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Negociações Multilaterais

Ao contrário das negociações bilaterais convencionais, as negociações


multilaterais caracterizam-se por discussões internacionais intensivas que
envolvem múltiplos intervenientes e interesses, agendas altamente
complexas e cenários internacionais diferenciados. O cientista político Fen
Osler Hampson, com a ajuda do especialista em comércio Michael Hart,
estuda as partes componentes do processo de negociação multilateral
para identificar os factores que resultam em sucesso ou fracasso. Os
autores argumentam que a negociação multilateral é, no fundo, um
processo de construção de coligações envolvendo estados, actores não
estatais e organizações internacionais. Os estudos de caso individuais
incluem discussões sobre segurança, ambiente, questões económicas e
atores não-governamentais - como cientistas e grupos ambientais como a
Greenpeace International - em fases de pré-governação e negociação.
Para entender o fenômeno em consideração, é importante identificar
as características mínimas e básicas que definem a negociação multilateral
e distingui-la de acordo bilateral. Dentro da definição padrão de
negociação como o processo pelo qual posições conflituantes são
combinadas para formar uma decisão comum (Zartman e Berman, 1982,
p. 1). Há seis características relevantes que definem a versão multilateral
de um processo.

Em primeiro lugar, e obviamente, multilateral significa negociações


multipartidárias. Embora qualquer parte possa concordar com qualquer
outra parte, e eventualmente todas as partes presumivelmente tentam
chegar a um acordo, o caracter multipartidário implica entidades
autónomas, ou seja cada um com interesses e grupos de interesse
próprios para sustentar a sua posição. Muitos lados não constituem
apenas um jogo de números, mas sim um desafio à reconciliação de
interesses multifacetados. Uma segunda característica é a natureza das
múltiplas questões nas negociações multilaterais. Este atributo é baseado
na realidade, mas não é inerente; negociações com muitos actores
poderiam debater apenas uma questão, mas na verdade os grandes
fóruns em consideração sempre envolvem muitas questões, nem todas
elas mesmo relacionadas com um único tópico. Por outro lado, as
negociações bilaterais também podem tratar de múltiplas questões; a
diferença entre os dois tipos de negociações sobre esta dimensão é o
número de actores envolvidos em vez da natureza das negociações. Vários

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problemas requerem várias soluções e através das trocas de ideias tenta-
se chegar a um acordo ou a um único resultado. Nestas negociações, nem
todos os actores têm a mesma intensidade de interesse nas diferentes
questões. A terceira característica é a natureza multifuncional das
negociações. No processo de serem mais ou menos activos em
negociações multilaterais, as diferentes partes selecionam uma lista
limitada de questões que diferem em natureza. Os actores podem dirigir,
conduzir, defender, abrandar ou cruzar ideias nas negociações. Os líderes
nas negociações tentam organizar os participantes para produzir um
acordo que vai de encontro aos interesses dos líderes. Os condutores das
negociações, também chamados de gerentes, procuram produzir um
acordo, mas de uma posição neutra, sem interesse relevante. Os
defensores defendem uma única questão e estão mais preocupados com a
promoção da sua questão do que com o sucesso geral das negociações. Os
que abrandam as negociações, procuram bloquear um acordo e proteger
a sua liberdade de ação, muitas vezes com referência a um número
limitado de questões. Os cruzadores são preenchedores nas negociações
multilaterais, sem grandes interesses e, portanto, estão disponíveis para
actuar como seguidores. Com esta diversidade de papéis, as questões e
complexidades inerentes as negociações multilaterais, muitas vezes
existem fortes probabilidades de não se chegar a acordos. As negociações
bilaterais são caracterizadas por valores variáveis, ao contrário de
escolhas fixas que devem ser votadas a favor ou contra. As decisões
negociadas são possíveis porque as partes podem reformular os
resultados propostos e porque uma das partes pode influenciar o valor
que a outra parte atribui a esses resultados (Zartman, 1978, p. 70). No
entanto, o número de partes é fixo, por definição, nas negociações
bilaterais, e assim os papéis que as partes desempenham são fixos ou são,
pelo menos, altamente limitados. As negociações multilaterais, ao
contrário, são compostas de valores variáveis, partes e funções, ou seja,
os participantes podem e, portanto, devem, jogar em todos os três níveis
de interação, trabalhando para moldar não apenas os valores ligados a
vários resultados e os próprios resultados, mas também as partes e seus
papéis para chegar a um acordo. Eles devem fazer isso porque se optarem
por ignorar estas possibilidades, outros farão uso delas, forçando as
outras partes a jogar nos três níveis em resposta. Novamente, a imensa
complexidade de ter que lidar com muitas partes, questões e funções
aumenta a possibilidade de não se chegar a um acordo. A quinta e a sexta
característica das negociações multilaterais dizem respeito aos resultados.
O acordo foi usado até agora para caracterizar o resultado, mas de facto,

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novamente por causa da dificuldade induzida pela complexidade de se
chegar a um acordo unânime. O acordo multilateral é frequentemente por
consenso, uma regra de decisão na qual, essencialmente, a abstenção é
um voto afirmativo e não negativo. Os acordos multilaterais são por
consenso, ou seja, quando um número significativo, mas não especificado
de partidos são a favor e os demais não se opõem.

Negociação Multipartidária e mediação

Mediação tradicional

No caso dos conflitos noMédio Oriente, esta tem sido a forma de


mediação predominante. Segundo Jones, na abordagem
geoestratégica, a mediação tradicional segue os interesses de
uma estrutura global de poder como demonstra a formulação de
Wallerstein de que a mediação é a administração da periferia
nos interesses do centro. Por isso a mediação tradicional é vista
através das características de guerra, instabilidade e competição
que o realismo aplica ao sistema internacional. A luta
geoestratégica pelo poder é apoiada pela idéia estruturalista de
que a política internacional é um sistema de relações de poder
fixo incapaz de mudanças em seus aspectos fundamentais. A
visão geoestratégica procura administrar e amortecer as
manifestações de conflito “by removing its violent means and
manifestations and by arranging trade-offs among its immediate
causes and issues”. Esse tipo de abordagem adopta uma
perspectiva limitada definida pelos Estados que, segundo o
autor, não podem ser o único foco da reprodução histórica. A
preocupação da mediação tradicional não é criar condições que
contribuam a longo-prazo para a paz. Os seus objetivos são de
curto-prazo como a assinatura prematura de acordos. Muitas
vezes o mediador tradicional apressa as partes a assinarem um
acordo antes do tempo necessário, o que faz com que muitos
dos compromissos desse acordo não sejam colocados em
práctica.

Mediação de segunda via

Muitas vezes essa mediação prepara o caminho para as


negociações oficiais. Ela é usada como complemento da
mediação tradicional. A actuação dos noruegueses como
mediadores de segunda via entre palestinos e israelitas foi

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essencial para se chegar à assinatura do acordo de 13 de
setembro de 1993. Geralmente esses mediadores são
representantes de países pequenos ou organizações
internacionais que não exercem a mesma influência sobre outros
actores do sistema internacional como fazem as grandes
potências. Alguns autores como Mark Hoffman admitem que a
teoria de facilitação, que molda o comportamento do mediador
de segunda via, não consegue sustentar-se sozinha. Hoffman
então a considera como “a contingent step which is potentially
complementary to other third party initiatives”. Um dos
problemas da facilitação é a falta de poder para lidar com casos
em que haja uma assimetria deste entre as partes como no
conflicto entre Israel e os palestinos. Para Jones esses limites
impedem que o mediador imponha compromissos normativos às
partes. Assim o poder crítico da teoria de facilitação fica restrito
a analisar e promover a microdinâmica dos workshops de
resolução de conflicto. A facilitação enfatiza os problemas que
contribuem para a agravação do conflicto como uma má
comunicação entre as partes que podem levar à distorção de
informações e à “demonização” do outro, gerando uma
construção negativa da imagem do inimigo. Outra meta da
facilitação é quebrar círculos de desconfiança, em que as partes
não conseguem confiar uma na outra devido à constante
desconfiança, através de negociações de pequena escala
conduzidas em segredo em que uma terceira parte neutra cria
um diálogo emancipatório. Portanto, os seus objetivos, ao
contrário da mediação tradicional, são de longo-prazo.

Multipartidária

Além dos dois tipos de mediação principais, a tradicional e a de


segunda via, existem outros como a multipartidária, que
segundo Crocker, Hampson e All começou a expandir-se com o
término da guerra fria. Eles caracterizam esse tipo de mediação
como tentativas de mais de uma terceira parte de dar
assistência nas negociações de um conflicto. As mediações de
um processo multipartidário podem ocorrer durante diferentes
períodos ou serem simultâneas. Esse processo é caracterizado
pela participação conjunta de mais de um mediador, geralmente
um tradicional e outro de segunda via. Os actores desse tipo de
mediação podem ser variados como organizações internacionais,
regionais, governos nacionais e organizações não-regionais. A

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mediação multipartidária permite que o trabalho de cada um dos
mediadores seja direcionado às funções que cada um estaria
mais apropriado a desempenhar. No caso de um dos mediadores
se encontrar num impasse, o outro poderia tentar abrir um novo
caminho para a negociação. Apesar dessas vantagens, Crocker,
Hampson e Aall colocam que um dos problemas que ocorrem na
mediação multipartidária é conseguir com que os mediadores
cheguem a uma análise compartilhada a respeito dos problemas
e soluções. Essa tarefa de identificação das causas do conflito e
construção de possíveis soluções torna-se complexa por
envolver mais de um tipo de mediador, já que o trabalho dos
mediadores e abordagem que dão à mediação vária de um tipo
para o outro. Eles podem atrapalhar o trabalho uns dos outros
ao transmitirem mensagens contradictórias sobre problemas e
soluções. Isso acarreta um desgaste dos esforços feitos pelos
mediadores, além de um desperdício dos recursos destinados à
mediação. Alguns especialistas, como Kriesberg, acreditam que
um só tipo de mediação não é suficiente para garantir a
eficiência desta. Para ele, a melhor forma de se conduzir um
processo de mediação é combinando a tradicional com a de
segunda via ao invés de optar por uma só. ‘This helps ensure
that peacemaking is not done only from the top down, but
laterally and from the bottom up as well.” Kriesberg considera a
mediação multipartidária adequada para os palestinos. Segundo
ele, como os palestinos estão geralmente isolados e não
possuem força convencional, o próprio processo de negociação
se torna para eles uma forma legítima de lutar em nome de sua
causa. Em 1993, por exemplo, a atuação da Noruega, que
facilitou os encontros e providenciou toda a assistência
necessária para garantir uma melhor comunicação entre os
adversários, foi em grande parte a responsável pela assinatura
dos acordos de Oslo.

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