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4.6.

A negociação
Todos os seres humanos, quando em interação uns com os
outros, negociam, ainda que o façam sem tomar consciência de
que estão negociando. Podem fazê-lo verbal ou não verbalmente,
explícita ou implicitamente, diretamente ou por via de interme­
diários, oralmente ou por escrito, presencial ou virtualmente, mas,
enquanto houver interação, haverá negociação354, como constata
Bruce Patton.
Fisher, Ury e Patton notam que
Tal como o Monsieur Jourdain de Molière, que se deleitou
ao descobrir que vinha falando em prosa durante toda a
sua vida, as pessoas negociam até mesmo quando não o
pensam estar fazendo355.
Stuart Diamond diz que “a negociação está sempre presente nas
relações humanas”356, consciente ou inconscientemente.
A presença da negociação na relação entre os seres humanos é
de 80% do tempo de interação, como afirmado porYann Duzert357.
A questão, assim, não consiste em perguntar aos homens “se
negociam”, mas “como negociam”.
Da mesma forma que aprende várias coisas ao longo da vida, o
homem também pode aprender a negociar de maneira mais eficaz
para atingir a sua meta. Mesmo que já possua um instinto negociador,
há sempre uma forma de aprender a fazer diferente e melhor, porque,
quando se trata de negociar, a propensão pessoal é importante, mas
não basta. A negociação, como dito por Howard RaiíFa, é, ao mesmo
tempo, uma arte e uma ciência358.
Ainda que se negocie várias vezes ao dia, não é fácil conduzir-se
a contento e, assim, é de fundamental importância entender o que é
negociar e conhecer como fazê-lo.
Douglas Yarn defme a negociação como “processo bilateral ou
multilateral no qual as partes que diferem sobre determinada questão
354 PATTON, 2005, p. 279.
355 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 15.
356 DIAMOND, 2012, p. 13.
357 DUZERT, 2015.
358 RAIFFA, 2003, p. 7.

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tentam chegar a um acordo ou compromisso sobre aquela questão
através da comunicação”359.
Para os harvardianos Fisher, Ury e Patton, “a negociação é um
meio básico de conseguir o que se quer de outrem”.
No livro Getting Disputes Resolved, Ury, Brett e Goldberg a
definem como um processo, ou seja, (“the act of back-and-forth”) de
comunicação, feito com a intenção de alcançar um acordo360.
Como método de tratamento de conflitos interpessoais, a nego­
ciação é um processo, ou seja, uma sucessão de atos comunicacionais,
entre duas ou mais partes, visando a um acordo.
Num processo de negociação, em sua pureza conceituai, todos
os que dele participam são atores daquele conflito tratado, pois, se
houver a intervenção de um terceiro facilitador da comunicação,
não se poderá mais, a rigor, falar em negociação, mas sim em outro
método de tratamento de conflitos.
4.6.1. Os tipos de negociação
Como processo de comunicação, a negociação pode ocor­
rer de inúmeras formas, considerando que cada ser humano ou
instituição tem suas próprias características e as interações são
crescentes na sociedade, gerando negociações também em nú­
mero ascendente.
Contudo, as diversas formas em que podem se dar as negociações
costumam ser divididas em dois tipos mais marcados, a negociação
integrativa (em que se integram os interesses, como já havia sido pro­
posto por Mary Parker Follet, em 1924)361 e a negociação distributiva
(em que se distribui o valor disputado).
Em 1981, como resultado de um estudo que apresentou uma
hipótese para a solução do problema sobre qual seria a melhor maneira
para que as pessoas resolvessem suas diferenças, foi pela primeira vez
publicada a obra intitulada Getting to Yes, NegotiatingAgreement without
Giving in, produzida por Roger Fisher e William Ury, do Projeto de
Negociação da Faculdade de Direito de Harvard. Na primeira edição
359 YARN, 1999, p. 314, tradução livre nossa. Do original consta “bilateral or multila­
teral process in which parties who differ over a particular issue attempt to reach agreement
or compromise over that issue through communication
360 URY; BRETT; GOLDBERGef, 1988, p. 6.
361 Veja-se item 3.7.

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da obra, Bruce Patton trabalhou como editor e revisor, tornando-se
coautor da segunda edição.
Fisher, Ury e Patton, na obra referencial362 do método de ne­
gociação conhecido como “método de negociação de Harvard”,
propuseram uma maneira metodológica de praticar a negociação
integrativa, que chamaram de “método de negociação baseada em
princípios”.
Na doutrina, encontra-se, como sinônimos ou institutos muito
parecidos, referência aos termos “negociação de Harvard”,“negocia­
ção baseada em princípios”, “negociação com base nos interesses”,
“negociação voltada à solução do problema (problem solving)” ne­
gociação integrativa” e “negociação colaborativa”, sendo os quatro
primeiros mais usados pelos harvardianos.
A negociação baseada em princípios, para os autores do método,
consiste em procurar soluções para os conflitos (que os teóricos de
Harvard chamam de “problemas”) com base em seus méritos, ao invés
de usar um processo de regateio, em que, em regra, há um “ganhador”
e um “perdedor”.
Afirmam os autores da mencionada obra que este método pode
ser utilizado, com êxito, nos mais diversos conflitos, dentre eles os
diplomáticos, empresariais, jurídicos, familiares, pois “qualquer um
pode usar esse método”363.
O método de negociação proposto por Harvard foi denomina­
do “negociação baseada em princípios” porque baseia-se em quatro
princípios básicos, que serão descritos no item 4.6.2, abaixo.
O segundo tipo de negociação é a chamado “negociação distri-
butiva”,“negociação posicionai”,“negociação competitiva”,“barga­
nha” ou “regateio”. E aquela negociação onde as partes em conflito
distribuem o objeto sobre o que negociam, ou “repartem a torta ou
o bolo”, usando uma metáfora comum no estudo da negociação.
Alguns elementos que costumam estar relacionados à negocia­
ção posicionai e nela presentes são: a demanda e a oferta (que via
362 q }lvro Qetting toYes: Negotiating Agreement without Giving in foi escrito, em sua
primeira edição, por Roger Fisher e William Ury, do PON de Harvard. Na
segunda edição, contou também com a coautoria de Bruce Patton, que havia
sido revisor da primeira. Foi publicado pela primeira vez em 1981 e obteve, na
versão em espanhol, o título Si... de acuerdo! Cómo negociar sin ceder. No Brasil,
recebeu o título Como chegar ao sim: a negociação de acordos sem concessões.
363 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 16.

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de regra são proporcionalmente opostas e representam as posições
das partes); os valores ideal e mínimo (que são os valores ideal e
mínimo364 que cada parte está disposta a receber ou pagar); a —zona
de possível acordo (ZOPA) —(faixa entre os valores mínimos das
duas partes, dentro da qual se situará, em regra, o acordo negociado)
-; o excedente (ou surplus, que é a diferença entre o preço míni­
mo de cada parte e o preço efetivamente fechado na negociação);
a ancoragem do primeiro lance; o ganho e a perda; as concessões
pequenas, sucessivas e recíprocas rumo ao acordo; o valor fixo, em
que “um ganha” e o “outro perde” (e a correlata dificuldade de
opções criativas que maximizem o valor); o contexto distributivo;
a relação de enfrentamento ou adversarial; a ausência de relações
continuadas entre as partes (aqui, uma variação da negociação po­
sicionai em conflitos onde há relação continuada é a negociação
por favores, em que uma parte cede como favor à outra, esperando
algo em troca no futuro); a figura do perdedor e do ganhador; as
estratégias como as ameaças ou o ultimatum.
Sobre as ameaças, que às vezes chegam a ser usadas como estra­
tégias na negociação posicionai, é válido notar que elas se distinguem
das advertências. A advertência, estratégia que pode ser usada na ne­
gociação baseada em princípios, é uma declaração feita para instruir a
outra parte sobre sua melhor alternativa. Ainda que a advertência possa
influenciar a outra parte a modificar sua oferta, o objetivo principal
é garantir que a outra parte não esteja agindo baseada numa hipótese
inexata. Uma advertência é um alerta, que, ao contrário da ameaça,
não tem a finalidade de pressionar, mas sim de elucidar.
O objetivo da advertência, ou alerta, é levar a outra parte do
conflito à mesa de negociação e não ao campo de batalha, como
afirma William Ury365.
A negociação posicionai é aquela à qual todos estão, na atua­
lidade, mais acostumados, pois ainda se vive sob um paradigma de
“ganha-perde”, onde o ganho por uma das partes é enxergado como
a perda necessária para a outra. Costuma ser a forma de negociação
universalmente compreendida e frequentemente esperada até hoje,
muito embora a negociação baseada em princípios, proposta pelo
364 O valor mínimo é também chamado de “valor de reserva”, “preço de reserva”
ou walk-away price (RAIFFA, 2003, p. 37).
365 URY, 1991, p. 123.

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método de Harvard, venha sendo aperfeiçoada e ganhando crescente
aplicação, como nota Bruce Patton366.
A negociação situacional ou estratégica vem sendo apontada
como um terceiro tipo de negociação, existente além da negociação
integrativa e da negociação distributiva (os dois tipos básicos de ne­
gociação acima mencionados).
A base na qual se funda a negociação situacional é a aplicação de
cada um dos dois outros tipos de negociação conforme o conflito, os
seus negociadores e a fase própria do processo negociai, pois, como
adverte Howard Raiffa, a maioria dos conflitos com os quais temos
que lidar envolve uma necessidade mista de cooperação e competição
e, assim, o negociador tem que cooperar com a outra parte para fazer
“crescer a torta” antes de chegar a hora de dividi-la367.
Nas palavras de Ruben Calcaterra, é necessário “conocer estos
estilos de negociación porque se va a encontrar con partes que ne-
gocien utilizando un u otro”368 e, assim, o negociador e ó mediador
poderão adaptar-se às circunstâncias e ser mais estratégicos.
A esse respeito, Bernard Mayer afirma que é preciso saber com­
petir construtivamente quando a competição é necessária, pois achar
que nunca será preciso competir numa negociação pode impedir de
ser tratado adequadamente um conflito369.
4.6.2. Os quatro princípios da negociação
de Harvard 370
Como já exposto no item acima, o estudo dos autores de Harvard
originou um método de negociação baseado em quatro princípios.
São eles:
4.6.2.1. Separar as pessoas do problema
O primeiro princípio proposto pelo método de negociação de
Harvard consiste em tomar consciência de que, como partes do confli­
366 PATTON, 2005, p. 288.
367 RAIFFA, 2003, p. 26.
368 CALCATERRA, 2002, p. 84.
369 MAYER, 2004, p. 123.
370 Os princípios expostos constam da obra conjunta Como chegar ao sim: a negociação
de acordos sem concessões, de Fisher, Ury e Patton (2005).

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to, aqueles que nele estiverem envolvidos devem se empenhar, ombro
a ombro, a atacar o mesmo problema e não a atacar um ao outro. A
tarefa que os une é resolver o mesmo problema (jointproblem solving).
As partes de um conflito tendem a tratar o problema e as pes­
soas como se fossem uma coisa indistinta, e devem estar atentas para
passar a fazer diferente.
Focar no problema permite que se deixe o círculo de ataque-de-
fesa-contra-ataque, no qual as diferentes partes do conflito ingressam
quando a atenção é colocada sobre a culpa das pessoas. A fórmula
para concretizar isso é ser duro com o problema e suave com as
pessoas, mesmo que se trate de “pessoas difíceis”, aquelas que usam
táticas consideradas desleais na negociação, pois a melhor maneira
de afastar tais táticas é reconhecê-las e, assim, usar “seu radar, não sua
armadura”371, como orienta Ury.
Nesse ponto, é importante mencionar o estudo sobre o hormônio
oxitocina, que, conforme o neuroeconomista Paul J. Zak, é secretado
pelo nosso organismo em situações colaborativas e, num “círculo vi­
cioso e virtuoso”, gera ainda mais colaboração. Em contrapartida, as
situações de estresse bloqueiam a liberação de oxitocina no organismo,
que, como acontece nas situações de perigo, volta a excretar hormônios
que o levam “a mostrar as garras e competir por alimento”372.
Robert Mnookin373, para quem Nelson Mandela foi o maior
negociador do século XX, relata que Mandela separava a sua oposi­
ção ao sistema do apartheid da oposição a todos os brancos e via, em
seus adversários políticos, indivíduos que mereciam respeito, tendo
conseguido, assim, negociar o fim do apartheid com De Klerk. O
líder Mandela tinha a habilidade de separar as pessoas do problema.
Uma das estratégias de separar as pessoas do problema, reco­
mendada por um dos autores do método de Harvard, William Ury,
é a iniciativa do negociador de “sair de cena e ir para o camarote
do teatro”374, de onde o problema pode ser analisado de um “posto
de observação”, sem que se confunda com a outra parte do conflito.
Para encontrar seu camarote, o negociador deverá identificar qual a
371 URY, 1991, p. 34.
372 ZAK, 2012, p. 24.
373 MNOOKIN, 2011, p. 142.
374 A expressão “ir para o camarote” é também chamada por William Ury (1991,
p. 19) de “subir à galeria”.
sua maneira preferida de fazê-lo (levantar, respirar profunda e pau-
sadamente, contar até determinado número, caminhar, ou tomar um
café, por exemplo) e procurar usá-la durante as negociações. Cada
negociador deverá adaptar o “ir para o camarote” às suas características
e necessidades pessoais375.
Outras técnicas que podem ajudar os negociadores ou media­
dores a “irem para o camarote” são desacelerar a conversa e rever o
que foi dito até o momento, sendo esta técnica chamada por Ury
de “voltar a fita”376; trabalhar em duplas; e focar no resultado que se
quer atingir.
O “camarote” é apenas uma metáfora, utilizada por William Ury,
“para a atitude mental de distanciamento”377.
Concentrar no problema em si como um problema que ambas
as partes têm, em conjunto, que resolver, possibilita que todos parti­
cipem da construção de um resultado e, como já dito, se as partes não
participam do processo de resolução, é pouco provável que aprovem o
resultado. “El acuerdo es mucho más fácil si ambas las partes se sienten
duenas de las ideas”378, como afirmado por William Ury.
4.62.2. Não negociar com base nas
posições e focar nos interesses
Costumeiramente, as partes de um conflito negociam com base
em suas posições, qualquer que seja a natureza do conflito existente.
No dizer de Fisher, Ury e Patton, “cada um dos lados toma uma
posição, defende-a e faz concessões para chegar a uma solução de
compromisso”379, e assim seguem as partes, podendo acontecer que
cheguem ou não a um acordo.
A maneira mais recorrente de negociar é adotar, para logo depois
abandonar, uma série de posições, instalando o regateio tão conhecido
nos mercados e nas negociações de compra e venda.
Ocorre que, voltando ao exemplo de Mary Parker Follet, já
examinado no item 3.7 deste estudo e também mencionado na obra

375 URY, 2015, pp. 22-27.


376 URY, 1991, p. 37.
377 URY, 1991, p. 25.
378 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 34.
379 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 21.

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seminal da negociação de Harvard, vê-se que negociar com base
nas posições pode ser limitante. No “caso das janelas da biblioteca”,
adaptado para “o caso das janelas da sala de aula” no filme sobre a
vida de John Nash, se as partes ficassem negociando com base em
suas posições (uma parte queria a janela fechada e outra parte queria
a janela aberta), para haver acordo, alguma delas teria que ceder para
que apenas uma fosse satisfeita. A solução que atendeu a ambas só
foi possível porque fez-se a pergunta que deu acesso aos interesses
e descobriu-se que os interesses das partes do conflito não eram
conflitantes.
Para se chegar a uma solução sensata, é necessário conciliar
interesses e não posições.
Por trás, ou abaixo, de posições opostas, há muitos outros in­
teresses e, dentre estes, é mais provável que haja interesses comuns
ou não conflitantes, motivo pelo qual a negociação com base em
interesses torna-se muito mais eficaz. Como apontam Fisher, Ury e
Patton, com frequência logramos fazer acordos precisamente porque
existem interesses diferentes em questão380.
E natural que as pessoas se concentrem nas suas diferenças, pois
são elas que causam o conflito, mas sempre é possível encontrar
interesses comuns, convergências e concordâncias, que devem ser
ressaltadas e enfatizadas.
No item 3.4.2, já foi analisada a diferença entre interesses
comuns, diferentes e opostos. Pressupor que todos os conflitos
são baseados mais em interesses opostos do que nos outros tipos
de interesses é passar longe dos aspectos importantes de uma ne­
gociação, como afirma Bruce Patton. Primeiro, porque alguns dos
conflitos mais intensos são atiçados por interesses idênticos (as duas
partes querem sentir-se tratadas com justiça, que apenas é percebida
diferentemente por cada uma). Segundo, porque o valor potencial
inerente aos interesses comuns ou diferentes pode ser igual ou su­
perior ao valor em discussão381.
E muito comum que o interesse na justiça382da solução adotada
e o de sentir-se bem tratado seja o principal impulso de um conflito,
ainda que as partes, com diferentes pontos de vista sobre o que seja
380 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 51
381 PATTON, 2005, pp. 280-281.
382 Sobre o conceito de justiça, veja-se o item 1.3.1.

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justo, não se deem conta de que, por baixo de suas posições anunciadas
num conflito, resida o mesmo interesse.
Os autores do método de negociação de Harvard propõem que
se negocie com base nos interesses383 e não com base nas posições e,
para tanto, é necessário não se fixar nas segundas e investigar as pri­
meiras, pois quanto mais atenção é dada às posições, menor atenção
é dedicada à satisfação dos interesses subjacentes.
E, para encontrar os interesses subjacentes dos atores do confli­
to, aqueles sobre os quais repousam as posições, é necessário que se
investigue o que os motiva a pedir tal coisa.
Os mentores do método de negociação de Harvard afirmam
que a negociação é um meio de satisfazermos os nossos interesses e,
se assim é, tais interesses devem ficar claros num processo negociai.
Como afirma William Ury, “o prêmio na negociação não é fazer
prevalecer sua posição, e sim satisfazer seus interesses”384.
Ora, se os interesses do Ministério Público numa negociação
são aqueles sociais, não há razão para não os deixar bem esclarecidos,
desde o princípio de um processo de negociação. Ao esclarecer os
interesses defendidos pelo Ministério Público e ao trabalhar para
descobrir os interesses da outra parte do conflito, o integrante do
Ministério Público aumenta as chances de ser atingida uma solução
consensual, que pode ser a mais eficaz para a defesa do interesse social
que subsidia sua atuação.
4.62.3. Gerar opções de ganho mútuo
Apesar de saber-se que qualquer escolha costuma ser melhor
quando se dá entre várias opções, apesar de parecer incontestável que
ter muitas opções é valioso, as pessoas costumam participar de uma
negociação sem se dar conta da referida necessidade.
Alguns obstáculos que devem ser superados pelo membro e
servidor do Ministério Público para participar da geração de opções
criativas num processo de negociação são:
a) fazer juízos prematuros sobre as pessoas, as situações ou os
fatos, pois o juízo crítico inibe a inovação, motivo pelo qual
a fase de avaliar as opções geradas deve ser distinta daquela
383 A diferença entre posições e interesses já foi exposta no item 2.4.2.
384 URY, 1991, p. 26.

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de gerar opções. Como lembra William Ury385, a mudança
criativa começa com uma negativa ao status quo anterior, e,
assim, é necessário negar intencionalmente os juízos pre­
maturos, para permitir que a criatividade possa fluir;
b) buscar uma resposta única, resposta esta que, no paradigma
atual do Ministério Público, costuma ser buscada naquilo
que é previsto na lei, ao passo em que, como abordado no
item 2.5, nem todos os conflitos se dão com base no que
é legal ou não e, por outro lado, a lei nem sempre é de
interpretação unânime;
c) partir de um pressuposto de que existe um “bolo fixo” ou
uma “torta fixa” a repartir, ao invés de tentar “fazer crescer
o bolo” ou “fazer crescer a torta”, agregando valores que
podem surgir quando se negocia com base nos interesses;
d) acreditar que “resolver o problema deles é um problema
deles”, ao invés de enxergar a resolução do problema como
uma tarefa mútua e tornar mais fácil, também para a outra
parte, a solução a ser adotada.
A superação dos obstáculos apontados será um passo dado, por
aquele negociador do Ministério Público, no sentido de inventar
soluções criativas para tratar cada conflito em que ele intervém.
4.Ó.2.4. Insistir em critérios objetivos para resolver
conflitos entre interesses opostos
Uma vez que sejam bem explorados os interesses (segundo prin­
cípio da negociação de Harvard), os atores ou partes do conflito iden­
tificarão interesses comuns, complementados ou diferentes e opostos.
A regra de ouro de uma boa negociação é, depois de descobri-los,
potencializar os interesses comuns, integrar os interesses diferentes e
transacionar apenas em relação aos interesses opostos.
Quando as partes tiverem que transacionar sobre interesses
opostos, devem fazê-lo, conforme os autores de Harvard, com base
em critérios objetivos, pois “tentar conciliar as diferenças com base
na vontade acarreta sérios ônus”386.
Como solução para isso, é proposta a negociação de interesses
opostos com base em critérios independentes da vontade das partes,
ou seja, com base em critérios objetivos.
385 URY, 2007, p. 14.
386 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 97.

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Os ditos critérios objetivos podem ser a lei (note-se que, diferente­
mente do processo heterocompositivo, a lei só será utilizada como base
para resolver o conflito após serem identificados os interesses comuns,
os diferentes e os opostos), atos normativos, precedentes, costumes,
menor custo, procedimento equitativo (na escolha de uma parte do
todo, “um corta e o outro escolhe”; sorteio); valor de mercado, valor
de tabela oficial, modelos científicos e laudos periciais, por exemplo.
Quaisquer que sejam os critérios objetivos adotados, o impor­
tante é que haja acordo sobre sua adoção, pois isto afastará a decisão
com base na vontade de uma das partes.
4.6.3. Os sete elementos de Harvard
Tendo como base os quatro princípios nos quais se funda o método
de negociação de Harvard, podem ser identificados os sete elementos
apontados pelo referido método como importantes e inafastáveis.
Os assim chamados “sete elementos de Harvard” sempre estão
presentes em todas as negociações e devem ser levados em consi­
deração desde a preparação da negociação, sendo checados durante
todas as demais fases do processo negociai.
Os sete elementos de Harvard são elementos desenvolvidos no
marco de negociação do Programa de Negociação de Harvard, ne­
cessários para compreender e analisar o método de negociação, em
tese, e cada negociação, na prática.
Tais elementos devem guiar o integrante do Ministério Público
brasileiro que, entre os métodos de tratamento de conflito, encon­
trar na negociação aquele mais adequado para manejar determinado
conflito387.
A seguir, o exame de cada um dos sete elementos de Harvard.
4.6.3.1. Interesses
Ao invés de centrar-se nas posições, que, conforme Bruce Patton,
são as primeiras “idéias desinformadas de cada uma das partes sobre
as possíveis soluções”388, o método de negociação de Harvard acon­
387 Como será visto no item 4.7.3, os princípios e elementos da negociação de Har­
vard também se aplicam à mediação. Assim, os sete elementos de Harvard devem
ser usados pelo integrante do Ministério Público na negociação e também na
mediação.
388 PATTON, 2005, pp. 291-292.

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selha que o foco seja o interesse de fundo, o interesse subjacente das
partes, pois isto poderá criar valor e permitir identificar os interesses
comuns, os diferentes e os opostos das partes do conflito.
Sabendo-se que uma negociação será tanto mais produtiva quanto
mais for baseada nos interesses das partes389, é inegável que cada uma
delas deve conhecer seus próprios interesses e tentar imaginar —sem dar
por conhecidos, antes do momento adequado —os interesses da outra.
Embora possa parecer óbvio que todos conhecem os seus pró­
prios interesses, não é semote que os interesses subjacentes às posições
são conhecidos, nem mesmo por quem os tem.
Assim, descobrir os próprios interesses, imaginar quais os interesses
da outra parte e agir de forma a trazê-los a lume são tarefas que devem
ser cumpridas pelo negociador, para chegar a um resultado positivo.
Como exposto pelos criadores do método de Harvard, negociar
com base em rígidas posições pode gerar uma discussão infrutífera,
razão pela qual devem ser procurados os interesses por trás das po­
sições de cada um.
4.6.32. Alternativas
Depois de listar, ainda que mentalmente, seus interesses e os da
outra parte —que, insista-se, não podem ser dados como conhecidos
antes de verdadeiramente o serem —, o negociador deve elaborar
as alternativas que existem para satisfazer aqueles interesses, caso
não haja acordo com a outra parte do conflito. Deve estudar quais
as alternativas do que fazer caso não se chegue a um acordo, ou as
“saídas” para o não acordo, como chamadas por Bruce Patton, que
defme as alternativas como o conjunto de ações que o negociador
pode implementar sem o consentimento da outra parte390.
Ainda no planejamento, ao elaborar as alternativas possíveis ao
não acordo, é importante que cada parte do conflito estabeleça, desde
logo, qual a é a sua provável melhor alternativa ao acordo negociado.
No método de Harvard, esta provável melhor alternativa ao acor­
do negociado é chamada de —best alternative to a negotiated agreement
(BATNA), que, em português, foi traduzida para melhor alternativa
à negociação de um acordo (MAANA), também conhecida por me­
lhor alternativa ao não acordo (MANA) ou melhor alternativa sem
389 Veja-se item 3.4.2, bem como 4.6.2.
39° p a x t o n , 2005, p. 282.

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acordo (MASA). Em espanhol, o nome usado é mejor alternativa a un
acuerdo negociado (MAAN).
A relevância de ter bem identificada sua MANA (e de se esforçar
para identificar a da outra parte do conflito) é que a MANA será a
vara de medir as propostas de acordo surgidas da negociação391.
A razão pela qual se negocia é obter, na negociação, algo melhor
do que se conseguiria sem negociar. Dessa forma, ao ter bem definida
sua MANA, o negociador deverá usá-la como o critério com o qual
apreciará toda e qualquer proposta. E a MANA que o protegerá de
fazer um acordo desfavorável, pois concordar ou não com uma pro­
posta de acordo deve depender inteiramente da MANA projetada.
Para encontrar sua própria MANA —que será, como é claro,
projetada, já que o ser humano não tem capacidade de prever o futuro
com toda certeza —, o negociador deve fazer três operações, como
dizem Fisher, Ury e Patton:
a) fazer uma lista das providências que poderia adotar caso
não chegue a um acordo com a outra parte (alternativas);
b) dessas providências, aperfeiçoar algumas mais promissoras;
c) dentre as mais promissoras, escolher provisoriamente aquela
que se afigure melhor.
A MANA, também chamada, por William Ury, de “PLANO B”,
deve ser buscada mesmo que, num primeiro momento, o negociador
pense que não a tem. Ademais, um PLANO B que não seja atraente
não deve servir para desencorajar o negociador, e sim para encorajar
o negociador a aperfeiçoá-lo392.
Uma boa negociação requer que seja projetada não só a própria
MANA, mas também a da outra parte, pois, quanto mais se souber
sobre as alternativas da última, melhor será a preparação para negociar.
4.6.3.3. Relacionamento
Uma das primeiras perguntas a ser feita pelo integrante do Minis­
tério Público ao se preparar para uma negociação é o quanto importa,
para a instituição, o relacionamento com a outra parte do conflito.
391 Na mediação, o mediador deverá explorar com cada parte a comparação de suas
alternativas com sua MANA e ajudar às partes a descobrirem tal MANA, caso
não a tenham clara.
392 URY, 2007, p. 55.

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Como se sabe, a manutenção de um bom relacionamento com
a outra parte do conflito é fator decisivo na escolha de qual modelo
de negociação será empregado.
Considerar a importância do relacionamento com a outra parte
também é importante fator de preparação do negociador. Isso porque
negociar com “pessoas difíceis” pode levar o negociador a querer
romper o relacionamento, opção esta que nem sempre é possível ao
Ministério Público, como instituição.
Nesse ponto, é válida a reflexão de que, na maioria dos conflitos
com os quais o Ministério Público terá que lidar ao negociar como
“parte”393, é relevante, para a instituição, que seja mantido o bom
relacionamento com os demais atores do conflito, pois os conflitos
não serão do tipo que decorrem de uma relação de compra e venda,
onde o comprador não mais tem que se relacionar com o vendedor,
após o negócio394.
Quando negociações ocorrem repetitivamente entre partes que
têm relação continuada, a tendência é que elas negociem mais co­
operativamente do que quando a negociação é do tipo “tiro único”
ou single shot, no dizer de Howard Raiffa395.
Também nas negociações que envolvem mais de uma questão
ou tema (chamadas de negociações multitemáticas), as partes da ne­
gociação costumam agir com maior cooperação.
Outro aspecto que merece ser ressaltado, no que diz respeito ao
relacionamento, é que, numa negociação, as pessoas devem ser sepa­
radas do problema (item 4.6.2), ou seja, as partes que participam do
processo negociai devem se perceber como colaboradoras (aquelas
que trabalham em conjunto) na resolução do problema (como já
visto, o método de Harvard usa os termos “problema” e “conflito”
como sinônimos).
Separar as pessoas do problema é um dos princípios da negociação
de Harvard, princípio este que há de ser observado na preparação
e durante toda a comunicação entre as partes, pois é ele que pode
393 O melhor conceito seria o de legitimado extraordinário, já que o Ministério
Público titulariza a defesa dos interesses coletivos, lato sensu, mas não os titulariza
por si.
394 Ao atuar como mediador, o membro ou servidor do Ministério Público deve
levar as partes a descobrirem quão importante é, para elas, a manutenção de um
bom relacionamento entre si.
395 RAIFFA, 2003, p. 13.

168
quebrar o círculo vicioso de ataque-defesa que se instala quando se
ataca as pessoas ao invés de se lidar com o problema em conjunto.
Não atacar e, se houver ataque, não reagir, são ensinamentos trazi­
dos pelo método harvardiano, que lembra que responder a um eventual
ataque, com base nos méritos do problema, é diferente de reagir.
William Ury ressalta que a palavra “respeito” vem do latim, em que
re significa “novamente” e specere significa “olhar”.“Respeitar” traz em
si o sentido de “olhar de novo”, olhar com mais atenção e reconhecer
o ser humano que existe atrás de qualquer comportamento ou ato396.
Para não colocar a relação em risco, num processo adversarial, o
que o método de negociação de Harvard apresenta é a possibilidade
de manter e até construir relações entre as partes, mesmo que elas
não concordem uma com a outra.
Negociadores devem estar preparados para colocarem em teste
suas próprias visões sobre o problema e poderem concordar ou não
com a visão do problema da outra parte do conflito, sempre a respei­
tando, o que permite a manutenção do relacionamento.
Como ressaltado por Brandão, Duzert e Spinola, o relaciona­
mento criado e desenvolvido ao longo do processo de negociação
tem um efeito muito grande, não só para aquela negociação, como
também sobre futuras negociações entre essas mesmas partes397.
4.6.3.4. Opções
As opções são o amplo espectro de possíveis acordos. São a gama
de possibilidades imaginadas pelas partes para satisfazerem seus interesses.
Na fase de geração de opções, chamada por Harvard de brains­
torming, a criatividade é de ser estimulada e todas as opções pensadas
são válidas.
Duas regras sobre as opções são bem claras no método de ne­
gociação proposto pelos harvardianos:
a) a fase da geração de opções não pode se confundir com a
fase em que elas serão analisadas, que só ocorrerá poste­
riormente398.A regra dourada do brainstorming é suspender
396 URY, 2007, p. 73.
397 BRANDÃO; SPINOLA; DUZERT, 2010, p. 9.
398 Daniel Goleman (2014, p. 47) ressalta que dizer “não” nas reuniões de brainstor­
ming “derruba qualquer ideia nova, destrói insights inovadores na raiz”.

169
qualquer avaliação crítica das opções durante o período em
que estão sendo geradas, que, no dizer de Ury, pode durar
minutos ou horas;
b) todas as opções geradas devem ser despersonalizadas, ou
seja, as partes devem enxergar as opções com o sendo as
opções sobre a mesa e não com o pertencentes a alguma
delas, o que facilitará que o acordo possa conter, por
exemplo, mais de um a delas (o chamado “acordo Franke­
nstein”) ou que todas as partes se debrucem a tentar
m elhorar alguma opção gerada, independentem ente de
quem o tenha feito.

4.6.3.5. Legitimidade
Os critérios são o que legitimam a escolha da opção que melhor
atenda aos interesses das partes.
O terceiro princípio proposto pela negociação de Harvard é o
que aconselha a adoção de critérios objetivos legítimos que sejam
utilizados pelas partes quando tiverem, enfim, que “partir a torta” ou
“partir o bolo”, diante da existência de interesses opostos.
Já se disse que existem, numa negociação, mais interesses não
opostos (que podem ser interesses comuns a ambas as partes ou
interesses complementários) do que opostos, mas a negociação
poderá atingir um momento em que alguns interesses opostos
serão identificados, sendo esta a ocasião, então, para que o critério
de decisão seja um critério objetivo legítimo, como já examinado
no item 4.6.2.
Quando as partes estiverem, enfim, diante de interesses opostos
e tiverem que distribuir valor, depois de fazê-lo crescer, o método
de negociação de Harvard propõe que haja critérios objetivos e que
possam ser explicados para partir dito valor, ao invés de critérios
arbitrários e não legitimados por todas as partes do conflito.
Após a aplicação dos critérios objetivos para decidir entre inte­
resses opostos, não se pode perder de mente que, para avaliar se uma
proposta de acordo deve ou não ser aceita, o critério para medir tal
proposta é a MANA, já examinada.
4.6.3.Ó. Comunicação
A comunicação é o elemento fundamental da negociação. Sem
comunicação, não há negociação.
170
Nas palavras de Mayer, a “comunicação está no centro do conflito”399.
Sobre a comunicação, merecem destaque algumas observações,
consideradas importantes para que a comunicação ocorra de maneira
construtiva:
a) os cinco axiomas da comunicação humana
E necessário conhecer que a comunicação humana se dá com
base em cinco princípios (axiomas) básicos, como ressaltado pela
Escola de Paio Alto. Estes cinco axiomas já foram analisados no item
3.7 do presente trabalho.
b) a CNV - comunicação não violenta
E possível ao ser humano comunicar-se de maneira que o conecte
a si mesmo e ao outro, permitindo que sua “compaixão natural flores­
ça”, como ensina Marshall Rosenberg400, o criador da —Comunicação
Não Violenta (CNV), um processo de comunicação fundado em
quatro componentes —observação, sentimento, necessidades, pedido.
O processo de CNV, resumidamente, contém quatro passos
distintos:
• observar o que está acontecendo semjulgamento ou avaliação;
• identificar os sentimentos que aquilo desperta em si e para ex­
pressá-los, utilizar a “linguagem eu”,já que o sentimento é
da própria pessoa que está observando, de ninguém mais e,
além disso, o uso da “mensagem eu” gera menor índice de
mal-entendidos, pois alguém só pode afirmar, com relativa
certeza, a sua percepção ou o seu pensamento sobre algo e
não o da outra pessoa;
• investigar e reconhecer quais necessidades estão ligadas àquele sen­
timento;
• expressar um pedido específico para atender àquela necessidade,
com evitação de frases vagas e com uso de pedidos de ações
positivas, que expressam o que se quer, ao invés do que não se
quer, pois não é eficaz dizer ao outro para se abster de fazer
o que não se quer, sendo muito mais produtivo pedir-lhe
que faça aquilo que se quer401.
399 MAYER, 2004, p. 36.
400 ROSENBERG, 2006, p. 21.
401 URY, 2007, p. 146.

171
Reproduzindo o exemplo de Marshall Rosenberg402, uma mãe
podería comunicar-se não violentamente com o filho adolescente, e
seguir os quatro passos da CNV, da seguinte forma: “Filho, quando eu
vejo suas meias sujas debaixo da TV (observação sem avaliação), eu
me sinto irritada (identificação do sentimento que aquilo nela gerou),
porque preciso de mais ordem dentro de casa (reconhecimento da
sua necessidade); então, você poderia levar estas meias para o cesto de
roupas sujas (pedido específico relacionado à necessidade)?”.
c) as conversas difíceis
O ser humano é capaz de manter conversas habitualmente tidas
como difíceis de forma mais construtiva. Para tanto, de acordo com
Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen403, deve entender que
uma “conversa difícil” envolve três diálogos diferentes: o diálogo do
que aconteceu, o diálogo dos sentimentos e o diálogo da identidade.
Em cada um desses três diálogos, é preciso:
• separar percepção e realidade, ao compreender que a verdade
é diferente da percepção que cada um tem verdade, pois as
percepções não são verdades absolutas. Frequentemente, as
pessoas mantêm diálogos sem perceberem que veem os fatos e
percebem as informações de formas diferentes, uma da outra,
construindo, assim, histórias diferentes. Como dizem Douglas
Stone, Bruce Patton e Sheila Heen, “todos temos histórias
diferentes sobre o mundo porque internalizamos informações
diferentes e as interpretamos do mesmo modo”404. Assim,
para manter as conversas difíceis de forma construtiva, o ser
humano deve estar consciente de que a história do outro
pode ser tão legítima quanto a sua, mantendo, sobre a história
do outro, a necessária curiosidade;
• dissociar a intenção do outro do impacto que a ação dele teve sobre
si. Ainda que seja natural construir uma hipótese sobre a in­
tenção do outro, é preciso que a hipótese seja mantida apenas
como tal e que se saiba que ela pode estar certa ou errada;
• diferenciar culpa de contribuição. Na comunicação humana,
que se dá através de histórias, todos tendem a ser generosos
consigo próprios e severos com os outros, atribuindo aos
402 ROSENBERG, 2006, p. 25.
403 STONE; PATTON; HEEN, 2011.
404 STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 28.

172
últimos a culpa por eventual resultado. A história de cada um
é contada com a clara atribuição de papéis de vítima, a quem
conta, e de vitimário, ao outro. Ocorre que a atribuição de
culpa inibe a busca do que pode ser feito para modificar o
resultado e faz as pessoas ficarem presas ao olhar para trás,
ao passo em que a contribuição envolve compreensão e um
olhar para frente, que permite a geração de idéias capazes
de causar um resultado futuro m elhor do que o anterior. E
im portante ressaltar que, com raras exceções, as situações
que geram diálogo decorrem de um sistema onde houve
contribuição de todos e que o enfoque em apenas um dos
contribuintes pode obscurecer o diálogo, ao invés de facili­
tá-lo4115, pois, no dizer de Stone, Patton e H een,“a utilização
da estrutura da culpa torna o diálogo mais difícil, enquanto
a compreensão do sistema de contribuição torna o diálogo
mais fácil e, provavelmente, mais produtivo”405406.
d) a empatia na comunicação
A empatia, nas palavras de Marshall Rosenberg, é a “compreensão
respeitosa do que os outros estão vivendo”407 e, para que ela ocorra,
é necessário se livrar das idéias preconcebidas e dos julgamentos que
se faz das outras pessoas.
Pode-se dizer, assim, que a empatia requer um esvaziamento que,
na maioria das vezes, não é fácil de se ter ou de se manter, motivo
pelo qual é uma capacidade que deve ser adquirida e treinada para
levar à melhoria da qualidade da comunicação.
Rosenberg lembra que o ingrediente essencial da empatia é a
presença e que, para fazer a empatia surgir, as pessoas devem estar
presentes integralmente e concentradas no outro, a fim de que ele
se sinta compreendido408. Ser empático é estar presente para o outro
com todo o seu ser.
Para fazer nascer e manter a empatia, é preciso, ainda, ter verda­
deira curiosidade sobre a história do outro. No dizer de Stone, Patton
e Heen, “a certeza nos tranca do lado de fora da história dos outros;
a curiosidade nos deixa entrar”409.
405 STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 60.
406 STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 62.
407 ROSENBERG, 2006, p. 133.
408 ROSENBERG, 2006, p. 137.
409 STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 34.

173
Como afirma Daniel Goleman, manter a natureza curiosa predis­
põe a pessoa a aprender com todos ao seu redor, alimenta a sua empatia
cognitiva e amplia a sua compreensão do universo da outra pessoa410.
Por fim, é importante ressaltar que ser empático não quer dizer
concordar ou discordar do outro, mas sim compreendê-lo.
e) a escuta ativa
A escuta ativa está intimamente ligada à empatia e é um dos mais
potentes instrumentos para fazê-la surgir e para mantê-la,
Além disso, a escuta ativa é um mecanismo imprescindível de
boa comunicação. Escutar ativamente pode ser traduzido em algumas
atitudes, como:
• ter curiosidade aberta e honesta sobre a outra pessoa e de­
senvolver habilidade de m anter sua atenção nela;
• prestar atenção ao outro que fala e não à sua aparência;
• ouvir com atenção, mesmo que o outro esteja expressando
opinião diferente da sua;
• ouvir o outro sem julgar;
• lembrar que a escuta é destinada a conhecer e a obter in­
formação;
• ouvir com empatia;
• olhar e se interessar pelo outro;
• estabelecer contato visual com o outro que está falando;
• eliminar distrações;
• não pensar na resposta que quer dar enquanto o outro fala;
• procurar não interrom per e conter a ansiedade de falar;
• não demonstrar irritação;
• não presumir que já sabe o que o outro vai falar;
• escutar mais do que falar;
• lembrar que é só mais um à mesa do diálogo, e não a pessoa
principal.

Geralmente, as pessoas se comunicam concentrando-se apenas


naquilo que têm a falar e não escutam o que o outro está querendo
dizer como mensagem. Gera-se, nas palavras de William Ury, um “coro
410 GOLEMAN, 2014, p. 100.

174
de monólogos”, que só é possível de ser interrompido através da es­
cuta ativa, que requer paciência, envolvimento, disciplina e prática411.
Marines Suares propõe que se use a expressão “observação ati­
va”412, ao invés de “escuta ativa”, já que, como dizem os axiomas de
Watzlawick, Beavin e Jackson413, é impossível ao ser humano não se
comunicar (logo, até no silêncio ele se comunica) e a comunicação
humana é digital (verbal) e analógica (não-verbal e paraverbal).
Isso quer dizer que um bom comunicador deve procurar escutar
não só as mensagens verbais, mas também as não-verbais. Sabe-se que
as emoções são difíceis de se expressar pela via verbal da comunicação,
pois não costuma ser comum que o ser humano seja educado e criado
para falar sobre elas. Assim, não raramente as emoções se expressam
pela linguagem corporal e pela expressão facial e isso ocorre porque,
no dizer de Stone, Patton e Heen, “quando obstruídas, as vias emo­
cionais acabam vazando”414.
4.6.37. Compromisso
O compromisso não deve ser confundido com as opções de
acordo, sendo o compromisso uma efetiva proposta (que normalmente
se identifica quando a parte inicia afirmativas com “eu proponho”,
“eu me comprometo” ou algo parecido) ou um acordo em si.
A negociação, via de regra, envolve vários compromissos, des­
de o aspecto do procedimento (as partes do conflito concordam
em negociar para tentar resolver o conflito antes de usar o método
judicial para tanto, concordam na agenda, concordam sobre o local
onde se encontrar), até um acordo parcial ou completo, provisório
ou definitivo.
Para o método de negociação de Harvard, acordos sobre o mérito
do conflito devem ser “adiados” até que se tenha feito a livre geração
de opções (através do brainstorming), pois só aí é que terá sido criado
mais valor para então distribui-lo, se necessário for.
Além disso, uma negociação exitosa deve garantir que as partes
estejam comprometidas em manter e cumprir o que for por elas
acordado, razão pela qual as propostas que venham a figurar num
411 URY, 1991, pp. 44-45.
412 SUARES, 2011, pp. 100-101.
413 Veja-se item 4.7.
414 STONE; PATTON; HEEN, 2011, p. 84.
acordo devem ser realísticas, sendo checadas sua realidade e exequi-
bilidade pelas partes415.
4.6.4. O procedimento proposto para
a negociação e suas fases
Propor um passo a passo para cada processo negociai afigura-se
difícil, dada a impossibilidade de prevermos com exatidão todas as
variações que podem ocorrer numa negociação. Em termos genéricos,
contudo, pode-se dizer que existe um caminho para negociar e que
tal caminho deve percorrer algumas fases.
Os sete elementos do método de negociação de Harvard são
valiosos para construir este caminho e devem permear todas as suas
fases, fazendo-se presentes desde o começo416.
O procedimento de negociação que se propõe, neste trabalho,
para ser seguido pelos integrantes do Ministério Público brasileiro, é
ilustrado no quadro abaixo417:
1 AQUISIÇÃO DE COMPETÊNCIA
2 PLANEJAMENTO e PREPARAÇÃO
3 INÍCIO DO DIÁLOGO
4 GERAÇÃO DE OPÇÕES
5 ANÁLISE DAS OPÇÕES E PROPOSTAS
6 ACORDO OU NÃO e ENCERRAMENTO
7 IMPLEMENTAÇÃO e MONITORAMENTO

415 A este respeito, veja-se o item 3.7.9, sobre as técnicas de mediação conhecidas
como “teste de realidade” e “advogado do diabo”.
416 O método de Harvard explica as fases do processo de negociação através do
círculo de valor. Para os harvardianos, há que se investir em comunicação e relação
desde o início, para só depois entrar no círculo de valor propriamente dito,
onde serão explorados interesses, geradas opções e analisados os critérios objetivos
aplicáveis. Saindo deste círculo de valor, as partes deverão, cada uma, comparar
as propostas surgidas com suas MANAs, para depois chegarem ou não a um
acordo. Este é o procedimento que aparece em Patton (2005, p. 295). \
417 As fases apresentadas neste capítulo estão de alguma forma relacionadas àquelas í
propostas porYann Duzert, Ana Tereza Spinola e Fernando Bulhões em Duzert |
(2009, pp. 75-77). Na referida obra, o procedimento de negociação é dividido em 1
quatro fases: preparação, criação de valor, distribuição de valor e implementação. ]

176
4.6.4.1. Aquisição de competência
Adquirir competência significa adquirir conhecimento teórico
e prático sobre negociação.
Não se pode perder de vista que os seres humanos são acostu­
mados a negociar de maneira distributiva, pois esta é a maneira mais
simples de negociar e é aquela com a qual são acostumados desde
crianças, até mesmo nos jogos esportivos, onde geralmente a meta é
que um ganhe do outro.
Além disso, negociação não é um conteúdo obrigatoriamente
incluído nas escolas ou nos cursos de graduação brasileiros, de maneira
planejada e projetada. Ao menos não até o momento de conclusão
do presente trabalho.
Assim, um bom negociador deve se empenhar em adquirir co­
nhecimentos amplos dos diversos tipos de negociação, saber como
aplicá-los (adquirir habilidade) e fazê-lo (ter atitudes e agir aplicando
seus conhecimentos e habilidades).
4.6.42. Preparação e planejamento
A fase da preparação e do planejamento é fase inafastável da
negociação, em que o negociador (membro do Ministério Público)
e sua eventual equipe (que pode incluir outros membros e servido­
res do Ministério Público) devem identificar os próprios interesses
(da instituição) e tentar imaginar os da outra parte; estabelecer qual
a importância da manutenção do bom relacionamento com a outra
parte do conflito; imaginar quais seriam algumas de suas alternativas ao
acordo negociado; dentre as últimas, escolher sua MANA; reflexionar
sobre qual seria a MANA da outra parte; preparar-se emocionalmente;
preparar materialmente o ambiente onde ocorrerá o encontro; listar os
sete elementos referidos no item 4.6.3 e dedicar um tempo a pensar
em suas variáveis naquela negociação específica.
Em geral, não é possível a alguém chegar a um acordo que satis­
faça seus interesses se os da outra parte do conflito não forem também
satisfeitos, daí a necessidade de, desde a preparação, tentar imaginar e
construir hipóteses sobre os interesses dos outros envolvidos.
E importante que, na fase do planejamento, o negociador, ao
imaginar opções de acordo, pense em soluções que incluam “pontes
para o outro avançar”. Para defender os interesses sociais que funda­
mentam sua atuação, o negociador do Ministério Público tem que

177
considerar o abismo que pode existir entre o “sim” à sua proposta
e a posição da outra parte, cabendo ao bom negociador construir
“pontes de ouro” que cruzem esse abismo, como diz William Ury418.
4.6.4.3. Início do diálogo
Pode-se dizer é que com o início do diálogo que se começa a nego­
ciação propriamente dita,já que a negociação pode ser conceituada como
processo de diálogo entre as partes, em busca da solução para o conflito.
Nesta fase, será negociado pelas partes como se darão os encontros;
serão explorados os interesses da outra parte, a fim de conhecê-los e
confirmar ou não a hipótese que sobre eles se desenvolveu na preparação;
serão identificados, dentre os interesses, quais os interesses comuns, os di­
ferentes e os opostos; e será replantado o conflito, em termos de interesses.
A partir do momento em que, após a preparação, as partes passam
a dialogar, o seu primeiro objetivo deve ser a criação de valor.
Para criar valor, os negociadores devem investir na relação, adian­
do acordos sobre o mérito do problema em si, sendo inegável que a
geração do rapport deve se dar desde o primeiro momento e há de
ser mantida em todas as demais etapas da negociação.
O rapport pode ser definido como a conexão criada com a outra
parte. Como aponta Paul J. Zak, há convincentes evidências científicas
de que qualquer conexão não abusiva fomenta o feedback positivo,
“porque conexão constrói confiança”419.0 referido neuroeconomista
cita o exemplo de Antanas Mockus, prefeito da cidade de Bogotá, na
Colômbia, que conseguiu, com uma conexão empática criada com
a sociedade, transformar a cidade de palco de guerra entre cartéis
de drogas numa cidade que atrai, atualmente, multidões de turistas,
porque “a conexão empática humana pode ter sucesso onde as regras
de cima para baixo e o medo da punição falham”420.
Esta é a fase em que os interesses devem ser explorados. Ao
investigar os interesses da outra parte (e checar as hipóteses previa­
mente levantadas, durante a preparação, sobre os interesses do outro)
e esclarecer os seus próprios, os negociadores estarão criando valor,
ou, na linguagem comum da negociação, “fazendo crescer a torta”
para só então, num momento posterior, parti-la.
418 URY, 2007, pp. 202-203.
419 ZAK, 2012, p. 173.
420 ZAK, 2012, p. 186.

178
Aqui, como já apontado, a discussão sobre os interesses de cada
uma das partes deve ser despersonalizada, seguindo o primeiro dos
princípios de Harvard, de separar as pessoas do problema, conforme
exposto no item 4.6.1.
4.Ó.4.4. Geração de opções
Após a identificação clara dos interesses, deve-se passar à geração
de opções criativas (brainstorming), onde, como ressaltado por Fisher,
Ury e Patton, existem duas regras básicas: não analisar as opções (e sim
apenas gerá-las) e não se estabelecer propriedade das idéias geradas
na mesa de negociação421.
As opções já imaginadas na fase da preparação e ao longo do
processo negociai não devem ser consideradas como opções rígidas,
mas apenas como “ilustrações concretas do tipo de resultado que
satisfaria seus interesses”422, como lembra William Ury.
Para a geração de opções criativas, o negociador deve estar atento a
evitar as seguintes percepções e condutas que podem bloquear a criati-
vidade:julgar prematuramente, buscar uma resposta única, pressupor um
bolo fixo e achar que “resolver o problema deles é problema deles”423.
4.Ó.4.5. Análise das opções e propostas
Nesta fase, e somente nela (isto é, não antes da livre geração de
opções), é que devem as partes analisar as opções geradas e chegar
ou não às propostas.
Com as opções livremente geradas sobre a mesa (geradas na fase
anterior), as partes da negociação devem, então: examinar quais delas
atendem aos interesses comuns; quais delas integram os interesses di­
ferentes; estabelecer critérios objetivos para decidir entre os interesses
opostos que persistirem; fazer propostas de acordo.
E interessante notar que a aplicação do método de negociação de
Harvard, com seus quatro princípios e sete elementos, permite que o
dilema entre criar valor e distribuir valor (o dilema entre ser colabora-
tivo e competitivo) seja resolvido com a aplicação, primeiro, da criação
de valor, para, só então, distribui-lo com base em critérios objetivos.
421 FISHER; URY; PATTON, 2005, pp. 73-96.
422 URY, 1991, p. 27.
423 FISHER; URY; PATTON, 2005, p. 76.

179
4.6.4.6. Acordo ou não e encerramento
A proposta ou as propostas de acordo que surgirem na quinta
etapa do procedimento que aqui se apresenta deve(m) ser, então,
comparadas com a MANA do negociador, que, no caso em foco neste
trabalho, é a melhor alternativa, possuída pelo Ministério Público, ao
acordo negociado.
Encerra-se a negociação, assim, com ou sem acordo, já que o
efetivo acordo dependerá da comparação da proposta de acordo com
a MANA, que, como se viu, é a vara de medir qualquer proposta de
acordo424.
Uma negociação é um processo e, portanto, como sucessão de
atos, deve chegar a um fim, cujo momento será, em regra, estipulado
livremente pelos negociadores425.
A negociação pode resultar ou não num acordo, que, no caso
do Ministério Público brasileiro, é denominado pela lei de “compro­
misso de ajustamento de conduta”426, o que não impede de as partes
quererem dar-lhe outra denominação, sendo de se lembrar, aqui, a
importância da essência, já cultivada por Shakespeare na conhecida
fala que escreveu para Julieta - “O que há em um nome? O que
chamamos de rosa teria o mesmo cheiro doce se tivesse qualquer
outro nome”427.
A inexistência de acordo não quer dizer que a negociação tenha
sido infrutífera. O processo de negociação visa a um acordo, sendo
um processo comunicacional de tentativa de chegar a ele. Mesmo
que não haja acordo, porém, o processo negociai sempre produz al­
gum resultado no caminho, sendo que um bom resultado que pode
ser atingido, por exemplo, é a melhoria da comunicação e da relação
entre as partes.
424 Veja-se item 4.7.1.
425 Salvo em casos em que a negociação é regulamentada e deve ocorrer num prazo
fixo, como acontece com negociações no curso de inquéritos civis instaurados
pelo Ministério Público. No Ministério Público do Estado de Minas Gerais, o
prazo de conclusão do inquérito civil, de um ano, prorrogável sob apreciação
do Conselho Superior do Ministério Público, é estabelecido pelo artigo 12 da
Resolução conjunta PGJ/CGMP n. 03/2007. O prazo de um ano é também
o prazo previsto no artigo 9o da Resolução CNMP n. 23 (CNMP, 2007).
426 Lei n. 7.347 (BRASIL, 1985).
427 SHAKESPEARE, 1914 p. XXX, tradução livre nossa. Do original consta “What’s
in a name, that which we call a rose by any other name would smell as sweet?”.

180
4.6.4.7. Implementação e monitoramento
Implementar é cumprir o acordo e monitorar é controlar seus
resultados, checando se estão sendo atingidos.
Esta etapa também serve para a manutenção do relacionamento
entre as partes e, como ressaltam Brandão, Spinola e Duzert, caso haja
dificuldades no cumprimento do acordo, deve-se buscar soluções con­
juntas que “proporcionarão uma aliança mais forte entre as partes”428.
4.6.5. O círculo de valor da negociação de Harvard
Para os harvardianos, com seus quatro princípios e sete elementos,
o procedimento proposto para a negociação está relacionado à ideia
do círculo de valor e, tendo o círculo de valor como referência, os
sete elementos da negociação assim se posicionam: a comunicação
e o relacionamento se situam fora do círculo propriamente dito e
criam o espaço do círculo; no círculo de valor, serão analisados os
interesses, geradas opções e legitimados os critérios objetivos que
serão usados para decidir, quando necessário, entre interesses opostos;
saindo do círculo, a proposta de acordo será medida por cada parte,
de acordo com sua MANA e, só então, haverá ou não acordo, que é
o compromisso final das partes.
A forma gráfica utilizada para representar o enfoque de nego­
ciação com base no círculo de valor é a seguinte:

RELACIONAMENTO COMUNICAÇÃO
U INTERESSES ^

OPÇÕES
É Ê Ê tÊ Ê tÊ 11
LE G I I I M l DA Dl
r i
ALTERNATIVAS (MANA) COMPROMISSO
Fonte: Adaptado de Patton (2005, p. 295).
428 BRANDÃO; SPINOLA; DUZERT, 2010, p. 18.

181
4.6.6. Os conhecimentos necessários para negociar
Para negociar de maneira eficaz, todas as pessoas, aí incluídos
os integrantes do Ministério Público, devem adquirir conheci­
mentos de negociação, saber aplicá-los, com habilidade, e fazê-lo,
com atitude.
Os conhecimentos negociais elementares, que pressupõem o
prévio estudo sobre os conflitos e o seu sistema de tratamento ade­
quado, são aqueles expostos neste item 4.6 e também os que serão
analisados no item 4.7.9, que trata das ferramentas de mediação, pois
as técnicas que costumeiramente são identificadas como de mediação
aplicam-se, com razão, também à negociação, já que a mediação, como
se verá adiante, implica um processo de negociação.
4.6.7. O uso da negociação pelo Ministério Público
Conforme já foi exposto nos itens 2.3 a 2.5 deste trabalho, nego­
ciar é possível e necessário ao Ministério Público, quando a negociação
se mostrar o mais adequado método para tratar determinado conflito.
Os conflitos tratados sob o método da negociação serão aqueles
em que o Ministério Público poderia ser o autor da ação judicial a
ser proposta para a defesa de algum direito coletivo, individual ho-
mogeneo ou individual indisponível. E dizer: a negociação é método
que deve ser incluído nas opções de métodos possíveis quando se
tratar de conflito em que o Ministério Público é legitimado a atuar
como “parte do conflito”.
O artigo 8o da Resolução n. 118 do CNMP, de Io de dezembro
de 2014, estabelece o seguinte:
Art. 8o A negociação é recomendada para as controvérsias
ou conflitos em que o Ministério Público possa atuar como
parte na defesa de direitos e interesses da sociedade, em razão
de sua condição de representante adequado e legitimado
coletivo universal (art. 129, III, da CR/1988);
Parágrafo único. A negociação é recomendada, ainda, para a
solução de problemas referentes à formulação de convênios,
redes de trabalho e parcerias entre entes públicos e priva­
dos, bem como entre os próprios membros do Ministério
Público429.

429 Resolução CNMP n. 118 (CNMP, 2014).

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Não há dúvida, assim, de que o Ministério Público deve usá-la,
quando for o método mais apropriado, nos conflitos em que possa
ser identificado como uma das partes, desde que seja seu represen­
tante adequado (no caso dos interesses individuais indisponíveis) ou
o legitimado coletivo (no caso dos interesses coletivos e difusos).
A negociação será, muitas vezes, mais adequada, eficaz e satisfa­
tória que o uso do método judicial —propositura da ação judicial —,
pois, como aponta Samira Iasbeck de Oliveira Soares, ela pode trazer
vantagens em relação à solução imposta pelo juiz430.
De acordo com a autora suprarreferida, que parte da análise da
negociação dos conflitos ambientais, as vantagens que podem existir
na negociação são as seguintes:
• quando negociam, as pessoas discutem o que é possível ser
feito, diante de suas realidades, participam do processo de
decisão da forma de reparação do dano ambiental e a conse­
quência natural é, em regra, o cum prim ento do acordo, pois
a obrigação não lhes é imposta e tem origem na sua vontade;
• a negociação é um a oportunidade de aprendizado sobre
a importância das questões ambientais (quando o conflito
tratado for ambiental), ou próprias da natureza do conflito
(consumeristas, de saúde pública ou outra natureza coletiva);
• a celeridade da resolução negociada pode ser mais protetiva
ao bem tutelado do que a necessária demora de uma decisão
judicial;
• a questão sobre a competência dos tribunais pode ser superada
(é de se lembrar que conflitos que envolvem direitos coleti­
vos podem suscitar questionamentos sobre qual a justiça ou
o juízo teria competência para resolvê-lo, ao passo em que,
na negociação, a solução consensual pode ser mais flexível);
• o suposto infrator do direito coletivo pode também ter os
seus interesses satisfeitos, sejam eles administrativos (pois
a negociação perm ite, algumas vezes, que seja acordada a
regularização do empreendimento —no caso do dano am­
biental), sejam aqueles relacionados à possível infração penal
que pode ser caracterizada quando há um dano ambiental
(a suspensão condicional da pena e a transação penal estão
sujeitas à composição do dano)431.

430 SOARES, 2010, p. 141.


431 SOARES, 2010, pp. 141-142.

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Estando diante de um conflito, o integrante do Ministério Pú­
blico deve analisar se a negociação é o método de tratamento mais
adequado para aquele conflito. E, caso seja, a negociação deve ser
utilizada.
Se a negociação é método que há de ser utilizado pelo Minis­
tério Público brasileiro sempre que for o mais adequado para tratar
determinado conflito, pergunta-se: qual tipo de negociação deve ser
utilizado?
A missão constitucional da instituição inclui a de construir uma
sociedade livre, justa e solidária, como visto no item 2.3, o que parece
indicar que a negociação a ser utilizada é a negociação integrativa.
Também o parágrafo único do artigo 8o da Resolução n. 118 do
CNMP menciona a negociação para solucionarproblemas, o que aponta
para o uso da negociação voltada à solução dos problemas.
Contudo, o que deve fazer o integrante do Ministério Público,
ao negociar, é agir da maneira mais apropriada em cada fase da ne­
gociação, que, exatamente por se tratar de processo de autocompo-
sição, não é inflexível, e, logo, não deve ser considerada estritamente
integrativa ou distributiva.
Ao negociar, o membro do Ministério Público deve estar ciente
da existência de um natural dilema do negociador: agir integrativa-
mente (colaborativamente) ou distributivamente (competitivamente).
Para solucionar este dilema, o membro do Ministério Público
deve ter em mente que somente conhecendo as duas formas de nego­
ciar é que pode escolher, razão pela qual é necessário conhecer ambas.
E deve lembrar que, entre um modelo de negociação competitiva e
o modelo de negociação colaborativa, um outro já teve sua existên­
cia apontada em estudos, o da negociação situacional ou estratégica,
como mencionado por Rubén Alberto Calcaterra432.
Na negociação situacional ou estratégica, ainda que seja usada
a negociação distributiva, deve-se, sempre, começar cooperando,
para só depois ir adotando, estrategicamente, formas de atuação mais
adequadas a cada situação. Na negociação situacional, a negociação
distributiva não deve prescindir de um trabalho anterior com os
elementos da negociação integrativa.
A negociação situacional ou estratégica exige que o negociador
conheça sua própria tendência de estilo negociai (que está enqua-
432 CALCATERRA, 2002, pp. 100-101.

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drada num dos estilos com os quais as pessoas enfrentam os conflitos,
tais como explicados no item 3.4.1.6); analise a situação enfrentada
para descobrir qual o modelo de negociação é, em princípio, mais
indicado; estude o grau de importância em manter a relação com a
outra parte; conheça todos os modelos de negociação para que possa
se adaptar ao mais adequado a cada situação enfrentada; saiba que,
numa mesma negociação, diferentes modelos podem ser usados, mas,
em regra, iniciar colaborativamente traz maior satisfação, em relação
ao resultado pretendido.
Considerando o objetivo que deve ser alcançado pelo Ministério
Público com a negociação (defesa dos interesses sociais e individu­
ais indisponíveis), o modelo de negociação tenderá sempre a ser o
integrativo (já que a relação entre a instituição e a outra parte do
conflito é continuada), mas sem dispensar a necessidade do uso de
conhecimentos de negociação posicionai, pois, após explorados os
interesses, havendo interesses opostos aos da outra parte no conflito,
o Ministério Público não pode ceder com relação àqueles que ele
defende.
Eis o motivo pelo qual se propõe, neste trabalho, que a nego­
ciação aplicada pelo Ministério Público deve ser, na verdade, uma
negociação situacional ou estratégica.
4.7. A mediação
Quando Fisher, Ury e Patton apresentaram o método de ne­
gociação de Harvard, alertaram que, quando as partes encontrassem
dificuldade em utilizá-lo, poderiam considerar a inclusão de um ter­
ceiro no processo, terceiro este que, treinado para centrar a discussão
nos interesses, opções e legitimidade de critérios, seria o mediador.
A mediação é, assim, uma negociação assistida ou uma negocia­
ção facilitada por um terceiro. Como já dito por Stephen Goldberg,
Frank Sander e Nancy Rogers, a mediação é a negociação levada a
efeito com a assistência de um terceiro433.
Pode-se dizer, de outra forma, com Moore, que a mediação é
a extensão do processo negociai434, para a inclusão, no processo de
negociação, do terceiro neutro e imparcial, que não tem poder deci-

433 GOLDBERG; SANDER; ROGERS, 1992, p. 103.


434 MOORE, 2010, p. 44.

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