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Sobre a cor dos vinhos tintos. O estudo das antocianinas e compostos análogos
não parou nos anos 80 do século passado
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4 authors, including:
F. Pina
Universidade NOVA de Lisboa
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(a)
Willstätter introduziu o termo anthocyanidins para as agliconas das anthocyanins.
Usando o termo antocianas fica a questão de encontrar um termo em português
Esquema 1 – Malvidina-3-O-(6-p-coumaroil)-glucósido. para essas moléculas.
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e no l o g ia
Esquema 2 – Equilíbrio das antocianinas em meio ácido. Em meio muito ácido, pH ≤ 1, o sistema converge para o catião flavílio,
uma vez que tanto a reação da base quinoidal como do hemicetal para dar o catião flavílio dependem da concentração de protão
(princípio de Le Chatelier).
mitem explicar o comportamento das antocianinas acima referido não considerarem a trans-chalcona, identificaram a segunda reação
não foi linear. Uma das descobertas mais importantes nos anos 1970 como sendo a hidratação e a terceira como se fosse a tautomerização,
deve-se a Brouillard e Dubois [5], à qual adiante nos referiremos, mas abertura/fecho do anel C (ver Esquema 2), quando, de facto, a se-
somente em 1990, com a introdução da trans‑chalcona por Brouil gunda é constituída pela hidratação seguida da tautomerização, que
lard e Lang, o esquema cinético foi definitivamente estabelecido (Es- é muito mais rápida (subsegundos), e a terceira é a isomerização da
quema 2) [6]. cis-chalcona para dar a trans (ver Esquema 3).
A questão da existência ou não da trans-chalcona no esquema cinético Este facto histórico teve consequências, porque as constantes de
não é um facto menor, como veremos adiante. Embora a percentagem equilíbrio e de velocidade medidas na altura, além de um signifi-
desta espécie no equilíbrio esteja à volta de 5% nas antocianinas mais cado diferente, correspondem a processos diferentes; por exemplo,
comuns, o facto de ter sido negligenciada deu origem a grandes de- a constante de hidratação antiga old Kh é, na realidade, Kh(1 + Kt), e
sentendimentos, que ainda perduram em alguns trabalhos nesta área. old
Kt = Kt Ki/(1 + Kt).
A trans-chalcona tinha sido inequivocamente identificada nos sais sin- Por outro lado, ainda nos dias de hoje se pode ler em teses de dou-
téticos de flavílio (que seguem o mesmo esquema cinético das antocia- toramento e artigos científicos os esquemas cinéticos e o tratamento
ninas) por McClelland e colaboradores [7] e [8], no início dos anos 80. cinético dos anos 70. Para mais detalhes, consultar a referência [10].
Timberlake [9], em 1981 (após aquecimento de uma solução de malvina O estado da arte, no que respeita aos processos cinéticos que se se-
a pH = 4,5), conseguiu isolar por HPLC uma espécie que ele atribuiu guem após a adição de uma base (para pH moderadamente ácidos), é
(erroneamente) à cis-chalcona(b). Esta espécie, numa solução de meta- mostrado no Esquema 3.
nol ácido, convertia-se em pouco mais de 1 hora no catião flavílio. Tra- Neste esquema, estão representados os níveis energéticos das di-
tava-se de um comportamento idêntico e variações espectrais seme- versas espécies que são facilmente calculados através da relação
lhantes ao reportado por McClelland no caso dos flavílios sintéticos, ∆G0 = -RTlnK, onde ∆G0 é a energia livre de Gibbs, R a constante
onde a trans‑chalconaera a espécie maioritária a valores de pH mode- dos gases perfeitos, T a temperatura absoluta em graus Kelvin e K a
radamente ácidos [7]. No entanto, somente em 1990, a trans-chalcona constante de equilíbrio do processo [10]. Após o salto de pH, é estabe-
passou a ser considerada no esquema cinético das antocianinas [6]. lecido um equilíbrio entre o catião flavílio e a base q uinoidal. Dado
Desde o início do século XX, foi verificado que a adição de base que este equilíbrio ocorre diversas ordens de grandeza mais rápido
a uma solução do catião flavílio a pH ≈ 1 (de modo a obter um pH do que os processos seguintes, estas duas espécies comportam-se
menos ácido), dava origem a uma cinética com 3 tempos muito dife- como uma única espécie, cuja razão é dada por [AH+]/[A] = Ka/[H+].
rentes. A primeira cinética consiste na observação da cor azul, que A descoberta acima descrita de Brouillard e Dubois foi que, em meio
ocorre durante o tempo de mistura da base. A seguir, na escala de ácido, a base quinoidal não hidrata. Por conseguinte, a etapa seguinte
minutos (esta velocidade depende do pH), ocorre uma outra reação é constituída pela hidratação do flavílio, seguida da tautomerização
correspondendo ao desaparecimento da cor azul e, finalmente, uma e, dado que a última é muito mais rápida, logo que B se forma, equi-
terceira que, em horas, dá origem a pequenas variações no espectro libra imediatamente com Cc. Trata-se, por conseguinte, de um pro-
de absorção, principalmente na zona do ultravioleta. cesso controlado pela hidratação do catião flavílio(c). Neste ponto, as
O problema é que Brouillard e colaboradores, pelo facto de, na altura, espécies AH+, A, B e Cc estão no que designamos por pseudoequilí-
(b)
A forma e a posição dessa banda é característica da trans-chalcona, quando comparamos com dezenas de outras chalconas de derivados de flavílio.
(c)
A base quinoidal é um produto cinético que faz com que a velocidade da segunda etapa diminua com o aumento de pH (porque diminui a fração de catião flavílio).
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e nologia
(A) (B)
Esquema 3 – As 3 etapas cinéticas após um salto de pH direto. Esquema 4 – Representação das formas termodinamica-
Se o pH for acidificado para pH = 1, o sistema reverte para o mente mais estáveis para uma (A) e duas (B) moléculas de
catião flavílio, a espécie mais estável a esse pH. malvidina-3-O-(6-p-coumaroil)-glucósido em solução aquosa,
simulado por dinâmica molecular.
brio, uma vez que a última etapa, a isomerização, é muito mais lenta.
Uma vez equilibrado o sistema no pH mais alto, se reacidificarmos
para pH = 1, todas as espécies revertem para o catião flavílio, a espé-
cie mais estável a esse pH.
Por outro lado, se basificarmos para obter a base quinoidal e formos
suficientemente rápidos a reacidificar (antes de deixar o catião fla-
vílio hidratar), obtemos logo a cor vermelha do catião flavílio (Es-
quema 3)(d).
Para o leitor mais interessado nas expressões matemáticas que permi-
tem calcular as constantes de equilíbrio, assim como as constantes ciné-
ticas, e construir o diagrama de energias, consultar as referências [10, 11].
2. A questão da copigmentação
Copigmentação é definida como o aumento da cor e/ou deslocamento
do espectro de absorção para o vermelho por adição de outros com-
postos fenólicos pouco corados ou incolores como flavonas e flavo- Figura 1 – Desvios químicos dos protões 4, em função da con-
nóis [12]. Associado a este fenómeno está a autoagregação. Ambos centração da antocianina-3-glucósido; calistefina ( ), oenina
( ), mirtilina ( ), kuromanina ( ), petunidina-3-glucósido ( )
os fenómenos têm sido explicados pela existência de uma interação
e peonidina-3-glucosido ( ), a pH = 1,0. Reproduzido com per-
de sobreposição (stacking) envolvendo, sobretudo, as ligações π do missão de Leydet et al. © 2012, Elsevier. Desvios semelhantes
sistema aromático [13, 14]. No Esquema 4 representam-se os resul- são observados para os protões 6 e 8.
tados da simulação por dinâmica molecular deste tipo de interação,
intramolecular (A) e intermolecular (B) [15]. Este empilhamento dá origem a um sinal no espectro de dicroísmo
O fenómeno da autoagregação foi estudado para as seis circular, indicando a existência de quiralidade, assim como um alar-
antocianinas‑3‑glucósido mais comuns. Na Fig. 1 apresentam-se os gamento da banda de absorção devido à formação de agregados entre
dados de 1H MMR. Verifica-se que os desvios químicos dos protões os tipos J e H (Fig. 2) [16].
4, 6 e 8 convergem para um valor semelhante no caso das soluções
diluídas. Quando a concentração da antocianina aumenta, há enor- 3. Representação da cor das antocianinas
mes desvios químicos resultantes do empilhamento das moléculas. in vitro
No caso do vinho tinto, ambos os fenómenos de copigmentação aci-
(d)
As reações ácido-base ocorrem em microsegundos. ma descritos contribuem para que, a pH = 3,5 por exemplo, a cor das
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e no l o g ia
4. Vinho, um laboratório de
química
O vinho pode ser considerado um labora-
Figura 2 – (a) Espectro de absorção da mirtilina em função da concentração (em unida-
des M-1cm-1); (b) elipticidade da mirtilina em função da concentração (até 1,6 x 10-3 M); tório onde estão a ter lugar diversas rea-
(c) elipticidade molar na primeira (539 nm) e na segunda (461 nm) bandas de cotton. ções químicas. Por um lado, os polifenóis
pré-existentes na uva (ou formados duran-
antocianinas nos vinhos muito jovens tenha muita expressão. te as fermentações), e outros novos que vão aparecendo com o tempo,
A fim de aprofundar um pouco mais o efeito da copigmentação das podem copigmentar com as antocianinas; por outro, estas vão reagir
antocininas (in vitro), as frações molares da cor vermelha do catião de um modo irreversível com alguns desses componentes do vinho.
flavílio e da base quinoidal estão representadas na Fig. 3 [17]. Um exemplo de dois compostos fenólicos formados durante um pro-
Verificamos que, na ausência de qualquer efeito de copigmentação ou cesso fermentativo são o 4-etilfenol e o 4-etilguaiacol, temíveis ao ol-
autoassociação, a pH = 3,5, por exemplo, a expressão da cor vermelha e fato dos enólogos, porque em concentrações acima dos 620 µg/L (para
e nologia
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revista e está sumarizada no Esquema 6 para a m alvidina-3-glucósido,
onde se apresentam os compostos mais significativos obtidos por rea-
ção com moléculas simples existentes no vinho e noutros produtos
alimentares [22]. Estão representadas duas classes de compostos: (i)
antocianinas substituídas nas posições 6 ou 8 formadas por ataque ele-
trofílico; (ii) adição cíclica nas posições C-4 e o hidroxilo na posição
C-5 do catião flavílio, dando origem a um quarto anel (piranoantocia-
ninas). A primeira geração resulta do ataque direto à antocianina, en-
quanto a segunda resulta da posterior reação dos produtos da primeira.
O que caracteriza a maior parte destes compostos é o facto de serem
muito estáveis no que respeita à hidratação, isto é, não formam he-
miacetal e, por conseguinte, as respetivas chalconas, e apresentam
somente as mudanças de cor devidas às reações reversíveis de proto-
nação/desprotonação (transferência de protão) por mudança de pH.
O isolamento [23] e posterior identificação [19] da primeira piranoanto-
cianina (Esquema 7), foi efetuada por P. Cameira dos Santos durante
o seu doutoramento na École Nationale Supérieure Agronomique de
Montpellier, sob supervisão da Dra. Hélène Fulcrand, no ano de 1995
(trabalhos publicados no ano seguinte [19, 23]). Para o leitor interessado
na história desta descoberta, aconselhamos a leitura da referência [24].
Três anos depois, em 1998, foram descobertas as vitisinas, ou seja,
as piranoantocianinas mais abundantes dos vinhos tintos [25], que
resultam da reação da malvidina-3-glucósido com o ácido pirúvico
(que é um subproduto da fermentação alcoólica). Entre as vitisinas, o
Esquema 8 representa a mais abundante (Vitisina A).
É normal que as piranoantocianinas derivadas do 4-vinilfenol (Es-
quema 7) sejam menos abundantes no vinho tinto que as vitisinas
(Esquema 8), dado que o 4-vinilfenol, necessário para a formação
das primeiras, é muito pouco abundante nos vinhos, por ser produ-
zido apenas por descarboxilação do ácido p‑cumáricopor ação das
leveduras [19]. Além disso, este composto também pode ser “captu-
rado” para dar origem ao 4-etilfenol, na via de formação do aroma
“brett”. Já o ácido pirúvico (necessário para a formação das segun-
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Figura 4 – Distribuição das frações molares da piranomal-
vidina-3-O-glucósido-(+)-catequina e as cores das respetivas
espécies no equilíbrio [27].
5. Nomenclatura proposta
Em resumo, para os pigmentos derivados das antocianinas
até agora descobertos, que na literatura inglesa surgem como
“anthocyanin-derived pigments”, propomos a seguinte nomenclatura:
Conclusão
A cor dos vinhos tintos é um fenómeno complexo, e constitui um
parâmetro de crucial importância, pois fornece ao consumidor in-
e nologia
formação sobre o tipo, grau de envelhecimento e até sobre possíveis [3] Willstätter, R. 1915. Nobel Lecture, disponível em http://www.nobel-
defeitos organoléticos de que este possa padecer. prize.org/.
No caso dos vinhos tintos jovens, a cor depende do tipo e da concen- [4] R. Robinson, R. 1947. Nobel Lecture, disponível em http://www.no-
tração das antocianinas presentes, já que as tonalidades destas variam belprize.org/.
com os substituintes, podendo existir fenómenos de autoagregação. [5] Brouillard, R. & Dubois, J.E. 1977. J. Am. Chem. Soc., 99, 1359-1364.
Por outro lado, a interação com outros polifenóis, a chamada copig- [6] Brouillard, R. & Lang, J. 1990. Can. J. Chem., 68, 755-761.
mentação, produz também variações de cor e induz, sobretudo nos [7] McClelland, R.A. & Gedge, S. 1980. J. Am. Chem. Soc., 102, 5838‑5848.
vinhos tintos jovens, um aumento da intensidade da cor vermelha. [8] McClelland, R.A. & McGall, G.H. 1982. J. Org. Chem., 47, 3730-3736.
Todavia, é durante o envelhecimento que, por um lado, as antocia- [9] Preston, N.W. & Timberlake, C.F. 1981. J. Chromatog., 214, 222-228.
ninas tendem a precipitar, dando origem a vinhos com menor in- [10] Pina, F.; Melo, M.J.; Laia, C.A.T.; Parola, A.J. & Lima, J.C. 2012. Chem.
tensidade de cor. Por outro lado, dá-se uma mudança de tonalidade, Soc. Rev., 41, 869-908.
devido à formação de piranoantocianinas e outros derivados que pos- [11] Pina, F. 2014. Recent Advances in Polyphenols Research, Vol. 4, Chapter
suem cores com tons mais laranja ou castanho. 11, Wiley-Blackwell, ISBN: 978-1-118-32967-2.
Tal como se afirma no título deste trabalho, a investigação nesta área [12] Pina, F.; Parola, A.J.; Melo, M.J.; Lima, J.C. & de Freitas, V. “Antho-
não parou e, com certeza, teremos desenvolvimentos posteriores na cyanins from Natural Sources: Exploiting Targeted Delivery for Impro-
compreensão do fenómeno da cor e, em particular, na preparação de ved Health” Capítulo 2, Chemistry of Anthocyanins, Edição Celli, G.,
corantes derivados de produtos naturais, que eventualmente poderão Brooks, S.-L., Royal Society of Chemistry, em impressão.
vir a ser usados como corantes alimentares. [13] Iacobucci, G.A. & Sweeny, J.G. 1983 Tetrahedron, 19, 3005-3038.
Mimetizando a química do vinho em laboratório será possível, um [14] Yoshida, K.; Mori, M. & Kondo, T. 2009. Nat. Prod. Rep., 26, 884-915.
dia, aplicar muitos destes novos compostos noutras indústrias, tais [15] Fernandes, A.; Brás, N.; Mateus, N. & Fernandes, A. 2015. New J.
como corantes capilares, pigmentos cosméticos, corantes têxteis, Chem., 39, 2602.
sistemas de memória de nível molecular, fotossensibilizadores para [16] Leydet, Y.; Gavara, R.; Petrov, V.; Diniz, A.M.; Parola, A.J.; Lima, J.C.
aplicações biomédicas, terapia fotodinâmica e para aplicações ener- & Pina, F. 2012. Phytochemistry, 83, 125-135.
géticas e células solares (DSSC). [17] Melo, M.J.; Moncada, M. & Pina, F. 2000. Tetrahedron Lett., 41,
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