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nicação entre as partes do conflito),mas,mesmo aqueles que susten­

tam que o mediador pode chegar a sugerir opções para solucionar o


conflito, não defendem que ele o faça sem cuidado, como uma ideia
pura e simples do mediador, pois isso estaria quebrando um princípio
básico da mediação, que é a autodeterminação dos atores do conflito.
4 .7 .5 . O s c o n flito s m e d iá v e is e os im e d iá v e is
Costumam ser chamados de conflitos imediáveis tanto aqueles
que não podem ser levados ao processo de mediação quanto aqueles
em que, uma vez iniciada a mediação, ocorre a constatação, pelo
mediador, de que não podem ser resolvidos na mediação, o que
ocorre, por exemplo, se o mediador notar, após iniciada a mediação,
a ocorrência ou suspeita de um crime relacionado àquele conflito,
ou se perceber um incontornável desequilíbrio de poder entre os
envolvidos, que afastaria a autodeterminação do acordo.
Contudo, deve ser preferida a denominação “imediáveis” apenas para
aqueles conflitos que, desde sua ocorrência, não serão aceitos na mediação.
São imediáveis, assim:
• os conflitos em que um dos atores diretos não é capaz, pois
não poderão ser aplicados livremente o princípio da volun-
tariedade, da autonomia da vontade das partes e da decisão
informada483;
• aqueles em que a questão discutida não pode ser objeto de
acordo (como a manutenção da vida, da saúde e da dignidade
da pessoa humana, por exemplo);
• aqueles em que o conflito e o tema trazidos só podem ser
resolvidos por decisão judicial (entre estes, estão os que dizem
respeito à anulação de filiação, à adoção, ao poder familiar,
à invalidade do m atrimônio, à decretação da interdição e à
recuperação judicial ou falência).
A lista acima sugerida decorre da leitura do artigo 3o da Lei n.
13.140/2015 em consonância com todos os fundamentos da auto-
483 Há mediadores que mediam conflitos familiares em que um dos atores é menor
(como conflitos envolvendo pais e adolescentes), mas eventual acordo, nestes
casos, ainda que escrito e ratificado pelo mediador, embora tenha inegável valor
construtivo, é de questionável exigibilidade. Além disso, os acordos que resultam
da mediação penal na justiça infracional envolvem menores de idade. Sobre a
mediação penal e as demais práticas restaurativas, veja-se o capítulo 5.
w ' ; ..........., ...............................- .........................
? composição, razão pela qual não foram nela incluídos os conflitos
'H que versem sobre matérias onde não se admite transação.
3 Embora o caput do artigo 3o da Lei da Mediação disponha que
JL somente pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre
v direitos disponíveis ou direitos indisponíveis que admitam transação,
sabe-se que a autocomposição pela negociação e pela mediação não
se confunde com a transação, como já exposto no item 2.5.
Propõe-se que os demais conflitos, que não constem da lista
acima, dos conflitos imediáveis, podem ser levados à mediação, pois
ht o fato de uma mediação ser encerrada, após iniciada, não quer dizer
W, que não tenha ocorrido.
Sobre os conflitos que envolvem violência doméstica, existem,
7 conforme Bernard Mayer e Marinés Suares, três posições distintas na
Jyf doutrina e na prática da mediação: a primeira defende que, se houver
M qualquer histórico de violência doméstica, a mediação não pode ser
usada; a segunda afirma que é possível mediar conflitos onde seja
ventilado o tema de violência doméstica; a terceira preconiza que,
quando apropriadamente conduzida, a medição familiar é o meio
mais eficaz de colocar um fim ao relacionamento com violência484.
Aqueles que defendem a segunda e a terceira posições o fazem
sob o fundamento de que a violência, em si,jamais pode ser mediada,já
j que, por óbvio, não se pode assistir um acordo sobre a quantidade ou o
m tip° de golpes violentos permitidos. Afirmam, entretanto, que é possível
mediar os temas que a circundam, como a divisão de bens, a guarda e a
^ convivência com os filhos. Sustentam, ainda, que os casos de conflitos
com violência doméstica, onde esta é pontual, não se confundem com
os casos de violência doméstica, onde a violência não se restringe a
*| um episódio e acontece numa pauta recorrente, de maneira crescente.
? No seu livro Mediando en sistemasfamiliares, Marinés Suares alerta
X que não há consenso, entre os mediadores, sobre o que, de fato, ca-
Jj racteriza a violência doméstica e que a violência doméstica é tema
recorrente nas mediações familiares, apontando que, segundo estatís-
J§. ticas dos EUA, em 50% —dos casos de mediação familiar é ventilado
o tema de violência doméstica (percentagem esta que, segundo Sara
Cobb, é de 80% dos casos), mas que, conforme as mesmas estatísticas,
em apenas 5% —destes casos não foi viável a mediação485.
484 MAYER, 2004, p. 71; SUARES, 2011, p. 376.
485 SUARES, 2011, p. 374.
Assim, com relação aos casos em que há notícia de violência
doméstica, o importante é que, qualquer que seja a posição adotada
pelo integrante do Ministério Público, ele deve ter conhecimento
mais profundo do tema “violência doméstica”. E que, caso opte pela
mediabilidade, deve estar atento para que o acordo não seja atingido
por medo ou dominação de uma das partes, e sim com vontade livre
e consciente de ambas as partes envolvidas no conflito.
4 .7 .6 . O m o m e n to e m q u e a m e d ia ç ã o p o d e
s e r in ic ia d a n o M in is té r io P ú b lic o
A mediação é processo que pode ser iniciado no Ministério
Público brasileiro antes de os envolvidos no conflito resolverem
judicializá-lo, durante o curso do processo judicial ou até mesmo
depois dele.
Antes do processo judicial, se obtido o acordo, este poderá ser
referendado pelo Ministério Público, como será analisado no item
4.7.8, ou ser levado ao Poder Judiciário, com pedido de homologação.
No curso do processo judicial, este deve ser suspenso486, para
evitar a ocorrência de resoluções contraditórias e para deixar claro
que a mediação se dá num ambiente não-adversarial. Obtido acordo,
este deve ser levado à homologação judicial, caso os envolvidos no
conflito não tenham pedido a extinção daquele processo judicial.
Após o processo judicial de conhecmento, em que foi obtida
uma sentença de mérito, a mediação pode ser iniciada pelo Ministério
Público para tratar de questões como o cumprimento da sentença,
por exemplo.
A Resolução CNMP n. 118 de 2014487 prevê que a mediação,
no âmbito do Ministério Público, pode ser promovida nos casos de
conflitos que não tenham sido judicializados —artigo 10,1 —e que,
nos demais, podem ser utilizadas “técnicas do mecanismo de media­
ção” —artigo 10, II e III. A interpretação deste artigo, contudo, não
afasta a possibilidade de instauração de mediação no curso de pro­
cesso judicial ou após a sentença, conforme proposto nos parágrafos
anteriores deste item.

486 Lei n. 13.140, artigo 16, caput (BRASIL, 2015c) e CPC - Lei n. 13.105, artigo
313, II e artigo 694, parágrafo único (BRASIL, 2015a).
487 Resolução CNMP n. 118 (CNMP, 2014).
4 . 7 . 7 . O p r o c e d im e n to p r o p o s to p a ra a m e d ia ç ã o
O procedimento dos processos de mediação pode variar nos
diferentes países, instituições e entidades públicas e privadas que a
aplicam. Isto se dá, em grande parte, porque a mediação, como já
visto no item 4.7.3, é processo informal e flexível.
A Lei n. 13.140/2015 prevê algumas normas gerais do procedi­
mento da mediação extrajudicial, a esta também se aplicando o CPC,
que, como já examinado, tem aplicação subsidiária à mediação fora
do âmbito do Judiciário. Já a Resolução CNMP n. 118/2014 não
contém nòrmas específicas relativas ao procedimento do processo
de mediação.
Ao analisar as três normas acima referidas e a mediação praticada
nos diferentes lugares e nações, é possível traçar um procedimento
geralmente seguido que, com algumas variações sutis, inclusive na
denominação adotada, é o exposto a seguir.
4.7.7.1. Preparação
A preparação inclui, dentre outras coisas, o plano de trabalho
dos mediadores, a convocatória, o preparo emocional e o preparo
do ambiente, pois, como se sabe, o físico reforça o psicológico e “o
espaço fala”488.
Como aponta Juana Dioguardi, o espaço é ao mesmo tempo
recurso e ferramenta da mediação489, devendo, ser, assim, acolhe­
dor e neutro, permitindo que todos se sintam confortáveis nele.
Sugere-se que a mediação ocorra num ambiente onde todos
possam se enxergar livremente, sem obstáculos, com o auxílio de
uma mesa, se possível circular, e que nela haja papéis e canetas ao
alcance de todos490.
Sobre a convocatória, vale lembrar que a mediação, levada a efeito
pelo Ministério Público brasileiro, é processo voluntário e que a ela
ninguém é obrigado a concorrer.

488 Veja-se, no item 3.7.9, o espaço como ferramenta da mediação.


489 DIOGUARDI, 2014, p. 92.
49(1Alguns mediadores preferem agir sem o apoio de uma mesa, para enxergar
integralmente a comunicação não verbal dos envolvidos. Outros, na ausência
de uma mesa adequada, acomodam os assentos em círculos, sem mesas, onde
todos podem se ver livremente.
Dessa forma, o convite de comparecimento491, feito às partes
por qualquer meio eficaz492 (telefone, e-mail, mensagem, carta) deve
se preocupar em deixar clara a faculdade de comparecimento, bem
como que o processo de mediação não se destina a convencer o
mediador da razão de nenhuma das partes do conflito, mas sim a
dar oportunidade de ambas tratarem o conflito simetricamente e
procurarem, juntas, a melhor solução.
Na elaboração do convite, o serviço de mediação deve se preocu­
par, ainda, em apresentar a questão a ser tratada (escopo proposto para
a negociação indireta entre as partes do conflito)493de maneira neutra,
para não alimentar a adversariedade, incompatível com o processo
de mediação. Assim, por exemplo, ainda que a pessoa que procurou
o serviço de mediação tenha apresentado a questão como “dívida de
alimentos atrasados”, desde logo deve ser feita uma reformulação, para
constar do convite “questão relativa a alimentos ou à manutenção”494.
E conveniente que o convite à mediação informe a possibilidade
/

de a pessoa que o recebe comparecer pessoalmente ao serviço de


mediação, ou telefonar, caso tenha alguma outra dúvida ou deseje
algum esclarecimento sobre o processo de mediação para o qual está
sendo convidada.
Todas as pessoas que estão envolvidas no processo de mediação,
desde a sua preparação, devem possuir ou adquirir conhecimentos
relativos à atuação na área, pois fazer um convite ou prestar esclareci­
mentos sobre a mediação é tarefa fundamental ao êxito do processo.
Na preparação, é recomendável, ainda, que aqueles mediadores
que irão atuar em comediação495 planejem sua estratégia de atuação.
Antes de passar à análise da próxima fase, vale ressaltar que alguns
mediadores ou instituições de mediação adotam aquilo que chamam
de “pré-mediação”, que se destina a explicar às partes do conflito
(possíveis partes do processo de mediação) o que é a mediação e qual

491 No Ministério Público do Estado de Minas Gerais, existe um padrão sugerido


de convite, aprovado por ato do NINA, de 26 jun.de junho de 2015.
492 Lei n. 13.140, artigo 21, caput (BRASIL, 2015c).
493 Lei n. 13.140, artigo 21, caput (BRASIL, 2015c).
494 CARAM; EILBAUM; RISOLÍA, 2013, p. 91.
495 A comediação é valiosa para ajudar no controle da imparcialidade do mediador
e para multiplicar ferramentas comunicacionais, como, por exemplo, a escuta
ativa.Veja-se Lei n. 13.140, artigo 15 (BRASIL, 2015c).
a sua finalidade. Considerando o que foi acima exposto, a respeito
do convite, entende-se, neste trabalho, que a pré-mediação pode ser
considerada inserida na fase preparatória do processo de mediação.
4.7.7.2. Início dos encontros
O início dos encontros é por alguns identificado com o início da
mediação propriamente dita, muito embora a mediação deva começar
na preparação, fase de todo incontornável.
Nos termos da Lei n. 13.140/2015, o primeiro encontro do
processo de mediação deve ocorrer no prazo mínimo de dez dias e
máximo de três meses, contados do recebimento do convite496.
Nesta fase, do início dos encontros, o mediador deverá: a) receber
as partes; b) verificar sua correta identificação; c) apresentar-se e apre­
sentar os observadores, se houver; d) pedir que as partes e eventuais
advogados se apresentem e perguntar como preferem ser chamados;
e) fazer a declaração de abertura, também chamada de discurso de
abertura; f) recordar ou informar as anteriores interações entre todos
ou entre o mediador e algum deles; g) perguntar se alguém tem dúvi­
das; h) confirmar a disposição de todos de participarem da mediação;
i) redigir e colher assinatura no termo inicial de mediação497, onde
será incluído o consentimento informado dos mediandos.
Por mais experiente que seja o mediador, não deve descuidar da
declaração de abertura, sempre necessária, pois é a ela que ele poderá
voltar nas vezes em que porventura houver descumprimento, pelos
participantes, das regras consentidas.
Da declaração de abertura498, feita em linguagem clara a acessível
aos mediandos, devem constar, dentre outros, os esclarecimentos sobre
o que é a mediação, os seus princípios, a função do mediador, quem
conduz o processo, o papel do advogado, o procedimento, as regras
de conduta, a pauta de comunicação, as interrupções, as exceções à
confidencialidade499, as expectativas em relação aos envolvidos e a
informação sobre a possibilidade de sessões privadas.
496 Lei n. 13.140, artigo 22, parágrafo 2o, I (BRASIL, 2015c).
497 Lei n. 13.140, artigo 17 (BRASIL, 2015c).
498 No Ministério Público do Estado de Minas Gerais, foi desenvolvido um mo­
delo de declaração de abertura que é sugerido a todos os seus integrantes. Este
modelo foi aprovado pelo NINA, em 26 de junho de 2015.
499 Veja-se item 4.7.3 e Lei n. 13.140, artigos 14,30 e 31 (BRASIL, 2015c).
Do termo inicial de mediação, devem constar a qualificação das
partes do processo de mediação e de seus advogados ou defensores, se
houver; a qualificação dos mediadores e identificação da instituição à
qual pertença; a descrição sucinta do conflito; o local e a data; outras
matérias que os envolvidos acharem relevantes e as assinaturas de todos.
E importante que o mediador se preocupe, desde este primeiro
encontro, em criar o rapport com as partes, que deve ser mantido ao
longo de todo o processo de mediação.
Tânia Almeida defme o rapport como “a condução ativa e acolhe­
dora” do mediador500.0 rapport é a conexão sinceramente estabelecida
e será a base da confiança necessária ao processo de mediação.
E nesta fase que o mediador começa a construir os quatro níveis
de confiança que levam uma mediação a ser bem-sucedida: a confiança
no mediador, a confiança no processo de mediação, a confiança em si
próprio (revalorização ou empowerment) e a confiança na outra parte
(reconhecimento).
Os encontros podem ser conjuntos (a maioria dos mediadores
adota, como regra, a realização do primeiro encontro conjunto)501 ou
separados (encontros privados ou caucus)502. O importante é manter
a simetria entre as partes.
4.7.7.3. Escuta dos envolvidos e
reunião de informações
Nesta fase, serão ouvidos os envolvidos no conflito, com exer­
cício constante da escuta ativa do mediador, serão identificados os
interesses e serão geridas as emoções.
Como diz Tânia Almeida, a mediação é um processo 100% —
pautado nas histórias dos envolvidos e não se assenta em provas ou
relatos escritos, o que significa um cenário novo em nossa cultura e
500 ALMEIDA, 2014, p. 41.
501 Como ressaltado por Miriam Markus (2013), Sara Cobb propõe que haja um
primeiro encontro com cada parte, antes do encontro conjunto, para evitar a
colonização da narrativa por quem falar primeiro.
502 Há casos em que a pessoa pode pedir para não se encontrar com a outra e o
mediador deve respeitar, fazendo os primeiros encontros separadamente, com
cada participante, para só então, se for viável, promover um encontro conjunto.
Uma mediação pode até mesmo ocorrer inteiramente através de reuniões pri­
vadas, sendo chamada, nesse caso, de “mediação-ponte”, que não é, contudo, a
regra.
demanda, assim, uma adequada capacitação do mediador para lidar
com o inesperado503.
O mediador deve cuidar para ouvir uma pessoa de cada vez —
esclarecendo aos mediandos o motivo de escolher quem começa —,
com uma escuta ativa, ou seja, aquela escuta analisada no item 4.6.3 e
que exige uma intervenção do mediador para fazer perguntas, para­
frasear, conotar positivamente, resumir e aplicar as demais ferramentas
cabíveis nesta fase.
É importante que o mediador cuide de fazer, com clareza e
neutralidade, a transição da fase de abertura para a fase de escuta dos
envolvidos, bem como da fala de um para a de outro envolvido.
Nas transições, toda atenção deve ser dedicada à não utilização
de expressões adversariais (“já que foi a senhora que reclamou, vamos
começar pela senhora”, “o que o senhor tem a dizer contra ele?”,
“comecemos pelo autor”, “agora é a vez do réu”,“primeiro o recla­
mante e depois o reclamado”, “o que a senhora tem a dizer em sua
defesa?”) ou que demonstrem parcialidade (“Dona Joana, já que foi a
senhora que foi abandonada pelo Sr.João, comecemos pela senhora”).
Algumas transições sugeridas são: “Dona Ana, por gentileza,
descreva a sua visão sobre os fatos que a trouxeram aqui”, “Sr. João,
vamos ouvir o que o senhor diz sobre sua visão a respeito desses fatos
e de outros sobre os quais o senhor deseja tratar?”.
Já no resumo504, o mediador deve estar atento para começar a
introduzir o replantio, que será abaixo analisado.
E válido lembrar, nesta fase, os ensinamentos de Sara Cobb, re­
lativos ao modelo circular-narrativo da mediação, como já expostos
no item 4.7.1.
Para os integrantes do Ministério Público brasileiro, é preciso
estar atento à tendência de se comunicar com uma linguagem jurídica.
Tal linguagem será entendida pelos advogados, se estiverem presentes,
mas não se pode esquecer que a mediação é um processo comunica-
cional entre os atores diretos do conflito e o mediador. A linguagem
usada na mediação deve ser aquela dirigida, assim, aos mediandos.
Também nesta fase, cabe ao mediador estabilizar o conflito e
evitar que ele continue escalando destrutivamente. Para a estabiliza­
ção, o mediador pode fazer uso do reforço positivo, da validação dos
503 ALMEIDA, 2014, p. 167.
504 Veja-se item 4.7.9.
sentimentos dos envolvidos e da normalização, que serão analisados
no item 4.7.9.
A ideia de uma gangorra, quando se trata de estabilização do
conflito, é bem ilustrativa, pois, num processo de tratamento de con­
flitos, quando a razão estiver no alto, as emoções estarão no baixo e
vice-versa, sendo recomendável que o mediador procure balancear
tal gangorra, após ter permitido a expressão das emoções.
4.7.7.4. Replantio
O replantio é etapa muito importante da mediação, pois é aqui
que o mediador reapresentará o conflito, aos envolvidos, em termos
de interesses.
Vale lembrar que os protagonistas de um conflito, na grande
maioria das vezes, o apresentam ao mediador em termos de posições
e é fundamental que o mediador replante tal conflito em termos de
interesses. Ou seja, o conflito que o mediador recebe em termos de
posições deve ser devolvido aos mediandos em termos de interesses.
Assim, uma vez bem explorados os interesses das pessoas em
conflito, o mediador, através da pergunta de replantio, deve rea-
presentar-lhes o conflito, propondo “o que nós poderiamos pensar
para que o Sr. José possa conviver com seus filhos no sítio onde
mora e Dona Maria tenha tranquilidade de que os filhos estarão
seguros neste local?”, ou “se bem compreendi, vocês trouxeram
vários temas a serem tratados e, numa apertada síntese, vejo que
Sr. José quer conviver mais com os filhos de vocês e D. Maria se
preocupa com a segurança deles enquanto estiverem na casa do
Sr. José, que é um sítio perto da estrada. É certo dizer isso? Sendo
assim, o que vocês poderiam fazer para que o Sr. José conviva com
os meninos e D. Maria tenha tranquilidade de que a segurança
deles estará garantida?”.
4.7.7.5. Geração de opções
Na fase de geração de opções, como já dito nos itens 4.6.2 e
4.6.4, deve ser observado que quanto mais opções, melhor a escolha
dos envolvidos, e que as opções devem ser geradas sem avaliação e sem
propriedade das idéias, sendo importante separar, claramente, a fase da
geração de opções, ou brainstorming, da análise e escolha das opções.
Algumas perguntas orientadas à geração de opções são:
• “Na sua opinião, o que poderia funcionar?”
• “O que você pode fazer para ajudar a resolver esta questão?”
• “Q ue outras coisas vocês acham que poderiam tentar?”
• “Para você, o que faria com que esta ideia lhe parecesse mais
razoável?”
• “Levando em consideração os interesses de ambos, o que
poderiamos entender como uma solução satisfatória?”
4.77.6. Acordo ou não-acordo
O acordo ou não-acordo deve se dar com a escolha, dentre as opções
geradas, daquela que melhor atenda aos interesses das partes, que devem
medir as opções de acordo com a aplicação dos critérios objetivos para
solucionar a divergência entre interesses opostos e sua MANA505.
O acordo, construído pelos mediandos, deve ser redigido pelo
mediador em linguagem clara, objetiva, acessível, positiva e com con­
dições especificadas, como prazo, forma e lugar de cumprimento. Se
presentes os advogados, estes podem ajudar a redigi-lo.
Após aprovada, pelos mediandos, a redação, eles assinarão o acor­
do, assim também o fazendo o mediador e os advogados, se houver.
Os acordos podem ser definitivos ou provisórios e, nestes casos, é
recomendável que se estabeleça quando será revisto pelos mediandos.
Acordos provisórios são usados frequentemente na mediação para
que os mediandos testem alguma solução encontrada, verificando
se ela é viável.
Acordos podem ser divididos, ainda, em acordos totais ou parciais,
conforme os mediandos tenham ou não chegado a um acordo sobre
todas as questões tratadas naquela mediação.
Quanto à necessidade de homologação judicial dos acordos
mediados no Ministério Público brasileiro, o assunto será analisado
no item 4.7.8.
4.7.77. Encerramento da mediação
A mediação é processo, com início, meio e fim, podendo ser
encerrada com ou sem acordo.
Será encerrada sem acordo quando um dos mediandos, ou ambos,
não mais quiser dela participar; o mediador constatar que o conflito
505 Veja-se item 4.6.3.
não poderá ser resolvido através de um acordo autocompositivo válido;
os mediandos não chegarem a um acordo.
A prática da mediação demonstra que nem sempre designar no­
vas reuniões e insistir no processo de mediação será frutífero, motivo
pelo qual cabe ao mediador, ao verificar que os mediandos não irão
chegar à autocomposição, encerrar o processo, sem acordo, lavrando
um termo de encerramento sem acordo.
E aconselhável que o mediador esclareça aos protagonistas daque­
le conflito, cuja mediação foi encerrada sem acordo, que a mediação
não foi um processo inútil, pois proporcionou uma experiência de
diálogo respeitoso entre eles. Ademais, como é de saber dos mediado­
res, não é raro que, após o encerramento da mediação sem acordo, os
envolvidos façam um acordo negociado diretamente entre eles, usando
a experiência que lhes foi proporcionada no processo de mediação.
Encerrada com ou sem acordo, o mediador deve lavrar um ter­
mo final de mediação, com: a qualificação das partes e advogados ou
defensores, se houver; o resumo do conflito; a descrição do acordo
ou a declaração ou manifestação de não ter sido atingido; o local, a
data e as assinaturas de todos, sendo as assinaturas das partes e de seus
procuradores, se houver, imprescindíveis no caso de acordo506.
Com o encerramento da mediação, é sugerido que se peça aos
mediandos que respondam a uma pesquisa de satisfação, na qual
avaliarão, com anonimato garantido, a mediação ocorrida, sendo esta
avaliação dado importante para o constante controle de qualidade de
um serviço de mediação507.
4.7.7.8. Seguimento ou monitoramento
O seguimento ou monitoramento não é etapa existente em todo
e qualquer processo de mediação. Entretanto, é de todo aconselhável
que, em conflitos onde haja ou haverá relação continuada dos envol­
vidos, sobretudo em conflitos familiares, seja feito um monitoramento,
a fim de verificar se o acordo vem sendo cumprido e se vulneráveis,
como crianças, idosos, incapazes, estão sendo protegidos.
O monitoramento também é útil para que possa ser avaliada a
qualidade do serviço de mediação prestado.
506 Lei n. 13.140, artigo 20, caput e parágrafo Io (BRASIL, 2015c).
507 No Ministério Público do Estado de Minas Gerais, é adotado um formulário-
-padrão, com modelo aprovado pelo NINA, em 26 de junho de 2015.
Conforme Marines Suares, nas mediações familiares devem ser
feitos, no mínimo, monitoramentos após os três e os doze meses, a
contar do acordo508.
4 . 7 . 8 . R e fe r e n d o o u h o m o lo g a ç ã o ju d ic ia l
d o a c o r d o m e d ia d o ?
A mediação, como processo estruturado, apenas muito recen­
temente passou a ser aplicada no Ministério Público brasileiro e os
seus marcos normativos são de 2014 —Resolução CNMP n. 118 e
2015 - Lei n. 13.140 e Lei n. 13.105.
A Resolução CNMP n. 118 de 2014, prevê, no parágrafo Io
do seu artigo 10, que, no processo de mediação, se houver acordo,
este poderá ser referendado pelo Ministério Público ou levado ao
Poder Judiciário com pedido de homologação. Parece ter deixado
claro, assim, que o acordo será válido se referendado pelo membro
do Ministério Público ou se homologado judicialmente.
Não há fixação expressa dos casos em que cabe referendo do
promotor de justiça (ou procurador, no caso do Ministério Público
da União) e daqueles que devem ser levados à homologação judicial.
A Lei n. 13.140/2015, em seu artigo 3o, parágrafo 2o, prevê que,
no caso de acordos envolvendo direitos indisponíveis mas transigíveis,
o acordo mediado deve ser homologado em juízo, “exigida a oitiva do
Ministério Público”. Uma leitura superficial deste dispositivo poderia
levar à conclusão que um acordo de alimentos, por exemplo, mediado
pelo Ministério Público, deveria ser levado à homologação judicial.
Esta conclusão, contudo, parece não ser a mais acertada, pois o CPC
atribue eficácia de título executivo judicial ao acordo referendado pelo
Ministério Público e, ademais, não faria sentido exigir a “oitiva do
Ministério Público” num acordo mediado pela própria instituição509.
Assim, numa interpretação da Resolução CNMP n. 118/2014
em conjunto com a Lei 13.140/2015 e o CPC (Lei 13.105/2015),
parece que a homologação judicial será necessária tão somente nos
casos em que já exista processo judicial em andamento ou naqueles
em que a lei exige que determinado ato depende de sentença judicial
508 SUARES, 2011, p. 275.
509 Além disso, o CPC traz previsão de que às execuções de acordo de alimentos
advindas de títulos extrajudiciais aplica-se, inclusive, a pena de prisão civil ao
devedor —artigos 911, parágrafo único e 528, parágrafo 3o.
(como o divórcio onde haja filhos menores, a adoção e o suprimento
de idade, por exemplo).
Nos demais casos, não mencionados no parágrafo acima, o acor­
do referendado pelo membro do Ministério Público terá eficácia de
título executivo, assim como a sentença, tal como previsto no antigo
CPC510, no artigo 20, parágrafo único da Lei n. 13.140/2015 e no
artigo 784, IV do NCPC511.
4 . 7 . 9 . F e rr a m e n ta s o u té c n ic a s d e m e d ia ç ã o
Ferramentas ou técnicas são os termos costumeiramente usados
pela doutrina para se referir aos recursos dos quais dispõe o mediador
para intervir nos conflitos mediados, sendo, por esta razão, chamados
por Marinés Suares de “intervenções”512.
Abaixo, serão listadas algumas ferramentas apontadas pelos teó­
ricos e práticos do assunto, sem a pretensão de esgotá-las, pois cada
mediador pode desenvolver sua própria ferramenta, de acordo com
sua sensibilidade, sensibilidade esta que é a maior das ferramentas do
mediador.
Como alertado por Luis Alberto Warat513, o mediador, na sua
função, não pode reduzir-se à aplicação fria das técnicas, pois todas
elas só fazem sentido na sensibilidade.
4.7.9.1. Ferramentas negociais
Sendo a mediação uma negociação assistida, as ferramentas da
negociação são de todo aplicáveis, também, à mediação514, motivo pelo
qual um mediador deve ter conhecimentos de negociação.
O CPC também sublinha a importância das técnicas de nego­
ciação para todos os processos autocompositivos, prevendo, no seu
artigo 166, parágrafo terceiro, que “admite-se a aplicação de técnicas
negociais, com o objetivo de proporcionar ambiente favorável à
autocomposição”515.

510 Lei n. 5.869 (BRASIL, 1973).


511 Lei n. 13.105 (BRASIL, 2015a).
512 SUARES, 2011, p. 277.
513 WARAT, 2004, p. 51.
514 Lei n. 13.105, artigo 166, parágrafo 3o (BRASIL, 2015a).
515 Lei n. 13.105, artigo 166, parágrafo 3o (BRASIL, 2015a).
Assim, separar as pessoas do problema; focar nos interesses e não
nas posições; identificar os interesses comuns, os complementares e os
opostos; gerar opções criativas de ganho mútuo; ajudar os envolvidos
na identificação de sua MANA e na escolha de critérios objetivos
para decidir conflito de interesses opostos são ferramentas que se
aplicam à mediação.
4.7.9.2. Outras ferramentas
Além das ferramentas negociais, algumas outras devem ser desta­
cadas, a maioria delas ferramentas comunicacionais, pois a mediação
é um processo comunicacional. As ferramentas destacadas são:
Espaço da mediação
A primeira das ferramentas comunicacionais é o espaço onde
ocorrerá a mediação, que, como escrito por Diez e Tapia, “outorga
significados” e faz parte, assim, do contexto da comunicação516.
O mediador, ao preparar a medição, deve cuidar para que ela
ocorra num espaço cômodo, neutro, transitório —porque não será
incorporado à vida das partes —e contingente, onde todos se sintam
acolhidos, pertencentes e não “soltos” naquele local.
Como já adiantado no item 4.7.7.1, o espaço da mediação
deve permitir que todos se sintam nele confortáveis, física e emo­
cionalmente.
Assim, o mediador deve fazer preparação para que a mediação
ocorra num ambiente acessível, com luz e temperatura adequadas,
onde todos possam se enxergar, sem obstáculos, com o auxílio de
uma mesa, se possível circular, onde haja papéis e canetas ao alcance
de todos e em volta da qual as partes e seus advogados, se houver,
possam se sentar em assentos da mesma altura, sem preponderância
de um sobre o outro517.
516 DIEZ;TAPIA, 2010, p. 33.
517 Há mediadores que preferem conduzir o processo de mediação sem o apoio
de mesas, a fim de perceberem melhor todos os movimentos das partes, que
são espécie de comunicação não-verbal. Para aqueles que preferem o uso de
mesas, a ausência de uma mesa circular não é motivo, por si só, para não a usar,
podendo o mediador adaptar-se às circunstâncias existentes. Sobre os advoga­
dos, há mediadores, como Sara Cobb, que sugerem que eles sejam convidados
a sentarem-se atrás das partes, para que seja realçado o protagonismo destas no
processo de mediação.
De ser estimulado, ainda, o uso de objetos que signifiquem que
as partes são bem-vindas àquele espaço, bem como a existência de
água à disposição das pessoas.
Com esta ferramenta, o mediador inicia o processo fazendo
uma conexão pessoal com os envolvidos e gerando confiança nele,
mediador, e no processo de mediação.
Escuta ativa
Já explicitada no item 4.6.3, a escuta ativa é uma das mais
possantes ferramentas de todos os mediadores e os três modelos de
mediação dão grande importância a ela.
William Ury ressalta que a maneira mais simples de mostrar
respeito ao outro é escutá-lo com atenção positiva518.
Empatia
Assim como a escuta ativa, a empatia é valorizada por todos os
modelos existentes de medição, já tendo sido abordada no item 4.6.3,
ao qual é feita remissão.
Crença na autocomposição
Ainda que se tenha conhecimentos, habilidades e atitudes rela­
cionadas à mediação e à negociação, é preciso saber que o operador
de conflitos não será efetivo se estiver agindo em desacordo com seus
princípios e valores próprios, daí a necessidade de todos os mediadores
e negociadores acreditarem na autocomposição.
O poder do mediador e do negociador decorre fundamental­
mente de sua real crença na autocomposição, de sua congruência,
pois um otimismo que não seja baseado em princípios e valores
verdadeiros não será real e, consequentemente, não será eficaz, como
ressalta Bernard Mayer519.
Rapport
O rapport, já mencionado neste estudo anteriormente, é a co­
nexão criada com as partes do conflito, sendo essencial para a boa
comunicação.

518 URY, 2007, p. 76.


519 MAYER, 2004, pp. 193; 195.
No dizer de Joseph O’Connor,“é possível construir rapport em mui­
tos níveis, mas todos envolvem dar atenção e respeitar a outra pessoa”520.
Ciência de seus próprios supostos
Como todos os seres humanos, os mediadores trazem dentro de si
seus supostos, que são inafastáveis, pois todos os seres humanos os têm.
Os supostos, ou pressupostos, são o conjunto de crenças, valores
e formas de agir de um ser humano.
Os supostos condicionam a forma como se interpreta tudo o
que é visto, ouvido, sentido, tocado, provado, cheirado e vivido. E este
fenômeno ocorre porque, como ensina Frederico Fos Campeio, o
ser humano tem uma atenção natural seletiva, ou seja, presta atenção
naquilo que reforça seu modelo de realidade, seus supostos, enquanto,
costumeiramente, deixa passar despercebido aquilo que não o faz.
Agindo assim, reforça suas convicções e seus prejuízos, o que, por sua
vez, decorre da função emocional da busca pela certeza521.
Pode-se dizer que são três os níveis da experiência humana. A
técnica, que é o saber fazer; a teoria, que é o saber por que fazer e que
dá, assim, “manobrabilidade” à técnica; e os supostos, que são aquilo que,
dadas as crenças, os valores e o habitual modo de agir, condicionam
o ser humano. A técnica se localiza no nível maior de consciência,
mais acessível (nível “2”); a teoria, no nível abaixo (nível “1”) e os
supostos, em regra, no nível “0” de consciência.
Como ressaltam Carolina Gianella e Francisco Diez522, ao se
pensar nas diferenças mais óbvias entre “0”,“1” e “2”, vê-se que o “0”
representa um nada, enquanto o “1” e o “2” representam a existência
de certa quantidade. Mas, quando se interage o “0” com os outros
números, multiplicando-os, vê-se que “0 x 1 = 0” e “0 x 2 = 0”. Isto
leva à conclusão de que os supostos prevalecem.
O nível dos supostos protege o ser humano, muitas vezes, da
quantidade imensa de informações que recebe e permite que ele
organize, assim, a experiência, sendo os supostos eficientes nesta or­
ganização. Ao ver uma cobra, por exemplo, automaticamente a pessoa
tenta evitá-la, pois já faz parte de seus supostos o perigo que uma

520 O ’CO NN OR, 2014, p. 4.


521 CAMPELO, 2014, pp. 47-53.
522 GIANELLA; DIEZ, 2009.
cobra pode representar. Quando muito rígidos, contudo, os supostos
podem dificultar que o ser humano se adapte a novas situações.
E importante ressaltar, ainda, que os três níveis da experiência,
técnica, teoria e supostos, são necessários para a vida humana. E, se a
formação de um mediador não chega a tocar o nível de seus supostos,
por mais que ele tenha conhecimento teórico e aja com técnica, a
mediação não funcionará bem.
Estar diante de processos participativos e colaborativos, mas acos­
tumado a agir com supostos de competição, dificilmente permitirá
que a experiência seja completa e produtiva.
O que o ser humano pode fazer e o mediador do Ministério
Público brasileiro, como todos os mediadores, deve fazer é estar aten­
to à existência de seus supostos. Refletir sobre eles, reconhecê-los e
ficar, assim, conscientemente aberto a novas explicações e percep­
ções, distintas das que já possui. Ao agir assim, estará tornando mais
flexíveis seus supostos, pois estes podem ser mais ou menos rígidos
ou flexíveis, mas o que importa é que são dinâmicos.
Audição de propostas implícitas
Trata-se de ferramenta que consiste em ouvir tudo o que está
sendo proposto pelas partes do conflito, ainda que implicitamente.
Assim, por exemplo, quando um dos componentes do casal
que participa da mediação diz que “quer ficar com os discos, já que
pagou pela maioria deles”, está também reconhecendo que o outro
componente pagou por uma parte dos discos; quando alguém afirma
que “não concorda em pagar o valor pedido, porque não corresponde
aos gastos”, está reconhecendo que “concorda em pagar um valor
que corresponda aos gastos”.
Para a audição de propostas implícitas, é fundamental a prática
da escuta ativa.
Atenção à linguagem verbal e não verbal
Esta ferramenta consiste na aplicação do quarto axioma de Wat-
zlawick, Beavin e Jackson, conforme já exposto no item 3.7.
Uso da 'linguagem 'eu'" ("I message")
Já abordada no item 4.6.3, são exemplos deste tipo de linguagem
as intervenções do mediador tais como “eu percebo”, “pelo que eu
vejo”, “de acordo com o que eu entendí”, “eu gostaria de checar se
isso que entendi é correto”.
Qualquer assertiva “eu” (ainda que com o “eu” implícito) descre­
ve a experiência de quem está falando, ao invés de descrever o ato do
outro, legitimando, assim, a mensagem e diminuindo a possibilidade
de que ela soe ofensiva ou desrespeitosa523, como afirmaWilliam Ury.
Ressalte-se que também a CNV, já analisada no item 4.6.3,
aponta a importância da linguagem “eu”.
Transformação de discordância em concordância
Quando as pessoas discordam uma da outra, usam palavras como
“mas”,“contudo”,“porém”, que introduzem a ideia de contradição.
Ao ouvir uma contradição à sua ideia, os seres humanos costumam
deixar de escutar receptivamente e assumir uma posição de defesa.
O mediador, assim como o negociador, deve procurar transformar
a contradição em conexão e concordância, podendo substituir o “mas”
por“e”, apresentando as opiniões como adendos e não como oposições.
Parafraseio524
O parafraseio é a ação que consiste em retransmitir ao participan­
te da mediação aquilo que ele falou, de maneira organizada, sintetizada
e neutralizada, com aplicação de filtros de expressões negativas.
Trata-se, no dizer de William Ury, de “uma das ferramentas mais
úteis do repertório do negociador”525 e, consequentemente, também
do mediador.
O parafraseio deve sempre deixar claro que aquilo que está sendo
retransmitido é a impressão do mediador sobre o que o participante
falou. Assim, o parafraseio deve ser precedido de expressões como
“deixe-me ver se entendi bem”, ”pelo que entendi”, e sucedido de
expressões que confirmem se é aquilo mesmo que a pessoa quis dizer,
como “é isso mesmo?”, “entendi bem?”.
E utilizado com eficácia para mostrar a alguém que ele está
sendo escutado (feedback), legitimá-lo, ajudar a organizar a sucessão
de fatos, sintetizar relatos muito extensos, destacar algo importante
523 URY, 2007, p. 99.
524 O parafraseio é também chamado, por alguns autores, de recontextualização.
525 URY, 1991, p. 47.
que foi dito e que o outro participante parece não ter escutado e
neutralizar a narrativa desqualificadora.
Resumo
O resumo é ferramenta usada depois de interações entre os me-
diandos ou antes de começar um novo encontro, a fim de relembrar
o que se passou no anterior.
Assim como o parafraseio, o resumo destina-se a mostrar aos me-
diandos como os seus relatos foram ouvidos pelo mediador (feedback), a
legitimar todos os envolvidos e a retransmitir o que falaram numa lingua­
gem positiva (desejável) ou, ao menos, neutra.Também serve para ressaltar
os avanços alcançados até o momento, marcar o rumo das negociações,
reforçar para os mediandos a existência de interesses convergentes, a re­
solução parcial do problema ou os consensos sobre determinados temas.
O resumo distingue-se do parafraseio porque não se restringe à
fala de apenas uma das partes da mediação e deve incluir a de todas.
Ao finalizar o resumo, o mediador deve dar oportunidade aos
participantes de acrescentarem o que acham que está faltando.
O resumo cooperativo, por sua vez, é uma técnica útil para co­
meçar a introduzir o replantio do conflito em termos de interesses
e apresentar aos envolvidos um resumo daquilo em que convergem,
para que confirmem a convergência. Um exemplo de resumo co­
operativo é a seguinte intervenção: “Do que eu entendi, me parece
que vocês desejam estabelecer um valor razoável para a pensão dos
filhos e vocês gostariam de definir um critério que seja percebido
como justo para ambos. E correto eu dizer isto?”.
Afago ou reforço positivo
E o genuíno reconhecimento do mediador a algum compor­
/

tamento positivo e colaborativo das partes ou de seus advogados,


mesmo que aparentemente de pequena monta.
Quando o mediador reforça um comportamento colaborativo
ocorrido na mediação, estimula as partes a continuarem a agir cola-
borativamente, criando, assim, uma espiral construtiva.
Silêncio
O silêncio é forte aliado no aprofundamento das respostas dadas,
podendo ser usado, também, para que os participantes reflitam sobre
sua intervenção extemporânea, por exemplo.
Num mundo onde pouco se aprende sobre comunicação, o
silêncio pode ser incômodo para o mediador, mas deve ser praticado,
pois é muito útil, em vários momentos, como aqueles que se seguem
às perguntas reflexivas e às circulares.
Apenas uma parte do poder das perguntas reflexivas e circulares
está nas perguntas propriamente ditas, pois a outra parte está no silên­
cio que se segue enquanto a pessoa não responde, e, como ressaltado
porWilliam Ury, um “erro frequente” é privar a pessoa que responde
desse tempo criativo526.
E importante que o mediador, seguindo o conselho de Carlos
Drummond de Andrade, saiba escolher o seu melhor silêncio, pois
“mesmo no silêncio e com o silêncio, dialogamos”527.
Normalização
A normalização é ferramenta eficaz para diminuir o “peso do
conflito” sobre os envolvidos e tentar neutralizar o sentimento de
constrangimento de estarem numa sessão de mediação528, na presença
de um terceiro, em regra desconhecido.
E de grande utilidade o mediador esclarecer para os presentes que
conflitos são naturais, todas as pessoas os vivem e que a dificuldade
que eles enfrentam poderá ser por eles superada com a construção
cooperativa de soluções.
Espelho
O espelho ou espelhamento se dá através: a) da repetição de
algumas palavras-chave usadas pelos participantes, para que eles
sintam que foram escutados, sem, necessariamente, a reprodução do
tom utilizado; b) da utilização dos mesmos gestos e comportamento
não-verbal por eles usados, para que a comunicação seja harmônica.
Esta técnica é também conhecida como “técnica de acompassa-
mento”, como diz Juana Dioguardi, e facilita o rapport e a confiança529.
Como asseverado por William Ury, a concordância entre duas
pessoas pode ser não-verbal. O autor cita como exemplo o caso de
526 URY, 1991, p. 77.
527 ANDRADE, 2014.
528 ARLÉ; BADINI; BORGES, 2014, p. 270.
529 DIOGUARDI, 2014, p. 81.
dois amigos conversando harmonicamente, onde um tende a fazer os
mesmos gestos e assumir as mesmas posições que o outro530.
O mediador deve observar qual o tipo de canal que o mediando
melhor compreende (visual, auditivo ou sinestésico), sua postura, sua
linguagem, seu ritmo de fala, sua respiração e, na medida do possível,
acompanhá-los. Não se trata de mera repetição sem sentido, que pode
ser identificada com ironia, mas sim de um “acompassamento”, que
torna possível ao mediador “entrar no modelo de mundo da outra
pessoa”, no dizer de Joseph O ’Connor531.
Sobre os canais de compreensão acima mencionados (visual,
auditivo e sinestésico), pode-se citar o exemplo de uma pessoa que
se expressa dizendo “eu vejo isso dessa maneira...”, deixando claro
que seu canal de comunicação prevalente é o visual, motivo pelo qual
aquele que a escuta ativamente deve procurar dar ênfase a este canal,
utilizando expressões como “eu enxergo o que você está dizendo...”.
Pedido de contribuição
Trata-se da intervenção do mediador que demonstra que ele,
mediador, necessita da colaboração dos envolvidos para entender o
conflito e conduzir o processo de mediação a bom termo.
Um exemplo deste tipo de intervenção é a seguinte fala do
mediador: “ajude-me a compreender o motivo de você querer ver
seus filhos apenas na porta de casa”.
Também é considerado pedido de contribuição o pedido do
mediador, a um dos participantes ou a ambos, para que digam o que
acham que podem fazer, pessoalmente, para a melhor solução daquele
conflito, fazendo com que os atores sintam-se empoderados, como
afirmado por Marinés Suares532.
Interrupção ou reversão de espirais destrutivas
As espirais são movimentos que ocorrem na dinâmica dos con­
flitos, como já exposto no item 3.5.2, e podem ser destrutivas ou
construtivas.
A tendência de pessoas envolvidas num conflito é fazer com
que ele se mova em espirais destrutivas, para as quais deve estar aten­
530 URY, 1991, p. 54.
531 O ’CONNOR, 2014, p. 48.
532 SUARES, 2011, p. 326.
to o mediador, a fim de interrompê-las, sejam elas espirais entre os
mediandos, sejam aquelas em que um deles ou ambos podem, ainda
que inconscientemente, tentar envolver o mediador.
Para a interrupção ou reversão da espiral destrutiva, o mediador
pode lançar mão de ferramentas aparentemente simples, muito eficazes,
como respirar, concentrar-se no seu propósito,“chegar até a varanda”
ou propor uma pausa533, lembrando que a maneira mais simples de
ganhar tempo numa negociação tensa é justamente fazer uma pausa,
pois, como lembra Ury, a raiva e a frustação geram alterações bioquí­
micas imediatas que passam, num curto espaço de tempo534.
Perguntas
As perguntas são o “instrumento primaz”535, para Tânia Almeida,
ou a forma de “intervenção privilegiada”536, para Marines Suares, do
mediador.
Saber perguntar e usar perguntas adequadas à finalidade que se
quer atingir são conhecimentos inafastáveis para o mediador, que, ao
elaborar as perguntas, deve ter claro qual o seu objetivo.
As perguntas podem ser classificadas, de acordo com o que visa
o mediador, em:
• Perguntas abertas
São a regra na mediação, processo autocompositivo onde as
perguntas devem ser prevalentemente abertas, ou seja, aquelas que
não comportam apenas as respostas “sim” e “não”.
São as perguntas feitas para se obter informação, devendo elas
servirem de inspiração do mediador, que, necessariamente, tem que
se manter curioso sobre tudo, ao invés de pressupor que já sabe a
resposta à pergunta formulada.
Podem ser iniciadas com advérbios, tais como “quem”,“o que”,
“como”,“onde”,“quando”,“qual”, ou podem ser expressas através de
um pedido para que o mediador explique “quem”,“o que’, “como”,
“onde”, “quando”, “qual”.

533 URY, 2007, pp. 23-24.


534 URY, 1991, p. 35.
535 ALMEIDA, 2014, p. 255.
536 SUARES, 2011, p. 279.
Quando o objetivo das perguntas abertas é desvendar interesses,
devem ser feitas tantas perguntas quantas forem necessárias até que
eles fiquem claros, pois, como dito por Ury, “fazer perguntas para
desvendar interesses é como descascar uma cebola”537.
Alguns livros sobre mediação trazem exemplos de perguntas
que começam com “por que?”, mas recomenda-se que tais perguntas
sejam evitadas, pois, como alerta Marines Suares, o “por quê?” leva
os participantes a buscarem razão para aquilo que disseram ou a se
firmarem ainda mais em suas posições538.
• Perguntasfechadas
São as perguntas cujas respostas restringem-se a “sim” e “não”
e devem ser formuladas apenas nos casos em que o mediador deseja
checar uma hipótese por ele construída, como no parafraseamento ou
no resumo, quando, no fim, o mediador pergunta: “é isto mesmo?”.
• Perguntas reflexivas
São aquelas que não podem ser respondidas de forma automática
e requerem tempo para a pessoa pensar na resposta.
Devem ser planejadas pelo mediador para esta finalidade, sendo
formuladas de maneira a fazer com que o destinatário passe a usar
um processo interno de reflexão diferente do que vinha utilizando,
antes de respondê-las.
• Perguntas circulares ou sistêmicas539
São aquelas que se destinam a fazer com que o destinatário foque,
também, em outros elementos do sistema e enxergue a totalidade,
característica dos sistemas.
Envolvem necessariamente dois elementos do sistema540, ainda
que um esteja implícito. São a nina bonita da mediação, nas palavras
de Marinés Suares541.
Destinam-se a deslocar a atenção do destinatário para fora, para
que ela englobe outros elementos do sistema.
537 URY, 1991, p. 70.
538 SUARES, 2011, p. 286.
539 Para Caram, Eilbaum e Risolía (2013, p. 326), as perguntas circulares são uma
subclasse das perguntas reflexivas.
540 Sobre os sistemas, veja-se item 2.3.3.
541 SUARES, 2011, p. 293.
Pode acontecer que, dada sua complexidade, no começo do
processo as perguntas circulares não sejam eficientes ou não sejam
compreendidas pelos participantes, cabendo ao mediador avaliar
quando usá-las.
Costumam ser classificadas em:
a) circulares de pessoas, pessoas estas que podem ser o outro ator
do conflito ou um terceiro (“o que você pensa que ele sen­
te?”,“como você acha que ele receberá esta sua proposta?” ,
“como você agiria se fosse sua mãe?”, “o que você acha
que seu filho vai pensar desta solução que você propôs?”,
“o que você pensa que um juiz decidiria, neste caso?”);
b) circulares de relação, apropriadas quando as pessoas envolvidas
no conflito têm algum tipo de relação que irá continuar, e
o mediador pode fazê-las pensar em como será tal relação
(“como você imagina que ficará esta relação de vocês no
trabalho?”);
c) circulares de tempo, destinadas a “descristalizar” os envolvi­
dos no conflito, que costumam apresentá-lo como algo
estático, parado em algum m om ento do tem po passado.
São perguntas que podem dirigir-se ao tem po passado
ou ao tem po futuro (“você poderia me dizer, hoje, com o
era o relacionamento de vocês quando começaram a na­
morar?” ,“com o você vê, hoje, o relacionam ento de vocês
no futuro?”).

• Perguntas hipotéticas
Destinam-se a apresentar um cenário hipotético para a reflexão
dos participantes da mediação (“suponha que ele houvesse concor­
dado com que você se mudasse para Londres com as meninas. Como
você faria, hoje, se elas ficassem doentes e você tivesse que trabalhar
naquele dia”?).
Perguntas desagregadoras542e a programação
neurolinguística (PNL)
As perguntas desagregadoras são aquelas voltadas a desagregar
alguns tipos de comportamento dos atores do conflito, ajudando-os
a “quebrar” determinado modelo ou padrão de comunicação.
542 CARAM; EILBAUM; RISOLÍA, 2013, pp. 333-334.
A PNL —foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade da
Califórnia, no século XX, no final dos anos 1960 e início dos 1970. Os
pesquisadores que a desenvolveram, Richard Bandler ejohn Grinder,
quiseram demonstrar como a linguagem (linguística) pode atingir a
mente (neuro) e produzir uma ação (programação).
A PNL baseou-se no estudo da atuação de alguns psicotera-
peutas como Virginia Satir, Fritz Peris e Milton H. Erickson. Com
base na atuação de Virginia Satir e Fritz Peris, a PNL desenvolveu
um primeiro modelo (chamado “metamodelo” - modelo acima dos
demais, como modelo de linguagem para esclarecer a linguagem
através da própria linguagem), para tentar desagregar alguns padrões
prevalentes de comunicação.
Os padrões prevalentes na comunicação humana, tais como
identificados na PNL, são a generalização, a omissão (deleção ou
supressão) e a distorção. Para superá-los, a PNL propôs um meta­
modelo, com estratégias voltadas a tornar a comunicação humana
mais eficaz.
Assim, para vencer o padrão da generalização (identificável
através do uso de expressões como “sempre”, “nunca”, “jamais”,
“tudo”,“nada”,“todo”,“todos”,“ninguém”), o metamodelo propõe
a formulação de perguntas-desafio.
Para o padrão de omissão, deleção ou supressão (que pode ser
notado pelo uso de expressões como “isto é assim”, “ele é assim” e
ditos populares), o metamodelo propõe as perguntas aclaradoras.
Para o padrão da distorção (comum em expressões como “ele
não me respeita”), o metamodelo propõe as perguntas destinadas a
voltar o foco para o próprio sujeito.
Como apontado por Juana Dioguardi, ao aplicar as técnicas
de PNL, o mediador permitirá que os atores do conflito adquiram
a capacidade de especificar suas generalizações, preencher as partes
faltantes nas omissões e recobrar o foco nas distorções543.
Como exemplos de padrões prevalentes de linguagem e de
perguntas do metamodelo, desagregadoras dos padrões prevalentes,
podem ser citados os seguintes diálogos, em que “P” é o participante
da mediação e “M ” é o mediador:
P: "ele nunca paga a pensão em d ia ...";

DIOGUARDI, 2014, p. 83.


M: "a senhora disse que a pensão foi combinada há
três anos, seria possível a senhora me dizer como era o
pagamento da pensão no começo, há três anos atrás?";
P: "ela sempre chega tarde";
M: "o senhor poderia me dizer em que dias da semana
ela chega tarde?";

P: "a conta tinha que ser paga";


M: "exatamente quem deveria pagá-la?";

P: "ele me discrimina";
M : "o que você quer dizer com discrimina?";

P: "eu só quero o melhor para o meu filho";


M: "o que, na sua visão, é o melhor para o seu filho?";

P: "eu não posso pedir isso";


M: "o que a senhora, então, pode pedir?";

P: "ele não me respeita";


M: "o que teria que acontecer para que você se sentisse
respeitada?";

P: "ela não gosta de mim";


M: "como, exatamente, você sabe disso?".

Marines Suares aborda tais ferramentas chamando-as de “per­


guntas aclaratórias” ou “perguntas semáforos”544.
O metamodelo sugerido pela PNL é uma ferramenta poderosa
e o seu uso requer familiarização e treino. Quanto mais familiarizado
com o metamodelo estiver o mediador, melhor e mais espontanea­
544 SUARES, 2011, p. 287.
mente será capaz de usá-lo, mesmo sem saber citar exatamente o tipo
de padrão prevalente de linguagem que deve ser desafiado. O nome
do padrão prevalente não é relevante, mas sim a capacidade adquirida
pelo mediador de saber que precisa obter informações (nas omissões),
esclarecer generalizações (nas generalizações) e voltar o foco para a
existência de escolhas (nas distorções).
O segundo modelo proposto pela PNL após o metamodelo,
analisado nos parágrafos acima, foi o modelo Milton, desenvolvido
por Richard Bandler e John Grinder com base no trabalho de Mil­
ton Erickson. O chamado “modelo Milton” é, como dito por Joseph
O ’Connor, o “espelho do metamodelo”545, pois nele os padrões pre-
valentes são usados como técnica, para gerar o processo oposto no
destinatário. Assim, uma afirmação do mediador sobre a “existência
de ocasiões em que houve diálogo” fará com que a parte passe a
procurar, dentro de si, alguma lembrança específica de momentos
em que o diálogo foi possível.
Trabalho com as percepções
Sabe-se que a verdade não se apresenta de forma única e que
aquilo que as pessoas narram como verdade é apenas a sua percepção
sobre o acontecido. O conflito não chega ao mediador através da
verdade, mas sim das percepções sobre o que é verdade.
Humberto Maturana ensina que aquilo que alguém explica como
sendo realidade é fruto de sua observação da realidade. A descrição
da existência da realidade depende, assim, do observador e a isso
Maturana chama de objetividade entre parênteses.
O que as pessoas afirmam ser realidade é válido no seio de sua
observação. No dizer do biólogo chileno Humberto Maturana,
Há tantas realidades - todas diferentes, mas igualmente
legítimas - quantos domínios de coerências operacionais
explicativas, quantos modos de reformular a experiência,
quantos domínios cognitivos pudermos trazer à mão546.
Por isso, o mediador deve mostrar aos envolvidos no conflito que
compreende as percepções de todos, de maneira neutra e imparcial.
545 O ’CO NN OR, 2014, p. 203.
546 MATURANA, 2001, p. 38.
Intervenções nesse sentido são sugeridas e são valiosas para
reforçar a confiança de todos os envolvidos no mediador, evitando
a impressão dos participantes de que possam ter formado aliança
com aquele.
Tais intervenções ajudam a superar a discussão sobre quem está
falando a verdade, legitima todas as visões e permite deixar de lado
o debate sobre culpa para pensar em soluções.
Reenquadramento
A ferramenta também conhecida como reframing (palavra da
qual o reenquadramento foi traduzido) consiste na intervenção que,
como diz William Ury, “troca a moldura” e permite que um conflito
seja visto como uma oportunidade de criação de opções criativas, em
que todos saiam ganhando, e a busca de soluções como um trabalho
conjunto entre parceiros547.
O reenquadramento fundamenta-se no fato de toda mensagem
estar sujeita a uma interpretação, de acordo com a percepção de cada
um, e de que o mediador, assim como o negociador, tem o poder da
percepção positiva, de colocar a moldura da “solução do problema”,
tal como chamada por Ury, naquilo que lhe é apresentado548.
Validação dos sentimentos
E necessário que os mediandos sintam-se escutados e compre­
endidos, inclusive e principalmente em relação aos seus sentimentos.
Validar os sentimentos é uma tarefa para a qual deve bem pre­
parar-se o mediador, a fim de que não pareça formar aliança com
aquele participante cujo sentimento está sendo validado, pois validar
o sentimento não é concordar com ele, mas sim compreendê-lo.
Como ressalta Bernard Mayer, as pessoas que se sentem feridas
ou injustamente atacadas, como acontece, de regra, com os atores de
um conflito, nem sempre querem abandonar sua raiva ou sentimentos
negativos de forma muito rápida e podem, inconscientemente, não
aceitar uma nova informação enquanto não tiverem seus sentimentos
e formas de ver os fatos validados549.
547 URY, 2015, p. 56.
548 URY, 1991, p. 68.
549 MAYER, 2004, p. 26.
Com a utilização da validação, nota-se uma estabilização, tão
buscada na mediação, estabilização esta que é necessária antes de se
passar à fase da geração de opções e do acordo.
Para validar um sentimento, sugere-se que o mediador o identi­
fique, sem interpretá-lo ou avaliá-lo, e o associe a um interesse real e
legítimo de quem o expressou, sem emissão de juízo de valor e sem
invalidação do sentimento, por menos importante que possa parecer
ao mediador.
Assim, por exemplo, ao perceber que um dos mediandos está
se sentindo magoado porque o outro “nunca retorna suas ligações
telefônicas”, o mediador pode afirmar:“percebo que o Sr. ficou muito
aborrecido com o fato de ele não ter retornado suas ligações, pois o
considera muito”, ao invés de dizer “realmente, qualquer um ficaria
aborrecido ao ligar várias vezes e não obter retorno” (caso em que
estaria havendo a emissão de um juízo de valor), ou que “não vale a
pena se aborrecer com o fato de ele não ter retornado suas ligações!
Essas coisas acontecem!” (caso em que estaria ocorrendo a invalidação
do sentimento).
Enfoque prospectivo
A cultura judaico-cristã, que prevalece no mundo ocidental,
favorece o discurso de culpado/inocente, vítima/vitimário, fazendo
com que a tendência da maioria das pessoas seja a de discutir a culpa
sobre o que aconteceu.
Como asseverado por William Ury,“os custos do jogo da culpa
são enormes” e o discurso da culpa sobre o que aconteceu agrava
as divergências, dificulta o consenso, envenena as relações, desper­
diça tempo e energia e enfraquece o poder das partes do conflito.
O empoderamento dos atores do conflito será maior quando eles
sentirem que são responsáveis por seus sentimentos e por suas vidas,
e não os outros550.
Como alerta Joseph O ’Connor, baseado na PNL, o ser humano
tende a ver o que está errado e o passo seguinte a esta tendência é
atribuir culpa, mas pode ser muito mais útil, ao invés de atribuir culpa,
pensar nos problemas em termos de resultados que se quer atingir551.

550 URY, 2015, p. 38.


551 O ’CO NN OR, 2014, p. 15.
O discurso prospective, voltado para o futuro, visa permitir um
novo olhar, convidando os envolvidos a focarem na solução do conflito
que, como processo coconstruído, só poderá ser solucionado com a
colaboração de todos.
Conotação positiva
A conotação positiva é ferramenta do modelo circular-narrativo
de mediação, que se destina a separar aquilo denotado, por um dos
participantes, da conotação negativa que ele imprimiu à denotação.
Ao atribuir uma intenção positiva àquilo que um dos partici­
pantes falou, o mediador estará conduzindo o processo de transfor­
mar conflitos destrutivos em construtivos, permitindo que a pessoa
que falou passe a considerar a possibilidade de outra visão sobre o
mesmo fato.
Atribuir uma qualidade positiva a fato ou ação percebida como
negativa auxilia as pessoas a terem um novo olhar sobre aquele fato
ou ação.
Assim, uma “mãe controladora” pode ser conotada como uma
“mãe preocupada e interessada no bem-estar dos filhos”, um “avaren­
to” pode ser conotado como uma pessoa “cuidadosa com as finanças
da casa”, um “evasivo” pode ser conotado como alguém que “tentou
evitar a situação conflituosa”.
O mediador deve estar ciente, contudo, de que nem todos os
fatos ou ações poderão ser conotados positivamente e que a eficácia
da conotação positiva reside em ter a “âncora no real”, onde se sus­
tenta552, conforme orientado por Tânia Almeida.
Legitimação
A legitimação é também ferramenta do modelo circular-narrativo
de mediação, podendo ser conceituada como a conotação positiva
de todos os atores do conflito. Para Marinés Suares, a legitimação é
o “ladrilho fundamental” da história alternativa*555.
Ao legitimar todos os protagonistas do conflito, o mediador
permite que as pessoas sejam empoderadas, perante si próprias, e
reconhecidas, uma pela outra (revalorização ou empoderamento e
552 ALMEIDA, 2014, p. 282.
555 SUARES, 2011, p. 310.
reconhecimento são as ferramentas do modelo transformador, de
Bush e Folger).
A legitimação deve ser feita de maneira a permitir a humanização
de todos os atores daquele conflito, para que todos possam perceber
que não são inteiramente positivos ou negativos, certos ou errados,
tal como se apresentaram, inicialmente, na mediação. Assim, deve o
mediador procurar “amplificar” características e ações construtivas,
atuais ou mesmo que anteriores (perguntas circulares de tempo),reais
e não inventadas, de cada um (e de todos), para, em seguida, lançar
uma reflexão sobre o aspecto sombrio que aquela mesma característica
ou ação pode conter, para os outros.
Para Sara Cobb, é necessário nutrir as boas facetas de cada
um dos envolvidos no conflito (e de todos), para depois lançar
dúvidas e desestabilizar a certeza de que estas boas facetas são
sempre percebidas pelos outros como boas ou que apenas geraram
efeitos positivos.
Um exemplo que pode ser citado é o de uma mãe, que se apre­
senta com a narrativa de que sempre viveu inteiramente dedicada aos
filhos, desde quando eles nasceram e que, assim, há vinte anos, parou
de trabalhar e de exercer qualquer atividade voltada exclusivamente
para si. Ao amplificar tal característica, o mediador pode afirmar que
“é muito bom ver, que, ainda hoje em dia, haja mães tão dedicadas”,
acrescentando, depois, a pergunta sobre “o que ela pensa que os filhos
sentem ao se verem tão protegidos, mesmo já sendo, ambos, jovens
adultos”.
Como a legitimação contém a conotação positiva de todos, é
válido lembrar que, ao legitimar, assim como acontece ao conotar
positivamente, o mediador deve agir sincera e genuinamente, sob
pena de ineficácia da técnica.
Atenção à possibilidade de colonização da narrativa
O modelo circular-narrativo da mediação, proposto por Sara
Cobb, ressalta que as pessoas se apresentam à mediação com suas
narrativas conflitivas.
Pode acontecer de, numa reunião conjunta de abertura da me­
diação, a primeira pessoa ao falar, ao narrar sua versão da história,
colonize a narrativa da pessoa que falará depois dela, que limitar-se-á
a contestar e se defender do que foi dito pela primeira.
Para evitar que assim ocorra, o mediador deve intervir pedindo
que a pessoa, ouvida depois, conte sua versão dos fatos, sem se preo­
cupar tanto com o que foi dito antes, pela outra; que conte sua versão
da história, tal como por ele percebida; e que adicione outros tópicos
ainda não mencionados pela pessoa que falou antes dela.
Externalização
Uma ferramenta do modelo circular-narrativo de mediação,
a externalização consiste em tratar o problema como uma “coisa”
ou algo externo às pessoas nele envolvidas, podendo, inclusive, ser
nominada da forma própria.
Assim, por exemplo, algumas expressões como “esta mudança
na vida de vocês” e “esta nova situação” podem ajudar a nominar
o problema vivido pelas partes da mediação e trazer a sua exter­
nalização.
Esta ferramenta também foi enfocada pelo método de negociação
de Harvard, quando, no primeiro princípio, propôs que as pessoas
deviam ser separadas do problema, conforme visto no item 4.6.1.
História alternativa
A história alternativa é ferramenta do modelo circular-narrativo
de mediação e, através dela, é apresentada uma nova visão, uma história
melhor, em substituição às histórias conflitivas.
Deve incluir os mesmos e todos os personagens, legitimados,
afastados do papel de vítima e vitimário,bem como os temas principais
trazidos pelas partes da mediação, numa sequência lógica (observando
que nem sempre é fácil colocar em sequência os temas e os fatos
trazidos), além dos valores das pessoas envolvidas.
A história alternativa há de ter um final aberto e não pode ser
irreal, pois estará ancorada nas histórias “oficiais” dos envolvidos.
Ela não será uma história imposta aos envolvidos, mas sim proposta
como uma nova visão.
Revalorização ou empoderamento (empowerment)
A revalorização ou empoderamento (empowermentj é ferramenta
do modelo transformador de mediação, de Bush e Folger, e consiste
em qualquer intervenção que tenha a finalidade de fortalecer a au-
toestima e a autodeterminação dos atores do conflito.
A intervenção de revalorização não se restringe a um único
momento e deve estar sempre presente.
E a ferramenta que se utiliza para que os mediandos fortaleçam sua
própria consciência de tudo o que podem fazer e do que são capazes.
O mediador saberá que aplicou bem esta ferramenta quando perce­
ber a passagem gradual do primeiro momento —em que os sujeitos do
conflito estão desorganizados, vitimizados, magoados e inseguros - ao
segundo, em que tomam consciência de sua própria situação naquele
conflito, de sua autodeterminação e de sua autonomia para contribuir
para solucioná-lo, como afirmado por Caram, Eilbaum e Risolía554.
Reconhecimento
A segunda das ferramentas do modelo transformador é justa­
mente o reconhecimento, que pode ser conceituado como todas
as intervenções que visam ao reconhecimento do outro como um
legítimo outro, como uma pessoa com interesses e visões que, ainda
que não concordantes com os seus, são legítimos.
Trata-se de ferramenta que visa fazer com que cada um dos atores
do conflito outorgue ao outro o seu reconhecimento.
Agenda
A agenda é uma ferramenta procedimental da mediação.
Ao ouvir os mediandos e eventualmente seus advogados, o me­
diador deve ir construindo uma agenda provisória de seu trabalho,
anotando as questões555que serão tratadas naquele processo de mediação.
E uma ferramenta que ajuda na ordenação das questões, sendo
recomendável que se inicie a tentativa de resolução por aquela em
que há menor divergência ou que seja necessariamente precedente.
Lembre-se de que conflitos familiares são multitemáticos e ordenar
as questões é fundamental num processo de mediação familiar.
No dizer de Tânia Almeida, faz parte da regência do mediador
listar as questões de acordo com sua complexidade556.
Em nenhum caso deve ser tratada na mediação uma questão sobre
a qual não há concordância de ambos em tratar naquele processo.
554 CARAM; EILBAUM; RISOLÍA, 2013, pp. 360-361.
555 Veja-se item 3.4.2.
556 ALMEIDA, 2014, p. 173.
A linguagem da agenda deve ser a mais genérica e neutra possível
(a “questão dos alimentos”, a “questão dos aluguéis”, a “questão da
casa”, a “questão da comunicação entre vocês”, por exemplo).
Trata-se de agenda que inicialmente é sempre provisória, pois as
anotações do mediador devem ser confirmadas e checadas com as partes.
A agenda é dinâmica e pode sofrer alterações, o que não ocorre
num processo judicial, onde a única oportunidade em que as partes
podem apresentar as questões a serem tratadas é na petição inicial do
autor e na resposta do réu.
Para fazer a agenda, o mediador pode usar um flip chart, uma
tela de projeção, um quadro, um bloco ou qualquer instrumento que
achar mais apropriado, mas o importante é que seja visível para todos,
pois isso tranquiliza os mediandos e gera confiança no mediador e
no processo de mediação.
Mapeamento do conflito
O mapa do conflito é ferramenta procedimental do mediador
e o ajuda a ordenar e conduzir o processo de mediação.
O mapeamento já foi tratado no item 3.4.2 e cada mediador
desenvolverá sua própria forma de mapear o que é importante, sendo
aconselhável que do mapa ele conste os nomes dos atores do conflito,
as questões, as posições iniciais, os interesses, os sentimentos/emoções
e os valores/princípios.
Trata-se de mapa dinâmico, que o mediador vai construindo e
verificando com os participantes, não havendo necessidade de mos-
trá-lo a estes, como já observado por Caram, Eilbaum e Risolía557.
O mapa não é o território, como afirmado por Albert Korzybski
(1879-1950)558, motivo pelo qual, ao ir mapeando o conflito, o me­
diador deve a todo momento checar as hipóteses que está inserindo
no mapa.
Gestão do tempo
Como a mediação é um processo de diálogo assistido, durante o
procedimento, será função do mediador coordenar o diálogo, pois os

557 Veja-se item 3.4.2.


558 Disponível em: <http://nlpuniversitypress.com/html/K05.html>. Acesso em:
16 maio 2015.
participantes da mediação já demonstraram que não lograram êxito,
até aquele momento, em fazê-lo diretamente, através da negociação
sem a intervenção do terceiro.
Assim, o mediador deve dar atenção à gestão do tempo da fala
de cada participante, garantindo iguais oportunidades adequadas às
necessidades de cada um, e do tempo empreendido em cada etapa
da mediação.
Tânia Almeida sustenta que o mediador deve ter uma “im­
parcialidade ativa”, demonstrando sua equidistância em relação aos
mediandos ao dar voz e vez, proporcionalmente, a todos e cuidar da
equiparação de tempo para participação559.
Aqui, vale dizer que muitas vezes, ao fazer a gestão do tempo,
o mediador pode valer-se da criação de intervalos, como pausa para
café ou água, a fim de interromper uma escalada ou uma espiral
destrutiva do conflito.
Reuniões privadas ou caucus560
As reuniões privadas, outra ferramenta procedimental do media­
dor, podem ocorrer a pedido dos participantes ou quando o mediador
achar necessário realizá-las, razão pela qual é importante que tenha
constado, da declaração de abertura, a possibilidade de sua realização.
Alguns sinais de alerta para que o mediador passe às reuniões
privadas são: quando o mediador percebe um estado de atolamento;
a percepção de que os participantes estão guardando informações
necessárias para chegar a um acordo: a constatação de algum sinal
de medo; o fato de o mediador perceber um clima hostil, tenso ou
muito competitivo entre os participantes.
No início de qualquer reunião privada, a confidencialidade561
deve ser relembrada e, ao final, deve ser perguntado o que, daquela
reunião, pode ser levado, ou não pode ser levado, ao outro participante.
559 ALMEIDA, 2014, pp. 248-249.
560 Caucus é palavra cuja origem é atribuída a nativos da América do Norte, pro­
vavelmente da família indígena Algonquian, com significado de “mais velho”
ou “conselheiro”.Também se atribui à palavra caucus o significado de reunião
entre líderes tribais, para resolverem seus problemas. No contexto de votação,
caucus pode significar o encontro de membros de um partido político, que se
reúnem para escolher um delegado ou o candidato do partido (YARN, 1999,
pp. 69-71).
561 Lei n. 13.140, artigo 31 (BRASIL, 2015c).
Sugestão de tarefas para os participantes nos intervalos
Como ainda vivemos sob um paradigma majoritariamente adver­
sarial, é aconselhável que o mediador se preocupe com os intervalos
que podem ocorrer na mediação (sejam intervalos entre as reuniões,
sejam intervalos havidos enquanto um espera a reunião privada com
o outro), visando facilitar que os envolvidos não se afastem do novo
paradigma colaborativo proposto na mediação.
Para manter os participantes vinculados ao comportamento
colaborativo, pode ser a eles proposto, por exemplo, que pensem
alternativas de benefício mútuo ainda não trazidas e que pensem na
situação no futuro, como sugerido por Tânia Almeida562.
Advogado do diabo
“Advogado do diabo” é o nome dado à técnica destinada a fazer
com que as pessoas façam uma comparação daquilo que elas têm
como certo, no seu mundo interno, com aquilo que pode existir no
mundo externo.
Se alguém afirma, por exemplo, que não pagará a pensão caso
não possa levar os filhos para dormirem, todas as noites, em sua casa,
o mediador pode perguntar-lhe o que ele acha que um juiz decidiria
sobre isso ou se ele já procurou saber o que a lei prevê sobre isso.
Teste de realidade
O “teste de realidade”, também conhecido como “agente de
realidade”, é destinado a checar a viabilidade daquilo que está sendo
proposto como acordo, pois o acordo ao qual se chegue na mediação
deve ser exequível.
Assim, se os pais combinam que o genitor pegará os filhos na
esquina de casa para não ter que encontrar a mãe das crianças, o
mediador pode perguntar como ele fará quando estiver chovendo
ou quando houver atraso imprevisto e as crianças tiverem que ficar
na rua, por exemplo.
Geração de opções
Como já analisado nos itens 4.6.2 e 4.6.3, o conhecimento da
importância de se ter várias opções não é uma característica inerente
562 ALMEIDA, 2014, p. 235.
às pessoas, que costumam achar que já sabem qual é a solução para
o conflito vivido e que, como afirma Moore, tudo o que têm que
fazer é convencer o outro da solução já encontrada563.
Antes de passar à geração de opções, deve-se lembrar que na ge­
ração de opções há liberdade total de expressar qualquer ideia surgida,
pois sua viabilidade não será analisada neste momento.
Inversão de papéis
Trata-se de técnica que deve ser aplicada apenas pelo mediador
experiente, pois só será adequada se ele o fizer no momento certo e
de forma adequada.
Aplicar a inversão de papéis num momento prematuro do pro­
cesso, em que um dos envolvidos no conflito ainda não compreendeu
o interesse do outro e ainda não o respeita como legítimo, poderá
causar um retrocesso no avanço da mediação.
Para ter êxito, é necessário que o mediador perceba que um
participante está pronto para enxergar o conflito usando a lente do
outro e não a sua própria, pois calçar o sapato do outro pressupõe,
necessariamente, que se descalce o que estava usando.
Após a análise das ferramentas acima, conclui-se que não há uma
ferramenta melhor do que outra e que conhecer todas as ferramentas
é necessário para que o mediador escolha qual usar em cada mediação
ou em cada momento dela.
O integrante do Ministério Público brasileiro, para bem operar
um conflito, deve ter conhecimento de todas as ferramentas que
possibilitem sua eficaz intervenção em cada caso.
Como lembra Marinés Suares, “el error más común es tratar de
intervenir en una complejidad con un solo dispositivo”564.
O importante é aplicar cada uma ou todas as ferramentas com
sensibilidade, ferramenta maior a nortear o trabalho do mediador,
cuja função, no dizer de Warat, é introduzir o amor no conflito565.

563 MOORE, 2010, p. 320.


564 SUARES, 2011, p. 277.
565 WARAT, 2004.

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