VIEIRA, N. V. Ouvindo o coração: a vivência de pacientes submetidos a transplante cardíaco.


Tese [Doutorado Interdisciplinar em Ciências da Saúde] - Instituto de Saúde e Sociedade,
Universidade Federal de São Paulo; 2019.

WHO. World Health Organization. Coronavirus dashboard [internet]. Genebra: WHO; 2021
[citado em 2022 Aug 8]. Disponível em: https://covid19.who.int/

YALOM I. D., LESZCZ M. Psicoterapia de grupo: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed;
2006.

YANG L. et al. COVID-19: imunopatogênese e imunoterapia. Sig Transduct Target Ther, v.


5, n. 128. 2020. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1038/s41392-020-00243-2.

155
ZHOU X. et al. The role of telehealth in reducing the mental health burden from COVID-19.
Telemed J E Health, v. 26, n. 4, p. 377-379. 2020. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1089/tmj.2020.0068.

156
Sala de bate papo vivencial

A vivência de um momento de pandemia que para muitos foi um evento singular, nunca
experienciado, traz consequências e também um despertar para a busca de possibilidades
diversas dentro do contexto. A Pandemia COVID-19, além de implicações às condições físicas
de saúde e as incertezas diante de uma patologia, no período do seu início obscura e de pouco
conhecimento científico, traz também as implicações principalmente à saúde mental. Riscos
impostos e intensificados pelo medo de adoecimento de si e seus familiares, interrupção e
dificuldades das vivências relacionais e sociais, ter emoções e sensações prejudicadas causando
irritabilidade, angústia, tristeza, desamparo, tédio, solidão, e alterações comportamentais
diversas, podem desencadear ou agudizar quadros psicopatológicos. A atenção voltada para as
pessoas acometidas por transtornos mentais, já em tratamento psicoterapêutico em centros de
referência, faz-se necessário pois, consequências ainda maiores com exacerbação de condições
típicas ao adoecimento preexistente, está marcada pela necessidade de afastamento físico e
isolamento social do momento da pandemia COVID-19.
Os Centros de Atenção Psicossocial, estratégia substitutiva ao modelo manicomial que
remete às vivências pandêmica, que através da Lei nº 10.216, propôs um novo modelo
organizacional para os serviços psiquiátricos brasileiros, promovendo redirecionamento da
assistência, do cuidado e reinserção social. O Centro de Atenção Psicossocial II - CAPS II,
serviço de referência de Média e Alta Complexidade de Estratégias de Vigilância à Saúde, tem
suas ações pautadas na Portaria 336/GM de 19 de fevereiro de 2002, que regulamenta o
atendimento às pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, com oferta de cuidado
e reabilitação psicossocial, evitando agravamentos, favorecendo o exercício da cidadania e de
inclusão social dos usuários e de seus familiares e em comunidade, com fortalecimento dos
laços, mediante as intervenções em saúde mental que promovam novas possibilidades de
modificar e qualificar as condições e modos de vida, orientando-se pela produção de vida e de
saúde e não se restringindo à cura de doenças. Os principais dispositivos comunitários utilizados
são os grupos terapêuticos e operativos, a abordagem familiar, as redes de apoio social e/ou
157
pessoal do indivíduo, os grupos de convivência entre outros. O desenvolvimento de ações neste
âmbito, ampliam as possibilidades e habilidades quanto às suas vivências familiares e sociais
como um todo.
Com o aumento no registro de casos da COVID-19 e a imposição da necessidade de
afastamento físico promovendo o isolamento social, imperou uma preocupação com a saúde
mental dos usuários assistidos por serviços de atenção psicossocial e também com outros
cidadãos, principalmente em razão do distanciamento social e a suspensão de oficinas diárias,
em grupos, que contava com a presença e participação de muitos deles. É sabido que um dos
primeiros efeitos desse afastamento social é a sensação de desamparo pelo distanciamento e
“perda” de contato com a equipe e com os outros usuários, com os quais se relacionam no dia
a dia e a intensificação das dificuldades e fragilidades já presentes com a psicopatologia, assim
como o aumento desse sofrimento psíquico.
A Crise pandêmica toma proporções que podem demorar um tempo para passar, assim
como suas consequências. Por isso, uma preocupação foi a necessidade de apontar meios que
pudessem minimizar os efeitos desse isolamento, para que a saúde mental desses usuários
atendidos em CAPS da região sul da Bahia. Certos de que em tempos de isolamento social e
distanciamento físico, o aparelho celular smartphone tornou-se recurso importante para pessoas
se conectarem, por meio dos quais foi possível, através do uso dos aplicativos e mídias sociais
como WhatsApp, tornou-se meio imprescindível para a comunicação e informação fazendo
com que os usuários se sentissem acolhidas, mesmo que não presencial nos serviços de atenção
psicossocial, mas cientes que há alguém que está pronto para ajudar, para escutar.
Partindo deste princípio, o uso do equipamento para o engajamento destes usuários dos
CAPS e da sociedade em geral, às propostas de intervenções de cuidado em saúde mental do
Projeto e-Terapias com a construção de ação em grupo de apoio psicossocial com uso das
Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s), como recurso de suporte equivalente aos
ofertado nos serviços, utilizando a participação dialogada em rodas de conversa. O projeto e-
Terapias traz em proporções ampliadas como enfrentamento às demandas diversas da pandemia
COVID-19, a Sala de Bate Papo Vivencial como espaço dialógico que oportuniza vivências
que foram suprimidas durante o período de distanciamento físico e social, reduzindo ou até
mesmo eliminando riscos ao adoecimento mental ou agravamento deste, com escuta e
direcionamentos. No decorrer desse período de distanciamento social, várias propostas de rodas
de conversa virtual com dinamismo de bate papo e disposição das vivências de cada semana,
trazendo intencionalidades diversas inclusive para atender demandas específicas de grupos.

158
A SALA DE BATE PAPO VIVENCIAL

Foi integrado ao escopo de ofertas do projeto E-Terapias, a Sala de Bate Papo Vivencial,
que teve como público-alvo usuários do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) em Ilhéus,
seus familiares/responsáveis e comunidade em geral. Tendo o contato virtual por meio de
recursos tecnológicos de informação e comunicação, como imprescindível durante o período
mais crítico da pandemia COVID-19, em proposta de ações como alternativa para manter
contato com público em geral e usuários do serviço CAPS, promovendo espaço para assistir e
conduzir reflexões e perspectivas de mudanças pessoais (aprendizagem) a partir de experiências
vivenciadas e compartilhadas, como forma de minimizar agravantes que afetam a saúde mental.
Neste período, foi possível através da proposta de diálogos em rodas virtuais da Sala de Bate
Papo Vivencial com usuários do CAPS e pessoas em geral que acessaram a oficina por meio da
divulgação promovida em página acadêmica da Universidade Estadual de Santa Cruz, espaço
onde consta a site do projeto E-Terapias, oportunizando acesso a diversidade de oficinas
psicossociais.
No decorrer desse período de distanciamento social, várias propostas de roda de
conversa virtual com dinamismo de bate papo e disposição das vivências semanalmente,
trazendo intencionalidades diversas inclusive para atender demandas específicas de grupos. O
projeto E-Terapias oferta em proporções ampliadas como enfrentamento às demandas diversas
da pandemia COVID-19, a Sala de Bate Papo Vivencial como esse espaço dialógico que
oportuniza vivências que foram suprimidas durante o período de distanciamento físico e social,
reduzindo ou até mesmo eliminando riscos ao adoecimento mental ou agravamento de
adoecimentos mentais preexistentes, contemplando oportunamente aspectos relevantes como
acolhimento, escuta e direcionamentos psicoterapêuticos.
As mídias sociais usadas na comunicação da oficina trazem a garantia de uma
comunicação de boa qualidade e atualizações precisas de informações relacionadas ao momento
presente, as preocupações e incertezas apresentadas, podem ser atenuadas, buscando sanar em
parte as consequências trazidas pelo momento no âmbito da saúde mental.
Trata de canal como às propostas de Rodas de Conversa com espaço de falas e de escuta
dos grupos terapêuticos e como tratado por Antunes (2021):

159
Conforme Arbex (2019, p.52), a Roda de Conversa: "É um exercício constante de
observação e escuta do outro e de si próprio. Esperar a vez de falar e estar atento à fala
do colega". Neste sentido, a abordagem socioemocional, como forma de sensibilização,
facilita o acolhimento e construção de vínculos através do autoconhecimento, da
resiliência emocional e da empatia.

Trazer um espaço que remeteria às vivenciadas no serviço CAPS e desenvolvimento de


práticas de primeiros cuidados psicológicos moderadas por multiprofissionais com produção de
conteúdo temáticos e lançar mão dessas ferramentas para dar suporte a todos que buscam, com
acolhimento e atenção, meios para o alívio do sofrimento, compartilhando angústias,
constituindo um espaço de cuidado e de promoção da saúde mental, além de levar orientações
quanto relações interpessoais, relações sociais que contemple dificuldades, conflitos e
aprendizagens. Também o desenvolvimento de hábitos saudáveis física, mental e alimentar,
desde a prática de higienização e desinfecção, a atitudes seguras, mesmo vivenciando momento
de restrições nos ambientes domésticos.
Como espaço de construção de processos dialógicos para a produção de cuidado na
atenção psicossocial, Pimentel (2020) resgata o sentido etimológico da palavra diálogo quando
traz a compreensão de experiência que liga os sujeitos, criando possibilidades de compartilhar
sentidos por intermédio da palavra, aqui compreendendo as falas.
Com base neste contexto a proposta foi planejada e a Sala de Bate Papo Vivencial
iniciada em julho de 2020, conforme inscrições na página do projeto E-Terapias, foi
disponibilizada em dois dias da semana, sendo um quarta-feira e outro na sexta-feira, contou
com a participação de usuários do serviço CAPS II e pessoas não usuárias do serviço. Para um
dos grupos constituído de forma heterogênea, foi utilizado a plataforma “meet.jit.si” e o outro
constituído apenas de usuários do serviço pelo aplicativo “Whatsapp”. Em cada momento dos
encontros semanais, os grupos foram moderados por dois profissionais, sendo uma psicóloga e
a outra enfermeira, que também atuam no serviço de atenção psicossocial, e uma estudante de
enfermagem. Nos encontros foram tratados conteúdos apontados como os de necessidades
emergentes diante do momento, onde muitos estavam isolados em seus lares o que reforçava a
condição de estar distante das vivências sociais e ampliando condições estressantes e
angustiantes pelo desconhecido, do medo do adoecimento e transmitir para familiares, e estar
confinado aos espaços domésticos. A Sala de Bate Papo Vivencial, configurado como um
espaço de escuta e compartilhamento das angústias, ansiedade, falas das dores físicas e
emocionais, dentre as diversas temáticas acolhidas estão a Pandemia e Ansiedade, as mudanças

160
bruscas provocadas pela pandemia, na rotina de vida e do trabalho, no convívio com familiares
e outras atividades que foram afetadas pelo período pandêmico.
Possibilitar encontros dialógicos proporcionados em cada momento experienciado com
os encontros semanais previstos nas propostas das oficinas psicoterapêuticas, reconstrói valores
através da ressignificação das vivências e suas habilidades, aspectos importantes aos cuidados
em saúde mental. A experiência proporcionou momentos de trocas e fortalecimento
socioemocionais, configurando grupo de apoio mútuo, como descreve Antunes:

Inicialmente, as Rodas de Conversa foram implementadas e estudadas como um


instrumento a ser utilizado na condução de estratégias de cuidado em saúde,
principalmente no âmbito da saúde mental (Costa et al, 2014). Tais experiências
demonstraram que as Rodas possibilitam encontros dialógicos e criam possibilidades de
produção e ressignificação de sentidos e saberes, uma vez que estão pautadas na
horizontalização das relações de poder, permitindo a seus participantes se colocarem
como atores históricos e sociais, críticos e reflexivos diante da realidade (Sampaio et al,
2014).

As rodas de conversa trazem um clima acolhedor de modo a proporcionar conforto para


os participantes, deixando-os intimamente ligados devido ao grau de confiabilidade,
demonstrado desde o momento inicial com apresentação oficial do projeto, esclarecendo os
objetivos do projeto e durante a execução das rodas com intenções de produzir cuidado em
saúde mental e diálogos estabelecidos. Os espaços dialógicos permitiram trocas quanto
momentos de lazer, bem-estar e autocuidado. Durante os três meses de desenvolvimento das
propostas houve atenção às particularidades, as diferenças e individualidades dos participantes,
mas sempre oferecendo condições para a suplantar a dificuldade imposta pela pandemia. Sendo
assim, os grupos foram encerrados, permanecendo, conforme relatos, o significado e
importância da proposta e aspectos positivos gerados nas vidas das pessoas que participaram
de modo a ampliar a possibilidade diante a experiência e da vivência da pandemia e seus
aspectos relevantes no que tange produção de cuidado em saúde.

REFERÊNCIAS

ANTUNEZ, Andrés Eduardo Aguirre et al. Rodas de conversa na universidade pública


durante a pandemia covid-19: educação e saúde mental. Constr. psicopedag., São Paulo, v.
161
30, n. 31, p. 6-18, dez. 2021. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
69542021000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 set. 2023.

BRASIL, Lei Federal Nº. 10216/01. Reforma Psiquiátrica, jun, 2001.

BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Portaria GM n° 336, de 19 de fevereiro de 2002.


Define e estabelece diretrizes para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, 2002.

Furtado, L. A. C., Fegadolli, C., Chioro, A., Nakano, A. K., Silva, C. G. da ., Paula, L. de .,
Souza, L. R. de ., & Nasser, M. A.. (2020). Caminhos metodológicos de pesquisa
participativa que analisa vivências na pandemia de Covid-19 em populações vulneráveis.
Saúde Em Debate, 44(spe4), 306–318. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-
11042020E421>.

MELO, Bernardo Dolabella et al. Saúde mental e atenção psicossocial na pandemia


COVID-19: recomendações gerais, 2020.

Pimentel, A. P., & Amarante, P. D. de C.. (2020). Paradigmas, percepções e práticas em


saúde mental: um estudo de caso à luz de Bakhtin. Bakhtiniana: Revista De Estudos Do
Discurso, 15(3), 8–33. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2176-45734415>.

162
Grupo de Ajuda Mútua on-line: um papo dez conectando pessoas em
tempos de pandemia da COVID-19

O cuidado em saúde mental passou a enfrentar grandes desafios em virtude da pandemia


da Covid-19, emergência sanitária global que implicou na necessidade de distanciamento entre
as pessoas e prejudicou a continuidade de serviços voltados à atenção psicossocial (WHO,
2019).
A pandemia afetou a todos(as), de diferentes maneiras. A morte de entes queridos, o
medo de ficar doente com o vírus ou de que familiares e outras pessoas próximas adoecessem,
além do sentimento de vazio existencial que experimentamos em respeito às regras de
distanciamento social, produziram uma terrível sensação de inadequação e incerteza que afetou
a humanidade como um todo.
Não sabíamos quando tudo iria acabar, quando voltaríamos à vida que levávamos
anteriormente ou mesmo se seria possível retornarmos ao cotidiano que vivíamos antes do
período pandêmico. Perguntávamo-nos, ainda, como conseguiríamos superar tanta dor, tristeza,
solidão e ansiedade. Enfim, não fazíamos ideia de como deixar para trás todas as dificuldades
vivenciadas naquele contexto. Entretanto, era unânime entre nós a certeza de que algo precisava
ser feito, urgentemente, para enfrentar e superar aquele contexto de adversidade.
Na medida em que a pandemia progredia, diversos artigos e reportagens davam conta
do surgimento de novos episódios de “doenças mentais” ou de um agravamento dos sintomas
psiquiátricos, “entre aqueles que já possuem um diagnóstico” (AMARANTE, 2020, p.28). Esse
autor fez uma análise de diversos artigos publicados desde a eclosão da pandemia de Covid-19,
e observou que apesar de o sentir-se ansioso e/ou deprimido durante a pandemia poder ser visto
como uma reação “normal”, a linguagem utilizada, muitas vezes, categorizou essa reação como
uma “doença” (AMARANTE, 2020, p.29).
163
Desse modo, o autor identificou um movimento em direção à patologização de questões
referentes à saúde mental e outras a elas associadas, em decorrência da pandemia. Nessa
perspectiva, refletiu sobre a “epidemia” de ansiedade e medicalização do sofrimento emocional
relacionado à pandemia, evidenciadas desde os primeiros artigos publicados, em que a
normalidade rapidamente se confundiu com “patologia” (AMARANTE, 2020).
Nessa perspectiva, alguns autores afirmaram que as repercussões na saúde mental da
população em situações emergenciais, a exemplo da pandemia de Covid-19, podem ser
divididas em três fases, a inicial, a da ocorrência e a do pós fenômeno (LI, GE, FEI, 2020;
BRASIL, 2020). Segundo esses autores, na fase inicial, observa-se que muitos indivíduos
apresentam sensação de inevitabilidade com alto grau de tensão, supervalorização ou
subvalorização da situação, além de quadros de ansiedade, insegurança e hipervigilância dos
sintomas da doença.
Durante a ocorrência do fenômeno, alguns dos sintomas já citados permanecem e são
acrescidos de outros, portanto, pode-se constatar também a existência de medo e sentimento de
vulnerabilidade; algumas pessoas podem apresentar estado de letargia ou agitação;
desestabilização emocional; para aqueles que já possuem alguma patologia de ordem psíquica,
pode haver o agravamento dos sinais e sintomas da mesma; transtornos psicossomáticos; entre
outros (LI, GE, FEI, 2020; BRASIL, 2020).
Na fase pós-fenômeno, a população pode desenvolver medo de que ocorra uma nova
situação de emergência humanitária; depressão; estresse pós-traumático; episódios de consumo
abusivo de álcool e outras drogas; apresentar comportamento violento; e até mesmo ter
dificuldade em retomar rotinas, assim como em reorganizar seus projetos de vida (LI, GE, FEI,
2020; BRASIL, 2020).
Nessa perspectiva, percebemos que a pandemia deixou cidadãos do mundo inteiro em
estado de alerta, em virtude dos inúmeros fatores estressantes, que não são comuns em períodos
de equilíbrio sanitário (SILVA; MUNIZ, 2020; MORAES, 2020). Assim, evidenciaram o
entendimento de que a pandemia de Covid-19, ao produzir inúmeras transformações nos modos
de viver e sentir o sofrimento mental na concretude da vida e da existência, acabou por aumentar
a necessidade de cuidados em saúde mental.
Entretanto, cabe refletir sobre a tendência de limitar a oferta de cuidados em saúde
mental à prescrição de remédios para ansiedade ou depressão, que, na melhor das hipóteses,
conseguiria deixar as pessoas menos envolvidas emocionalmente com o cenário difícil que se
apresentava (WHITAKER, 2020). Assim, o autor enfatiza que, se por um lado a medicalização

164
do sofrimento emocional em reação à pandemia refletiu a expansão do empreendimento
psiquiátrico dos últimos 40 anos, por outro, abriu possibilidades para enxergarmos a
insuficiência dos remédios para enfrentar sofrimentos esperados em dadas situações ambientais
e sociais, tais como a pandemia de Covid-19.
Logo, refletir o cuidado em saúde mental em tempos de pandemia mobiliza a retomada
dos pressupostos da Reforma Psiquiátrica (RP) como um processo que abarca os modos como
as pessoas com sofrimento mental e suas famílias lidam com o diferente e com o cuidado
(GULJOR; AMARANTE, 2020). Assim, desvela a empatia para com quem está sofrendo
emocionalmente e faz ver que é perfeitamente compreensível que as pessoas se sintam ansiosas
ou inquietas em tempos de incerteza (WHITAKER, 2020).
Nossa vivência como equipe executora de um Projeto de Extensão da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), que já era desenvolvido no Centro de Atenção
Psicossocial do tipo II (CAPS II) desde o ano 2011, intitulado “Grupo de Ajuda Mútua (GAM)
e a intersubjetividade do cuidar no CAPS II de Jequié/BA”, nos fez perceber que ao mobilizar
o distanciamento dos usuários do serviço e das pessoas significativas com as quais conviviam
anteriormente, a pandemia de Covid-19 levou algumas famílias a assumir o cuidado em saúde
mental dos seus integrantes, por um lado, alterou a rotina e promoveu aproximação, e por outro,
contribuiu para a ocorrência de diferentes tipos de crises no contexto familiar.
Com o intuito de mantermos o vínculo com usuários do CAPS II e abrirmos
possibilidades de oferecer escuta terapêutica e qualificada para esse público e outras pessoas
significativas (familiares, amigos e interessados no tema da saúde mental), desenvolvemos
atividades extensionistas através de plataformas digitais, tais como Instagram, Google meet e
WhatsApp, durante a pandemia (OLIVEIRA, 2020).

CONSTRUINDO UM CAMINHO METODOLÓGICO

Para que o Papo Dez pudesse acontecer, mobilizamos dois discentes do Curso de
Graduação em Enfermagem, bolsistas de extensão universitária no momento de eclosão da
pandemia, que entraram em contato de forma individual com os membros do GAM, via telefone
celular, para apresentar a proposta de retomada do grupo mediante a realização de reuniões on
line, e confirmaram o desejo deles de participar dos encontros. Para que pudessem aprender a
utilizar as plataformas digitais Google Meet e Zoom, mediante as quais faríamos as chamadas
de vídeo para fomentar a interação e aproximação entre as pessoas, os bolsistas faziam uma

165
chamada de vídeo pelo WhatsApp, virava a câmera para o notebook, que apresentava uma tela
do Google Meet e ia demonstrando o passo a passo para participarem do encontro on line.
Por acontece sempre às dez horas, das sextas-feiras, um integrante do GAM sugeriu que
os encontros on line fossem chamados Papo Dez. A palavra “Papo” faz menção à ideia de
conversa, interação entre duas ou mais pessoas que podem falar abertamente sobre o que
desejarem. Com relação à expressão “Dez”, esta faz referência a uma nota máxima, se fosse
uma questão de avaliação, de dar uma nota à estratégia de cuidado. Fizeram referência à nota
dez, pois sempre compartilhamos com eles a responsabilidade de avaliar discentes de graduação
da disciplina Enfermagem em Atenção à Saúde Mental, após realizarem aulas práticas no
CAPS, explicando que poderiam pontuar de zero a dez.
Ao se posicionarem sobre a sugestão do nome Papo Dez para essa estratégia de cuidado
on line, os demais integrantes do grupo relataram vários motivos que justificariam a escolha.
Além de ser um momento agradável, o Papo Dez possibilita a discussão de assuntos
interessantes, atraentes, motivadores e inspiradores, já que o compartilhamento de sentimentos,
situações problemáticas e formas de superação produzem identificações entre os semelhantes.
Os encontros virtuais aconteceram entre o período de novembro de 2020 a outubro de
2021, toda sexta-feira, às 10h. A partir de fevereiro de 2022, os encontros de Papo Dez passaram
a acontecer na modalidade híbrida, já que apesar de nos encontrarmos presencialmente,
fazíamos uma chamada pelo Google Meet para que as pessoas que moravam mais distante
pudessem participar, a exemplo de uma amiga do GAM que reside em Niterói, no Rio de
Janeiro. Atualmente, os encontros estão acontecendo na UESB, presencialmente, já que
estamos promovendo um curso de extensão intitulado “O cuidado em liberdade no contexto da
saúde mental”.
O Papo Dez passou a ser visto como a principal estratégia de cuidado aos participantes
do GAM no período pandêmico, vez que os encontros on line surgiram como possibilidade de
reencontro com os usuários do CAPS II que se distanciaram do serviço em decorrência das
medidas protetivas contra o coronavírus. Assim, o Papo Dez permitiu a continuidade dos
diálogos abertos sobre processo de viver, reforma psiquiátrica, saúde mental de grupos
populacionais, dentre outros temas que o grupo já discutiam anteriormente, bem como a
introdução da discussão sobre Covid-19 e outros assuntos de interesse do grupo.
As atividades desenvolvidas no Papo Dez incluem as roda de Terapia Comunitária
Integrativa (TCI), exercícios de meditação, atividades físicas e de alongamentos, roda de
conversas, cine-debates, apresentação de músicas e vídeos, com o intuito de mobilizar o

166
diálogo. No período em que as atividades de Papo Dez aconteciam na modalidade on line,
conseguimos receber uma especialista em grupo de ouvidores de vozes, que também é
enfermeira e psicóloga, e duas representantes da Associação Metamorfose Ambulante,
militantes da saúde mental e do coletivo de combate à violência contra a mulher.

EXPERIMENTANDO UM PAPO DEZ

A descrição da experiência vivida durante o Papo Dez evidencia a viabilidade do


processo grupal terapêutico, bem como do fortalecimento do modelo de atenção psicossocial
no contexto dos GAM, reforçando, portanto as relações interpessoais entre os participantes
deste tipo de grupo, profissionais de saúde e sociedade em geral. Frente à necessidade de dar
continuidade ao cuidado em saúde mental em tempos de pandemia de Covid-19, os encontros
online foram instituídos como estratégia na utilização das tecnologias da comunicação e
informação (TIC), visto que estas se constituem como ferramentas facilitadoras da interação
interpessoal, garantindo uma comunicação eficaz durante o distanciamento social
(JAVARONI; SANTOS; BORBA, 2011; BITTENCOURT; FERRAZ; MERCADO, 2019).
O Papo Dez tem se constituído para membros do GAM como um espaço de
compartilhamento de vivências mobilizadoras da construção de autoimagem positiva, auto
revelação, autocuidado, compartilhamento de saberes, estímulos à ocupação de espaços
públicos e desenvolvimento de relações interpessoais, que refletem o grau de autonomia do
participante (CARVALHO et al, 2021).
O Papo Dez tem permitido a interação entre discentes, docentes, usuários, familiares e
profissionais do CAPS II, contribuindo para a construção da intersubjetividade e melhoria da
qualidade de vida dos envolvidos (SILVA et al., 2017). Assim, o Papo Dez tem se constituído
como uma estratégia de cuidado fundamental para a compreensão da subjetividade de pessoas
com sofrimento mental e outras que são significativas, respeitando a singularidade dos
participantes, o respeito e acolhimento uns dos(as) outros(as).
Nessa perspectiva, o grupo se torna corresponsável pelo processo de busca de soluções
para conflitos, sofrimentos e problemas cotidianos, os modos de superação são compartilhados
e incorporados mediante o diálogo. Durante os encontros do Papo Dez, além de todas as
dificuldades que já enfrentavam, os integrantes do grupo puderam compartilhar sentimentos
relacionados à necessidade de distanciamento do CAPS II e de todas as possibilidades de

167
cuidado que lhes eram abertas quando podiam transitar livremente pelo território quando os
efeitos da pandemia atingiram seu cotidiano.
O Papo Dez tornou possível a convivência entre as pessoas mesmo naquele momento
tão adverso, da pandemia de Covid-19. Essa estratégia permitiu a retomada ou estreitamento
dos vínculos entre os participantes do GAM, de modo a despertar o senso de solidariedade, de
ajuda mútua e construção de redes sociais informais constituídas por familiares, amigos e
profissionais de diferentes áreas, que implementaram ações de cuidado e suporte concreto na
vida.
Nesse contexto, surgiram relatos que demonstram a solidariedade entre eles, o
compromisso em participar dos encontros, fortalecimento do vínculo e das relações
interpessoais revelando que o engajamento dos usuários na construção do cuidado, apesar do
distanciamento físico serviu de parâmetro para a avaliação positiva do Papo Dez como
estratégia de cuidado on-line em tempos de pandemia Covid-19.
O Papo Dez mostrou-se eficaz como uma ferramenta facilitadora para estreitar os
vínculos entre usuários e acadêmicos de enfermagem, favorecendo o compartilhamento de
experiências e histórias de vida, surgindo como espaço para resolutividade e melhoria na
adaptação do modo de vida tanto individual quanto coletivo.
O Papo Dez ainda pode ser visto como uma forma do GAM continuar existindo após a
pandemia de Covid-19. O GAM, que tem como proposta fomentar e estimular o
empoderamento e autonomia de pessoas com sofrimento mental, precisou se reinventar, assim
como outros grupos que buscam contribuir com o aumento de poder pessoal e coletivo que
concerne às relações interpessoais e institucionais, voltadas à superação dos sentimentos de
dominação, opressão, e discriminação social (VASCONCELOS, 2003).
Nessa perspectiva, o Papo Dez também oportunizou a construção de um cenário
propício ao protagonismo dos participantes, desde a capacitação para aprendizagem no
manuseio dos equipamentos eletrônicos, habilidades que proporcionavam o acesso à plataforma
dos encontros, até o desenvolvimento dos diálogos que possibilitavam ajustamento e
ressignificação do processo de viver em período pandêmico, o que fortaleceu o senso de
empoderamento e autonomia.
O grau de autonomia dos membros do GAM está relacionado à capacidade deles
compreenderem e atuarem sobre si mesmos e sobre o mundo da vida. A elevação da autonomia
de alguns integrantes do grupo, medida pela capacidade de autocuidado, de compreensão sobre
o processo saúde-doença, de usar o poder e de estabelecer compromisso e contrato com outros,

168
pode ser percebida mediante os relatos daqueles que passaram a interagir mais com a família,
contribuindo com os afazeres domésticos, além do casal que passou a conviver juntos, em união
estável, durante a pandemia de Covid-19.
A nossa experiência no Papo Dez evidencia que autonomia e empoderamento não se
constroem sozinhos, mas sim na sua relação com o outro, com a construção e manutenção de
laços de amizade e cumplicidade. Além disso, os encontros favoreceram a reflexão sobre
diagnósticos de transtorno mental, medicalização da vida e da existência, tornando-os mais
críticos em relação ao tratamento e a gestão do serviço, o que foi possível perceber quando
relataram a participação de alguns integrantes do GAM na luta pela escolha da coordenadora
do CAPS II. No primeiro Papo Dez que ocorreu no ano de 2022, na primeira sexta-feira do mês
de fevereiro, discorreram sobre os enfrentamentos que tiveram na Secretaria Municipal de
Saúde para que a então psicóloga do CAPS II pudesse assumir a nova função.
Dessa forma, evidenciamos o papel do Papo Dez para o reconhecimento do papel dos
usuários para assumirem o protagonismo do seu próprio cuidado. Participarmos do
desenvolvimento dessa estratégia de cuidado permitiu uma aproximação com usuários do
CAPS II, em virtude do diálogo da construção de contextos de intersubjetividades e do cuidado
centrados na pessoa e em suas potencialidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O cenário pandêmico mobilizou a construção de novas estratégias para lidar com os


desafios ocasionados pela Covid-19, a partir do desenvolvimento de alternativas que
permitiram dar continuidade às ações de promoção da saúde mental e prevenção da ocorrência
de problemas potenciais. Deste modo, o Papo Dez, criando inicialmente como estratégia de
cuidado on-line, favoreceu a construção de um espaço de interlocução entre o campo técnico,
acadêmico, familiar e social através da ajuda mútua e do enfrentamento às situações de
sofrimento esperadas em virtude do contexto que estávamos vivenciando.
Nesse sentido, a experiência mostrou que partilhar, apoiar, produzir e fazer circular
valores, durante os encontros do Papo Dez, foram fatores fundamentais para a construção de
redes de sociabilidade, em que afetos e relações puderam ser ressignificadas, colaborando para
a formação de vínculos sociais tanto para usuários dos serviços quanto para seus familiares.
Os resultados da experiência do Papo Dez confirmam o importante papel que o GAM
assume na rede de suporte social, proporcionando o acesso a novos contatos e a formação de

169
novos vínculos sociais, que podem evoluir para as mais diversas interações e experiências de
cuidado.
De modo geral, o Papo Dez proporcionou um aprofundamento sobre as relações de
cuidado em saúde mental, evidenciando a necessidade de inserir diferentes atores, em diversos
âmbitos da assistência à saúde, expandindo conhecimento e associando teoria à prática. O
conhecimento adquirido durante a experiência foi essencial para a construção do pensamento
crítico e reflexivo de todos os envolvidos, sobretudo no que se refere à importância de garantir
o cuidado interdisciplinar e integral.
O Papo Dez tornou possível a integração entre usuários do CAPS II que participam do
GAM, familiares e trabalhadores do serviço, além de amigos(as) e interessados no tema da
Saúde Mental. As atividades realizadas na modalidade remota tornaram viáveis os encontros,
sem riscos de aglomerações e contaminação pelo coronavírus, além de abrir possibilidade para
a construção de estratégias de permanente mobilização social e de empoderamento, essenciais
para diminuir as sensações provocadas pela condição de isolamento social.
A utilização das plataformas digitais mostra vantagens e desvantagens. As vantagens se
referem à possibilidade de manter o contato com os usuários e estimular a interação e
aproximação entre as pessoas. No entanto, algumas desvantagens dizem respeito às dificuldades
de acesso por parte dos usuários que não dispõem de conexão de internet ou de aparelhos
celulares compatíveis com a tecnologia exigida. Além disso, alguns usuários têm baixa adesão
a essas modalidades, muitas vezes por apresentarem pouca habilidade no uso dos equipamentos
eletrônicos.

REFERÊNCIAS

AMARANTE, Paulo et al. O enfrentamento do sofrimento psíquico na pandemia: diálogos


sobre o acolhimento e a saúde mental em territórios vulnerabilizados. IdeiaSUS/Fiocruz. Rio
de Janeiro: IdeiaSUS/Fiocruz, 2020.

BITTENCOURT, I.M.; FERRAZ, E.S.; MERCADO, L.P.L. O uso de ferramenta síncrona na


coleta de dados na pesquisa em educação online. RIAEE – Revista Ibero-Americana de
Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. 3, p. 1217-1228, jul./set., 2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Brasil. Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia


COVID 19. Recomendações para Gestores. FioCruz. Brasília. 2020/04. [acesso em 24 abr de
2020]. Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/cartilhas-reunem-informacoes-
erecomendacoes-em-saude-mental-na-pandemia-de-covid-19/

170
CARVALHO, Patrícia Anjos Lima de et al. Saúde Mental no Século XXI: indivíduo e
coletivo pandêmico: autonomia, empoderamento e desinstitucionalização em tempos de
pandemia: relato de experiência. Guarujá-Sp: Editora Científica Digital, 2021.
http://dx.doi.org/10.37885/210303660.

JAVARONI, S. L.; SANTOS, S. C.; BORBA, M. C. Tecnologias digitais na produção e


análise de dados qualitativos. Educ. Matem. Pesq., São Paulo, v.13, n.1, pp.197-218, 2011.

LI Z, G. J. et al. Vicarious traumatization in the general public, members, and


nonmembers of medical teams aiding in COVID-19 control. Brain, Behavior and
Immunity, 2020. Disponível em: DOI: https://doi.org/10.1016/j.bbi.2020.03.007

MORAES, R.F. Prevenindo conflitos sociais violentos em tempos de pandemia: garantia


da renda, manutenção da saúde mental e comunicação efetiva. IPEA. Diest Diretoria de
Estudos e Políticas do Estado, das Instituições e da Democracia, v.27, 2020 [acesso em 24 de
abr 2020] Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9836

OLIVEIRA, A. B. Educação em tempos de pandemia: o uso da tecnologia como recurso


educacional. Pedagogia em Ação, Belo Horizonte, v.13, n. 1, 2020.

SILVA JB, MUNIZ AMV. Pandemia do Coronavírus no Brasil: Impactos no Território


Cearense. Espaço e Economia. Revista Brasileira de Geografia Econômica. 17, 2020.
Disponível em: DOI: https://doi.org/10.4000/espacoeconomia.10501

SILVA, Annaterra Araújo et al. Tecnologia Cuidativa Grupal em Centro de Atenção


Psicossocial II: relato de experiência: área temática da extensão: saúde. Vitoria da Conquista,
30;31 out. 2017.

VASCONCELOS, E. M. O poder que brota da dor e da opressão: emporwerment, sua


história, teorias e estratégias. São Paulo: Paulus, 2003.

WHO. Mental health and psychosocial considerations during COVID-19 outbreak.


March, 2020a. 2. World Health Organization. (2020b). Coronavirus disease 2019 (COVID-
19): situation report - 78. Geneva: Author. Retrieved from
http://www.who.int/docs/defaultsource/coronaviruse/situation-reports/20200407-sitrep-78-
covid-19.pdf?sfvrsn=bc43e1b_2

171
Seção IV

Grupos de e-Terapias de Apoio Matricial

172
E-terapias de apoio matricial com profissionais da Atenção Básica

O cenário pandêmico da COVID-19 também trouxe mudanças e adaptações nas


conexões que envolvem o processo de trabalho em saúde. Enquanto portas eram fechadas, e o
convívio social bloqueado, os profissionais viram-se desgastados pela situação – seja
emocionalmente por perdas, aumento de carga horária, lidar com uma doença nova, quanto
adaptar-se ao sistema – que exacerbou suas fragilidades, diante do atraso tecnológico,
dificuldades assistenciais e geográficas, além da crescente evidência que a saúde mental ganhou
nesse ínterim (Lima, 2020).
Este capítulo mostra como trabalhamos o apoio matricial para profissionais atuantes na
Atenção Básica (AB) da saúde e da assistência social, a partir de dois grupos: “Diálogos em
rede” e o de “Qualificação online em saúde mental”. Para além do aspecto pedagógico, esses
grupos objetivaram realizar escuta, suporte técnico e instrumental relacionados às situações-
problema do cotidiano do cuidado em saúde mental, cujas vivências mobilizaram sentimento
de impotência e/ ou frustrações nos trabalhadores.

DEFININDO O APOIO MATRICIAL E ASPECTOS OPERACIONAIS

O Apoio Matricial é uma forma compartilhada de construir integralidade,


corresponsabilidade e resolubilidade da atenção, a partir da integração entre a saúde mental e a
atenção primária em cuidados colaborativos (Campos e Domitti, 2007; Chiaverini, 2011). Esse
modelo assegura apoio às equipes e profissionais na atenção à saúde, oferecendo suporte
técnico-pedagógico, neste caso, aos trabalhadores das redes dos Sistemas Únicos em
173
Assistência Social (SUAS) e Saúde (SUS), na forma de e-Terapias, com intervenções
pedagógicas e psicossociais. Com ênfase nesse apoio, os grupos aqui relatados possibilitaram
auxílio aos profissionais, para resolução de casos em saúde mental, de maneira assertiva e
resolutiva em tempos de pandemia.
O matriciamento transforma a lógica tradicional do sistema de saúde
(vertical/hierárquica, com encaminhamentos, protocolos, transferências de responsabilidade),
visando ações horizontais, integrando componentes e experiências nos diferentes níveis de
assistência, com corresponssabilização e cogestão, em uma construção conjunta de
intervenções sustentadas (Campos e Domitti, 2007; Chiaverini, 2011; Hirdes, 2018). Esse apoio
é também um norteador na organização do cuidado, proporcionando a retaguarda especializada,
suporte técnico-pedagógico, vínculos interpessoais e apoio institucional nos projetos
terapêuticos junto à população, visando a integralidade e resolubilidade da atenção,
transformando não só o processo de saúde-doença, mas toda a realidade da equipe e
comunidade.
Segundo Campos e Domitti (2007, p. 400), a relação entre a equipe de referência da
atenção básica e equipe de apoio matricial (em saúde mental) constitui um novo arranjo do
sistema de saúde:

Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, arranjos organizacionais


e uma metodologia para gestão do trabalho em saúde, objetivando ampliar as
possibilidades de realizar-se clínica ampliada e integração dialógica entre distintas
especialidades e profissões.

Proporcionando a retaguarda especializada da assistência, o matriciador diferencia-se


da supervisão, pois faz parte integrante ativa da produção e operacionalização dos projetos
terapêuticos (Chiaverini, 2011). A aplicabilidade do matriciamento tem sua importância
especialmente para subsidiar os profissionais quanto ao manejo de situações ou casos que
exigem, por exemplo, esclarecimento diagnóstico, estruturação desse projeto terapêutico e
abordagem da família. Em saúde mental, destacam-se sua aplicabilidade para realizar
intervenções psicossociais específicas da atenção primária, tais como grupos de clientes com
transtornos mentais, para para apoiar na adesão ao projeto terapêutico de pessoas com
transtornos mentais graves e persistentes em atendimento especializado em um Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS), e para resolver problemas relativos ao processo de trabalho em
saúde, como dificuldades nas relações pessoais ou nas situações especialmente difíceis

174
encontradas no cotidiano profissional (Hirdes, 2018). Assim, um caso ou situações-problema
poderão envolver um indivíduo, uma família, uma rua ou praticamente toda uma área de
abrangência.
Profissionais matriciadores em saúde mental na atenção primária podem ser psiquiatras,
psicólogos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, assistentes sociais ou enfermeiros de
saúde mental (Chiaverini, 2011). Em nossa experiência, os matriciadores tiveram essa formação
multidisciplinar, e o apoio ofertado pelo uso das tecnologias digitais, inspirados no
teleatendimento.
De acordo com Pimentel e Silva (2023) e Martinsi (2008):

As tecnologias de informação e comunicação (TICs) ou tecnologias digitais (TDs),


com suas singularidades e dinamismo, atreladas ao completo e complexo processo de
inovação, possibilita o vivenciamento do criativo, da pluralidade do diálogo, das
transformações e ressignificados, acesso ao conhecimento, nos quais, diante do
trabalho em saúde, vê-se como complementares às atitudes de escuta, alteridade,
empatia, comunicação, oportunizadas e mantidas no contato direto com o ser humano,
ampliando a capacidade de interlocução.

Durante o percurso na oferta de apoio online foram encontrados diversos desafios, que
suscitaram reflexões acerca das fragilidades intrínsecas ao próprio processo de apoio matricial
e à rede de serviços. Alguns desafios revelaram-se pela falta de estrutura e de recursos para
realização de atividades de maneira remota, por meio de acesso à internet via computador ou
celular, onde alguns profissionais tiveram que utilizar seus dados móveis para participarem dos
grupos online, pois não havia internet na unidade de trabalho.
Mesmo assim, independente das intempéries tecnológicas e falhas do sistema, os grupos
de matriciamento online mostraram-se ferramentas eficazes para suporte do cuidado na atenção
básica. Nos grupos, cada profissional participante era acolhido em sua demanda de dificuldade
diante do manejo em saúde mental, seguida de uma discussão técnica-pedagógica ora acerca de
temas específicos, ora de um caso clínico relatado.
Em nossos grupos online, tal como descrito na literatura (Campos e Domitti, 2007;
Campos, 2017; Chiaverini, 2011; Hirdes, 2018; entre outros), percebemos a efetiva
aplicabilidade e relevância do matriciamento, alcançando profissionais que precisavam
vivenciar o compartilhamento de saberes e práticas, bem como a articulação pactuada de
intervenções, para a execução de projetos terapêuticos singulares, garantindo atenção à saúde
integral e longitudinal no âmbito do SUS.

175
Entretanto, cabe ressaltar que a saúde mental na APS envolve um processo complexo,
permeado por diferentes forças que se contrapõem – profissional, política, ideológica,
epistemológica e de gestão (Hirdes, 2018). Em última análise, esses fatores remetem aos
recursos humanos dos serviços, que podem se constituir como fonte de potência e cuidado, que
representam o ‘trabalho vivo’ como um papel central (Hirdes, 2018).
O contexto pandêmico representou esse processo complexo, cujo “trabalho vivo” dos
atores envolvidos revela-se nas modalidades dos grupos de apoio matricial online que passamos
a apresentar neste capítulo. Foram experiências de acolhimento seguro e eficiente, com
compartilhamento de saberes e práticas entre atores do ensino e serviços, em prol da ampliação
e resolubilidade do cuidado em saúde mental na atenção básica.

DIÁLOGOS EM REDE - GRUPO DE ESCUTA E APOIO MULTIDISCIPLINAR AOS


PROFISSIONAIS DA ATENÇÃO BÁSICA

A e-terapia diálogos em rede teve como proposta oportunizar, remotamente, uma roda
de conversa multidisciplinar, com escuta e apoio aos profissionais das redes de atenção básica
do SUS e SUAS, mediante uso de tecnologias digitais. Uma das suas principais implicações foi
a possibilidade de construção de novos saberes de maneira coletiva, tendo em vista a
valorização do conhecimento técnico, habilidades e experiências profissionais e pessoais dos
participantes.
Como estratégia educacional com objetivo de fomentar as discussões e a partilha de
experiências, foram utilizados estudos de casos, filmes e textos literários, nos quais os
mediadores do grupo estimulavam os participantes a refletirem sobre determinadas temáticas,
identificando riscos e vulnerabilidades, fatores protetivos, possibilidades de atuação
profissional e de articulação de serviços, como também o reconhecimento quanto às lacunas de
aprendizagem dos profissionais no manejo do cuidado à saúde mental às pessoas nas situações
relatadas.
A complexidade e a intensidade do sofrimento psíquico em determinadas situações,
ocasionalmente proporcionam aos profissionais sentimento de impotência, que, por vezes,
paralisa. À medida que estes vivenciam um grupo de matriciamento online, são convidados a
falar dessas dificuldades e sentimentos, e o repertório de estratégias de enfrentamento também
se amplia. Entretanto, é preciso que o profissional esteja atento para conseguir visualizar essas

176
potencialidades, bem como, tenha conhecimento sobre as redes de apoio disponíveis no
município, que permita também discutir com os clientes sobre o leque de possibilidades
terapêuticas.
O primeiro grupo de “Diálogos em Rede” foi desenvolvido durante o período de 14 de
agosto a 30 de outubro de 2020, e contou com a participação de 6 (seis) profissionais das redes
SUS e SUAS e 1 (uma) estudante de Medicina. Os encontros grupais online aconteciam uma
vez por semana, através da Plataforma Google Meet, com duração de uma hora, havendo a
flexibilidade de se estender por mais alguns minutos. Contava com a presença de três
moderadores (assistente social, enfermeira e uma psicóloga), que orientavam os diálogos sobre
o disparador proposto em cada encontro (em geral, uma situação-problema do território de
atuação dos participantes), e de uma discente de enfermagem como apoio técnico, responsável
por atividades relacionadas ao uso das tecnologias digitais, como os links dos encontros,
trazendo também suas contribuições, olhares e vivências aos casos relatados.
A dinâmica grupal orientou-se por três momentos:
 Acolhimento: ao iniciar as atividades, realiza-se a apresentação do Projeto e-Terapias
Psicossociais (Souza et al., 2021), assim como seu objetivo e relevância. Em seguida
uma breve apresentação dos que ali estavam, suas profissões e onde atuam - nesse
momento, havendo um lindo momento de reencontro entre colegas, emocionante e
gratificante de ser presenciado. Em seguida, realizava-se a leitura de um poema, a fim
de nos motivar e proporcionar reflexões, além de trazer leveza ao momento;
 Produção de diálogos: Após, seguiu-se com a leitura de um caso clínico, disponibilizado
anteriormente no grupo de WhatsApp12, a fim de possibilitar uma leitura e reflexão
prévia. A seguir, com uma pergunta norteadora, o espaço estava aberto às colocações
dos participantes que quisessem falar de suas experiências, proporcionando a troca de
conhecimento. Logo no início do grupo, notou-se que os profissionais das redes SUS e
SUAS não tinham o conhecimento dos serviços de ambos os sistemas, dificultando
ações intersetoriais necessárias ao manejo de quase todos os casos. Nesse ínterim, foi
sugerido pelos próprios participantes que fosse apresentada a rede onde cada uma
atuava, ficando acordado que nos encontros seguintes, ao invés da discussão de casos,

12
Grupo de WhatsApp: foi utilizadoa como meio de comunicação e integração entre os participantes, moderadores
e apoio técnico, com o objetivo de divulgação dos casos previamente, compartilhamento do link de acesso às
reuniões e disponibilização das intervenções sugeridas pelo apoio matricial, sendo utilizado de forma profissional
e responsável.
177
haveria a apresentação da rede, por conseguinte, as discussões de casos, e o pensar nas
possibilidades possíveis, tornando o grupo mais eficaz e eficiente.
 Fechamento do Encontro: Todos se sentiram acolhidos e próximos mesmo a atividade
sendo desenvolvida online. Ao se aproximar do fechamento do grupo, uma frase
reflexiva era compartilhada (ou construída com o grupo), ou um vídeo com música, que
buscasse refletir o “cuidado de si” do profissional. As possíveis intervenções
terapêuticas ao caso discutido eram registradas e inseridas no grupo do WhatsApp.
Assim, a dinâmica grupal era construída junto aos participantes, os quais têm papel ativo
na sugestão dos disparadores dos diálogos, na indicação de possibilidades terapêuticas
e também na liberdade para expressar seus sentimentos, afetos e desafetos, no processo
de trabalho em saúde.

Caso clínico

Passaremos a relatar um caso clínico apresentado por uma das integrantes do grupo
diálogos em rede, envolvendo uma situação de abandono e maus tratos a quatro idosos com
deficiência e Beneficiários de Prestação Continuada – BPC. Esse caso foi compartilhado por
uma profissional de um Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), sendo uma
demanda judicial. Os nomes das pessoas foram alterados.
A Sra. Maria possui quatro tios deficientes mentais e idosos – vivendo em situação de
risco, sob os parcos cuidados do Sr. Pedro, curador. Relata que os tios vivem num ambiente de
condições precárias, faltando-lhes alimentação, condições de higiene dignas, vestimentas, local
apropriado para dormir e assistência à saúde, posto não possuírem sequer cartão do SUS. Aduz
a cidadã que faz o possível para dar o mínimo de assistência, mas encontra resistência por parte
do curador, o Sr. Pedro, que recebe os benefícios previdenciários, mas não reverte os valores
em benefício dos incapazes, utilizando os valores em proveito próprio e deixando os mesmos
sem alimentação, sem remédios e sem os cuidados básicos necessários. Ela também informa
que todos os incapazes estão acometidos de enfermidades e o Senhor Pedro não se preocupa
em leva-los para o atendimento médico necessário. O incapaz de nome José está desaparecido
há 3 meses e esse curador não toma medidas cabíveis para encontrar o incapaz.
Diante dessas informações, e por demanda judicial, solicitou-se ao CRAS averiguação
da provável situação de risco a que estavam submetidos os idosos, e relatórios, nos quais
deveriam constar ainda as especificações cabíveis quanto ao suposto curador.

178
Após discussão do caso, e explorada perguntas relacionadas, o grupo de apoio matricial,
além de tentar assegurar os direitos revistados pelo CRAS, entre outros, sugeriu os seguintes
caminhos possíveis de cuidado: integração com o setor saúde, por meio da Unidade de Saúde
da Família, para visitas domiciliares que garantam avaliação e intervenções necessárias aos
idosos, possibilidade de acionar o CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência
Social, devido aos maus tratos e a violação de direitos, e construir movimentos de busca de uma
rede de apoio consistente e segura para eles.

Considerações sobre a satisfação dos profissionais com o grupo diálogos em rede

Após o encerramento do grupo online, os participantes foram convidados a preencher


um formulário do Google Forms, com questões que avaliavam a satisfação em relação às trocas
e vivências no grupo. O resultado foi unânime em revelar a satisfação e desejo dos participantes
pela continuidade do matriciamento online. Houve relatos de aprendizado acerca do SUS e
SUAS, resultando em maior interação entre os municípios de origem dos participantes, e
fomento de diálogos com coordenadores de serviços de equipamentos sociais, para estudo de
casos e visitas familiares conjuntas.
Isto levou à gratificação pessoal de moderadores e participantes em conhecer pessoas
comprometidas com a política pública, e entendimento que o atuar sozinho é desgastante ao
profissional, e não-benéfico aos usuários dos serviços. O discurso de crescimento profissional,
pessoal e acadêmico durante a e-Terapia foi relevante, evidenciando a contínua necessidade de
tecer redes, e o cuidado que o profissional deve ter consigo mesmo, para o cuidado com o outro.
Foi também possível perceber a fragilidade do sistema operacional e tecnológico das
unidades de saúde e da assistência social, ao mesmo passo o aprendizado em trabalho vivo,
sendo o profissional criativo diante dos desafios inesperados da pandemia. Assim, o grupo de
apoio matricial possibilitou aprendizagem de como lidar com intempéries proporcionadas pelo
uso da tecnologia como método, e criar mecanismos de apoio aos profissionais de saúde em
época/ apesar da pandemia da Covid-19, afirmando a resolutividade dos casos discutidos, com
acolhimento psicoemocional.

179
O GRUPO DE QUALIFICAÇÃO ONLINE SOBRE SAÚDE MENTAL

Outra e-Terapia de apoio matricial foi o Grupo de Qualificação Online sobre saúde
mental. Estratégias pedagógicas online como esse grupo mostram novos caminhos para o
aprendizado, permitindo que pessoas dos mais variados locais possam ter acesso a qualificações
a fim de melhorar o exercício de suas profissões. Vargas et. al. (2016, p. 850) apontam a
importância desse modelo de educação na qualificação/formação dos profissionais do SUS,
para eles:
Tal modo de fazer educação tem sido uma estratégia para qualificação dos
profissionais, especialmente aqueles oriundos de uma graduação marcada pela relação
verticalizada professor-aluno, apoiada no positivismo e no olhar reducionista do
modelo biomédico.

A qualificação profissional online em saúde mental é, pois, importante, e permite que


os profissionais se mantenham atualizados sobre as últimas tendências e práticas em saúde
mental, ampliando o conhecimento, aprendendo sobre diferentes teorias, abordagens e técnicas.
Isso pode ser útil para profissionais que desejam aprimorar temas específicos da saúde mental
ou que desejam melhorar suas habilidades gerais de atendimento ao cliente. Esse processo de
aprendizagem oferece ainda flexibilidade para os profissionais, que podem ajustar os horários
de estudos com seus compromissos diários, além de ser uma opção mais acessível para muitos,
visto que, não há necessidade de deslocamento até uma instituição de ensino.
A seguir, são apresentados alguns dos benefícios específicos da qualificação
profissional online em saúde mental:
 Acessibilidade: alcance de profissionais de todas as regiões do país;
 Flexibilidade: permite que os profissionais estudem no seu próprio ritmo e no horário
que for mais conveniente para eles;
 Custo-benefício: pode ser uma opção mais acessível do que a educação presencial;
 Interatividade: geralmente oferecem recursos interativos, como fóruns de discussão,
chats e videoaulas.
 Apoio pedagógico: geralmente oferecem suporte pedagógico aos alunos, como tutores
e monitores.
É importante ressaltar que a qualificação profissional online não substitui a formação
presencial. No entanto, é uma opção que pode ser útil para profissionais que desejam se
atualizar, ampliar seus conhecimentos ou melhorar suas habilidades.
180
Como trabalhamos o grupo de qualificação online em saúde mental

Em nossa experiência, a qualificação online foi ofertada, dentre uma das modalidades
de e-terapias de apoio matricial, e visou à aprendizagem significativa sobre saúde mental ao
público de profissionais e usuários de serviços de saúde. Foi realizada semanalmente às quartas
feiras e esporadicamente quinzenalmente, com duração de duas horas. A carga horária total foi
correspondente a 60 horas, sendo 30 horas online e 30 horas desenvolvidas no cotidiano do
trabalho com envio de relatórios das ações a cada 15 dias.
O conteúdo programático da qualificação incluiu temas sobre reforma psiquiátrica;
participação e empoderamento dos usuários; transtornos mentais leves, moderados e graves;
clínica ampliada, acolhimento, escuta e vínculo; projeto terapêutico singular; experiências
exitosas de saúde mental na atenção primária; família, serviços e comunidade; saúde mental e
medicalização do sofrimento; abordagens sobre a crise; redução de danos; assistência a crianças
e adolescentes na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).
Para cada uma dessas temáticas foram estabelecidos previamente os moderadores que
atuavam como facilitadores da aprendizagem. Estes deveriam ter perfil multidisciplinar, com
expertise ao tema específico e também no uso de metodologias ativas da aprendizagem, dentre
elas, o uso de tecnologias digitais. O grupo também contou com um estudante de Enfermagem,
que atuava como apoio técnico na oferta da qualificação, com atribuições relacionados a
abertura da sala online, na Plataforma Google Meet, mediação dos diálogos entre participantes
e moderadores através de um Grupo no WhatsApp, e acompanhamento da frequência, por meio
da aplicação de um formulário do Google Forms.
O grupo manteve um quantitativo regular em todos os encontros, mas houve baixa
interatividade entre os participantes. No primeiro encontro alguns demonstraram dificuldades
no acesso à plataforma utilizada, como estavam utilizando o celular, precisavam ter baixado o
aplicativo indicado com antecedência, e evitar atrasos no acesso ao grupo. Alguns verbalizaram
contratempo com a internet, cuja instabilidade impossibilitou uma participação mais ativa e
alguns dias até os moderadores apresentaram dificuldades na conexão. O preenchimento da lista
de frequência online também foi outro ponto citado como dificuldade.
Dentre as tecnologias digitais utilizadas como estratégias pedagógicas, citamos a
ferramenta Slido. Apesar de muitos ainda não terem tido experiência prévia no uso da mesma,
os participantes expressaram satisfação por meio de mensagens no chat, valorizando a
interatividade. Foi utilizada também como estratégia de aprendizagem a viagem educacional,
com apresentação de filme de curta metragem, estimulando discussão das temáticas propostas.
181
Percebeu-se que poucos apresentavam habilidades tecnológicas para manuseio das plataformas,
a maioria por falta de conhecimento e experiências anteriores.
Percebeu-se também a importância da articulação entre os moderadores, durante o
compartilhamento da apresentação. Nesse sentido, um ficava responsável por acompanhar as
mensagens enviadas pelo chat, enquanto o outro compartilhava a tela da apresentação (power
point), uma vez que o apresentador ficava impedido de visualizar os participantes, sendo este
um outro fator desfavorável para interatividade do grupo.

Roteiro de alguns temas trabalhados

Clínica ampliada, acolhimento, escuta e vínculo

Para mediar a aprendizagem em torno deste tema, foram convidados três profissionais,
sendo dois enfermeiros e uma psicóloga. Antecedendo o encontro online, um grupo no
WhatsApp foi utilizado para a comunicação desses moderadores, a fim de planejar e dialogar o
formato da atividade proposta. Após várias sugestões de materiais e ajustes, a dinâmica grupal
foi orientada em cinco momentos, lembrando que cada encontro deveria ter duração máxima
de duas horas:
 Primeiro momento - acolhimento: à medida que os participantes foram entrando na sala
online, foram se acomodando, alguns ligavam suas câmeras, iniciou um pequeno vídeo
que remetia ao florescer, despertar, sugestionando recomeço. O espaço estava aberto
para compartilhar a semana ou algum acontecimento;
 Segundo momento: inicia a apresentação dos slides com o tema proposto, e a produção
de diálogo é incentivada. O participante estava livre para abrir seu microfone e câmera
para trazer suas contribuições, caso desejasse;
 Terceiro momento: ocorre um exercício grupal sobre clínica ampliada, convidando os
participantes a interagirem e a colaborarem para o desenvolvimento da mesma;
 Quarto momento: foram discutidas as potências e os desafios individuais sobre o tema.
Cada participante estava livre para falar de como o tema proposto acontecia na prática
em seus serviços, e quais estratégias eram utilizadas;
 Quinto momento: atividade de dispersão já sinalizava para o fechamento do encontro.
Nesse momento os participantes traziam suas impressões e os deslocamentos
182
provocados durante a produção de diálogos. Por fim, como estímulo ao momento
posterior ao encontro online de dispersão, o texto “A Pipoca”, de Rubem Alves, descrito
a seguir, foi compartilhado com o grupo, a fim de refletir o acolhimento às diferenças:

A culinária me fascina. De vez em quando eu até me até atrevo a cozinhar. Mas o fato
é que sou mais competente com as palavras do que com as panelas. Por isso tenho
mais escrito sobre comidas que cozinhado. Dedico-me a algo que poderia ter o nome
de "culinária literária". Já escrevi sobre as mais variadas entidades do mundo da
cozinha: cebolas, ora-pronobis, picadinho de carne com tomate feijão e arroz,
bacalhoada, suflês, sopas, churrascos. Cheguei mesmo a dedicar metade de um livro
poético-filosófico a uma meditação sobre o filme A Festa de Babette que é uma
celebração da comida como ritual de feitiçaria. Sabedor das minhas limitações e
competências, nunca escrevi como chef. Escrevi como filósofo, poeta, psicanalista e
teólogo — porque a culinária estimula todas essas funções do pensamento. As
comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha capacidade de sonhar.
Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar.
Pois foi precisamente isso que aconteceu. A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e
duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões
metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente,
ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas idéias
começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a
pipoca e9 o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura,
de forma inesperada e imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como um
extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu
pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas dentro de uma
panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso?
Pois tem. Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o
sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é
vida...). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas.
Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do
Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé... A pipoca é um
milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus
milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me
livrar delas. Pois o fato é que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca
não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato
é que houve alguém que teve a idéia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela
sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos.
Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu,
ninguém jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a
estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o
que acontecia com eles: os grãos duros quebradentes se transformavam em flores
brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se
transformou, então, de uma simples operação culinária, em a festa, brincadeira,
molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver
o estouro das pipocas! E o que é que isso tem a ver com o Candomblé? É que a
transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação
porque devem passar os homens para que eles venham a ser o que devem ser. O milho
da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O
milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder
do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser
crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que
não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com
a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem
não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice
e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o
melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança
numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor,
183
perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de
dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas
ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento
diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. Imagino que a pobre
pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que
sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela
não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está
sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso
prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece
como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a
lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante. Na simbologia
cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de
Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um
jeito para ser de outro. "Morre e transforma-te!" — dizia Goethe. Em Minas, todo
mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles
ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é
palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu
conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. Meu
amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em
milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza
ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as
explicações científicas não valem. Por exemplo: em Minas "piruá" é o nome que se
dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta,
lamentava: "Fiquei piruá!" Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior.
Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem.
Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida perdê-la-á". A sua presunção e
o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão
ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar
alegria para ninguém. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela ficam
os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que
estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma
grande brincadeira... "Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me
fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu".
Fonte: Texto de Rubem Alves. Disponível em:
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/1769218. Acesso em: 16 ou. 2023)

Utilizar esses três temas juntos em única proposta de encontro, escuta, acolhimento e
vínculo, permite fomentar reflexões sobre o quanto esses temas estão interligados e são
codependentes. Permitem ao participante ainda repensar sobre a integralidade no atendimento,
reconhecendo a potência da construção de vínculos fortalecidos entre usuários do sistema SUS
e profissionais de saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

184
As tecnologias digitais mostraram-se potentes para realização do apoio matricial, uma
vez que facilitou a comunicação, favorecendo a aproximação entre profissionais distantes,
permitindo rápido encontro de grupos, e rápido retorno às atividades laborais. Foi também
possível compreender alguns fatores desafiadores nesse processo, e identificar algumas
estratégias a fim de minimizá-los. Dentre elas, citam-se: a necessidade de investimento na
conexão da internet, em equipamentos tecnológicos que possibilitem os encontros online, o
estabelecimento de uma agenda protegida, regular, para realização dos mesmos, evitando-se
interferências externas, e o conhecimento prévio e prático das ferramentas digitais a serem
utilizadas pelos participantes.
Vimos que o objetivo maior dos grupos foram alcançados: os participantes sentiram-se
acolhidos pela iniciativa, participaram ativamente das discussões durante os encontros online,
trouxeram as dificuldades enfrentadas em seus campos de atuação, e, juntos, discutiu-se a
melhor abordagem à cada desafio, com conhecimento técnico, experiências e vivências
adquiridas na área, além de apoio emocional, visto que a pandemia modificou a forma do
profissional lidar com o sistema no qual estava incluído (equipamentos de proteção individual,
sistema de tecnologia, estrutural). As demandas psicoemocionais da população que cresceram
no período de isolamento demandaram esforços da equipe para dar e receber acolhimento.
Com isso, o matriciamento mediante os grupos online possibilitou acolher quem acolhe, e,
de modo inusitado trazido pelo isolamento e o método online, possibilitaram adesão, que
presencialmente, devido às distâncias físicas/geográficas, poderiam não ser possíveis. Assim,
ao final dos grupos, havia um sentimento unânime dos participantes, pela continuidade das
ações. Nos relatos emocionantes desses profissionais, os grupos de apoio matricial
proporcionaram que eles conseguissem ajudar e serem ajudados, criando, por fim, a tão
gratificante e importante rede de apoio que o matriciamento faz.
Assim, o apoio matricial, uniu-se um bom resumo de saúde pública, tecnologias, saúde
mental, com seu objetivo de observar na pandemia uma oportunidade de potencializar as
ferramentas do SUS atrelado ao acolhimento de uma maneira segura, remota e eficiente, que
propiciou experiências e conhecimento, com ensino técnico-pedagógico, e acadêmico. Essa
potencialidade da ferramenta online trouxe a oportunidade dos atores em saúde conseguirem o
apoio matricial em uma região carente de especialista em saúde mental, não necessitando de
longos deslocamentos e contato presencial.
Concluímos que vale a pena pensar em futuros possíveis de continuidade de experiências
assim, que poderão, inclusive, contribuir para o manejo de profissionais, onde existem poucos

185
equipamentos da rede de atenção psicossocial. O matriciamento online tem potencial de
aproximar atores distantes, a fim de potencializar o cuidado em saúde mental com ênfase no
território existencial de pessoas, famílias ou comunidades. Por isso, esperamos que a narrativa
aqui descrita estimule o leitor a escrever novas histórias.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Núcleo de Apoio à Saúde da Família. Volume 1: ferramentas


para a gestão e para o trabalho cotidiano. Cadernos de Atenção Básica (39). Brasília, DF:
Ministério da Saúde; 2014. Disponível em:
http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_39.pdf Acesso em: 09 mar
2022.

BRASIL. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.


Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/pnab.pdf. Acesso em: 09
mar 2022.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de


Humanização. Humaniza SUS: equipe de referência e apoio matricial / Ministério da Saúde,
Secretaria-Executiva, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – Brasília:
Ministério da Saúde, 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da


Política Nacional de Humanização. Humaniza SUS: A Clínica Ampliada. 4ª ed. Brasília:
Editora do Ministério da Saúde; 2004.

BRASIL. Ministério da Saúde (MS). Diretrizes do NASF - Núcleo de Apoio à Saúde da


Família. Brasília: Editora do Ministério da Saúde; 2009.

BRASIL. Ministério da Saúde (MS) Guia prático de matriciamento em saúde mental /


[Brasília, DF]: Ministério da Saúde: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva, 2011.
[Chiaverini, D.H]

CAMPOS, G. W. S. Equipes de Referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a


reorganização do trabalho em saúde. Cien Saúde Colet 1999; 4(2):393-403.

CAMPOS, G. W. S; DOMITTI A. C. Apoio Matricial e equipe de referência: uma


metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saúde Publica 2007;
23(2):399-407.

CAMPOS, G. W. S. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas.


Cien Saude Colet 2000; 5(2):219-230.

186
CAMPOS, G. W. S. Clínica e Saúde Coletiva compartilhadas: teoria Paideia e reformulação
ampliada do trabalho em saúde. In: Campos GWS, organizador. Tratado de Saúde Coletiva.
2ª ed. São Paulo: Hucitec; 2012. p. 19-4

CAMPOS, G. W. S. “Projeto Terapêutico e estratégias de promoção em situações de Apoio


Matricial”, In CAMPOS GWS. et al. Investigação sobre cogestão, apoio institucional e
apoio matricial no SUS-São Paulo: Hucitec e Fapesp, 1ª ed., 2017, pp 103-111

CAMPOS, G. W. S. et al. Investigação sobre cogestão, apoio institucional e apoio


matricial no SUS - 1ª ed- São Paulo: Hucitec: Fapesp, 2017

CUNHA, G. T., CAMPOS, G. W. S. Apoio Matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde e


Sociedade 2011; 20(4):961- 970.

HIRDES, A. Apoio Matricial em saúde mental: a perspectiva dos especialistas sobre o


processo de trabalho. Saúde em Debate [online]. 2018, v. 42, n. 118 [Acessado 5 Outubro
2023] , pp. 656-668. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0103-1104201811809>. ISSN
2358-2898. https://doi.org/10.1590/0103-1104201811809.

JUNIOR-BISPO, J. P; MOREIRA, D. C. Educação permanente e apoio matricial: formação,


vivência e práticas dos profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família e das equipes
apoiadas. Cadernos de Saúde Pública, 2017; 33(9):e00108116

LIMA, R. C. Distanciamento e isolamento sociais pela Covid-19 no Brasil: impactos na saúde


mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, v. 30, 2020.

MARTINSI, M. C. Situando o uso da mídia em contextos educacionais. In: MORAN, J. M. et


al. Mídias na Educação. Brasília: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2008. Apostila.
Disponível em: Acesso em: 10 out. 2023

MEDEIROS, R. H. A. Uma noção de matriciamento que merece ser resgatada para o encontro
colaborativo entre equipes de saúde e serviços do SUS. Physis Revista de Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, 25 {4}:1165-1184 2015

OLIVEIRA M. M.; CAMPOS G. W. S. Apoios matricial e institucional: analisando suas


contribuições. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 20(1):229-238, 2015

PIMENTEL, F. S. C.; SILVA, A. P. (Orgs.). Tecnologias digitais e inovação em educação:


abordagens, reflexões e experiências. São Carlos: Pedro & João Editores, 2023.

SANTOS, R. A. B. G; UCHÔA-FIGUEIREDO, L. R. L; Câmara, L. Apoio matricial e ações


na atenção primária: experiência de profissionais de ESF e Nasf. Saúde em Debate [online].
2017, v. 41, n. 114 [Acessado 10 Março 2022] pp. 694-706. Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/0103-1104201711402>. ISSN 2358-2898.

SERRA, S. T. et al. Necessidade de mudanças na educação médica e a percepção de


professores antes da pandemia da Covid-19.

SILVA, M. L. B.; DIMENSTEIN, M.; DIMENSTEIN, M. Apoio Matricial em Saúde Mental:


Quais efeitos? Cadernos Brasileiros de Saúde Mental/Brazilian Journal of Mental

187
Health, [S. l.], v. 6, n. 13, p. 170, 2014. Disponível em:
https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/68953. Acesso em: 22 mar. 2022.

TRIBUTINO DE SOUSA, M. L; FARAH DE TÓFOLI, L. F. Apoio Matricial em Saúde


Mental na Atenção Primária: Acesso e Cuidado Integral. Cadernos ESP, [S. l.], v. 6, n. 2, p.
13–21, 2019. Disponível em: //cadernos.esp.ce.gov.br/index.php/cadernos/article/view/46.
Acesso em: 22 mar. 2022.

VARGAS, F. M. A. et al. A educação a distância na qualificação de profissionais para o


Sistema Único De Saúde: metaestudo. Trabalho, Educação e Saúde, v. 14, n. 3, p. 849–870,
out. 2023.

188
E-terapia - Encontros Qualificadores
Proposta de intervenções pedagógicas sobre a prática profissional para o
cuidado de mulheres vítimas de violência por parceiro íntimo e a
vitimização secundária.

A violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta baseada no gênero produtora


de sofrimento físico, mental ou psicológico, implicando em dano ou morte, sendo a principal
forma de violação de sua dignidade (Sousa, 2021). No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº
11.340/2006), cita cinco tipos de violência contra a mulher: sexual, física, psicológica,
patrimonial e moral.
Os casos de violência contra à mulher (VCM) são recorrentes e presentes no mundo
todo, apesar dos dados cada vez mais alarmantes, sua gravidade não é reconhecida, muitas vezes
impulsionado por padrões culturais e históricos que perpetuam a desigualdade entre homens e
mulheres, alimentando um pacto de banalização e silêncio com esse crime.
É comum associarmos à violência contra a mulher à imagem de um homem, seja ele
companheiro ou ex-companheiro, fato é que, a violência por parceiro íntimo (VPI) se tornou
algo corriqueiro nos serviços de saúde e de segurança pública. A pesquisa “Visível e Invisível:
a vitimização de mulheres no Brasil” 4ª edição (2023), revelou que 53,8% das mulheres que
sofreram violência afirmaram que o episódio mais grave dos últimos 12 meses ocorreu em casa
sendo o agressor ex-cônjuge/ex-companheiro/ex-namorado (31,3%) e
cônjuge/companheiro/namorado (26,7%) (Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2023).
A VCM afeta significativamente o processo de saúde /doença das vítimas, sendo,
portanto, os serviços de saúde a primeira porta de entrada, sobretudo na atenção primária à
saúde, que exerce um importante papel no combate à violência contra à mulher, porém
identificasse uma lacuna entre as políticas públicas e as práticas profissionais (D’Oliveira et al.,
2022).
No Brasil, a Política Nacional de Atenção Integral à mulher criada em 2004, é uma das
estratégias utilizadas para a superação e enfrentamento da violência contra à mulher, pois

189
estabelece que os profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) devem estar preparados e
capacitados para a atenção integral à saúde da mulher, considerando todas as suas necessidades
(Souza; Rezende, 2018), porém a prática profissional nos serviços de saúde demonstram que
existe uma dificuldade por parte dos profissionais na identificação da VPI, bem como o
reconhecimento de que esta temática é de responsabilidade ética e legal também do setor saúde,
por ser tratar de um problema social, que abarca o âmbito jurídico, da segurança pública, dos
movimentos sociais e do SUS. O que geralmente fica evidenciado nos serviços, tanto

no Brasil como em outros países é que a normalização da VPI e a culpabilização da


vítima, através de imagens negativas e de não confiabilidade, são barreiras que dificultam a
identificação, reconhecimento e consequentemente o cuidado das vítimas de violência por
parceiro íntimo, perpetuando a prática da vitimização secundária (Hudspeth, 2022; Conceição;
Madeiro, 2022).
Entende-se como vitimização secundária toda e qualquer ação caracterizada por atitudes
e comportamentos negativos dirigidos à vítima (Campbell, 2005). As dificuldades apresentadas
pelos profissionais de saúde em reconhecer a violência, está diretamente associado ao
desconhecimento epidemiológico acerca da violência e das emoções vividas pelos próprios
profissionais causadas pelas situações de violência, ocasionando uma dificuldade de reflexão
sobre o tema (Hasse, 2014).
Portanto ao considerarmos a elevada prevalência dos casos de violência praticada por
parceiro íntimo no Brasil (Garcia; Silva, 2018; Mascarenhas et al., 2020) e o seu impacto social
e nos serviços de saúde, entende-se a emergente necessidade e relevância de intervenções
pedagógicas voltadas à educação permanente de profissionais de saúde, de modo a qualificar o
cuidado dirigido às mulheres vítimas de violência, pois a educação permanente em saúde
propõe a transformação da prática profissional através de uma aprendizagem significativa,
objetivando não somente a transformação de suas ações, mas também a própria organização do
trabalho, tomando como referência as necessidades de saúde das pessoas, das populações, da
gestão setorial e do controle social (Brasil, 2009).
Sobretudo a formação para a saúde deve envolver o ensino/gestão/práticas de
atenção/controle social, com a finalidade de operar mudanças no processo de trabalho,
envolvendo as instituições, a coletividade e os indivíduos (Ceccim, 2004).
Diante do exposto e refletindo a necessidade de uma abordagem qualificada no cuidado
à mulher vítima de violência por parceiro íntimo, idealizou-se encontros, intitulados “Encontros
Qualificadores” como estratégia de ensino-aprendizagem para profissionais e estudantes de

190
graduação da área da saúde, a fim de criar um espaço seguro de discussões e ressignificações
sobre o cuidado à mulher afligida pela VPI, tendo como finalidade principal oportunizar
“quebrar o silêncio” sobre a temática.
Os “Encontros Qualificadores” ocorreram online, como parte das e-Terapias de apoio
matricial do projeto E-terapias (Souza et al., 2020), foram disponibilizadas vinte vagas, sendo
dez para profissionais de saúde e dez vagas para discentes da área da saúde, após a inscrição o
participante respondeu a um questionário online, a fim de preenchimento de dados de
identificação, formação e trabalho, que foi utilizado para avaliar se os inscritos pertenciam ao
público-alvo da proposta de intervenção.
Os encontros ocorreram na através de uma plataforma digital, na forma de grupos de
apoio matricial online, totalizando 5 encontros com duração de 2 horas, com carga horária de
20 horas, com momentos síncronos e assíncronos. Os encontros foram realizados por
profissionais que já participavam do Projeto E-Terapias e contou com a coparticipação de uma
moderadora – profissional de saúde e pós-graduanda do Mestrado Profissional em Enfermagem
da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e uma convidada na área da Psicologia atuante
no atendimento à mulher vítima de violência.
Os encontros tiveram uma abordagem participativa, ou seja, os participantes tiveram a
oportunidade de contribuir ativamente no processo de ensino aprendizagem, podendo expressar
suas ideias, opiniões, compartilhar experiências, contribuindo para a construção do
conhecimento. À medida que os encontros avançavam, os mesmos iam sendo moldados de
acordo com os interesses e necessidades do grupo, apesar de inicialmente ter-se elaborado um
cronograma dos encontros, a fim de organização e norteamento das ideias, facilitando assim
atingir os objetivos de aprendizados propostos.
A seguir estão os roteiros utilizados nos encontros e que semanalmente eram revisitados
para garantir que os objetivos de aprendizagem fossem alcançados.

ROTEIROS DOS “ENCONTROS QUALIFICADORES”

Na fase de construção dos roteiros, foi realizada primeiramente, a revisão narrativa da


literatura, que fundamentou a seleção do conteúdo para a construção dos roteiros,
posteriormente ocorreram diálogos com profissionais da área da saúde, da área jurídica e da
atenção psicossocial com experiência no cuidado à saúde da mulher vítima de violência, esses
diálogos tiveram o objetivo de trazer clareza sobre a realidade dos serviços e validar hipóteses
para elaboração da proposta e roteiros para os encontros , sendo relevante para a construção dos
191
objetivos de aprendizagem a serem utilizados nos encontros qualificadores com os profissionais
e estudantes.
Os encontros têm como objetivo refletir a prática do cuidado em saúde voltado ao
atendimento da mulher vítima de violência por parceiro íntimo e a vitimização secundária,
levando a análise das dificuldades e potencialidades do setor saúde no enfrentamento.

PRIMEIRO ENCONTRO: “PERCEPÇÃO DO CUIDADO NA VIOLÊNCIA POR


PARCEIRO ÍNTIMO (VPI)”

Objetivo

Compreender os significados dados pelos participantes a temática e identificar as


representações sociais relacionadas a VPI.

Acolhimento

 Utilização do clip da música “Triste, Louca ou Má” de Francisco el Hombre


(https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE), para recepcionar os
participantes;
 Apresentação do Projeto E-terapia e apresentação da equipe;
 Solicitar que os participantes se apresentem e relatem brevemente sobre a motivação de
sua escolha;
 Explanar sobre o objetivo geral dos encontros;
 Apresentar a proposta dos encontros, frequência e momentos assíncronos e alinhar as
pactuações.

Abordagem à temática

 Solicite aos participantes que nomeiem em três palavras o sentimento, quando


mencionado “violência por parceiro íntimo”;
 A palavra escolhida deverá ser inserida na plataforma interativa com código
previamente disponibilizado pelo moderador para criação de uma nuvem de ideias;
 Após certificar que todos tenham conseguido cumprir a tarefa, abrir o aplicativo
utilizado para a verificação por todos da construção da nuvem de ideias, como
exemplificado (Apêndice A);
 O moderador convida os participantes a contribuírem na avaliação e reflexão das
192
palavras destacadas, levando ao compartilhamento de sentimentos e significados
relacionadas a VPI;
 O moderador abre para discussão livre, deixando o espaço para os compartilhamentos,
caso ocorram, dos participantes, sempre em busca da produção dos sentidos e
significados dados pelos participantes a respeito da temática, afim de identificar as
representações sociais a respeito do assunto.

Para aprofundar

Para enriquecer a discussão, foram preparados três podcasts sobre relatos de violência
(https://anchor.fm/francis-pinheiro/episodes/Violncia-contra-a-mulher-por-parceiro-ntimo-
e1oi4h3 ), a origem das histórias contadas pela moderadora ocorreu a partir de um artigo
selecionado que trazia falas de mulheres que sofreram agressões. Os podcast foram produzidos
baseados no artigo intitulado “A violência doméstica a partir do discurso de mulheres
agredidas”, o objetivo foi construir materiais que pudessem dar auxílio aos moderadores a
respeito do entendimento e sentidos dos participantes relacionado ao tema.
Foi selecionado também um vídeo que trazia os áudios da polícia militar do estado de
Santa Catarina (https://www.youtube.com/watch?v=WTKDfS3HUzY ), eram basicamente
ligações que relatavam violência doméstica e feminicídio, o objetivo foi explicitar as emoções
e sentimentos dos participantes diante dos relatos e solicitações de ajuda. O objetivo maior com
este material seria sensibilizar que a violência contra a mulher é um problema de saúde pública,
problema esse de toda uma sociedade.

Encerramento
 Alinhar com os participantes o próximo encontro;
 Solicitar feedback, sobre o primeiro encontro, com o objetivo de monitorar a satisfação
dos participantes;
 Solicitar aos participantes que preencham a ficha de presença;
 Encerramento com a música: https://www.youtube.com/watch?v=-09qfhVdzz8;
 Aproveitar o momento da música de encerramento para dialogar com os participantes
dos sentidos desta canção e o que ela representa.

Atividades Assíncronas
Solicitar aos participantes que assistam Vídeo informativo sobre tipos de violência
193
(https://www.youtube.com/watch?v=jv7FWOmMU70) e o documentário
(https://www.youtube.com/watch?v=Wm6kcWS0-A4&t=13s), com o objetivo de subsidiar a
temática do próximo encontro.

Descrição das etapas

A descrição das etapas possibilita um melhor entendimento do processo de construção


do roteiro e de sua execução, tendo como objetivo a possibilidade de replicação por outros
profissionais e equipes.
Iniciou-se pela apresentação da equipe e explanação sobre o Projeto E-terapia, sendo
posteriormente solicitado aos participantes que fizessem uma breve explanação pessoal tendo
como objetivo aproximação dos indivíduos inseridos no processo, afim de possibilitar um
ambiente acolhedor e propício para a discussão de temas sensíveis e complexos, por meio de
documentários, músicas e vídeos que abordassem a temática, mas que ao mesmo tempo,
mostrassem o empoderamento feminino como forma de enfrentamento.
A preparação do roteiro teve o objetivo de propiciar entendimento sobre as ações a
atividades que seriam executadas, facilitando assim as intervenções dos moderadores.

Ferramenta Interativa
A ferramenta interativa escolhida foi o Mentimeter, pois ela possibilita a criação de
nuvens de palavras (word clouds) a partir das respostas coletadas, ajudando a identificar as
principais tendências ou temas discutidos. Os resultados são exibidos instantaneamente em
gráficos e visualizações fáceis de entender, tornando as apresentações mais envolventes e
informativas.

Músicas escolhidas
As músicas escolhidas foram utilizadas no início e final dos encontros, durante
preenchimento de documentos pertinentes aos encontros como: lista de presença, questionário
de satisfação. Foi tocada a música "Triste, Louca ou Má" da banda Francisco, el Hombre.
A letra da música fala sobre uma mulher que não se encaixa nos padrões tradicionais de
comportamento impostos pela sociedade, e é vista como "triste, louca ou má".
A música aborda a questão da liberdade e empoderamento feminino, em um contexto
em que as mulheres são julgadas e excluídas por não se renderem ao patriarcado. A letra faz
uma crítica à cultura machista e ao preconceito que muitas mulheres enfrentam por não se
enquadrarem nos estereótipos femininos tradicionais.
194
A segunda música escolhida para o primeiro encontro foi "Maria de Vila Matilde" de
Elza Soares, uma figura marcante na luta contra a violência contra a mulher no Brasil e uma
das vozes mais importantes do movimento feminista no país. Apresenta um posicionamento
forte contra a opressão e a discriminação enfrentadas pelas mulheres nas periferias do Brasil. A
música pode ser vista como uma afirmação do poder e da força das mulheres em meio a essas
condições desfavoráveis.
Ao afirmar que "não vai ter choro nem vela" para homens que praticam violência contra
as mulheres, a música expressa uma mensagem clara de que a violência de gênero não será
tolerada.

SEGUNDO ENCONTRO: “IDENTIFICAÇÃO, ACOLHIMENTO E ESCUTA


QUALIFICADA”

Objetivo

Sensibilizar para o enfrentamento e identificação dos casos de VPI.

Acolhimento

 Utilização da música “Respeita as Mina”da cantora Kell Smith


(https://www.youtube.com/watch?v=vjzKTYZMO_8) para recepcionar os
participantes;
 Apresentação do moderador convidado (profissional da área de psicologia);
 Iniciado o acolhimento com a “dinâmica da mala”;
 Solicitado inicialmente aos participantes que tivessem papel e caneta,
posteriormente deveriam escrever 5 objetivos de vida em qualquer aspecto,
imaginando que essa seria a bagagem para uma longa viagem que é a vida;
 Disponibilizar de 5 à 8 minutos para que os participantes reflitam sobre suas
escolhas;
 Na próxima etapa da atividade, recomendou-se pressupor alguns obstáculos ao
longo do caminho como o espaço do carro, problema no meio de transporte, fuga de
um cachorro e parada na alfândega;
 Diante de cada dificuldade seria necessário abdicar de um sonho/mala;
 Ao término, cada pessoa permaneceria com um sonho;
 Oportunizar momento de reflexão dos participantes.

195
Abordagem à temática

Iniciar a roda de conversa com os seguintes assuntos:

1. O conceito e as formas de violência doméstica e familiar;


2. Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha);
3. Identificação da VPI;
O moderador convidado antes do início explica aos participantes o que significa roda de
conversa e qual o objetivo da metodologia escolhida;

Ao término da roda de conversa o moderador finaliza sintetizando os conceitos


apreendidos.

Para Aprofundar
Para enriquecer a discussão pode-se utilizar o vídeo
(https://www.youtube.com/watch?v=084Z58rI8rE) que retrata os tipos de violência contra a
mulher e a responsabilidade do setor saúde.

Encerramento

 Os moderadores devem alinhar com os participantes o próximo encontro, explicando a


atividade;
 Solicitar feedback, sobre o encontro, com o objetivo de monitorar a satisfação dos
participantes e realizar possíveis ajustes;
 Solicitar aos participantes que preencham a ficha de presença;
 Encerramento com o clip da música “Maria da Penha” da cantora Alcione
(https://www.youtube.com/watch?v=H7OrnzuomUc)
 Dialogar com os participantes sobre os significados desta canção.

Atividades Assíncronas

Disponibilizar aos participantes um estudo de caso adaptado de uma dissertação de


mestrado (https://core.ac.uk/download/pdf/70651556.pdf);
Solicitado aos participantes que no próximo encontro apontem suas percepções sobre
aspectos do caso apresentado e possíveis abordagens de enfrentamento.

Descrição das etapas

196
A descrição das etapas possibilita um melhor entendimento do processo de construção
do roteiro e de sua execução, tendo como objetivo a possibilidade de replicação por outros
profissionais e equipes.
A escolha de um moderador convidado da área de psicologia ocorreu pelo entendimento
da moderadora responsável pelos encontros, que seria necessário nessa fase um profissional
que, proporcionasse aos participantes, maior subsidio teórico/prático no manejo das situações
de VPI, sua identificação e a importância do acolhimento neste processo.
A preparação do roteiro teve o objetivo de propiciar entendimento sobre as ações a
atividades que seriam executadas, facilitando assim as intervenções dos moderadores.

Músicas escolhidas

As músicas escolhidas foram utilizadas no início e final dos encontros, durante


preenchimento de documentos pertinentes aos encontros como: lista de presença, questionário
de satisfação.
Foi tocada “Respeita as Mina” no início do encontro, música da cantora Kell Smith que
aborda o empoderamento feminino e a luta contra a cultura machista. A letra faz menção ao
corpo da mulher e a realidade do dia a dia das mulheres que tem o seu direito e liberdade
violados, a partir do assédio. A mensagem transmitida é de respeito às mulheres e de luta pela
igualdade de gênero.
A música de encerramento foi de Alcione “Maria da Penha” que fala sobre a violência
contra a mulher e a importância da lei Maria da Penha, ela passa uma mensagem de
empoderamento, incentivando a não tolerância a violência.
O intuito de colocar essa música foi utilizá-la como ferramenta educacional para ensinar
sobre a lei Maria da Penha, pois este assunto seria tratado neste encontro especificamente.
A escolha das músicas sempre objetivou incentivar e empoderar o grupo no
enfrentamento a VPI.

Dinâmica mala dos sonhos adaptada

Objetivo:
Refletir acerca da interrupção das trajetórias de mulheres em situação de violência, o
impacto na qualidade de vida dessas mulheres e de seus filhos.
Participantes: até 20 pessoas

197
Tempo: de 40’ a 1h.
Material: música, papel, lápis, roteiro para discussão.
Descrição: O moderador explica ao grupo que irão fazer uma viagem e que para tanto é
preciso usar da imaginação.
Desenvolvimento:
 O moderador solicita que cada um dos participantes tenha disponível uma folha de papel
e um lápis.
 Colocar a música ambiente para propiciar calma e reflexão.
 O moderador orienta que irão fazer uma longa viagem de carro sem previsão de volta e
que cada participante tem direito de levar cinco malas, não importando tamanho, peso
ou valor, cada mala representa algo de importância na vida de cada um.
 O moderador solicita que listem na folha de papel as 5 coisas essenciais que desejam
levar e são representadas por malas.
 Após todos terem terminado suas listas, o moderador comunica aos participantes o
início da viajem.
 O moderador indica aos participantes que ocorrerão alguns obstáculos ao longo da
viagem (espaço do veículo, problemas mecânicos, alfândega); a cada obstáculo resultará
no descarte de uma mala;

1. Após arrumação das malas percebeu-se que não caberiam todas no


compartimento específico, quando foi solicitado o descarte de uma mala/sonho de todos;
2. Devido a problemas mecânicos não poderá mais ser utilizado o porta-malas
interno, somente o externo, sendo necessário o descarte de uma mala/sonhos de todos os
participantes;
3. Devido a uma grande tempestade, o porta-malas externo começou a alagar,
sendo necessário o descarte de mais uma mala;
4. Agora chegamos ao nosso destino, mas temos ainda que passar pela alfândega e
para isso precisamos descartar mais uma das coisas essenciais que levamos e só podemos
ficar com 1.
Ao final da dinâmica ficará somente uma mala/sonho para cada participante.

Roteiro para discussão


Perguntar:

198
 Qual a bagagem nunca abandonamos?
 Quais coisas listaram inicialmente e por quê?
 Quais coisas foram descartadas e por quê?
 Nos momentos posteriores, perguntar:
 Qual foi a única coisa que preservaram? Por quê?

 O que sentiram quando tiveram que descartar coisas essenciais que haviam escolhido
 Tiveram dificuldade em descartar as coisas? Quais as que tiveram mais dificuldade?
 Em que momento foi mais difícil descartar coisas?
 No primeiro momento ou nos próximos? Por quê?
 Que conclusões cada participante chegou a respeito das dificuldades?
 É possível comparar as malas as questões de vida das mulheres em VPI?

Estudo de caso adaptado


Estudo de caso de uma mulher sujeita a violência conjugal psicológica, com crenças de
amor romântico e uma história de violência Inter parental (adaptado- Dissertação de mestrado
em Psicologia clínica- ISPA).

Contextualização da Intervenção

Maria, de 29 anos, grávida de 5 meses, do primeiro filho, procurou apoio na unidade


básica de saúde, encontrava-se com dificuldades de agendamento da referência de alto risco.
Após a primeira avaliação da situação, foi encaminhada para o centro de referência psicossocial,
onde começou a fazer acompanhamento com a psicóloga, por apresentar níveis de ansiedade e
sentimento de culpa elevados devido a encontrar-se grávida em situação de alto risco, por
apresentar também, sinais de tristeza devido a encontrar-se recentemente separada do seu
companheiro.
Maria iniciou acompanhamento psicológico com periodicidade semanal. Ao longo das
sessões de psicologia, Maria foi revelando aspetos do seu relacionamento com o pai do bebé,
típicos de um relacionamento conjugal violento, que lhe estariam a provocar sofrimento, e do
qual não tinha consciência, passando então a ser este, o principal foco de intervenção.

Dados Gerais
199
Maria tem 29 anos, autodeclarada parda, nordestina, terceiro grau completo, sem
convicções religiosas, solteira, sem filhos e grávida do primeiro filho. Iniciou o relacionamento
com o pai do seu bebé (André) há cerca de 2 anos, e atualmente separados, mantêm um
relacionamento instável e conflituoso. Maria vive agora sozinha na casa que alugaram após 1
ano de namoro, e da qual André saiu ao fim de 3 meses, de vida em conjunto, ainda antes de
Maria saber que estava grávida. Maria é independente financeiramente, desde os 19 anos.
Maria é filha única, os seus pais separaram-se quando tinha 17 anos, devido relação
conflituosa e violenta, quando criança presenciou várias vezes a mãe ser agredida pelo pai, após
a separação foi morar com sua mãe com a qual mantém atualmente um relacionamento e não
tem relação com o seu pai, desde aquela separação. A sua rede de apoio é constituída
essencialmente por um grupo de 4 amigas com quem fala diariamente, uma tia (irmã da mãe),
e a mãe. Maria tem uma vida social preenchida. Costuma sair com os amigos. Fala diariamente
com o grupo de 4 amigas que integra a sua rede de suporte e um outro grupo de amigas no
trabalho.

Aspetos da História de Vida

Maria nasceu em Pernambuco. Refere ter tido uma infância normal, era boa aluna, bem-
comportada, gostava muito da escola e dos amigos. Ao nível das relações familiares, convivia
com os pais, com os tios da parte da mãe e com os primos. Relativamente ao ambiente familiar,
Maria afirma que “era tudo normal, como nas outras casas (…) “os meus pais de vez em quando
chateavam-se, discutiam e faziam cenas de ciúmes, mas depois ficava tudo bem”. Mas a
descrição que faz da relação dos pais é do tipo violento e de amor romântico: “os meus pais
estavam sempre entre as agressões e a reconciliação”. Segundo Maria o seu pai descontrolava-
se e agredia a mãe verbalmente e fisicamente, porque tinha muitos ciúmes. E fantasia que a sua
mãe devia fazer algo para lhe provocar esses ciúmes. Maria não tem a certeza, mas acha que a
mãe deve ter traído o seu pai. No entanto, acha que os seus pais deviam gostar muito um do
outro. Afirma que o seu pai “tinha de gostar muito dela, para ficar assim com tantos ciúmes” e
que a mãe “também devia gostar muito dele, senão não tinha ficado tanto tempo com ele”.
Maria conta que num dia à noite, a discussão foi tão grande que a sua mãe lhe disse para
pegar suas coisas, rapidamente, porque iriam sair de casa naquele mesmo momento. Foram
para casa de uma tia (irmã da mãe), a cerca de 80 km da sua casa, e ficaram lá por algum tempo.
Maria precisou mudar de escola, no meio do ano letivo, devido à distância. Maria refere ter
ficado transtornada, afirmando que “naquele momento queria ir para a faculdade e de repente
200
todos os meus sonhos se desmoronaram”.
Maria deixou de ter contato com o pai, desde esse momento, e refere que ele nunca a
procurou. No entanto, sabe que ele ainda vive na mesma casa e vai tendo informações sobre
ele, através de um tio. Maria refere não conviver bem com o padrasto.
Relativamente à sua adolescência, Maria considera ter sido normal e afirma que foi
sempre uma “menina certinha, sem nunca ter dado problemas”. No que diz respeito a
relacionamentos íntimos, refere ter tido alguns namorados problemáticos, enfatizando que tem
tendência para se envolver com os “maus”, e não tem “sorte nenhuma com os homens”. Teve
um namorado, anterior a André, seu namorado atual, que traficava e consumia droga e refere
ter sofrido muito com ele. Relativamente a André, diz ser muito diferente de todos os outros
com quem namorou, pois “é muito caseiro, não gosta muito de confusões”. Maria considera
André um sujeito normal e “certinho”.
Após a separação, Maria descobriu que estava grávida. A gravidez não foi planeada.
Maria não informou André por sentir-se abandonada e não desejar ter um filho naquela
condição, tendo decidido interromper a gravidez embora desejasse muito ter filhos. Maria
aceitou bem a gravidez e informou André que se mostrou zangado e enganado, ao início, mas
depois aceitou, embora não esteja participando da gravidez e questionando frequentemente a
sua paternidade.

Relação de Maria com André

De acordo com Maria, a relação era muito boa na fase de namoro, mas tornou-se
complicada após terem começado a viver juntos referindo que André se tornou muito ciumento
e desconfiado, questionando-a constantemente sobre onde e com quem tinha estado e o que
tinha feito, querendo ver, constantemente o registo de todas as chamadas e mensagens do seu
telefone. Maria refere que “a fim de evitar chateação” passou a colocar o seu telefone na mesa-
de-cabeceira de André, todas as noites, para que este verificasse o que quisesse, uma vez, que
segundo diz “não tinha nada a esconder”. André também consultava frequentemente a sua
página no facebook. Maria diz não entender porque André desconfia tanto dela, mas afirma que
deve ter feito algo muito grave para ele reagir assim.
Maria conta que André era muito caseiro e não gostava que ela saísse, ela passou a ficar
mais tempo em casa. Tinham gostos e formas de estar na vida opostos, mas pensava que esse
motivo não atrapalharia a relação. André tinha um grupo de amigos muito restrito, convivia
pouco com eles e não gostava de estar com os amigos dela, então ela começou a conviver menos
201
com eles. Descrevem-se em seguida os episódios que melhor caracterizam o tipo de relação
existente entre eles. Ainda na fase em que viviam juntos, numa dada situação André injuriou-a
e atirou o computador de Maria ao chão, partindo-o, porque ela tinha adicionado um ex-
namorado no seu facebook. Em outra situação, André quebrou o telefone acusando-a de estar
traindo, porque ela chegou mais tarde a casa e não atendeu as suas chamadas. Maria justificou
que estava com sua mãe e tinha ficado sem bateria, mas André não acreditou.
Ao ver Maria bem-vestida acusou-a de estar indo encontrar-se com seus amantes. Maria
acabou por não sair com suas amigas para evitar o agravamento do episódio.
Após a separação André começou a exigir insistentemente de Maria, a devolução do
valor da caução que ele tinha pago quando do contrato de aluguel. Maria ficou indignada porque
sempre foi ela que pagou todas as despesas enquanto viveram juntos assim como lhe pagou
diversos bens pessoais. André, passado uma semana, voltou a contactá-la dizendo-lhe que era
a mulher da sua vida e que desejava reatar a relação. Relativamente a este episódio, Maria refere
ter ficado magoada e perplexa, tentando encontrar justificações lógicas e atenuadoras para o
comportamento de André.
Em outro episódio ela relata que ela ameaçou com uma faca, por ciúmes, Maria
classifica este episódio como “mais um dos muitos que ele já teve”, desvalorizando a situação
“ele costuma ser assim às vezes, mas não passa disso. Ele às vezes tem uns ataques de fúria,
mas não me metem medo!”. Sobre este episódio, Maria expressa “devo ter feito mesmo, algo
muito grave para ele ter ficado assim (...) se ele não me quer, então por que faz estas cenas de
ciúmes? Será que afinal gosta de mim?”.
Apesar de todas as cenas de violência ocorridas Maria afirma que não considera André
violento para consigo e que os seus ataques de fúria frequentes não lhe metem medo. Maria
questiona-se frequentemente, em contexto psicoterapêutico, o que terá feito de mal para que
André tenha tantos ciúmes e que não sabe o que mais fazer para que André confie nela. Na sua
opinião, André deve gostar muito dela, devido às constantes cenas de ciúmes que lhe faz,
expressando várias vezes “se ele tem tantos ciúmes, então deve gostar mesmo muito de mim”,
“se ele não gosta de mim, então porque tem tantos ciúmes?”.

Discussão

O caso de Maria pretende contribuir para o estudo de uma das vertentes da violência
conjugal, que consiste no caso das mulheres vitimizadas pelos companheiros, que não
reconhecendo a sua situação de vítimas, não a denunciam, tornando por tal razão mais difícil a
202
identificação.
Vamos pensar em uma proposta de abordagem, possível, dentro da experiência de cada
um que possa ser mais eficaz na identificação dessas mulheres?

TERCEIRO ENCONTRO: “ENTENDENDO O CICLO DA VIOLÊNCIA”

Objetivos

Compreender o ciclo da violência para identificar a VPI.

Acolhimento

Utilização da música “Desconstruindo Amélia” da cantora Pitty


(https://www.youtube.com/watch?v=Ph3ZXYcYDC4&t=1s )para recepcionar os
participantes;

Abordagem à temática

 Iniciar a abordagem com o vídeo “não confunda amor com abuso”


(https://www.youtube.com/watch?v=4FK13w5MFlg&t=4s );
 Solicitar aos participantes que expressem suas ideias e sentimentos relacionados a
demonstração do vídeo;
 Solicitar aos participantes que identifiquem no vídeo o ciclo da violência;
 Momento de fala e reflexão do grupo;
 Após a participação de todos o moderador deve conceituar o ciclo da violência;
 Utilizar o exemplo do estudo de caso da atividade assíncrona, objetivando a
identificação do ciclo da violência;
 Solicitar que os participantes compartilhem suas observações sobre o estudo de caso;
 Ao término da roda de conversa o moderador finaliza sintetizando os conceitos
apreendidos.

Para Aprofundar
Para enriquecer a discussão e iniciar uma abordagem a respeito sobre a vitimização
secundária, pode-se utilizar o vídeo https://www.youtube.com/watch?v=d7FVhbE0lEg , com o
objetivo de despertar a percepção dos participantes a respeito da temática.

203
Encerramento

 Os moderadores devem alinhar com os participantes o próximo encontro;


 Solicitar feedback, sobre o encontro, com o objetivo de monitorar a satisfação dos
participantes e realizar possíveis ajustes;
 Solicitar aos participantes que preencham a ficha de presença;
 Encerramento com o clip do “Farol da responsabilidade”
(https://youtu.be/PpR21peqUCA).
 O moderador deve realizar reflexão juntamente aos com os participantes sobre o vídeo
de encerramento.

Atividades Assíncronas

Disponibilizar aos participantes o “Guia para manejo de situações de violência


doméstica contra a mulher na APS”
(https://unasus.ufsc.br/saudedamulher/files/2022/02/GUIA_ViolenciaMulheres_V4-1.pdf );

Solicitado aos participantes que utilizem o guia para embasamento na realização da


atividade do estudo de caso, disponibilizado no encontro anterior.

Descrição das etapas

A descrição das etapas possibilita um melhor entendimento do processo de construção


do roteiro e de sua execução, tendo como objetivo a possibilidade de replicação por outros
profissionais e equipes.

A preparação do roteiro teve o objetivo de propiciar entendimento sobre as ações a


atividades que seriam executadas, facilitando assim as intervenções dos moderadores.

Músicas escolhidas

As músicas escolhidas foram utilizadas no início e final dos encontros, durante


preenchimento de documentos pertinentes aos encontros como: lista de presença, questionário
de satisfação.
Foi tocada "Desconstruindo Amélia" no início do encontro, é uma música da cantora
Pitty. A expressão "desconstruindo Amélia" é uma referência ao estereótipo da "Amélia", que
204
surgiu no Brasil nas décadas de 1940 e 1950. A figura da Amélia era uma mulher idealizada
como a esposa perfeita, dedicada exclusivamente às tarefas domésticas, submissa ao marido e
sem ambições próprias.
A letra da música faz uma crítica social e aborda questões relacionadas aos padrões de
comportamento e expectativas impostas às mulheres na sociedade. A cantora desconstrói a
imagem, ao questionar os papéis de gênero tradicionais impostos as mulheres, encorajando a
busca pela liberdade individual e autonomia das mulheres.
A escolha das músicas sempre objetivou incentivar e empoderar o grupo no
enfrentamento a VPI.

Vídeo de encerramento
O vídeo “O farol da responsabilidade” foi utilizado pela moderadora com o intuito de
despertar nos participantes a percepção de responsabilidade coletiva, pois demonstra no
desenrolar da história uma situação problema que só pode ser solucionada a partir da
intervenção de todos os cidadãos de uma comunidade.
Trazendo para a realidade da temática em questão, a mensagem é de que, a violência
contra a mulher é um problema grave de saúde pública e um problema de toda uma sociedade,
sendo necessário unir esforços no combate e enfretamento da mesma.

QUARTO ENCONTRO: “ACOLHIMENTO E AS REDES DE APOIO”

Objetivos

 Compreender o acolhimento à mulher vítima de violência por parceiro íntimo;


 Identificar os Dispositivos legais para proteção a vítima;
 Compreender a aplicação da lei nos casos de VPI.

Acolhimento

 Os moderadores acolhem os participantes para iniciar as atividades;


 Utilização da música “Disque Denúncia” da cantora Nina Oliveira
(https://www.youtube.com/watch?v=uCqyGCkF3o8 )para recepcionar os participantes;
 Solicitar aos participantes quem comentem sobre a música e descrevam os significados
e sentimentos desta canção.

205
Abordagem à temática

 Iniciado a abordagem com os participantes, solicitando que expressem as palavras que


vem à cabeça quando se fala em acolhimento;
 Momento de fala e reflexão do grupo;
 O moderador deve conceituar a palavra “acolhimento” dentro da temática em foco;
 Após a participação de todos o moderador deve conceituar o ciclo da violência;
 Realizar a leitura do caso, com ênfase nos pontos principais do caso;
 Solicitar que os participantes compartilhem suas observações sobre o estudo de caso;
 O moderador deverá exemplificar como o acolhimento deve ocorrer livre de
julgamentos e quais ferramentas podem ser utilizadas;
 Solicitar participação e compartilhamento de vivências;
 O moderador deve enfatizar o uso da comunicação não violenta nos atendimentos e a
não aceitação da prática de vitimização secundária;
 O moderador deverá demonstrar qual é o papel e finalidade dos dispositivos legais,
serviços de saúde, serviços judiciários e organizações não governamentais nos casos de
VPI;
 Solicitar aos participantes que identifiquem em sua região as redes de apoio para os
casos de VPI;
 Abrir para discussão do grupo;
 O moderador mostra o fluxo de encaminhamento e condutas nos casos de VPI;
 Ao término da roda de conversa o moderador finaliza sintetizando os conceitos
apreendidos.

Para Aprofundar
Utilizar o material “Você não está sozinha” disponível em:
https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-df/cartilha_vcnaoestasozinha_digital.pdf, com o
objetivo de compreender a violência de gênero.
Utilizar a indicação de livros que possam auxiliar no processo de compreensão da
manutenção de relacionamentos abusivos. O livro “Amar ou Depender?” de Walter Riso, que
retrata a dependência emocional e o amor romântico, oferece uma visão crítica sobre a temática
e propõe alternativas práticas para o desenvolvimento de relações interpessoais mais saudáveis,

206
instigando a reflexão e o desenvolvimento do amor-próprio.

Encerramento

 Os moderadores devem alinhar com os participantes o próximo encontro;


 Solicitar feedback, sobre o encontro, com o objetivo de monitorar a satisfação dos
participantes e realizar possíveis ajustes;
 Solicitar aos participantes que preencham a ficha de presença.

Atividades Assíncronas

Solicitar aos participantes que apresentem no último encontro uma proposta de


intervenção, baseada no estudo de caso, porém que possa ser utilizada em seu campo de trabalho
e/ou estudo.

Descrição das etapas

A descrição das etapas possibilita um melhor entendimento do processo de construção


do roteiro e de sua execução, tendo como objetivo a possibilidade de replicação por outros
profissionais e equipes.
A preparação do roteiro teve o objetivo de propiciar entendimento sobre as ações a
atividades que seriam executadas, facilitando assim as intervenções dos moderadores.

Músicas escolhidas

A música escolhida foi utilizada no início do encontro, com intuito de iniciar a reflexão
do dia.
Foi tocada "Disque Denúncia" no início do encontro, é uma música da cantora Nina
Oliveira. A cantora e compositora utilizou nesta música uma personagem icônica da música
brasileira, chamada Geni, da música da Geni e o Zepelim de Chico Buarque. A música Dique
denúncia retrata o assédio, a violência sofrida por mulheres, pelo simples fato de serem
mulheres, fala das marcas que a violência deixa nos corpos femininos, mas ao mesmo tempo
que retrata essa verdade, também aborda a denúncia sendo feita de um orelhão.
A escolha da música retrata a quebra do silêncio, através da denúncia da violência contra
a mulher.

207
QUINTO ENCONTRO: “A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SUA
INTERLOCUÇÃO COM A SAÚDE.”

Objetivos

Avaliar os encontros como estratégia pedagógica para a educação permanente em saúde.

Acolhimento

 Os moderadores acolhem os participantes para iniciar as atividades;


 Utilizar o clip da música “Triste, Louca ou Má” de Francisco el Hombre
(https://www.youtube.com/watch?v=lKmYTHgBNoE). Este clip foi utilizado no
primeiro encontro;
 Solicitar aos participantes que reflitam sobre a música apresentada; ocorreu alguma
mudança no entendimento de seu significado? O que mudou?

Abordagem à temática

 Enfatizar a importância da permanência de todos até o fechamento;


 Solicitar aos participantes que descrevam com uma palavra o significado dos encontros;
 A palavra escolhida deverá ser inserida na plataforma interativa com código
previamente disponibilizado pelo moderador para criação de uma nuvem de ideias;
 Após certificar que todos tenham conseguido cumprir a tarefa, abrir o aplicativo
utilizado para a verificação por todos da construção da nuvem de ideias;
 O moderador convida os participantes a contribuírem na avaliação e reflexão das
palavras destacadas;
 Momento de fala e reflexão do grupo;
 Solicitar que os participantes compartilhem suas observações sobre o significado dos
encontros, o que representou a participação e vivência adquiridas;
 Abrir para discussão do grupo;
 O moderador solicita aos participantes que explanem sobre o planejamento de
intervenção baseado no estudo de caso, com possibilidade de aplicação em suas
respectivas áreas de atuação;
 Abrir para as apresentações e discussão do grupo;
 Ao término o moderador finaliza sintetizando os conceitos apreendidos.

208
Encerramento

 Solicitar feedback, sobre o encontro, com o objetivo de monitorar a satisfação dos


participantes;
 Solicitar aos participantes que preencham a ficha de presença.

Descrição das etapas

A descrição das etapas possibilita um melhor entendimento do processo de construção


do roteiro e de sua execução, tendo como objetivo a possibilidade de replicação por outros
profissionais e equipes.
A preparação do roteiro teve o objetivo de propiciar entendimento sobre as ações a
atividades que seriam executadas, facilitando assim as intervenções dos moderadores.

Músicas escolhidas

A música escolhida foi utilizada no início do encontro, com intuito de iniciar a reflexão
do dia.
Foi tocada "Triste, Louca ou má", música utilizada no primeiro encontro, o objetivo de
repetir a canção, foi trazer as memórias do primeiro dia e das motivações que estavam presentes
naquele momento, objetivando esclarecer aos participantes sobre as possibilidades de
ressignificações do cuidado da mulher vítima de violência por parceiro íntimo.

Ferramenta Interativa
A ferramenta interativa escolhida foi o Mentimeter, pois ela possibilita a criação de
nuvens de palavras (word clouds) a partir das respostas coletadas, ajudando a identificar as
principais tendências ou temas discutidos. Os resultados são exibidos instantaneamente em
gráficos e visualizações fáceis de entender, tornando as apresentações mais envolventes e
informativas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escolha das músicas e a preparação de podcasts, utilização de artigos, estudos de caso
e documentários, contribuíram para promover uma reflexão mais profunda sobre a temática da

209
violência contra a mulher. Essas atividades permitiram aos participantes compartilharem suas
experiências e refletirem sobre como a cultura do patriarcado perpetua a desigualdade de gênero
e a violência contra as mulheres.
As atividades assíncronas, com estudo de pesquisas já realizadas sobre a VCM e VPI e
vídeos lúdicos, permitiram o entendimento de profissionais de áreas distintas a respeito do ciclo
da violência e compreender a manutenção dos relacionamentos violentos e abusivos pelas
vítimas.
É evidente que o profissional de saúde, necessita destas abordagens durante sua
formação e posteriormente como educação permanente, a fim de elucidar as possíveis
distorções sobre a violência por parceiro íntimo, que geralmente culpabilizam as próprias
vítimas e a qual denominamos de “vitimização secundária”.
Ao longo dos encontros foram explorados diversos aspectos sobre VPI, desde o ciclo da
violência, os diferentes tipos de violência, fatores de risco e implicações para a saúde das
vítimas, sendo crucial o papel dos profissionais de saúde no cuidado, apoio as pessoas
envolvidas.
É fundamental que os profissionais de saúde estejam capacitados para identificar sinais
de violência por parceiro íntimo, oferecer um ambiente seguro e confidencial para o relato e
encaminhar as vítimas para os serviços de apoio especializados. A sensibilização e o
treinamento contínuo são essenciais para garantir que o cuidado prestado seja sensível, não
culpabilizante e direcionado ao bem-estar das vítimas.
Compreender que a temática aqui discutida, compõe sobremaneira a saúde pública, e
que a falta da percepção do fato, corrobora para a sua manutenção, bem como a ausência de
interesse, a ausência de escuta qualificada e comunicação não violenta, podem perpetuar a
violência é extremamente importante.
Ficou evidente que a busca por soluções efetivas para enfrentar esse problema requer
uma abordagem multidisciplinar, englobando não apenas profissionais da saúde, mas também
profissionais do direito, assistentes sociais e outros especialistas.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde.


Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente
em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009.

CAMPBELL, Rebeca. O que realmente aconteceu? Um estudo de validação das

210
experiências de busca de ajuda de sobreviventes de estupro junto aos sistemas jurídico e
médico. Violência e vítimas , v. 20, n. 1, pág. 55-68, 2005.

CECCIM RB, FEUERWERKERLCM. O quadrilátero da formação para a área da saúde:


ensino, gestão, atenção e controle social. Physis. 2004; 14(1):41- 65.

CONCEIÇÃO HN, MADEIRO AP. Primary care health professionals and violence against
women: systematic review. Rev baiana enferm. 2022;36:e37854.

D'OLIVEIRA, ANA FLAVIA PIRES LUCAS et al. “Are We Asking Too Much of the
Health Sector? Exploring the Readiness of Brazilian Primary Healthcare to Respond to
Domestic Violence Against Women.” International journal of health policy and
management vol. 11,7 (2022): 961-972. Disponível em: <doi:10.34172/ijhpm.2020.237>.

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (BR). Nota técnica: violência doméstica durante a
pandemia de Covid-19 [periódico na internet]. 2ª ed. São Paulo: FBSP; 2020 [citado 4 fev
2023]. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2018/05/violencia-
domestica-covid-19-v3.pdf>.

GARCIA, L.P.; SILVA, G.D.M. da. Violência por parceiro íntimo: perfil dos atendimentos
em serviços de urgência e emergência nas capitais dos estados brasileiros, 2014. Cad. Saúde
Pública, Rio de Janeiro , v. 34, n. 4, e00062317, 2018 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
311X2018000405004&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 04 de janeiro de 2021.

HASSE, Mariana ; VIEIRA, Elisabeth Meloni. Como os profissionais de saúde atendem


mulheres em situação de violência? Uma análise triangulada de dados. Saúde em Debate
[online]. 2014, v. 38, n. 102, pp. 482-493. Disponível em: <https://doi.org/10.5935/0103-
1104.20140045>. Acesso em: 26 de junho de 2021.

HUDSPETH, N., CAMERON, J., BALOCH, S., TARZIA, L., & HEGARTY, K.L. (2022).
Health practitioners’ perceptions of structural barriers to the identification of intimate
partner abuse: a qualitative meta-synthesis. BMC Health Services Research, 22.

Lei n. 11.340 de 7 de agosto de 2006 (BR). Diário Oficial da União [periódico na internet],
Brasília (DF). 8 ago 2006 [citado 4 fev 2023]. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-
2006/2006/lei/l11340.htm#:~:text=%C3%89%20garantido%20a%20toda%20mulher,mediant
e%20atendimento%20espec%C3%ADfico%20e%20humanizado>.]

MASCARENHAS, Márcio Dênis Medeiros et al . Análise das notificações de violência por


parceiro íntimo contra mulheres, Brasil, 2011-2017. Rev. bras. epidemiol., Rio de Janeiro ,
v. 23, supl. 1, e200007.SUPL.1, 2020 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-
790X2020000200405&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 04 de janeiro de 2021.

SOUSA IN, SANTOS FC, ANTONIETTI CC. Fatores desencadeantes da violência contra
a mulher na pandemia COVID-19: Revisão integrativa. REVISA [periódico na
internet]. 2021 [citado 2023 fev 10];10(1):51-60. Disponível em:
<https://doi.org/10.36239/revisa.v10.n1.p51a60>.

211
SOUZA, RC et al. Projeto e-Terapias Psicossociais: construção e estratégias de promoção
da saúde mental em tempos de pandemia da COVID-19. Research, Society and
Development, v. 10, n. 6, e20910615740, 2021 (CC BY 4.0). Disponível em:
<http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15740>.

SOUZA, Tatiana Machiavelli Carmo; REZENDE, Fernanda Ferreira. Violência contra mulher:
concepções e práticas de profissionais de serviços públicos. Est. Inter. Psicol., Londrina , v.
9, n. 2, p. 21-38, 2018 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-
64072018000200003&lng=pt&nrm=iso>.

ZANCAN, Natália; WASSERMANN, Virginia; LIMA, Gabriela Quadros de. A violência


doméstica a partir do discurso de mulheres agredidas. Pensando fam., Porto Alegre , v.
17, n. 1, p. 63-76, jul. 2013 . Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-
494X2013000100007&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 29 set. 2022.

212
Seção V
Futuros possíveis na construção de um aplicativo para o Projeto e-Terapias

213
Fundamentos para construção do aplicativo de atendimento online do
projeto e-Terapias psicossociais

A universidade pode ser pensada como um laboratório de testes para propor soluções de
baixo custo aos problemas da sociedade. Os caminhos do trabalho científico envolvem
conhecimento, métodos e tecnologias que precisam de constantes revisões para que exista uma
resposta à pergunta, um saber ao desconhecido, uma solução para um problema. O texto a seguir
é a ilustração do percurso necessário até encontrarmos uma proposta metodologicamente viável
para promovermos um acesso mais amplo aos serviços de saúde mental.

IDENTIFICAÇÃO DE LIMITAÇÕES/ BARREIRAS

A primeira ação que tivemos foi procurar entender as principais barreiras aos serviços
de saúde mental:

Pandemia de patologias mentais x suporte de atendimento

A pandemia da COVID-19 agravou os problemas de saúde mental da população e expôs


fragilidades nos serviços públicos. Dentre as principais patologias tratadas em unidades do SUS
são episódios depressivos que tiveram aumento de 84% entre os anos de 2017 a 2021. A
distribuição de unidades de saúde mental no território é desigual entre os diversos estados do
país. Regiões Sudeste e Sul concentram mais que o dobro em comparação com as soma das
outras três regiões (Ornell et al., 2021). A quantidade de profissionais por habitante no Brasil é
considerado baixo, se comparado a outros países. OS EUA possuem um profissional de saúde
para cada 350 habitantes (Reinert, Nguyen, Fritze, 2022), enquanto no Brasil são 4 psicólogos
e 1 psiquiatra a cada dez mil habitantes e 1 assistente social a cada dois mil habitantes (USP,
2020).
214
Políticas ineficazes na gestão de saúde mental

A última edição da ATLAS, que organiza dados de 171 países do mudo sobre políticas
de saúde mental, legislação, financiamento, recursos humanos, disponibilidade e utilização de
serviços e coletas de dados, aponta que mesmo com metade dos países prometendo
investimentos no setor apenas 31% do total de programas relatados não tinham recursos
humanos e financeiros dedicados, 27% não tinham plano definido e 39% não tinham nenhuma
evidência documentada de progresso e/ou impacto (OPAS, 2021).

Agravamento da crise econômica

Compreendemos que o problema estrutural da saúde envolve a crise fiscal e o


endividamento público dos países após a pandemia, que alcançaram termos históricos. Os
Estados Unidos em nota oficial já pronunciaram, ainda em 2021, preocupações sobre o risco de
não conseguirem manter os programas assistenciais. Quase 150 milhões de pessoas estão em
risco de perder a cobertura de saúde, segundo documento. No Brasil a saúde mental
representava apenas 2,7% dos gastos da saúde em 2001 e, em 2019, essa dimensão era ainda
menor, somente 2,1% – ou R$ 12,50 por pessoa (Marques, 2020).
Baixa produção de pesquisas acadêmicas relevantes
As universidades que, enquanto instituições sociais, poderiam atuar no desenvolvimento
de soluções eficientes e de baixo custo têm perdido protagonismo. Um recente estudo aponta
que pesquisas que promovam inovação e descobertas estão em declínio nas últimas décadas
(THE WHITE HOUSE, 2023). Desde os anos 80 a taxa de declínio tem sido mais modesto nas
“ciências da vida e biomedicina” e nas ciências físicas, e mais marcante e persistente nas
ciências sociais e na “tecnologia”. No geral, porém, em relação a épocas anteriores, os artigos
e patentes recentes contribuem menos para impulsionar a ciência e a tecnologia em novas
direções (Park, Leahey, Russel, 2023).

Desinformação sobre o tema

A ausência de promoção de ações educativas provocam transforma a saúde mental


num tabu. O estigma leva às pessoas a não procurarem ajuda especializada. As mudanças no
estado de saúde mental de crianças e adolescentes são pouco percebidas por seus responsáveis,

215
o que torna o acesso ao tratamento em saúde mental a este público de difícil obtenção (Deolmi,
Pisani, 2020).
Entendemos que existe uma limitação estrutural no setor público, resultado de entraves
nas políticas de gestão e baixo investimento, falhas na comunicação acerca dos cuidados para
com a saúde mental entre a população e pesquisas acadêmicas quem ofereçam alternativas
eficazes para ampliar o atendimento.

OPORTUNIDADES

Após identificados os pontos de fragilidade nos propomos a desenvolver no ambiente


acadêmico testagens de atendimento online com abordagens terapêuticas aplicáveis ao contexto
da tecnologia. O projeto E-Terapias psicossociais (Souza et al., 2022) têm amparo de outras
iniciativas que têm revigorado o meio acadêmico com pesquisas promissoras.
A primeira delas citamos o movimento recente ocorrido dentro de importantes centros
universitários do mundo e que tem pretendido realizar pesquisas e projetos laboratoriais com a
colaboração de diferentes disciplinas (Burdick et al., 2012). As Humanidades Digitais nasce da
necessidade de unir departamentos para criação de métodos e tecnologias capazes de oferecer
resultados aplicáveis no mundo real (Gregory et al., 2015).
Outro movimento que precisamos destacar iniciou-se num grupo crescente de médicos que
entenderam a necessidade das práticas médicas tornarem-se mais firmemente fundamentadas
em evidências científicas. Desde a década de 90 as práticas baseadas em evidência (PBE) se
consolidaram na área da saúde influenciando também recentemente a psicologia clínica, serviço
social e disciplinas afins (APA, 2006).
Aplicativos em saúde mental tornaram-se popular nos últimos anos. Na Pandemia este
recurso foi muito acessado devido ao isolamento social. A comunidade acadêmica também
mobilizou-se a produzir estudos baseados em intervenções digitais em saúde mental (DHMI)
com interesse de verificar a eficácia destas ferramentas no contexto clínico como em
tratamentos diversos (Timakum, Xie, Song, 2022; Huckvale et al., 2020).
Acreditamos que a metodologia das Práticas Baseadas em Evidência (PBE) pode ser
otimizada com os recursos operativos de dados e aplicações da inteligência artificial.
Aplicativos podem não apenas mediar atendimentos mas também realizar triagens e avaliações
periódicas de anamnese, aferir mudanças de comportamento com gráficos de desempenho e
prevenindo possíveis gravidades. A gestão dos dados e interação rápida entre profissional-

216
paciente podem ocorrer de maneira simples nestes softwares auxiliando o encaminhamento de
casos particulares aos centros de saúde.
Práticas de PBE integradas ao uso da tecnologia nos serviços de Psicologia
da Saúde Ocupacional (PSO) do Canadá trouxe resultados significativos (Mackay et al., 2023):

 Operacional/profissionais: Diminuiu o fardo do pessoal da linha da frente se manter


atualizado com todos os recursos internos e externos disponíveis, incluindo os
respetivos critérios de elegibilidade. Profissionais nestas funções geriram o rastreio
inicial e repetido do sofrimento, bem como os processos de triagem e encaminhamento.
 Operacional/pacientes: Aplicativos forneceram orientação aos pacientes para
atualizarem e organizarem guias de serviços com opções de programação e
oportunidades como também espaço para expressarem preferências de tratamento antes
de iniciarem um serviço específico.
 Triagem: Um sistema de encaminhamento eletrônico também foi enfatizado como uma
tecnologia facilitadora fundamental para a implementação do rastreio de sofrimento,
através do qual os pacientes preencheram as ferramentas de rastreio num tablete. Neste
programa a equipe de saúde foi automaticamente notificada para acompanhar os
pacientes com base em pontuações de corte predeterminadas. Isto supostamente levou
a taxas mais altas de pacientes recebendo cuidados de PSO do que quando a triagem era
realizada manualmente por oncologistas e enfermeiros. Outras tecnologias facilitadoras
incluíram a digitalização da gestão de casos e a utilização de uma plataforma online
segura para tornar os ficheiros acessíveis a médicos e pacientes.

PESQUISA

A pretensão de produzir um modelo próprio de aplicativo para a prática de intervenção


terapêutica em grupos online sugeriu a realização de duas revisões:
O primeiro estudo13 selecionou 70 aplicativos no período de três anos e analisados
quanto a proposta, recursos, atualização, downloads e comentários do público. Os recursos mais
comuns observados foram que 55% apps oferecem conteúdo escrito, 90% deste não científico.
Cerca de 40% oferecem diários de emoções e testes psicométricos e 22% programas de
meditação ou atendimento online. O período de maior número de downloads foi no período da

13
Artigo em submissão
217
Pandemia, entre os anos de 2020 a 2022. As limitações relacionadas a estes aplicativos se
devem ao baixo engajamento, falhas nas políticas de privacidade e ausência do
acompanhamento de profissionais especializados. Apesar das barreiras estes apps divulgam
informações importantes sobre a saúde mental e podem ser um primeiro contato para que o
usuário procure um profissional. Os softwares mais destacados são os de atendimento online e
meditação guiada.
O segundo14 analisou 82 artigos entre os anos de 2021 e 2023 e teve a finalidade
compreender as principais potencialidades e limitações nas DHMI. Os resultados indicam que
estas iniciativas são recentes e, portanto, estudos pilotos e experimentais com objetivo de
testagem de ferramentas digitais. Identificou-se problemas metodológicos relacionados ao
número pequeno de amostras, períodos curtos de coleta de dados, baixo engajamento,
problemas variados nos métodos e tecnologias empregadas. Estudos clínicos onde a presença
de profissionais foram constantes, houve treinamento para o uso do aplicativo, e quando
utilizados métodos randômicos e grupos de controle estas intervenções eram melhores
avaliadas.
Estes trabalhos ajudaram a compreender que, apesar de promissoras as intervenções
em saúde com uso da tecnologia são complexas e exigem um desenho de estudo bem definido,
softwares testados, acompanhamento profissional treinado, tempo suficiente para detectar
mudanças de comportamento e constante avaliação do público-alvo.

DESENHO DE ESTUDO

Os resultados das nossas revisões apontam a necessidade de construir um desenho de


estudo capaz de envolver pessoas. A tecnologia apenas não torna um tratamento eficaz mas
todo o envolvimento entre o público atendido, profissionais, equipe técnica e instituições. As
universidades são grandes centros de referência numa comunidade e possuem expertise no
treinamento e formação de esquipes especializadas. Projetos de extensão como E-terapias tem
potencial de aliar formação profissional e produção de pesquisas científicas.

Clínica Ampliada de teleatendimento nas universidades

Nossa proposta é que a identificação precoce dos sintomas que necessitam de cuidado,
destinada aos serviços de Atenção Primária à Saúde (APS), sejam também realizadas nos

14
Artigo em submissão
218
centros universitários. Acreditamos que a experiência do E-terapias pode tornar-se um case
replicável em outros departamentos de ciências que envolvam o campo psicossocial. A criação
de programas disciplinares de pesquisa com estágios não-remunerados de alunos, sob
supervisão, para oferecer atendimentos online pode aliar amplo acesso aos serviços de saúde
mental com baixo custo.
Os serviços de Atenção Primária são o primeiro serviço que o paciente procura ao
constatar um problema. A agilidade e facilidade de acesso independentemente da localização
geográfica e horário de funcionamento são fatores que o atendimento online pode potencializar
(Brasil, 2022a). Entre as despesas do orçamento da saúde pública federal a atenção básica tem
a segunda maior importância, atrás da assistência hospitalar e ambulatorial, representando um
total de 35 bilhões (Brasil, 2022b).

Aplicativo

Uma das potencialidades do E-terapias é a construção de laços afetivos no atendimento


dos mediadores. A capacidade de gerar engajamento é um ponto importante na superação da
principal barreira nas intervenções. O aplicativo foi pensado para mediar encontros
terapêuticos, ser acompanhado, compartilhar em grupo aprendizados e históricas com outros
participantes e evoluir nos sintomas mentais.
A proposta de tornar-se um espaço de encontro foi pensada a principal página do app
a oferta da lista de salas de grupos online. Uma página seguinte oferecerá as informações da
abordagem, inscrição, horários de atendimento, mediadores responsáveis daquele grupo caso
tenha interesse. Na aba do menu principal contará com perfil, atividades e histórico para
acompanhamento, mapa de funcionalidades do aplicativo, chat e lista de contatos.
Os recursos disponíveis na primeira versão são: diário emocional, diário de atividades,
gráficos de análise e desempenho, salas de atendimento online, chat privado com especialistas,
que escolherem realizar atendimento individualizado, psicotestes. Os profissionais poderão ter
acesso aos gráficos de desempenho e psicotestes dos usuários, caso decidam o atendimento
particular (Figura 1).

219
Figura 1 – Páginas do aplicativo em desenvolvimento

Fonte própria

Todos os recursos foram pensados como soluções às limitações mapeadas no


levantamento das pesquisas de revisão dos aplicativos em saúde mental quanto nas
intervenções. O treinamento, aceitabilidade, atrito no uso do app, aumento do engajamento,
práticas baseadas em evidências, instantaneidade dos serviços e interoperabilidade são
parâmetros fundamentais para eficácia na intervenção.

220
Quadro 1 – Parâmetros de eficácia para intervenção

Fonte própria, 2023.

CONCLUSÃO

Este trabalho procurou descrever os fundamentos usados para desenvolver um


aplicativo de intervenção digital em saúde mental no projeto E-Terapias. Entendemos que o
ambiente acadêmico pode ser uma potencial unidade de serviços em atenção primária aliando
a formação profissional, produção científica e atendimento de amplo alcance para comunidade
com custo baixo de investimento.

REFERÊNCIAS

APA. (05 de 2006). Evidence-Based Practice in Psychology. American Psychologist Vol.61,


pp. 272-285.

BURDICK, A., DRUCKER, J., LUNENFELD, P., PRESNER, T., SCHNAPP, J. (2012). The
short guide for digital humanities. MIT PRESS, pp. 121-136.

DEOLMI, M.; PISANI, F. (10 de 10 de 2020). Psychological and psychiatric impact of


COVID-19 pandemic among children and adolescents. Acta Biomed, pp. 1-5.

BRASIL. (2022a). gov.br. Fonte: Ministério da Saúde: https://www.gov.br/saude/pt-


br/assuntos/noticias/2022/abril/sus-realizou-quase-60-milhoes-de-atendimentos-psicossociais-

221
nos-caps-de-todo-o-brasil-entre-2019-e-
2021#:~:text=Atualmente%2C%20o%20Brasil%20conta%20com,de%20tratamento%20na%
20aten%C3%A7%C3%A3o%2.

BRASIL. (2022b). Portaldatransparencia.gov.br. Fonte: Portal da Transparência:


https://portaldatransparencia.gov.br/funcoes/10-saude?ano=2022.

GREGORY, I., DONALDSON, C., MURRIETA-FLORES, P., RAYSON, P. (2015).


Geoparsing, GIS, and textual analysis: Current developmentsin spatial humanities research.
International Journal of Humanities and Arts Computing 9.1, pp. 1-14.

HUCKVALE, K., NICHOLAS, J., TOURUS, J. T., LERSEN, M. E. (2020). Smartphone apps
for the treatment of mental health conditions:status and considerations. Current Opinion in
Psychology 36., pp. 65–70.

MACKAY, S., TA, V., DEWEZ, S., KÖRNER, A. (1 de 04 de 2023). Evidence-Based


Practice in Psychosocial Oncology from the Perspective of Canadian Service Directors. Curr
Oncol, pp. 3998-4020.

MARQUES, F. (20 de Outubro de 2020). fiocruzbrasilia.fiocruz.com.br. Fonte: FIORUZ


Brasília: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/saude-mental-para-todos-estudo-sobre-
desfinanciamento-no-brasil-foi-apresentado-no-primeiro-dia-do-evento/

OPAS. (8 de 10 de 2021). paoh.org. Fonte: Organização Pan-americana de Saúde:


https://www.paho.org/pt/noticias/8-10-2021-relatorio-da-oms-destaca-deficit-global-
investimentos-em-saude-mental.

ORNELL, F., BORELII, V., BENZANO, D., SCHUCH, J., MOURA, F., SORDI, A., . . .
SCHERER, J. D. (17 de 08 de 2021). The next pandemic: impact of COVID-19 in mental
healthcare assistance in a nationwide epidemiological study. The Lancet Regional Health -
Americas, pp. 1-8.

PARK, M., LEAHEY, E., Russel, F. J. (04 de January de 2023). Papers and patents are
becoming less disruptive over time. Nature, pp. 138–144.

REINERT, M., NGUYEN, T., FRITZE, D. (2022). The State of Mental Health in America.
Alexandria: Mental Health America.

THE WHITE HOUSE. (28 de 02 de 2023). whitehouse.gov. Fonte: The white house:
https://www.whitehouse.gov/briefing-room/statements-releases/2023/02/28/fact-sheet-the-
congressional-republican-agenda-repealing-the-affordable-care-act-and-slashing-medicaid/

TIMAKUM, T., XIE, Q., SONG, M. (25 de 01 de 2022). Analysis of E-mental health
research: mapping the relationship between information technology and mental healthcare.
BMC Psychiatry, pp. 1-17.

USP. (07 de 02 de 2020). Governo deve estimular ida de psicólogos para interior do País.
Jornal da USP. Fonte: https://jornal.usp.br/atualidades/governo-deve-estimular-ida-de-
psicologos-para-interior-do-pais/

222
223

Você também pode gostar