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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

VALENTINA CORRÊA DA ROSA

A INFLUÊNCIA E OS BENEFÍCIOS DO COMFORT FOOD NO BEM ESTAR


EMOCIONAL

Trabalho de Iniciação Científica - TIC

Balneário Camboriú
2020 – I
VALENTINA CORRÊA DA ROSA

A INFLUÊNCIA E OS BENEFÍCIOS DO COMFORT FOOD NO BEM ESTAR


EMOCIONAL

Trabalho de Iniciação Científica – TIC


apresentado à disciplina de Trabalho de
Iniciação Científica do Curso de
Gastronomia da Universidade do Vale do
Itajaí - Centro de Ciências Sociais
Aplicadas: Comunicação, Turismo e Lazer.
Orientação: Profª Andreia Maria Pacher,
MSc.

Balneário Camboriú
2020 – I
Resumo
Comfort food, ou comida conforto, é um termo amplamente conhecido, entretanto, não
tão comumente estudado. São, geralmente, alimentos que evocam sentimento de
conforto, nostalgia e alívio emocional. Considerando a importância e a subestimação
do tema, sobretudo em estudos na língua portuguesa, o objetivo deste trabalho de
iniciação científica é apontar as principais características e a influência do comfort food
na vida das pessoas, para dessa forma alcançar um maior entendimento sobre o
assunto. Foi realizada uma análise bibliográfica baseada em artigos, livros e estudos
encontrados para se atingir os resultados apresentados nesse trabalho. A pesquisa
buscou evidenciar as características encontradas sobre comida conforto e seus
principais autores, evidenciando diferenças nas preferências entre os diferentes
gêneros, idades, situações e humores em que o comfort food era consumido e em
como os alimentos de conforto estão associados às ligações interpessoais dos
indivíduos. A contribuição dessa pesquisa está na valorização e disseminação do
tema, além de demonstrar, através de uma visão acadêmica fundamentada
cientificamente, a relevância e profundidade do assunto.

Palavras-chave: Comfort food. Comida conforto. Influência.


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Demonstrativo das comidas que mais foram levadas à aula no dia da
realização da pesquisa.......................................................................... 16
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Comfort food mais comuns identificadas na pesquisa................................ 12

Gráfico 2 - Top 3 Comfort Food para mulheres identificadas na pesquisa................... 13

Gráfico 3 - Top 3 Comfort Food para homens identificadas na pesquisa.................... 13


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 07

2 OBJETIVOS........................................................................................................... 09

2.1 Objetivo geral....................................................................................................... 09

2.2 Objetivos específicos.......................................................................................... 09

3 METODOLOGIA.................................................................................................... 10

4 ANÁLISE DE RESULTADOS................................................................................ 11

4.1 Princípios e conceitos que determinas o que é confort food..........................

4.1.1 Categorias e outras características de comfort food.............................................. 14

4.2 Benefícios e efeitos do comfort food................................................................. 18

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 22

REFERÊNCIAS.................................................................................................... 23
1 INTRODUÇÃO

Com o crescente avanço e popularização da gastronomia no mundo, assim como no


Brasil, o termo comfort food passou a ser mais comumente utilizado. Muitas vezes
traduzido para o português como “comida afetiva”, o assunto gera cada vez mais
interesse, pois as pessoas estão a procurar mais por comida que não alimente apenas
o corpo, mas sim a alma. Como o próprio termo indica, conforto e alívio emocional é
o principal ponto para compreender o seu conceito. Para Wansink, Cheney e Chan
(2003, p. 739, tradução do autor) “Comfort foods são aquelas comidas que quando
consumidas evocam um estado psicologicamente confortável e agradável para uma
pessoa”.

O trabalho de iniciação científica visou apontar quais as influências da comida afetiva


no bem estar emocional e refletir sobre o conceito de comfort food e suas principais
características, alcançando um melhor entendimento do tema, fundamentado de uma
pesquisa bibliográfica guiada por artigos científicos. Também deseja determinar o que
é comfort food e como melhor propagar esse assunto, visto que é possível identificar
que a maior parte dos estudos são em língua inglesa, expressando um número baixo
de estudos brasileiros, mesmo com a ascendente valorização desse estilo de
alimentação.

É sabido do grande poder que a comida exerce sobre os seres humanos, na vida e
nas emoções, sendo ela capaz de proporcionar grande sensação de acalento, quando
associado à memórias e lembranças queridas. De acordo com Menèndez, apud Lima,
Lamounier e Teixeira (2018, p. 3):
A comida nunca é só comida, é também o veículo através do qual, quando
éramos pequenos, recebíamos o alimento afetivo da pessoa que cuidava de
nós. Este alimento é fundamental para a vida e para a vida psíquica. Assim
pois, sobre as necessidades corporais se constrói o psiquismo humano...
Além do leite a mãe alimenta o filho com seu afeto com suas palavras e com
o tom que se dirige a ele, assim como com a forma que o acolhe em seus
braços, com as canções com que o ajuda a dormir e etc. Tudo isso são
ingredientes fundamentais para o crescimento dos filhos. O alimento material
se trança com o afetivo de tal modo que se falta este, ainda que sobre aquele,
a criança pode morrer.

Através de estudos realizados em diferentes áreas de pesquisa e em diversos países,


observa-se a importância e a influência que a comida, tanto afetiva ou não, exerce

7
sobre diversos âmbitos da vida das pessoas. “Comida se tornou uma parte
significativa das nossas vidas emocionais, especialmente tendo em vista que as
nossas escolhas alimentares tendem a estar intimamente ligadas com as nossas
memórias” (LUPTON, 1996, p. 2, tradução do autor).

Além disso, deve-se analisar como os indivíduos podem usar alimentos para
proporcionar conforto durante períodos de estresse e tristeza.
Locher et al (2005, p. 275, tradução do autor) afirma que:
A comida e o ato de comer significam um papel cada vez mais central na vida
das pessoas. Nós dependemos de objetos, especialmente objetos
alimentícios, para definir quem somos, tanto como indivíduos e como grupos.
[...] Embora se possa argumentar que sempre usamos comida para nos
confortar, somente na década passada a noção de comida para conforto
começou a aparecer regularmente em revistas populares, televisão, literatura
e publicidade. A vida cotidiana no mundo moderno, com seu estresse
concomitante, desconforto psicológico, problemas pessoais e deslocamento
pessoal originaram necessidade de alimentos reconfortantes [...].

Diante deste cenário, os mesmos autores também observam que:

É particularmente irônico que o ato de preparar e consumir o comfort food é


solitário, já que essas atividades trazem à tona sentimentos relacionados com
as nossas relações com pessoas especiais. Isso é significativo porque a
ligação emocional que ocorre, não apenas entre o indivíduo e a comida, mas
também entre o indivíduo e outros cujas memórias o alimento evoca. Assim,
de uma maneira muito importante, a comida atua como mediadora das
relações sociais que existem dentro da ordem social mais ampla (LOCHER
et al, 2005, p. 290, tradução do autor).

Como acadêmica do curso bacharel em Gastronomia, que demonstra grande


interesse e observa a importância da alimentação afetiva no bem estar e seus ainda
não tão explorados benefícios, especialmente devido a situação atual de pandemia
do novo coronavírus 2019, constatou-se a necessidade de promover e estimular a
discussão sobre o tema, para incorporá-lo cada vez mais ao dia-a-dia das pessoas.

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2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral


Analisar quais fatores que determinam o papel e os benefícios do comfort food no bem
estar e na vida das pessoas.

2.2 Objetivos específicos


 Buscar base teórica sobre a temática em livros, artigos e estudos que tratam
desse assunto;
 Identificar os princípios que determinam o que é comfort food;
 Abordar os conceitos e quais os benefícios do comfort food identificados nas
pesquisas estudadas;
 Apresentar a importância do tema no cenário da gastronomia.

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3 METODOLOGIA

Markoni e Lakatos (2017) afirmam que a metodologia corresponde às atividades


racionais e ordenadas que fundamenta-se com uma maior segurança e economia na
obtenção dos objetivos de uma pesquisa e fundamentos pertinentes e factuais, para
guiar o processo a ser seguido, encontrando as falhas e contribuindo assim nas
decisões do que é pertinente ou não para o trabalho científico.

As metodologias de pesquisa utilizadas para a realização do estudo foram:


bibliográfica, que busca identificar o que foi produzido de conhecimento pela
comunidade científica, que segundo Gil (2008 p. 44), “é desenvolvida com base em
material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos e usa
vários autores e suas ideias que podem convergir ou divergir na discussão sobre
determinado assunto”; a exploratória, que pode envolver levantamento bibliográfico,
entrevistas com pessoas experientes no temática pesquisada, aplicação de
questionários em modo digital e que visa aprimorar o conhecimento com as
informações já obtidas em relação a esse assunto e pesquisa explicativa, “que têm
como preocupação central identificar os fatores que determinam ou que contribuem
para a ocorrência dos fenômenos” (Gil, 2008 p. 42).

Considerando a pesquisa bibliográfica como o método adotado neste trabalho, o


referencial teórico passa a ser efetivamente a análise de resultados, necessitando
assim um aprofundamento do embasamento teórico e análise de conteúdo, que será
qualitativa e feita por meio de um diálogo de ideias entre os autores das fontes
investigadas.

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4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

4.1 Princípios e conceitos que determinam o que é comfort food

O termo comfort food foi adicionado ao Cambridge English Dictionary em 1997, s/p, e
o significado inclui fatores nutricionais e a ligação do comfort food com a história do
indivíduo à descrição: “O tipo de comida que as pessoas comem quando estão tristes
ou preocupadas, geralmente comida doce ou comida que as pessoas comiam quando
crianças”. Já Spence, oferece uma ideia mais geral para definir o que é comfort food:

O termo comfort food refere-se a aquelas comidas que quando consumidas


promovem um sentimento de bem estar. Comidas, que em outras palavras,
oferecem algum tipo de conforto psicológico, principalmente emocional. É
normalmente sugerido que “comidas conforto” são ricas em calorias (altos
níveis de açúcar e/ou carboidratos) e que elas tendem a ser associadas com
a infância e/ou comida caseira (SPENCE, 2017, p. 105, tradução do autor).

Wansink (2000, p. 66, tradução do autor) também destaca que a situação em que a
degustação ocorre também é importante para o conceito: “uma comida específica
consumida em uma situação específica para obter conforto psicológico”.

Nina Horta, importante autora brasileira sobre o assunto, trouxe em seu primeiro livro
“Não é sopa” (1996), reunindo suas crônicas publicadas na Folha de S. Paulo, o que
ela define como “comida de alma”:
Comida de alma é aquela que consola, que escorre garganta abaixo quase
sem precisar ser mastigada, na hora de dor, de depressão, de tristeza
pequena. Não é, com certeza, um leitão pururuca, nem um menu nouvelle
seguido à risca. Dá segurança, enche o estômago, conforta a alma, lembra a
infância e o costume. É a canja da mãe judia, panaceia sagrada a resolver os
problemas de náusea existencial. O macarrão cabelo de anjo cozido mole e
passado na manteiga. O caldo de galinha gelatinoso, tomado às colheradas.
São as sopas. O leite quente com canela, o arroz doce, os ovos nevados, a
banana cozida na casca, as gelatinas, o pudim de leite. Nora Ephron, autora
de A difícil arte de amar, com o casamento acabado, grávida, enjoada, traída,
vota pelo consolo da batata: "Nada como um bom purê quando se está
deprimido. Nada como ir para a cama com um prato fundo de purê de batata já
saturado de manteiga e metodicamente ir adicionando mais uma fatia fina de
manteiga a cada garfada". Comida de alma tem de ser neutra. Sorvete é
comida de alma? Não é. Tem um pique gelado que a tristeza não suporta. A
temperatura deve estar entre ambiente e morna. Chocolate vale? Não, nem
pensar. É sexy, sedutor, pressupõe prazer e culpa. Tudo tem de ser especial
na comida de alma. A tia Léonie, de Proust, comia seus ovos com creme em
pratos rasos, com desenhos e legendas. Punha os óculos e decifrava contente:
" Ali Babá e os quarenta ladrões", ou "Aladim e a lâmpada maravilhosa" O
mingau de aveia ou fubá pode ser em prato fundo, o quadrado de manteiga se
derretendo por cima. O leite em boa caneca grossa, o chá em xícara inglesa
florida, e, para casos extremos, a mamadeira, é claro. A comida, de

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preferência, deve ser bebida aos goles ou tomada de colher. A faca é quase
sempre supérflua (HORTA, 1996, p.15).

Então fica a questão do que exatamente faz com que uma comida comum torne-se
um comfort food? Segundo Spencer (2017), dado ao fato de que muitas “comida de
alma” são muitas vezes associadas com o que os pais ou avós dos indivíduos
ofereciam para comer quando estavam doentes quando crianças. Tende a ter muitas
variações tanto entre os indivíduos, quanto a cultura em que estão inseridos para
definir o que as pessoas tem como comfort food.

De acordo com uma pesquisa com mais de 1.005 norte-americanos feita por Wansink
e Sangerman (2000) os alimentos de conforto mais comuns foram: batatas fritas
(24%), sorvete (14%), biscoitos (12%), pizzas e massas (11%), hambúrgueres de
carne bovina (9%), frutas/legumes (7%), sopa (4%) e outros (9%).
O gráfico 1 demonstra os alimentos mais comumente citados na pesquisa de Wansink
e Sangerman.

Gráfico 1 - Comfort food mais comuns identificadas na pesquisa

Fonte: Acadêmica, 2020 com base em Wansink e Sangerman, 2000.

No entanto, esses números escondem algumas diferenças marcantes de gênero.


Quando requeridos a concordar ou discordar se determinados alimentos eram
alimentos de conforto para eles, as principais escolhas entre as mulheres foram
sorvete (74%), chocolate (69%), e biscoitos (66%). Por outro lado, os três principais

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alimentos de conforto para homens foram sorvete (77%), sopa (73%) e
pizza/macarrão (72%). Os gráficos 2 e 3 demonstram os principais comfort food
citados por homens e mulheres na pesquisa.

Gráfico 2 - Top 3 Comfort Food para mulheres identificadas na pesquisa

Fonte: Acadêmica, 2020 com base em Wansink e Sangerman, 2000.

Gráfico 3 - Top 3 Comfort Food para homens identificadas na pesquisa

Fonte: Acadêmica, 2020 com base em Wansink e Sangerman, 2000.

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Ademais, Wansink, Cheney e Chan (2003), encontraram que não foram apenas os
alimentos que diferiram por sexo, também foram reconhecidas diferenças nas
situações que provavelmente obter conforto para comer. Baseado nos resultados de
uma pesquisa na web com 277 participantes (196 mulheres e 81 homens), solidão,
depressão e culpa foram consideradas fundamentais condutores de conforto alimentar
para as mulheres, enquanto os homens questionados normalmente relatavam que
consumiam comida caseira como recompensa pelo sucesso.

Assim, enquanto a visão clichê pode muito bem ser que as pessoas buscam comida
caseira quando o humor não está bom, as evidências relatadas por Wansink e
Sangerman (2000) sugere ao invés que alimentos de conforto são consumidos
quando as pessoas se sentem em clima de júbilo (86%), ou quando eles querem
comemorar ou se recompensar por algo (74%). Somente 39% dos questionados
preferiram por comer alimentos de conforto quando eles estavam tristes ou estavam
sentindo-se solitários.

Wansink e Sangerman (2000) também identificaram algumas diferenças no que


determina comfort food entre as diferentes grupos de idade que eles pesquisaram: por
exemplo, enquanto 18 a 34 anos preferem sorvete (77%) e biscoitos (70%), aqueles
entre 35 e 54 anos preferiam sopa (68%) e massas (67%), e aqueles com 55 anos ou
mais tendem a preferir sopa (76%) e purê de batatas (74%). Wansink et al. (2003),
também descobriram que as pessoas mais velhas tinham maior probabilidade de
relatar resultados positivos após comerem sua comida favorita (do que mulheres e
adultos mais jovens). Mas, em todos os casos, era o com associações ao passado
que um indivíduo teve com os alimentos que acabaram sendo a chave.

4. 1. 1 Categorias e outras características de comfort food

Locher et al (2005), realizaram uma pesquisa com uma população de 264 estudantes
de graduação de uma grande universidade pública do sudeste dos Estados Unidos.
Estes alunos possuíam diferentes ascendências étnicas e foram convidados a trazer
para seus colegas uma comida que lhes desse uma sensação de bem estar e que
lhes proporcionasse conforto. Os estudantes poderiam ainda escrever uma redação

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trazendo a justificativa de suas escolhas, o que lhes renderia pontos em uma
determinada disciplina cursada. Os dados analisados foram os 264 exemplos de
comfort foods trazidos pelos estudantes e as 72 redações produzidas com as
justificativas. Dentre as informações levantadas destacam-se: a identificação das
iguarias selecionadas, dos critérios de seleção e das respectivas condições de
consumo. Os autores estabeleceram então quatro categorias: nostalgic foods
(comidas nostálgicas), indulgence foods (comidas de indulgência), convenience foods
(comidas de conveniência) e physical comfort foods (comidas de conforto físico).
Locher et al (2005) nota que antes de descrever cada categoria, é importante observar
as semelhança entre os mesmos:
Primeiro, os alimentos que fazem os alunos se sentirem bem são os que
trazem um senso de familiaridade. Por exemplo, uma mulher cuja comida que
a reconfortava era salada de frutas "Quando eu morava em casa, minha mãe
sempre fazia salada de frutas". Em outro exemplo, um homem cuja comida
reconfortante era milho descreveu como sua “mãe, que cozinhava todos os
dias, adicionava milho a todas as refeições. Se não era milho enlatado, era
espiga de milho". [...] Somente os alimentos associados a algum evento
especial ou memorável na história de alguém foram definidos como alimentos
de conforto [...] os alimentos de conforto foram percebidos como alimentos
para ocasiões especiais, apenas para serem consumidos quando se sentisse
triste ou necessitando de um estímulo emocional. Por exemplo, uma mulher
lembrou como sua avó sempre fazia seu sorvete caseiro de chocolate quando
estava triste. Ela descreveu como "agora, quando estou me sentindo mal,
como sorvete de chocolate para me sentir melhor". Terceiro, embora os
entrevistados associassem os alimentos de conforto a alguma atividade
social anterior, eles quase sempre os consumiam sozinhos. Muitos alunos
descreveram como os alimentos que eles traziam para a aula eram os que
consumiam quando não havia mais ninguém por perto (LOCHER et al, 2005,
p. 279, tradução do autor).

“Comidas nostálgicas” foram aquelas definidas por um período específicos da história


do indivíduo. Reid et al., (2014) pontua que o aroma de comidas podem trazer à tona
vividas e detalhadas memórias emocionais do nosso passado. Os indivíduos
descreveram que tais alimentos recriavam a sensação de paz e tranquilidade que
experimentaram mais cedo em suas vidas, principalmente na infância. E também
foram associadas a pessoas que estavam temporariamente desconectadas de suas
famílias ou de sua cidade natal: “nessas circunstâncias, consumir comidas
intimamente ligadas com o passado de tal indivíduos, pode reparar esta desconexão,
mantendo uma continuidade da identidade individual em um contexto não familiar”
(LOCHER et al, 2005, p. 280, tradução do autor).

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O quadro 1 demonstra as comidas que mais foram levadas à aula para a realização
da pesquisa de Locher et al.

Quadro 1 - Demonstrativo das comidas que mais foram levadas à aula


no dia da realização da pesquisa.
Comfort foods mais comuns levadas para a
pesquisa

Cookies com gotas de chocolate

Cookies de manteiga de amendoim

Macarrão com queijo

Frango frito (especialmente asinha)

Barrinhas de arroz crocante

Pudim

Caçarola de batata-doce

Salgadinhos chips

Almôndegas

Tortas (vários tipos)

Fonte: acadêmica, 2020 com base em Locher et al (2005).

As “comidas indulgentes” foram aquelas relacionadas com a situação em que o valor


da comida não importava, relacionado tanto com o valor calórico quanto ao valor
monetário do alimento. Havia a preocupação com relação à saúde e nutrição, mas as
pessoas ignoravam, elas não permitiam que as questões relacionadas com a saúde
influenciassem nas suas decisões para escolher os alimentos.

Esses momentos em que essa exceção ocorria, muitas vezes geravam sentimento de
culpa no futuro, mas são motivadas pela criação de um sentimento de segurança e de
recompensa diante de uma situação percebida como triste, angustiante ou altamente

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desagradável. Locher et al, (2005, p. 284, tradução do autor) cita que uma mulher
descreveu a sua comida reconfortante como uma cheesecake e comentou que era
“muito prazerosa”. A mulher observou que “a única coisa ruim desse cheesecake era
que eles poderiam ser bem calóricos, especialmente se você servir ele com morangos
e chantilly”.

“Comidas de conveniência” eram aquelas que haviam como critério serem fáceis de
serem preparadas. O vínculo entre conforto emocional e praticidade é essencial nessa
categoria. Locher et al (2005 p. 286, tradução do autor) cita:” Uma mulher disse
“quando estou me sentindo deprimida... eu quero algo que seja conveniente; É mais
prático para mim ir até a loja e comprar alguns salgadinhos de queijo do que é para
mim ir para a cozinha e cozinhar”.” Locher et al (2005) também notam que isso
acontece por duas motivos: porque o indivíduo em pauta foi criado em um contexto
onde a industrialização alimentar já estava definitiva, então o acesso a estes produtos
já se conecta à infância e à memória emocional do indivíduo, ou porque o indivíduo
substitui por conveniência o produto feito em casa por um semelhante industrializado.

Já as comidas de ‘conforto físico’, são aquelas cujas características físico-químicas –


como composição, temperatura e textura – oferecem ao indivíduo um bem estar físico,
além do emocional. “Alimentos de conforto físico são aqueles que oferecem conforto
por meio de seus atributos físicos ou pelas mudanças físicas que eles provocam no
consumidor” (LOCHER et al, 2005 p. 287, tradução do autor).

Horta (1996), por sua vez, cita em sua definição de “comida de alma”, que esse
alimento precisa estar em temperatura ambiente ou morna, já que por exemplo, em
sua palavras, sorvete não deve ser considerado comida de alma pois “tem um pique
gelado que a tristeza não suporta” (HORTA, 1996, p. 16).

Já a pesquisa de Locher et al (2005) trouxe diversas preferências relacionadas a estes


aspectos: alimentos crocantes foram mais indicados por homens, associados
diretamente a situações de raiva, e o sorvete também foi mencionado por muitos
alunos.

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Lupton (1996 p. 108, tradução do autor) observou que “masculinidade é associada
com “comer comida que outros cozinharam”, enquanto feminilidade é associada com
“cozinhar para os outros, equivalendo oferecer alimento com amar”. De modo geral,
parece haver preferência por alimentos ricos em gordura e açúcar, de ação
comprovada na química do cérebro. Locher et al (2005) verificou nessa categoria
bebidas alcóolicas, além do chá e do café. Em termos de comida, porém, o número
maior de citações foi destinado ao chocolate e os preparos em que ele ocupa o espaço
de ingrediente fundamental.

Locher et al (2005) também pontuam que comfort foods:


[...] Estão ligadas com as condições na sociedade moderna. Os indivíduos
experimentam cada vez mais dificuldades para formar e manter identidades
pessoais e sociais. Juntamente, cada vez mais as pessoas são definidas pelo
o que consomem. Em uma sociedade voltada para o consumidor, a comida
tem vindo a efetuar um papel importante nas atividades sociais [...]. Consumir
determinados alimentos pode ser uma maneira de os indivíduos preservarem
o controle sobre si mesmos. Isso pode ser particularmente importante durante
os períodos de incerteza social quando tudo parece fora de controle
(LOCHER et al 2005 p.291, tradução do autor).

É possível compreender então, que comfort foods não são alimentos definidos, pois
dependem da identificação pessoal de cada indivíduo, dependendo de diferentes
grupos sociais, socioeconômicos e étnicos, mas podendo haver padrões desses
alimentos em grupos com características similares.

4.2 Benefícios e efeitos do comfort food

Wansink, Cheney e Chan (2003), notam que muitas pessoas consomem comida
reconfortante na tentativa de aliviar inúmeras experiências emocionais negativas.
Entretanto, a eficácia da comida reconfortante na eliminação de emoções negativas é
questionável. Wagner et al (2014) pontuaram que algumas pesquisas recentes
sugerem que a comida reconfortante não é eficaz na eliminação de estados gerais de
tristeza.

Para responder a questão se comfort food é realmente reconfortante, é necessário


uma abordagem abrangente, perspectivas biológicas e psicológicas são necessárias.
Algumas pesquisas caracterizaram conforto como redução do stress na visão
18
biológica, enquanto outras focaram na diminuição de sentimentos negativos.
Entretanto, poucos estudos foram realizados com voluntários humanos, grande parte
é feita com roedores. Uma diferença importante entre os estudos não humanos e
humanos de comer com conforto é a operacionalização do construto de comer com
conforto. Os modelos de roedores tendem a se concentrar em comer com conforto
principalmente em resposta ao estresse, enquanto estudos humanos geralmente
medem a alimentação emocional, que se refere ao conforto em comer em resposta a
uma gama mais ampla de estados emocionais.

Tomiyama, Finch e Cummings (2019), realizaram um estudo com 150 mulheres


saudáveis que foram randomicamente ordenadas para uma das cinco condições (tipo
de alimento, saudável ou não, de acordo com o tempo, durante a antecipação do
estresse ou após um evento estressante e outra em que não havia controle dos
alimentos). O estudo tentaria preencher algumas lacunas presentes na literatura
como o primeiro estudo realizados em humanos que acessa os efeitos de comer para
obter conforto nas respostas agudas ao estresse psicofisiológico. O estudo também
visa avaliar as modificações ideais desse comportamento testando os efeitos do tipo
de alimentação confortável, como alimentos industrializados/processados ricos em
açúcar/gordura ou alimentos saudáveis, como frutas e vegetais e tempo (durante a
antecipação do estresse ou após um evento estressante).

Os resultados revelaram que aqueles que comeram comida saudável ou não durante
a fase de antecipação do stress não apresentaram redução psicofisiológica do stress
comparados com aqueles que não comeram nessa fase. Similarmente, aqueles que
comeram ambos tipos de alimentos imediatamente após o momento de stress, os
resultados não demonstraram aceleração na recuperação do estresse psicofisiológico
em comparação com aqueles que não comeram durante o estudo. Nesse estudo,
consumir comida industrializada não demonstrou que provia qualquer benefício de
redução de stress psicofisiológico comparado a quem comeu alimentos saudáveis,
independente de qual momento a ação de comer por conforto aconteceu.

Também na tentativa de esclarecer os meios pelos quais a comida reconfortante pode


produzir seus efeitos, Troisi e Gabriel (2011) estabeleceram o vínculo entre comida

19
reconfortante e sentimentos de conexão interpessoal, sugerindo que a comida
reconfortante pode servir como um lembrete para a ligação de um indivíduo com
outros. Em seu primeiro experimento sobre esse tópico, eles descobriram que os
participantes que tiveram a oportunidade de consumir seus alimentos de conforto
(sopa de macarrão de galinha) mostraram uma ativação cognitiva aumentada do
conceito de relacionamento em comparação com os participantes que não
consideraram a sopa um comfort food.

Um segundo experimento examinou as maneiras pelas quais a comida reconfortante


pode proteger contra sentimentos de isolamento social. Como os alimentos de
conforto estão associados aos relacionamentos, segundo Troisi et al (2015) apud
Bartholomew & Horowitz (1991) e Griffin & Bartholomew (1994):

Os alimentos de conforto só devem ser protetores o relacionamento


relacionado com o alimento se for positivo, ou seja, se o alimento tiver uma
função social positiva. Os indivíduos apegados com segurança geralmente
têm associações positivas e confiança nos relacionamentos, enquanto
aqueles que não estão apegados com segurança têm experiências mais
confusas e muitas vezes negativas com os relacionamentos (TROISI et al,
2015 p. 759).

Assim, pessoas com diferentes estilos de apego têm maneiras significativamente


diferentes de ver seus relacionamentos com os outros. Consequentemente, em seu
segundo experimento, Troisi e Gabriel (2011), previram e descobriram que a comida
reconfortante reduzia os sentimentos de solidão, mas apenas entre aqueles com uma
visão mais favorável dos outros.

Conjuntamente, então, os resultados desses dois experimentos sugerem que os


benefícios emocionais da comida reconfortante são mais prováveis entre aqueles para
quem o consumo traz de volta associações positivas de interação social precoce, por
exemplo, de uma época em que o cuidador pode ter fornecido certa comida quando
um indivíduo estava doente quando criança.

20
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme os objetivos propostos, a pesquisa possibilitou caracterizar e detalhar o que


torna um alimento usual em comfort food, e consequentemente quais os seus efeitos
na vida e no bem estar dos indivíduos. Para ser caracterizada como comida conforto,
geralmente precisa ser o tipo de comida que as pessoas consomem quando estão
tristes ou preocupadas, em que a situação em que o ato ocorre também importa para
o conceito, entretanto alguns autores diferem em suas definições.

Com base em diversas pesquisas, definiu-se que muitas “comidas de alma”, são
geralmente associadas com memórias da primeira infância, a diferentes culturas e
nacionalidades e tende a variar entre os indivíduos. De acordo com pesquisas, os
alimentos de conforto mais comuns tendem a serem ricos em açúcar e gorduras e
altos em calorias, que exercem ação química comprovada no cérebro e com
expressivas diferenças de preferências alimentares entre diferentes gêneros e idades.
Entretanto, a eficácia da comida reconfortante foi questionada, já que algumas
pesquisas recentes não apontam eficácia na eliminação de estados de tristeza. Com
poucos estudos realizados em humanos, os conceitos estudados não são plenamente
garantidos.

Um estudo tenta preencher algumas ausências na literatura como sendo o primeiro


realizado em humanos que acessaria os efeitos de comer para obter conforto nas
respostas diretas ao stress e também nos tipos de alimentos de conforto. Nesse
específico estudo, o consumo de comida industrializada não demonstrou fornecer
qualquer redução de stress comparado à aqueles que consumiram alimentos
saudáveis.

Outro experimento analisou as maneiras pelais quais a comida reconfortante pode


ajudar em situações de isolamento social, muito pertinente e adequado com o atual
momento social. Ambos experimentos trouxeram como resultado que as pessoas que
estabelecem um vínculo entre o alimento e outra conexão interpessoal, como a
lembrança do momento em que tal alimento foi consumido, ou à alguém específico
relacionado ao prato. Entende-se então, que comfort foods não são alimentos

21
estabelecidos, dado que dependem da identificação pessoal de cada indivíduo,
dependendo dos seus diferentes grupos culturais, sociais e econômicos, podendo
haver características semelhantes entre eles.

O objetivo principal dessa pesquisa, que previu analisar quais fatores que determinam
o papel e os benefícios do comfort food no bem estar e na vida das pessoas, foi
alcançado, tendo como base uma pesquisa bibliográfica, mostrando o potencial para
que outras pesquisas sejam realizadas acerca desse tema, pois se nota a falta de
mais estudos relacionados à essa temática, sobretudo em língua portuguesa.

Mostra-se importante entender que as preferências alimentares das pessoas não são
formadas por acidente, e quanto mais é sabido sobre a psicologia por trás dos
alimentos, mais é possível ajudar às pessoas a tomarem decisões mais conscientes
em relação ao que irão comer.

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