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FUNDAMENTOS DO DESIGN

AULA 6

Prof.ª Shirlei Miranda Camargo


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, você aprenderá sobre os diferentes tipos de inovações e como


eles se relacionam com o design. Também perceberá como a cultura influencia,
mas ao mesmo tempo é influenciada pelo design. Por fim, refletirá sobre temas
importantes, por exemplo, a responsabilidade que o designer,
independentemente da área de atuação, deve ter com o meio ambiente. Dessa
maneira, você aprenderá o que é ser um designer ético e não fará, por exemplo,
a prática de green washing. Aliás, você sabe o que é green washing?

CONTEXTUALIZANDO

Leia a matéria a seguir, retirada do site TecMundo.

Leitura complementar
No Japão, alguns trens-balas podiam alcançar a velocidade de 300 km/h, mas o
som emitido por eles extrapolava os padrões ambientais de poluição sonora.
Uma das causas desse resultado indesejável era a onda de pressão atmosférica
criada pelo trem quando ele entrava em um túnel estreito. Isso causava, na saída
do túnel, uma explosão sônica e uma vibração sentida por moradores que
estavam a até 400 metros de distância do local. Parte do problema estava no
design do nariz do trem.

Além disso, ao entrar nesses túneis, os engenheiros perceberam que o veículo


também enfrentava uma mudança drástica na resistência do ar. Não demorou
muito até que encontrassem um exemplo na natureza de um animal que
passasse por condições semelhantes, diariamente.

A solução do problema foi se encontrada por Eiji Nakatsu, engenheiro e


observador de pássaros, que usou o martim-pescador como inspiração. A ave,
que precisa mergulhar para se alimentar – troca rapidamente de um ambiente
de baixa resistência (ar) para um com muita resistência (água) –, possui a
aerodinâmica perfeita para essa situação.

Depois de remodelar o nariz do trem-bala para um formato similar ao bico do


martim-pescador, os trens não passaram apenas a viajar de maneira mais
silenciosa, mas também se tornaram 10% mais rápido e 15% mais econômicos.

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Fonte: 5 TECNOLOGIAS inspiradas pela natureza TecMundo, 28 ago. 2011.
Disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/ciencia/12821-5-tecnologias-
inspiradas-pela-natureza.htm>. Acesso em: 18 ago. 2019.

Isso que você leu é o que se chama de biomimética e será um dos temas
desta aula. Mas, para iniciá-la, primeiramente vamos entender o que é inovação
para depois vermos as formas criativas de se chegar até ela, como a
biomimética.

TEMA 1 – DESIGN E INOVAÇÃO

Você sabe a diferença entre invenção e inovação? Você sabia que são
coisas diferentes? Segundo Brito, Brito e Ledur (2009), podemos encontrar na
literatura diversos conceitos de inovação, e um dos mais antigos é o Utterback
(1971, p. 77), que define a inovação como uma invenção que atingiu a fase de
introdução no mercado, no caso de um novo produto.
O que isso quer dizer? Que uma invenção só vira inovação quando existe
um mercado, ou seja, pessoas ou empresas que vão comprar essa novidade.
Caso contrário, não passará de uma mera invenção.

Figura 1 – Invenção ou Inovação?

Crédito: Andrey Burmakin/Shutterstock.

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Vamos pensar mais um pouco. Compare uma nova embalagem de leite e
um carro que voa: acha que ambos podem ser considerados inovações? Sim!
Apesar de tão diferentes, ambos podem ser inovações. O que muda é o tipo de
inovação, que pode ser incremental e radical.
Inovação radical é aquela que é considerada uma novidade tecnológica
ou mercadológica e que cria um novo mercado, podendo inclusive gerar uma
descontinuidade (disruption) do mercado existente (Tironi; Cruz, 2008).
Um exemplo clássico foi o surgimento do compact disc (CD). Quando ele
chegou, junto vieram outros produtos como aparelhos para tocá-lo, assistência
técnica para esses aparelhos, embalagens para acondicionar os CDs, que eram
totalmente diferentes dos discos de vinis em tamanho e forma, e até novas
formas de exposição desse produto nas lojas. Além disso, equipamentos como
rádios de carro, aparelhos de som, vídeos-cassetes ficaram obsoletos
rapidamente, tendo que ser substituídos por versões que possuíam o tocador de
CD.
Já inovação incremental é aquela que incorpora melhorias, por exemplo,
características técnicas, formas de uso, custos em produtos e processos que já
existem (Tironi; Cruz, 2008). Usando ainda nosso exemplo dos CDs, a inovação
radical do CDs gerou uma série de inovações incrementais, como rádios de
carros com tocador de CD. Ou seja, o rádio de carro já existia, apenas ganhou
um incremento, uma nova característica técnica. A essa altura você já deve ter
percebido o que o design tem a ver com inovação: simplesmente tudo.
Como Teece e Jorde (1990, p. 76) propõem, a inovação é a busca pela
descoberta, desenvolvimento, melhoria, adoção e a comercialização de novos
processos, produtos, estruturas organizacionais e procedimentos.
Complementando, Tálamo (2002, citado por Brito; Brito; Ledur, 2009) ensina que
a inovação se refere à disponibilização de uma novidade ao consumo em larga
escala.
Lembre-se de que anteriormente definimos design citando o autor Hsuan-
an (2017, p. 26): design é “uma atividade profissional que envolve toda criação
e desenvolvimento de produtos com fim de atender às necessidades da
população em favor de uma vida melhor e mais prazerosa”.
Observe as palavras em negrito nas duas definições, de inovação e
design, no Quadro 1 a seguir.

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Quadro 1 – Palavras-chave inovação e design

Inovação Design
Descoberta Criação
Desenvolvimento Desenvolvimento
Produtos Produtos
Consumo em larga escala Atender às necessidades da população

Assim sendo, design e inovação estão intimamente relacionados: para


inovar, você precisa do design e, em contrapartida, o design precisa ser
inovador. Lembrando, obviamente, que, quando falamos em produto, tanto em
inovação como em design, estamos falando não só de bens tangíveis, mas
também de serviços e de processos (virtuais ou não).
E porque é tão importante inovar?
Atualmente, com a concorrência entre as empresas cada vez mais
acirrada, os recursos intangíveis de uma empresa (que não podem ser
“tocados”), como a capacidade de inovação, têm sido apontados como uma fonte
de vantagem competitiva nas organizações que se destacam com bons
resultados. Isso porque, justamente por serem intangíveis, são difíceis de serem
imitados pelos concorrentes. Por isso, o lema é inovar, sempre.

TEMA 2 – INFLUÊNCIAS CULTURAIS

A palavra cultura pode ter muitos significados. Se formos ver a própria


origem da palavra, cultura vem do latim colo, que significa “cultivo” (Soares,
2011). Utilizamos até hoje a palavra cultura para nos referimos a certo tipo de
alimento. Por exemplo: “a cultura da batata necessita de temperaturas amenas”.
Isto é, o plantio da batata precisa de temperaturas não muito altas
Interessante notar que a palavra cultura pode ser usada no sentido de
conhecimento: quando se afirma que alguém possui “cultura”, isso quer dizer
que esse alguém tem um “conhecimento maior” do que o de outras pessoas, que
“estudou muito”, que teve acesso a uma “educação formal” (Soares, 2011).
Porém, a cultura também pode ser vista como a manifestação de um povo, em
determinada época. A cultura é construída historicamente, é dinâmica e se refere
a todos os aspectos da vida social dos seres humanos (Santos, 2017).
Georg Hegel, filosofo alemão, afirmava que a razão humana se manifesta
por meio das instituições religiosas, artísticas, científicas, sociais, políticas etc.

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Segundo ele, em cada tempo e lugar, essa razão se apresenta de uma forma
específica, modificando-se em um processo contínuo (Soares, 2011). Isso
significa que, por exemplo, no século passado, era comum homens se casarem
com meninas de 12 anos, mas hoje em dia isso seria considerado um absurdo.
Portanto, a cultura é dinâmica e relacionada ao contexto histórico.
Por exemplo, fazem parte da cultura de um povo as festas, as lendas, as
formas de se vestir, o tipo de alimentação, o idioma etc. Logo, aquela feijoada
tradicional, que sempre é servida nas quartas ou sábados, faz parte da nossa
cultura brasileira (Figura 2).

Figura 2 – Feijoada faz parte da cultura brasileira

Crédito: Paulo Vilela/Shutterstock.

Enfim, a cultura diz respeito à humanidade como um todo, mas, ao mesmo


tempo, a cada um dos povos, nações, sociedades e grupos humanos. Isso
porque todos pertencem a uma determinada cultura, porém, existem grandes
diferenças entre elas. Contudo, cada uma tem uma lógica interna em que,
somente a conhecendo, as práticas e costumes farão sentido (Santos, 2017).
Por exemplo, nos causará estranheza sentar em uma mesa de chineses e, no
final das refeições, eles arrotarem. Para eles, é algo normal, sinal de saúde. Já
para nós e uma tremenda falta de educação. Por isso, somente entendendo a
lógica interna que compreenderemos tais práticas.
As manifestações culturais, portanto, podem ser vistas como fenômeno
relacionado à construção das identidades dos povos nas sucessivas épocas

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históricas estudadas. Ainda, a cultura pode ser classificada em erudita, popular
e de massa, ou material e imaterial. Portanto, uma forma de se observar as
mudanças na sociedade é analisar as produções culturais de diferentes grupos
humanos ao longo do tempo (Soares, 2011).
Mas o que o design tem a ver com a cultura?
Assim como a arte, ele pode interferir na cultura refletindo-a de duas
maneiras (Monteiro, 2010):

• estabelecendo e aperfeiçoando padrões, definindo o que é de bom gosto”,


aceitável e desejável esteticamente (Monteiro, 2010). Por exemplo, nos
anos 1960/1970, era comum eletrodomésticos como fogões e geladeiras
serem vermelhos, amarelos e azuis bem clarinhos. No entanto, nas
décadas seguintes, eles mudaram para o bege, depois para o branco, e
hoje fazem sucesso em inox ou prata. Atualmente, até vemos alguns
coloridos, mas utilizados em um contexto vintage;
• confrontando-a, destruindo, recriando e alterando definições,
questionando as acepções de “bom”, “ruim”, “adequado”, privilegiando a
personalidade e a relevância (Monteiro, 2010). Um exemplo seria a
coleção Privilège, composta de banco e cadeira inspirados nos
“banquinhos de obra”, encontrados nos canteiros de obra da construção
civil (Sigaud, 2013), que vai de encontro ao luxo e ao padrão estético da
nossa atualidade.

Enfim, apesar de a cultura exercer um papel importante em como as


pessoas enxergam o mundo, o mesmo não pode ser dito de sua influência na
forma como produtos e inovações são concebidos. Antigamente, para um
designer industrial de produtos de massa, as diferenças culturais existentes
entre países eram significativas. Porém, hoje, essas diferenças são mais
percebidas nas relações entre as pessoas, na culinária e algumas preferências
estéticas (Weiner, 2017).
Isso significa que atualmente produtos bem-sucedidos são desenhados
com base nas atividades que exercem e não mais em diferenças culturais. Ou
seja, o design centrado nos consumidores está mudando para o design centrado
em atividades, em que a tecnologia indica a forma como o produto será
concebido e não mais as diferenças culturais entre consumidores de diferentes
países (Weiner, 2017).

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Segundo Weiner (2017), para alguns, essa homogeneização de produção
é perturbadora, pois diminui a importância das raízes históricas, rituais e
costumes na concepção de um produto. Já para outros, isso é apenas mais uma
das consequências da industrialização e do avanço da tecnologia.
Ou seja, é fato que a globalização está deixando o “mundo menor”, mais
íntimo, mais fluido. No entanto, conhecer a cultura do país para o qual seu
produto será destinado é imprescindível. A decisão estratégica de se opor ou
justamente se utilizar dessa cultura fica a critério de cada um de acordo com a
finalidade de seu projeto.

TEMA 3 – DESIGN E MEIO AMBIENTE

O grande desafio atual é planejar e fomentar o crescimento econômico


utilizando padrões sustentáveis, pois está mais do que provada a incapacidade
do planeta de lidar com o modelo econômico atual, fato que pode ser
comprovado por meio do aquecimento global, da desertificação e do
empobrecimento do solo, da destruição da camada de ozônio, da poluição da
água e da perda da biodiversidade (Gilwan; Petrelli; Gonçalves, 2015).
Assim sendo, o foco é buscar o “desenvolvimento sustentável”, processos
produtivos que usem os recursos naturais de maneira compatível para o bem de
toda coletividade. Nesse cenário, o design pode ser importante (Gilwan; Petrelli;
Gonçalves, 2015).
Portanto, a preocupação com o meio ambiente perpassa todos os setores
da sociedade, e não seria diferente com o design. Seja pensando no
desenvolvimento de produtos ou no desenvolvimento de campanhas de
conscientização, o design tem papel fundamental nessa luta.
Segundo a designer holandesa Babette Porcelijn, em entrevista à revista
Casa e Jardim:

Projetar significa criar soluções para um problema social. Como


designers, somos treinados para deixar de lado soluções existentes e
começar do zero. Estamos acostumados a investigar minuciosamente
os problemas e a ter ideias disruptivas, de preferência em cooperação
com cientistas. Nos dias de hoje precisamos dessas habilidades para
criar uma sociedade que tenha impacto mais restaurador do que
prejudicial no meio ambiente. O design precisa ser ecopositivo
(Gonçalves, 2019).

Nesse contexto, surge o ecodesign, utilizado pela primeira vez por Victor
Papaneck, que afirma que o design deve trabalhar em prol da diminuição do

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impacto do ser humano no planeta. Conhecido também como “ecoconcepção”,
tem por objetivo manter as qualidades de uso do produto como funcionalidade e
desempenho, melhorando a qualidade de vida dos usuários, mas, ao mesmo
tempo, reduzindo o impacto que esses mesmos produtos causam no meio
ambiente.
Por exemplo, o designer gráfico pode também contribuir com esta luta ao
trocar o uso do papel branco pelo reciclável, diminuindo o corte de árvores, as
emissões de metano e gás carbônico, agressões ao solo e à água. Ele também
deve evitar aditivos e acabamentos que causem emissões tóxicas, como aqueles
que utilizam toluenos nos produtos e vernizes, CFC nos sistemas que
transformam o plástico em espuma. Utilizar tintas para flexografia à base de
água, que possuem baixos teores metais pesados como chumbo, mercúrio,
arsênio etc. é uma medida importante. Outra sugestão é usar a tinta offset à base
de óleo de soja, inclusive na composição de tintas de impressão para
embalagens, visto que o chumbo, o mercúrio, o cromo, o cádmio, o berílio e o
vanádio são cancerígenos e neurotóxicos (Gilwan; Petrelli; Gonçalves, 2015).
Cavalcanti et al. (2012) afirma, que o meio ambiente é tão importante
quanto outros fatores como a execução do produto em si, o controle dos custos
e a demanda do mercado. Contudo, para que o ecodesign funcione, as empresas
precisam mudar sua mentalidade de desenvolvimento de produtos, se
preocupando inclusive com todas as fases do ciclo de vida de um produto 1, da
introdução até seu declínio, criando um processo cooperativo com todos os
atores (stakeholders) envolvidos (Cavalcanti et al., 2012).
No entanto, indo contra essa boa maré, temos o green washing (Figura 3)
ou lavagem verde, que é um tipo de propaganda enganosa, quando uma
empresa se diz “amiga do meio ambiente”, mas na verdade não o é. De acordo
com o site ECycle, a intenção do green washing é dar uma imagem de empresa
defensora do ambiente, quando efetivamente nada fazem para minimizar os
problemas ambientais, ou pior ainda, praticam ações que vão impactar nela
negativamente.
Veja o exemplo fornecido por Ribeiro e Epaminondas (2016) do caso do
sabão em pó Amazon H2O. Além do nome relacionado à nossa importante
floresta, da embalagem verde e com imagens da natureza, ele se denomina

1Os produtos, assim como os seres vivos, têm um ciclo de vida: nascem (fase da introdução no
mercado), crescem (fase de crescimento e maturidade) e morrem (fase de declínio do produto).
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sabão em pó ecológico. Inclusive, há na embalagem a frase “preserve a água do
nosso planeta”, porém, não há nenhuma explicação sobre o que o produto ou
empresa realmente fazem para contribuir com a preservação do meio ambiente.

Figura 3: Greenwashing – “pintar de verde”

Crédito: Bruno23/Shutterstock.

Enfim, segundo Papanek (1995, citado por Silva; Braun; Goméz, 2008, p.
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o design deve ser a ponte entre as necessidades humanas, cultura e


ecologia, intervindo nos seus ciclos de emissão de poluição referentes
à sua atividade profissional: na escolha do material, no processo
produtivo, na embalagem, no produto final, no transporte do produto e
no seu descarte.

TEMA 4 – BIOMIMÉTICA

Já no século XV, o famoso Leonardo da Vinci, admirador e exímio


observador da natureza, buscava nela inspiração para realizar suas invenções.
Por exemplo, a sua máquina de voar (Figura 4), uma percursora de nossos
aviões, foi inspirada nas asas de um morcego.
A biomimética busca justamente isso: inspiração na natureza. Trata-se de
uma área que estuda os princípios criativos e estratégicos da natureza, visando
à criação de soluções para os problemas atuais da humanidade, unindo
funcionalidade, estética e sustentabilidade (Biomimética..., 2019).

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O termo biomimética foi criado nos anos 1950 pelo engenheiro da força
aérea estadunidense major Jack. E. Steele (Detanico; Teixeira; Silva, 2010). Um
exemplo muito conhecido da biomimética é o velcro. O engenheiro George de
Mestral, após perceber que os carrapichos ficavam grudados em seu cachorro,
analisou as sementes no microscópio e percebeu que ela tinha filamentos
entrelaçados com pequenos ganchos nas pontas. Foi assim que ele criou o
velcro (Figura 5) (Biomimética..., 2019).

Figura 4 – Máquina de voar criada por Leonardo da Vinci

Crédito: Kim Jihyun/Shutterstock.

Segundo Benyus (1997, citado por Detanico; Teixeira; Silva, 2010), a


biomimética usa a natureza como:

• um modelo: ao estudar a natureza e usá-la como inspiração para resolver


problemas da humanidade;
• uma medida: ao usar a natureza como padrão para julgar a relevância e
validade das inovações, pois a natureza é sábia em relação ao que
funciona, o que é apropriado e o que perdura;
• um mentor: ao não só se preocupar com o que podemos extrair da
natureza, mas também o que podemos aprender com ela.

Figura 5 – Carrapichos que originaram o velcro

Créditos: Anna Rogalska/Shutterstock; Stocksnapper/Shutterstock.

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Vamos então refletir, fazendo um “gancho” com o tema anterior. Nem todo
uso da biomimética é sustentável. O próprio exemplo do velcro, apesar de
inspirado na natureza, utiliza materiais sintéticos que são produtos de difícil
decomposição. Por isso, o designer deve se preocupar com todo o processo,
não só com a ideia em si.

TEMA 5 – ÉTICA NO DESIGN

Em que momento um designer deve ser ético? Já pensou sobre isso?


Antes disso, vamos entender bem o que é ética. Por exemplo, você sabe a
diferença entre moral e ética?
Moral são as normas, os princípios e os valores que regem a vida social
e individual das pessoas. Já a ética é uma reflexão sobre a moral, se os
princípios que regem a moral são realmente bons e se estão de acordo com o
bem (Moser et al., 2019). Ou seja, a moral tem mais a ver com a sociedade, com
o que é considerado certo e errado pelas pessoas. Já a ética se relaciona com
o indivíduo, o seu caráter, inclusive a ética pode questionar a moral vigente.
Por exemplo, existem leis (a moral) que permite que certos setores façam
testes de produtos em animais. Porém, é eticamente aceitável? Podemos dizer
que moral tem mais a ver com as leis, e ética, com o caráter. E quando um
designer deixa de ser ético? Vamos levantar algumas questões de ética dos
principais segmentos do design.
Em relação a um designer gráfico, ele não está agindo eticamente quando
“copia” fontes, fotos, vetores e ícones sem pagar por isso ou ao menos pedir
autorização. Também quando um designer gráfico faz anúncios de produtos que
fazem mal à saúde ou enganam a população, ou ainda, faz a diagramação de
um livro com ideias nazistas, por exemplo, ele está infringindo a ética (Fratin,
2011).
E o pessoal do entretenimento? Precisa também se preocupar com a ética
ou tudo é somente uma “brincadeira”? Exatamente por muitas vezes trabalhar
com o público jovem e infantil, tanto os designers de games como os de
animação precisam sim, e muito, se preocupar com questões éticas.
Reis (2017) faz uma importante reflexão sobre a ética e o game designer
ao apresentar sete princípios éticos para game designer. Um desses princípios
que chama atenção é sobre os perigos que um jogo pode apresentar.
Lembra-se dos acidentes que o Pokemón Go causou a jogadores distraídos
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caçando as personagens pela rua? Para evitar isso, o designer deve considerar
as situações mais inimagináveis de uso porque os jogadores podem fazer
bizarrices e colocar sua vida em perigo.
Outra questão pontuada é sobre incentivar os jogadores a fazerem
pausas. Em alguns países da Ásia, os jovens passam muitas horas do dia
jogando e muitos estabelecimentos adotaram o Cooling Off (relaxada). É uma
mensagem que aparece na tela dizendo: “Ei, cara, você já está há 4 horas
jogando sem parar. Não é melhor levantar, esticar as pernas, tomar uma
água?”. Obviamente, pode ser que os jogadores simplesmente ignorem, mas é
dever do designer tentar evitar que o entretenimento que ele ajudou a criar deixe
as pessoas isoladas e sedentárias (Reis, 2017).
Por sua vez, os designers de animação também precisam refletir sobre
essas questões. Isso porque muitas vezes seu trabalho vai impactar diretamente
nas crianças. Como Rossi (2017) afirma que não se deve educar as crianças em
mundos irreais de paz e alegria infinitas, mas sim que eles tenham contato com
um mundo mais real, pois é nesse mundo que elas vão viver. Contudo, isso não
quer dizer que as animações devem conter comportamentos violentos e/ou
sexistas. Como diria Wall Disney, se podemos sonhar, também podemos tornar
nossos sonhos realidade. Portanto, os desenhos animados, por exemplo, podem
servir para ajudar a criança com noções de moral, senso crítico, o que é certo e
errado e a consequência de comportamentos inadequados (Rossi, 2017).
E os designers de ambiente: quais questões éticas devem considerar?
Por exemplo, a Associação Brasileira de Designers de Interiores – ABD tem um
código de ética que traz vários pontos importantes. Um desses pontos abordados
é uma prática bem comum, inclusive entre arquitetos e engenheiros, de apenas
assinar algo que outro profissional fez. Segundo esse código, o designer deve
usar seu nome ou assinatura somente em projetos que realmente participou.
Outro tema abordado é sobre a “reserva técnica”. Segundo o código, o designer
sempre:

Informar ao cliente, de forma clara e inequívoca, antes de iniciar a


prestação de serviços, sobre como será a remuneração dos trabalhos
a serem prestados pelo seu escritório, incluindo remuneração por
terceiros (ou indiretas) – tais como reserva técnica, alcance do projeto,
serviços a serem executados por terceiros e assessoria para aquisição
dos produtos e serviços, e implantação do projeto [...]

A reserva técnica (RT) é uma comissão paga aos designers pelas lojas e
fornecedores indicados por eles para os clientes. Trata-se de um assunto bem
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polêmico, pois alguns veem sua prática como uma espécie de “propina” e outros
acham que é uma cobrança justa, pois o trabalho de “garimpar” e especificar os
produtos é todo do designer, cabendo ao vendedor apenas tirar o pedido, logo,
seria justo remunerar o designer por seu trabalho. Discussões à parte, como o
código sugere, deve haver transparência quando houver a cobrança (ABD,
2019).
A Associação dos Designers de Produto – ADP também possui um código
de ética em que, entre outras coisas, comenta que um designer não deve
desenvolver um projeto para empresas concorrentes ao mesmo tempo, deve ser
comprometido com o sigilo e fazer serviços exclusivos. Nesse mesmo código,
ainda há uma seção inteira sobre o meio ambiente, algo bem importante tratado
nos temas anteriores (ADP, 2004).
Como Gonzalez (2018) ensina, quando alguém escolhe ser um designer,
essa pessoa vai causar impacto na vida das pessoas por meio de seu trabalho,
logo, poderá ajudar ou prejudicar alguém. Portanto, é necessário refletir que
impacto seu produto vai causar na sociedade, pois o designer é responsável pelo
o que ele coloca no mundo.

TROCANDO IDEIAS

Leia o trecho de artigo a seguir.

Eco-friendly Branding X Greenwashing

Segundo uma pesquisa conduzida pelo aplicativo de cupons


Retail.Me.Not, muitos consumidores declaram que encontram entraves para se
tornarem eco-friendly devido ao custo acentuado dos produtos e serviços. Além
disso, muitos consumidores acreditam, que por ser eco-friendly, o produto já é
naturalmente mais caro, o que afasta compradores que muitas vezes nem
chegam a checar o produto durante a compra, devido a uma espécie de pré-
conceito.
A pesquisa também afirma que 3 a cada 5 indivíduos entrevistados
comprariam um produto mais caro se houvesse uma economia de custos a ele
associados. Além disso, muitos se mostram mais propensos a comprarem de
empresas que demonstram ter iniciativas eco-friendly apoiando instituições ou
organizações de proteção ao meio ambiente.

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Outro fato interessante apontado pela pesquisa é que 89% dos
consumidores já praticam, no dia a dia, ações voltadas à preservação do meio
ambiente e da sustentabilidade, tais como redução da geração de lixo,
desperdício e reciclagem. Por isso, nenhuma marca precisa incentivar a ideia de
ser eco-friendly. O desafio das marcas nesse sentido é o de viabilizar uma forma
para que esse estilo de vida se torne possível para mais e mais pessoas. [...]

Fonte: O MUNDO gira em torno do sol. Por que não sua energia? Engie. Disponível em:
<https://blog-solar.engie.com.br/eco-friendly-branding-responsa
bilidade-ambiental/>. Acesso em: 18 ago. 2019.

Reflita e pense em como as empresas podem mudar essa visão e resolver


esse desafio.

NA PRÁTICA

Como você viu, nem todos que usam a biomimética se preocupam


realmente com o impacto que seus produtos causarão no meio ambiente.
Portanto, proponho a você pesquisar dois outros exemplos em que a biomimética
foi utilizada: um que tenha um impacto negativo e outro positivo no meio
ambiente.

FINALIZANDO

Daqui para frente, além de aprender coisas novas, você vai aprofundar
muitos conceitos que aprendeu nesta disciplina. Espero que, um pouco que seja,
estas aulas tenham contribuído para tornar você um profissional melhor, mais
competente, mas crítico, mais reflexivo, e sobretudo mais ético, pois estamos
precisando urgentemente de mais profissionais éticos na nossa sociedade.

REFERÊNCIAS

ABD – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DESIGNERS DE INTERIORES. Código


de ética. Disponível em: <https://abd.org.br/codigo-de-etica>. Acesso em: 18 ago.
2019.

ADP – ASSOCIAÇÃO DOS DESIGNERS DE PRODUTO. Código de ética


profissional do design de produto. Disponível em:

15
<http://turmadod.com/alunos/downloads/4s2010_2/etica_legislacao/Codigo_de_
Etica_Design_Produto.pdf>. Acesso em: 18 ago. 2019.

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<https://www.ecycle.com.br/1504-biomimetica>. Acesso em: 18 ago. 2019.

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DETANICO, F. B.; TEIXEIRA, F. G.; SILVA, T. L. K. da A biomimética como


método criativo para o projeto de produto. Design e tecnologia, v. 1, n. 2, p. 101-
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FRATIN, R. A ética do designer. Designices, 12 jul. 2011. Disponível em:


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sustentabilidade: uma reflexão. MIX Sustentável, v. 1, n.1, p. 69-75, 2015.

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