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Marketing esportivo: como lidar com os riscos?

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17 de junho de 2021

Bárbara Sacchitiello
17 de junho de 2021 - 6h00

Estar presente no universo esportivo é uma estratégia que faz parte dos planos e das
estratégias de grandes marcas ao redor do mundo. Pelo fato de reunir valores como
superação, união, saúde, conquistas, garra e vitória, o esporte acaba estendendo tais
atributos para as empresas que orbitam em seu entorno. Justamente pelo fato de
movimentar paixões, o esporte, contudo, também dá margem para situações e
acontecimentos que trazem à tona outros tipos de sentimentos – e que, invariavelmente,
afetam as marcas que estão em seu entorno.

Nos últimos dias, os preparativos das seleções para a 47ª edição da Copa América
acabaram sendo totalmente ofuscados pelas discussões que envolveram a vinda da
competição ao Brasil. O torneio sul-americano, que teve início no último dia 14,
aconteceria, inicialmente, nos gramados da Colômbia e da Argentina, que acabaram
desistindo de sediar o evento por questões políticas e pelo avanço da pandemia de
Covid-19. Embora os números da pandemia ainda estejam altos no País, o Brasil
acabou aceitando receber a Copa América, o que gerou muitas críticas por parte de
diversos setores da sociedade e até mesmo dentro da própria seleção brasileira.
Jogadores e comissão técnica divulgaram um manifesto no qual afirmavam que eram
contra a realização da competição, mas que vestiriam a camisa para representar o Brasil
em campo. A polêmica logo atingiu os patrocinadores. Mastercard, Ambev e Diageo
mantiveram os acordos com a Conmebol, mas desistiram de ativar suas marcas no
evento. A Kwai, que era patrocinadora da transmissão do torneio do SBT, renegociou
com a emissora para expor sua marca em outro momento.

Nesta semana, em outro continente, outras situações envolvendo marcas e esportes


ganharam espaço na imprensa em todo o mundo. Astro da seleção de Portugal,
Cristiano Ronaldo retirou a embalagem de Coca-Cola, patrocinadora da Eurocopa, da
mesa durante uma entrevista coletiva, substituindo a bebida por uma garrafa de água.
No dia seguinte, Paul Pogba, da seleção francesa, fez um gesto parecido ao de Cristiano
Ronaldo, tirando da sua frente – e da frente das câmeras – uma garrafa da Heineken,
outra patrocinadora da competição europeia.

Embora sejam situações bem diferentes, os exemplos tanto da América do Sul quanto da
Europa sinalizam que o marketing esportivo é um território que, cada vez mais, está
sujeito aos impactos do imponderável. Anderson Gurgel, pesquisador e professor de
marketing esportivo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ressalta que tais
situações delicadas e imprevisíveis sempre fizeram parte do universo do esporte, mas
que algumas questões atuais acabam acentuando esses casos. “As redes sociais

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acabaram tornando esse cenário ainda mais complexo. A interação maior do fã com
seus ídolos, com as empresas e dos ídolos do esporte com as redes sociais acabam
trazendo mais complexidade, além do próprio contexto da globalização. O Cristiano
Ronaldo faz um gesto em uma coletiva de imprensa na Europa e isso vira uma notícia de
grande destaque aqui no Brasil. A complexidade do interesse global pelos assuntos do
esporte, associada ao uso e à visibilidade das redes sociais, nas quais as pessoas estão
comentando tudo o tempo todo, agravaram o cenário de riscos que o esporte sempre
trouxe”, coloca o professor.

Relações de longo prazo


Patrocinar um evento do porte de Copa América, Olímpiada, Eurocopa ou Copa do
Mundo é algo que requer, por parte das marcas, um longo tempo de planejamento e
preparação. Esse prazo maior acaba, logicamente, abrindo mais espaço para
acontecimentos que não estavam previstos. Fabio Wolff, sócio-diretor da Wolff Sports &
Marketing, considera que, quando empresas como Mastercard e Ambev fecharam
acordo para patrocinar a Copa América, a pandemia era algo que nem se apresentava
no horizonte. “Quando uma empresa fecha um patrocínio grande é necessário
antecedência para planejar. Fazer algo em curto prazo não permite que o patrocínio seja
explorado da maneira correta. Há, logicamente, o risco do cenário mudar completamente
no decorrer do tempo, mas é algo que não há como prever. O torneio de Wimbledon (de
tênis) foi o único no ano passado a não sofrer prejuízo pelo cancelamento porque tinha,
no contrato, um seguro que previa o ressarcimento em caso de pandemia. Eles pagaram
esse seguro por anos e, certamente, em nenhum momento pensaram que existiria uma
situação de pandemia, até que ela aconteceu. Mas, por mais que se trabalhe com
planejamento, sempre é difícil prever o que pode acontecer”, destaca o executivo.

No caso da Copa América, Wolff destaca que a atitude dos patrocinadores – de investir
em um grande evento mas preferir não exibir sua marca nele – foi algo inédito no âmbito
do marketing esportivo. Na visão do profissional, a Mastercard acabou se destacando
por ser a primeira a adotar uma postura que, depois, foi replicada por outros
patrocinadores. “Quando uma marca se envolve com a Copa América, ela busca alegria,
união dos povos interação. A edição deste ano já não teria tudo isso por não ter público
nos estádios e, em meio ao contexto todo, a situação fica muito delicada. Achei muito
interessante e corajoso o pioneirismo da Mastercard, que acabou fazendo com que as
demais marcas também repensassem sua estratégia”.

Anderson Gurgel vê nesse episódio dos patrocinadores da Copa América um exemplo


claro de sua análise acerca da lente de aumento que as redes sociais trazem para todas
as relações da sociedade e também para o universo esportivo. Em uma situação atípica
e com grande impacto emocional como a pandemia, tudo o que envolve esse assunto
acaba ficando no centro da opinião pública. Então, ao decidirem, de certa forma, se
afastar publicamente da Copa América, Mastercard, Diageo e Ambev optaram por não
estar no centro da polêmica, diz o professor. “Dizer se essas marcas acertaram ou
erraram ao tomar essa atitude é muito complicado. Se o Brasil ganhar, se o evento virar
um sucesso e se todo mundo passar a acompanhar e comentar sobre a Copa América,

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talvez a gente possa dizer que elas perderam a chance de ativar isso de forma positiva.
Mas, se o evento for um fiasco e se tiver notícias negativas em relação à pandemia,
podemos, a partir daí, dizer que foi uma atitude correta. Sob um ponto de vista sanitário
e de ética, acredito que elas tinham sido corretas. Já do ponto de vista esportivo, a
conclusão é incerta. O que é possível dizer é que elas fizeram a aposta em uma causa
maior que o esporte”, conclui.

Refrigerante, água e dinheiro


Logo depois de Cristiano Ronaldo ter retirado as garrafas de Coca-Cola da mesa da
coletiva de imprensa, veículos do mundo todo destacaram a queda no valor das ações
que a marca de bebidas teve naquele dia. Gurgel alerta, no entanto, que considera
precipitada a relação entre a atitude do jogador e a redução do valor de mercado da
Coca-Cola uma vez que Bolsa é algo bastante volátil e suscetível a alterações. O que ele
destaca, na verdade – e que deve ser um ponto de atenção para as marcas que atuam
no universo esportivo – é que o craque da seleção portuguesa colocou holofotes na
questão da adequação de algumas marcas ao mundo do esporte.

“O que o Cristiano Ronaldo fez foi colocar foco no tema da saudabilidade. O esporte tem
uma relação muito direta com a filosofia de vida saudável mas algumas empresas
patrocinadoras não têm, necessariamente, produtos saudáveis a serem ofertados. Será
que o alimento oficial de uma competição esportiva pode ser um fast food? Será que é
ideal que a bebida oficial seja uma marca de refrigerantes, que tem alto teor de
açúcares? Há um debate que vem crescendo em torno desse tema, que já está posto na
sociedade e que deve ganhar ainda mais espaço na opinião pública”, aposta.

Fabio Wolff também acredita que é necessário maior cautela para estabelecer uma
relação de causa e consequência entre a queda das ações da Coca-Cola e a atitude do
jogador mas destaca que a atitude do atacante não foi adequada do ponto de vista
profissional. “Acho que ele deu um mau exemplo do ponto de vista profissional pela
enorme visibilidade que tem. Ele estava ali, naquele momento, pela Eurocopa, e é
padrão que as marcas patrocinadoras da competição apareçam daquela maneira nas
entrevistas coletivas. Admiro-o como jogador, sou fã, mas acho que ele não precisava ter
feito aquilo”, pondera. Do ponto de vista da Coca-Cola, no entanto, o sócio diretor da
Wolff Sports não acredita que ocorrerão problemas em relação aos futuros patrocínios
esportivos da marca por ela ter construído um histórico de associação a grandes
festivais, competições esportivas e eventos de entretenimento.

Prevenção e reação
Já que não dá para prever pandemias, contexto social e atitudes individuais de
jogadores, por exemplo, as empresas que investem no cenário esportivo vêm buscando
outras formas de se proteger das intempéries que podem aparecer dentro e fora de
campo. Contar com uma equipe especializada, compostas por gestores que entendam
de forma aprofundada do segmento é uma das formas principais de se precaver diante
da complexidade do esporte na atualidade, na visão de Gurgel.

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O especialista diz que há uma tendência de adaptar os contratos das empresas com
atletas e clubes com cláusulas detalhadas que visam, senão blindar totalmente, ao
menos proteger dos riscos maiores. “Temos exemplos de atletas que tem uma
capacidade de falar com grandes públicos, mas que também podem fazer coisas
execráveis. Pessoas que ora fazem trabalhos sociais, ora estão envolvidas em
denúncias ou escândalos. O que notamos, de forma geral, é que os contratos já vêm
percebendo isso e procurando trabalhar com medidas de garantia. Algumas atitudes de
atletas podem gerar rupturas de contrato ou mudanças de remuneração”, exemplifica. A
própria realidade acaba sendo um benchmark para as ações futuras, segundo ele.
“Certamente, os próximos contratos de patrocinadores da Olimpíada terão alguma
cláusula a respeito de pandemia e situações do tipo. A cada situação nova da sociedade,
novas cláusulas são postas. Por isso, é muito importante a atuação de profissionais
capacitados para lidar com a complexidade cada vez maior do esporte”, finaliza.

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