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Enquadre (Setting)

Grupal

Disciplina Processos Grupais


Profa. Mariana Machado Felin
O que é um enquadre?
O que é um enquadre?

• Soma de todos os procedimentos que organizam, normatizam e possibilitam o processo


terapêutico.
• As Regras do Jogo: horários, honorários, local, grupo fechado ou aberto, frequência e duração
das sessões, férias, etc.
• Está sob contínua ameaça de ser desvirtuado: cenário ativo da dinâmica do campo grupal.
• Importante fator terapêutico: possibilita aparecer aspectos infantis na transferência e ao
mesmo tempo usar sua parte adulta para ajudar no crescimento.
• Modelo de um provável novo funcionamento parental: requer do terapeuta firmeza (não
rigidez) e acolhimento.
• Pessoa real do analista: sua estrutura psíquica, conteúdo e forma de interpretações
contribuem nos significados e rumos da análise.
Funções do Setting

• Estabelecer um aporte da realidade exterior, com suas inevitáveis privações e frustrações.


• Ajudar a definir a predominância do princípio de realidade sobre o princípio do prazer.
• Prover a necessária delimitação entre o “eu” e os “outros”: diferenciação, separação e
individuação.
• Definir a noção de limites e das limitações por vezes borradas pela onipotência da parte
“parte psicótica da personalidade” sempre existente.
• Desfazer fantasias: ilusão de simetria e de similaridade com o analista (em crenças e
capacidades).
• Reconhecer que é unicamente sofrendo as inevitáveis frustrações impostas pelo setting, que o
analisando (tal como a criança do passado) pode desenvolver a capacidade de simbolizar e
pensar.
Funções do setting:
Analista auxilia a dar um
novo significado a Criação de um NOVO espaço onde
experiência que o paciente o analisando terá a oportunidade de
tão sofridamente reexperimentar com o seu analista
a vivência de antigas experiências
reexperimentou. emocionais conflituosas.

Apesar dos sentimentos, atos e Experiências significadas pelos


verbalizações significados pelo pais do passado e mal
paciente como perigosos, o setting solucionadas pela criança de
segue inalterado: o analista não está ontem que habita o adulto de
destruído e não retalia. hoje.

Oportunidade de reviver com o Paciente sujeitou-se ao longo de sua


analista fortes emoções, os vida a uma série de expectativas,
resultados podendo ser bem ordens e ameaças que um dia vieram
diferentes daqueles que imaginava e de fora, mas hoje estão sedimentadas
já estava condicionado. dentro.
Enquadre Grupal – Principais elementos
Deve sempre preservar ao máximo a constância das combinações feitas.

Grau de
Principais elementos na configuração do setting grupal: ansiedade em
que o grupo
• Se o grupo é homogêneo trabalha

• Se é grupo fechado ou aberto


• Número de participantes
• Número de sessões
Atmosfera
• Tempo de duração da sessão
grupal
• Simultaneidade com outros tratamentos
• Participação ou não de um observador ou coterapeuta
Regras:

• Associação livre (Regra fundamental)


• Abstinência
• Neutralidade
• Atenção flutuante
• Amor à verdade
• Sigilo
Regra da livre associação de ideias: fenômeno da
ressonância
• “Dizer tudo que lhe viesse à cabeça”
• Direito em falar tudo o que quiser (ou não falar), sendo estimulado para que ele próprio encontre
os elos associativos entre o que diz, pensa e faz.
• Inevitáveis restrições impostas pelo setting grupal: delimitação do tempo e do espaço de cada
um para com os demais.
• Modificação da regra fundamental em grupoterapias: o fluxo de pensamentos e os sentimentos
partem livremente dos indivíduos, mas as cadeias associativas se processam num intercâmbio
entre a totalidade grupal.
• Ressonância (Foulkes): como um jogo de bilhar – a comunicação que é trazida por um membro
ressoa em um outro, o qual vai transmitir afeto equivalente porém embutido em embalagem
diferente.
• Função do grupoterapeuta: discernir o tema comum do grupo.
Regra da Neutralidade
• Terapeuta não ficar envolvido nas redes de emoções dos pacientes.

• Não se trata de um espelho frio: valoriza que se mantenha um intercâmbio afetivo com seus
pacientes, desde que fique bem claro que não pode haver um comprometimento no enquadre
grupal (assimetria).

• Risco de tomar partido por algum dos participantes (comum com terapia de casais) – possível
identificação com algum membro (introjeção) ou identificar os outros com personagens de seu
próprio mundo interno (projeção).
Regra da Abstinência

• O terapeuta deve se abster de gratificar os pedidos provindos dos


pacientes nos casos em que estes visam à busca de gratificações
externas, como uma forma de compensar as carências internas.

• A melhor maneira de um terapeuta atender às necessidades dos


pacientes é entendendo como, o porquê, e o para que das mesmas.

• Ex: pedido de troca de horário.


Regra do “amor à verdade”

• Objetivo maior de qualquer tratamento psicanalítico: aquisição de um sentimento de liberdade interna.

• Inevitável uso de recursos defensivos frente a verdades penosas.

• Desvantagem do grupo: ocultar-se na situação grupal, favorecendo um comportamento de ir na “carona


dos demais”.

• Vantagens do grupo: os participantes do grupo desvelam uns aos outros.

• Imprescindível a veracidade e autenticidade do grupoterapeuta como modelo de identificação.


Regra do Sigilo

• Fundamental para o bom andamento de uma grupoterapia – condição dos


participantes de conter-se (carga ansiosa que leva a atuação).

• Muitos grupoterapeutas estabelecem a regra desde o início, outros deixam livre e


trabalham se surgir alguma situação.

• Alternativas: rigor na seleção e a condição do terapeuta de perceber as angústias


para assim interpretá-las.

• “Todo acting sempre resulta como uma forma de ‘agir’ tudo aquilo que não foi
compreendido, nem lembrado, pensado e verbalizado”.
Função “continente” do setting

O
desenvolvimento
“Rêverie” do grupo segue
conforme Bion as mesmas etapas
ou “Holding” evolutivas de
conforme todo ser humano
Winnicott.
(desintegração &
integração)
Função “continente” do setting

Mero aglomerado de partes soltas


Mãe suficientemente boa: Situação de integração,
e sem coesão entre si. Sensações
organizadora das sensações e
parciais, difusas e pertencência e pertinência.
indiferenciadas. contenedora das angústias.
Grupoterapeuta: função de
sustentação e continência.
Exemplo clínico - Ressonância
A transcrição da vinheta que segue pode servir de exemplo de como se
processa o fenômeno da ressonância grupal. A presente sessão segue-se a
um período crítico do grupo, desde que o último reajuste de honorários foi
considerado excessivo, sendo que, além disso (ou por causa disso), houve a
recente desistência de um membro.
Álvaro: Conversei com o R (é um paciente de um outro grupo do mesmo
terapeuta). Fiquei muito desesperançado, porque ele me fez comentários
muito negativos a respeito do nosso doutor (dá alguns detalhes).
Berta: (ao responder, de forma irritada, à pergunta de por que, fora de seus
hábitos, ela está com óculos escuros). Não estou com nenhum problema
nos olhos. Os óculos negros são para me proteger da luz forte que vem da
janela, porque até agora o doutor não providenciou uma cortina para nós.
Célia: Pois eu estou impressionada é com coisas mais sérias, como é o fato
que eu fiquei sabendo ontem, do suicídio de um psiquiatra. Que horror,
que coisa mais louca, logo um psiquiatra...
Álvaro: (após o grupo ter discutido a informação de Célia) Além de tudo de ruim que está
acontecendo, minha mulher deu agora para manifestar uma repulsa por qualquer
aproximação que tento fazer com ela.
Dina: Eu tenho o mesmo problema em relação ao Z (seu companheiro). Ele parece muito
amoroso comigo, então me encho de entusiasmo, e ele volta a desaparecer por um longo
tempo (dá detalhes).
Ernesto: (em tom indignado, faz um comovido discurso contra a passividade de Dina que se
deixa usar e abusar pelo amante.)

A sessão prossegue neste diapasão até o seu final, com o grupoterapeuta sentindo-se
“perdido em meio a um caos, com assuntos tão diferentes, sendo que nenhum deles tinha
relação com os outros”.
Comentários
De fato, não é difícil perceber que há uma clara ressonância entre o que se passava no nível pré-
consciente de todos eles. Álvaro abre a sessão atacando (indiretamente) o terapeuta e se dizendo
desesperançado (com o mesmo). Berta reforça o protesto, aludindo à falta de cuidados protetores
do terapeuta contra “a luz demasiado forte” (os fatos precedentes a essa sessão, e que o grupo
está considerando como fortes demais). Célia, como que seguindo um mesmo fluxo associativo,
mostra um receio de que o grupoterapeuta (o psiquiatra de seu relato) seja frágil, que não
aguente a carga agressiva, e que se “suicide” (morra junto com a morte do grupo). Álvaro,
quando associa que a sua mulher repudia suas tentativas de aproximação, está reiterando a sua
mensagem de que o grupo tenta uma aproximação com o terapeuta, porém sente um repúdio
deste (é como eles estão significando o reajuste).
A ressonância prossegue e atinge o seu clímax com o protesto indignado de Ernesto, que
complementa o dos demais, em relação à pessoa do terapeuta, com quem estão revivendo —
transferencialmente (e contratransferencialmente) — as antigas e profundas queixas de cada um
deles, diante de um pai ou mãe que, ao mesmo tempo que os cuidou e amou (como no relato de
Dina), também os maltratou e abandonou.
Referência
Zimerman, D. (2000). Enquadre (setting) grupal. In D. Zimerman,
Fundamentos básicos das grupoterapias (pp. 144-151). Porto Alegre, RS:
Artmed.

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