Você está na página 1de 22

A FESTA MAIOR DOS TERREIROS:

dossiê
Divino e Mina em São Luís (Maranhão)

João Leal

Resumo Abstract
Este artigo aborda as Festas do Divino Es- This paper is focused on the Holy Ghost
pírito Santo que se realizam em terreiros festas that take place in Tambor de Mina
de Tambor de Mina em São Luís do Mara- cult houses in São Luís (Maranhão). After
nhão. Apresenta aspectos históricos e et- a historical and ethnographical presenta-
nográficos dessas festas, e procura mos- tion of the festas, it seeks to show how
trar como são as maiores dos terreiros, ca- they can be viewed not only as the most
pazes de os abrir para além do círculo important festas in Tambor de Mina cult
mais restrito dos seus frequentadores ha- houses but also as the festas which open
bituais. Depois de passar em revista os them to a larger audience. After present-
dispositivos rituais sobre os quais assenta ing the more relevant ritual tools for this
esse estatuto das Festas do Divino, tenta status of the festas, the paper addresses
caraterizar algumas das dimensões sociais some of its social and political dimen-
e políticas dessa abertura realizada pelas sions. The final section of the paper dis-
festas. A secção final do artigo revisita a cusses the importance of syncretism in
discussão sobre a importância do sincre- Tambor de Mina. It is suggested that, be-
tismo no Tambor de Mina. Nela, sugere-se sides the more structural and historical
que este, para além das razões de ordem reasons that have been addressed by avail-
estrutural e histórica que têm sido traba- able anthropological literature, the syn-
lhadas na literatura antropológica, depen- cretic profile of Tambor de Mina should al-
de também de razões mais localizadas e si- so be explained through more localized
tuadas no presente, entre as quais se en- and present oriented reasons, such as the
contra justamente o estatuto das Festas do ones addressed in this paper.
Divino como festa maior dos terreiros.

Palavras-chave Keywords
Festas do Divino. Tambor de Mina. Religiões Holyghostfestas. Tambor de Mina. Afro-bra-
afro-brasileiras. Sincretismo. Maranhão. zilian Religions. Syncretism. Maranhão.

105
1 Introdução traço importante do Tambor de Mina. Traba-
lhando sobre a Casa Fanti Ashanti, Barretto
O quadro sincrético em que opera o (1977), depois de uma aproximação guiada
Tambor de Mina em São Luís (Maranhão) por pressupostos africanistas, acabou mais
está bem estabelecido. Embora alguns dos tarde por sublinhar a dimensão sincrética –
primeiros estudos – focados em particular ou de “síntese” – do Tambor de Mina (1987,
na Casa das Minas – se tenham concentra- p. 180). Foi, entretanto, na obra de Sérgio
do exclusivamente nas suas raízes africa- Ferretti que esse argumento se tornou mais
nas (PEREIRA, 1979), outros privilegiaram relevante. Na sua pesquisa de longa duração
a sua natureza sincrética. É este o caso do sobre a casa “mais africana” de São Luís – a
livro de Eduardo dedicado ao estudo com- Casa das Minas –, Sérgio Ferretti fez de facto
parativo dos processos de “integração cul- do sincretismo o seu quadro analítico de re-
tural” (1948, p. 1) de grupos afrodescenden- ferência. No seu primeiro livro – Querebantã
tes em Santo António dos Pretos (Codó) e de Zomadônu. Etnografia da Casa das Minas
São Luís. Orientando de doutorado de Mel- (FERRETTI, S., 2009) –, esse quadro não foi
ville Herskovits, Octávio Eduardo trabalhou ainda objeto de tematização sistematizada. A
a partir do conceito de “aculturação”, tal informação apresentada indicava já, entre-
como este estava então a ser tematizado tanto, a importância da articulação entre o
por Herskovits (LEAL, 2011). Embora uma Tambor de Mina e conceções e rituais prove-
das conclusões principais do seu livro su- nientes do catolicismo. Foi no seu segundo
blinhe a maior importância da aculturação livro – Repensando o Sincretismo – que Fer-
em Santo António dos Pretos (um contex- retti, S. (1995) tematizou de forma mais ar-
to rural) comparativamente a São Luís (um gumentada o sincretismo, fazendo dele uma
contexto urbano), Eduardo foi, entretanto, espécie de “gate keeping concept” (FARDON,
sensível à importância dos processos de 1999) do Tambor de Mina. Depois de uma
aculturação em São Luís, nomeadamente parte inicial consagrada ao tratamento do tó-
os relativos ao Tambor de Mina. pico na literatura antropológica, Ferretti de-
Depois destas primeiras aproximações – dicou a segunda parte do livro a uma revisita
datadas dos anos 1940 –, o Tambor de Mina sistemática, à luz do conceito de sincretismo,
só voltou de novo a suscitar a atenção dos dos principais rituais da Casa das Minas.
antropólogos a partir de final dos anos 1970, Um dos argumentos etnográficos mais
por intermédio dos estudos de Barretto (1977, recorrentes na tematização da natureza sin-
1987), de Santos e Santos Neto (1989) e, so- crética do Tambor de Mina prende-se com a
bretudo, por intermédio da extensa obra de importância que as Festas do Divino Espíri-
Ferretti, S. (1995, 1999, 2001, 2009) e de Fer- to Santo (ou, como são mais conhecidas, as
retti, M. (2000, 2009). Nesta nova vaga de Festas do Divino) têm no Tambor de Mina.
estudos, as origens africanas do Tambor de É certo que os autores que mais trabalha-
Mina voltaram a ser exploradas, tanto mais ram a dimensão sincrética do Tambor de
que Pierre Verger (1990) tinha anteriormente Mina procedem a uma listagem abrangente
insistido nas origens reais – a partir do anti- das conceções e rituais que fundamentam
go Daomé – da Casa das Minas. Mas um dos essa sua percepção. Mas, tanto em Eduar-
seus aspectos mais relevantes foi, mais uma do como em Ferretti, S. o espaço da de-
vez, o reconhecimento do sincretismo como monstração da importância do sincretismo

106 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


no Tambor de Mina é, sobretudo, ocupado S. (2009, p. 44), a propósito da Casa das
pelas Festas do Divino. Assim, na aborda- Minas, tinha também escrito que “o pro-
gem que faz aos processos de aculturação cesso de aproximação das pessoas de fora
no domínio religioso, Eduardo consagra [à Casa] ocorre principalmente durante as
quatro páginas às festas, em confronto com festas, em particular durante a festa do Di-
o tratamento mais sintético dado a outros vino” e mais tarde voltou a vincar o pa-
rituais e crenças em que o sincretismo seria pel das Festas do Divino como “forma de
evidente. De igual modo, Ferretti, S. reserva abertura dos terreiros de Mina à sociedade
às Festas do Divino um lugar estratégico envolvente” (FERRETTI, S., 1995, p. 187).
na exploração da dimensão sincrética da Retomado por outros autores (GOUVEIA,
Casa das Minas. Não é, por isso, de admirar 2001) é este estatuto das Festas do Divino
que uma parte significativa da sua produ- que este artigo procurará trabalhar de for-
ção mais avulsa – sob a forma de artigos, ma mais sistemática.
apresentações em conferências, etc. – seja Nele, começarei por apresentar a im-
justamente ocupada pelas Festas do Divino portância que as Festas do Divino assu-
em terreiros de Mina. mem no Tambor de Mina, tanto do ponto
O objetivo deste artigo é justamente ex- de vista histórico, como na atualidade. A
plorar a importância que as Festas do Di- partir deste quadro genérico, procurarei
vino ocupam nos terreiros de Tambor de identificar os principais dispositivos ritu-
Mina, em São Luís. Na sua base, está uma ais sobre os quais assenta esse estatuto das
pesquisa de campo conduzida em 2011 e Festas do Divino como festas maiores dos
2012, em São Luís. Essa pesquisa contem- terreiros. Tentarei de seguida propor uma
plou várias festas, mas focou-se, em parti- aproximação à “morfologia social” dessa
cular, nas Festas do Divino realizadas em abertura promovida pelas Festas do Divino
cinco terreiros: Casa das Minas (Centro), e ao papel que nela têm diferentes redes de
Casa Fanti Ashanti (Cruzeiro do Anil), Ter- relacionamento centradas nos terreiros. A
reiro Fé em Deus (Sacavém), Terreiro de secção final do artigo propõe um regresso
São Sebastião (Angelim) e a Casa Ilê Ashe ao tópico do sincretismo. Nela, sugiro que
Obá Izô (Liberdade). O que procurarei evi- a explicação do sincretismo do Tambor de
denciar, ao longo do artigo, é que a impor- Mina, para além das razões mais estrutu-
tância das Festas do Divino nestes e nou- rais e históricas que têm sido trabalhadas
tros terreiros deriva em grande medida do na literatura antropológica, deve ser tam-
lugar que elas ocupam na economia ritual bém procurada em razões mais localizadas
do Tambor de Mina, onde são vistas não e situadas no presente, entre as quais se en-
como mais uma festa – ou como uma fes- contra justamente o estatuto das Festas do
ta qualquer –, mas como a festa maior dos Divino como festa maior dos terreiros.
terreiros e aquela em que as casas de Mina
se abrem mais para o exterior. Este pon- 2 As Festas do Divino
to foi anteriormente sublinhado por vários
autores que pesquisaram sobre o Tambor de O peso que, na literatura sobre o Tambor
Mina ou sobre Festas do Divino. Santos e de Mina, ocupam as Festas do Divino refle-
Santos Neto (1989, p. 100) sublinharam a te a sua grande importância na maioria dos
“natureza comunitária” das festas. Ferretti, terreiros de São Luís. A informação histórica

A festa maior dos terreiros 107


a esse respeito, embora lacunar, permite ates- alidade, volta a ser possível dispor de da-
tar a sua continuada relevância entre finais dos mais significativos, graças ao cadastro
do século XIX e os anos 1940. De facto, as organizado em 2009 pela Superintendência
primeiras festas de terreiro terão surgido en- da Cultura Popular da Secretaria Estadual
tre meados do século XIX (Casa das Minas) e da Cultura do Maranhão (LEAL, 2012).2
as primeiras décadas do século XX (Casa de De acordo com esses dados, o número
Nagô).1 Mas possivelmente outros terreiros, total de Festas do Divino em São Luís seria
entretanto, desaparecidos – e relativamente de 79, das quais cerca de 2/3 – isto é, um
aos quais não resta memória oral – fariam total de 61 – são promovidas por terreiros
também já festa nesse período. O número de de Tambor de Mina (51) ou de Umbanda
Festas do Divino em terreiros parece ter con- (10) (gráfico 1). As restantes 17 resultam de
tinuado a crescer de tal forma que, nos anos promessas ou devoções de pessoas indivi-
1940, o estudo de Octávio Eduardo sugere duais. O caráter recente da maioria dessas
que elas teriam já lugar em um número sig- festas deve ser sublinhado. Como decorre
nificativo de casas de Mina de São Luís. do gráfico 2, até aos anos 1970 existiam
apenas 20 festas. Nos anos 1970 e 1980 –
provavelmente em resultado da implemen-
Gráfico 1 - Tipo de festas tação de políticas de cooptação patrimonial
e apoio financeiro às festas por parte da Se-
cretaria Estadual da Cultura –, o número de
festas mais que duplica: de 20 para 47. Mas
a década de maior crescimento é a década
de 1990, com um total de 19 novas festas,
número que cai – de acordo com razões que
merecem um maior aprofundamento – para
12 nos anos 2000.
Nos terreiros de Tambor de Mina, as
festas distribuem-se por dois grupos princi-
pais: a) festas cuja referência católica é ex-
clusivamente o Espírito Santo – a maioria
A partir da pesquisa de Eduardo, o das festas que têm lugar no Pentecostes – e
acompanhamento da progressão das festas b) festas cuja referência católica é simul-
em terreiros de Tambor de Mina não pode taneamente o Espírito Santo e uma santa
ser feito com segurança. Mas, para a atu- (ou santo, ou invocação de Nossa Senho-

1. O surgimento da Festa do Divino na Casa das Minas é, geralmente, localizado em meados do século
XIX. Quanto à Festa do Divino na Casa de Nagô teria surgido em 1920 (CARDOSO JR., 2001, p. 119).
2. Esse cadastro está associado a uma política estadual de cooptação patrimonial e apoio financeiro às fes-
tas, à qual terei ocasião de regressar mais à frente. Essa política envolve o registo anual de pedidos de fi-
nanciamento, a partir do qual foi organizado, em 2009, por Beatriz Pimentel, um cadastro mais completo
de Festas do Divino no Maranhão. Tendo-me dado conta do carácter incompleto de alguma informação do
cadastro, recolhi, em 2011, informação oral adicional sobre mais de metade das festas constantes do ca-
dastro. Para mais detalhes sobre o cadastro, ver Leal (2012).

108 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


ra) – celebradas maioritariamente ao lon- durante a festa, opera como um dos princi-
go do restante ciclo anual (gráfico 3). No pais focos rituais das festas. Para além da
meu diário de campo, chamei as primeiras coroa e do pombo, o Espírito Santo é ainda
de “Festas do Divino só” e as segundas de representado por uma bandeira vermelha,
“Festas do Divino e/com” (exemplo: “Fes- com a pomba do Espírito Santo bordada a
ta do Divino e Santana”, “Festa do Divino branco. Na festa, desempenha também um
com São Luís”). papel central o mastro, cujo buscamento,
levantamento e derrubamento assinalam
o início e o termo da fase mais densa dos
Gráfico 2 - Décadas de criação das Festas do Divino
festejos. O mastro – ora pintado, ora pro-
fusamente decorado com murta, frutas e
refrigerantes – é geralmente encimado por
um mastaréu, também decorado com uma
pomba ou com uma coroa. E tanto um como
outro têm um padrinho e uma madrinha,
chamados a desempenhar um papel ritual
importante nas sequências que o envolvem.
Ao mesmo tempo que sinaliza o local dos
festejos, o mastro é também considera-
do “a morada do Divino durante a festa”
(BARBOSA, 2006, p. 34) e surge associado
a outras representações religiosas. Tratado
Independentemente destas variações, as por “Manoel da Vera Cruz”, é assimilado a
Festas do Divino apresentam um script ritu- Jesus Cristo e, referido por “Oliveira”, é vis-
al relativamente constante, caraterizado por to como a representação da árvore em que
alguns traços recorrentes. O primeiro tem pousou a pomba que anunciou a Noé o fim
que ver com a sua articulação com modali- do Dilúvio (SILVA, 1997, p. 34).
dades de representação múltipla do Espírito
Santo, marcadas por uma óbvia iconofilia.
Gráfico 3 - Distribuição das Festas do Divino
A forma de representação principal do Espí-
ao longo do ano
rito Santo é a coroa (ou Santa C’roa), uma
coroa em latão decorada (ou mais raramen-
te em prata) encimada pela pomba do Espí-
rito Santo e acompanhada de um cetro. Em
muitos terreiros, o Espírito Santo é ainda re-
presentado por um pombo de madeira (ge-
ralmente pintado de branco) e, no caso das
“Festas do Divino e/com” aos símbolos do
Espírito Santo, acrescenta-se uma pequena
estátua do santo (ou santa ou invocação de
Nossa Senhora) que é homenageado(a) no
decurso da festa. Estas imagens são insta-
ladas na tribuna, ricamente decorada, que,

A festa maior dos terreiros 109


O segundo traço relevante do script ritu- e acompanhamento musical das festas.4 Em
al das festas prende-se com a importância particular, é sobre elas que repousa o en-
que nelas têm os Impérios. Esta designação cargo de homenagear e louvar o Espírito
aplica-se a um conjunto de crianças e ado- Santo e – no caso das “Festas do Divino e/
lescentes de ambos os sexos que ocupam os com” – o Espírito Santo e a santa (ou santo
cargos rituais de mais destaque nas festas: ou invocação de Nossa Senhora) celebrada
imperador e imperatriz, mordomo e mor- em conjunto com o Divino. Em muitos ou-
doma régio(a), mordomo e mordoma mor e tros lugares do Brasil (e também nos Açores
mordomo ou mordoma celeste (ou mordo- e na diáspora açoriana na América do Nor-
mo ou mordoma de linha). Estes cargos são te (LEAL, 1994, 2009), as Festas do Divino
bancados – isto é, patrocinados e pagos – reservam um papel de grande destaque a
por adultos, geralmente (mas não exclusi- formas de acompanhamento musical – ge-
vamente) pais ou outros parentes próximos ralmente a cargo de folias –, mas só no Ma-
dos meninos e meninas. Os Impérios, que ranhão é que estes desempenhos rituais são
podem ser vistos como uma espécie de “mo- assegurados por mulheres.
narquia em miniatura”, vestem ricos trajos Finalmente, a própria sequência ritual
de gala inspirados em trajes de corte e sen- das festas apresenta uma certa regularida-
tam-se na tribuna em várias sequências- de. O seu início é assinalado pela abertura
chave das festas.3 Embora haja exceções, da tribuna. Esta tinha tradicionalmente lu-
o desempenho destes cargos é geralmente gar no sábado de Aleluia, mas hoje em dia
plurianual: a criança escolhida começa no ocorre um mês a quinze dias antes da data
cargo mais baixo e vai gradualmente su- da festa. Mas é cerca de dez a oito dias antes
bindo até ao cargo mais alto. Para além do dia da festa que começa o período mais
dos Impérios, outras crianças e adolescen- intenso e mais importante das celebrações.
tes são geralmente associadas aos festejos, Este período inicia-se com o buscamen-
desempenhando os cargos de bandeireiro – to do mastro, transportado para o terreiro
que transporta a bandeira vermelha do Di- por intermédio de um cortejo, geralmente
vino – e bandeirinhas – geralmente quatro muito concorrido, que decorre num regis-
ou mais – ou representando as três virtudes to de folguedo: para além das caixeiras, é
teologais: Fé, Esperança e Caridade. Muitas geralmente contratada uma pequena banda
festas têm também um mestre-sala, mas – a que toca músicas carnavalescas, as pesso-
par dos Impérios – o outro grupo de perso- as dançam, circulam bebidas alcoólicas e
nagens mais importante das festas são as são de regra as brincadeiras e chistes que
caixeiras: grupos de oito ou mais mulheres exploram as conotações sexuais do mastro
– dirigidas por uma caixeira régia – que, (tratado frequentemente por “pau”). Termi-
por intermédio de cânticos acompanhados nado o buscamento do mastro – ou alguns
pelas caixas, são responsáveis pela direção dias depois –, tem lugar o seu levantamen-

3. A expressão “monarquia em miniatura” é tomada de empréstimo de Brown (2003, p. 34), que a usou,
entretanto, na análise de um contexto ritual distinto: os cabildos de nación afro-cubanos oitocentistas.
4. Ver Barbosa (2006), Gouveia (2001), Pacheco, Gouveia e Abreu (2005).

110 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


to, que é dirigido pelas caixeiras e é ante- Segue-se um período de nova acalmia
cedido pelo seu batismo, protagonizado pe- dos festejos, marcado pela realização di-
los padrinhos do mastro e do mastaréu. No ária de alvoradas junto à coroa, a cargo
termo deste ritual, realiza-se uma alvorada das caixeiras. Alguns terreiros realizam
junto à coroa, seguido de um jantar para os também as visitas dos Impérios, em que
Impérios, caixeiras e outros convidados. No estes são ritualmente visitados em suas
exterior do terreiro – onde estão geralmen- casas por um cortejo dirigido pelas cai-
te à venda cerveja, refrigerantes e comidas xeiras.5 Por vezes, no dia imediatamente
várias –, pode simultaneamente decorrer anterior à festa – geralmente um sábado
uma radiola de reggae, ou a atuação de um – tem também lugar uma seresta, anima-
bloco afro, eventos que geralmente juntam da por improvisados DJs ou por música
centenas de pessoas. de percussão.

Foto 1 - Levantamento do mastro. Casa Fanti-Ashanti 2011 (foto do autor)

5. Hoje em dia, alguns terreiros deixaram de realizar o roubo dos Impérios ou – como a Casa das Minas –
realizam a visita dos Impérios no interior do próprio terreiro.

A festa maior dos terreiros 111


Quanto ao dia da festa, compreende, para um cortejo conduzido pelas caixeiras e inte-
além da alvorada, um conjunto diversifica- grado pelos Impérios procede à sua recupera-
do de outros rituais. Entre eles, destaca-se ção. No final da tarde – anunciando já o termo
a ida à missa dos Impérios, seguida de um dos festejos –, tem lugar o derrubamento do
cortejo dirigido pelas caixeiras. Esta missa mastro, a cargo das caixeiras e envolvendo de
realiza-se geralmente numa igreja situada novo os padrinhos e as madrinhas do mas-
perto do terreiro, mas, contrariamente ao tro e do mastaréu. Tal como o buscamento e
que sucede noutros lugares (no Brasil, mas o levantamento do mastro, o derrubamento
também nos Açores ou entre a diáspora aço- do mastro beneficia não só de uma presença
riana na América do Norte), não envolve – a significativa de participantes e espectadores
não ser em casos excecionais – a coroação como decorre num registo de folguedo. Mas
dos Impérios. Quando muito – e dependendo a sequência ritual mais importante desse dia
da vontade do padre que celebra missa –, – e um dos rituais mais importantes das Fes-
a coroa é colocada no altar e, no final da tas do Divino – é constituído pelo repasse das
missa, tanto a coroa como os Impérios são posses e pelo encerramento da tribuna. Diri-
benzidos com água benta. Uma vez de re- gido pelas caixeiras, o ritual – com uma forte
gresso ao terreiro, as crianças e adolescentes carga emocional – começa pelo repasse das
dos Impérios são cerimonialmente sentados posses (trajes e outros adereços cerimoniais)
na tribuna – onde recebem as homenagens entre as crianças e adolescentes dos Impérios,
das caixeiras – e, terminado este ritual, tem acompanhado da sua investidura nos cargos
lugar o almoço dos Impérios, com bolos, do- que desempenharão no ano seguinte. Uma
ces e pratos vários (carne assada, galinha, vez terminado o repasse das posses, segue-se
empadão, saladas). Geralmente, segue-se o o encerramento da tribuna – uma das sequ-
almoço das caixeiras e, depois deste, tem ências cantadas mais difíceis dos Impérios –
lugar o almoço para todos os convidados e e, no final, realizam-se a mesa dos bolos e a
outras pessoas que se tenham juntado aos distribuição de lembrancinhas. Cada criança
festejos. Durante a tarde, enquanto as cai- ou adolescente dos Impérios tem uma mesa
xeiras vão entoando vários cânticos junto à sofisticadamente decorada com bolos e lem-
tribuna, ocorre em muitos terreiros uma ra- branças – geralmente pequenas imagens reli-
diola de reggae, que pode ser acompanhada giosas em isopor – que são distribuídas entre
pela realização de outras atividades festivas as caixeiras, convidados e outros participantes
(como o tambor de crioula), que concentram na festa.6 Chega assim ao seu termo o perío-
a atenção dos convidados da festa. do mais denso dos festejos que podem ainda
O dia seguinte ao dia da festa é um dos dias compreender alguns rituais adicionais. Muitos
ritualmente mais intensos das Festas do Divi- terreiros realizam, por exemplo – geralmente
no. Durante a tarde, muitas casas realizam o no dia a seguir ao derrubamento do mastro –,
roubo dos Impérios: os trajes e outros adereços o carimbó das caixeiras, um almoço para as
cerimoniais dos Impérios são escondidos em caixeiras e outros convidados que decorre em
casas situadas nas proximidades do terreiro e ambiente de brincadeira e excesso.

6. Sobre as lembranças, Pimentel (2009), em particular a entrevista com Dona Maria dos Humildes, do Festa
Center (localizado no centro de São Luís), onde muitas delas são encomendadas e confecionadas (198-200).

112 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


3 Abertura para fora terreiros. No caso dos Impérios, os gastos
– “se a roupa for nova ou não for alugada”
Com esta estrutura ritual recorrente – (Dona Teresa Rosa) – podem situar-se entre
que apresenta de terreiro para terreiro, va- os R$2.000,00 e os R$4.000,00 por cargo.
riações, cortes e acrescentos –, as Festas Quanto à despesa da casa, em grande par-
do Divino são consideradas as festas mais te decorrente dos gastos com os almoços e
complexas e exigentes dos terreiros. Num outras refeições, situa-se geralmente entre
depoimento para um livro recente de Rena- os R$10.000,00 e os R$15.000,00. Como me
ta Amaral, Pai Euclides – pai de santo da disse em entrevista Pai Euclides, “a festa do
Casa Fanti Ashanti – sublinhava isso mes- Espírito Santo, na verdade, ela é uma festa
mo: “[a festa] é uma festa muito dispendio- super dispendiosa em tudo, dá muito traba-
sa, muito rica, com muitas comidas e bebi- lho, uma festa muito rica mesmo”. Ou nas
das, doces, lembranças, decorações, roupas” palavras de Seu Cravinho (um dos encanta-
(AMARAL, 2012, p. 164). No decurso da dos que baixa em Pai Wender, pai de santo
minha pesquisa, esta ideia foi-me repetida da Casa Ilê Ashe Obá Izô), a Festa do Divino
por vários pais e mães de santo e outros é uma “festa ardosa, [porque] o devoto ele
especialistas rituais, muitos deles colocan- passa por várias provações durante o perío-
do particular ênfase no elevado montante do dessa Festa. Uma das provações qual é?
das despesas requerido pelas festas, tanto A situação financeira, recepcionar as pesso-
da parte dos Impérios, como da parte dos as, dar conta das caixeira, dessas crianças”.

Foto 2 - Impérios em procissão. Casa Ilê Ashe Obá Izô 2012 (foto do autor)

A festa maior dos terreiros 113


Essa é de resto uma das razões invoca- máximo 50 reais, para ajudar. Dá de coração,
das por algumas mães e pais de santo para sabe? […] Todo o mundo se mobiliza para a
que, nos seus terreiros, as festas não façam gente bancar [a festa], porque é muita comi-
parte do calendário anual. Como me foi da, é muita comida.
afirmado por Pai Nastier (pai de santo de
um terreiro que comemora São Benedito Mas o grosso das contribuições faz-se
com mastro e caixeiras, mas não faz Fes- sob a forma de mantimentos:
ta do Divino), a Festa do Divino “dá muito vem um porco dali, vem um boi dali, vem
trabalho. Um Império é muita responsa- três fardos de arroz dali […], vem ali um ma-
bilidade. Se os pais não tiverem condição ço de vela, vem um defumador, vem sete cai-
de fazer o Império num ano, eu, que sou o xa de foguete, vem doze, vem treze… (Seu
dono da festa, é que tenho que pagar”. Cravinho).7
Caraterizada como sendo uma festa “su-
per dispendiosa”, “rica” ou “ardosa”, a Festa Nalguns casos, o cofinanciamento das
do Divino é também vista como a festa maior festas pode assumir modalidades mais es-
dos terreiros e aquela em que eles se abrem pecíficas. É o que se passa no Terreiro Fé
mais para fora. Este estatuto das Festas do em Deus (cuja mãe de santo é Dona Elzita),
Divino assenta em vários dispositivos rituais. onde todas as despesas associadas ao mas-
Estes começam por dizer respeito ao tro são suportadas pelo chamado “grupo
modo como é assegurado o seu financia- dos nove”. Constituído para supervisionar
mento, dependente de múltiplas contribui- o conjunto de rituais relacionadas com o
ções exteriores. Nalguns casos, as mães e mastro, o grupo financia também todas
pais – ou outros adultos – que bancam os as despesas a eles associadas, mediante
Impérios, para além dos gastos inerentes ao contribuições anuais individuais dos seus
cargo, dão ainda uma contribuição impor- membros no valor de R$180,00.
tante para as despesas gerais da festa. Mas O exercício dos cargos rituais associados
o cofinanciamento da festa é mais alargado às festas desempenha igualmente um papel
e repousa, sobretudo, em contribuições mo- importante na sua abertura para o exterior. É
netárias – as joias – e em ofertas de gêneros o que se passa em particular com os Impérios.
alimentícios, ou mantimentos. As joias – en- Em muitas casas, o patrocínio desses cargos
tre 25 a 40, dependendo da festa – são ofer- resulta de promessas feitas por familiares das
tas monetárias tendencialmente situadas en- crianças dos Impérios, que podem ter uma re-
tre os R$20 e os R$60. Segundo Pai Euclides, lação de maior ou menor proximidade com o
[...] cada um dá a sua parcela, cada um con- terreiro. Este ponto foi referido por Ferretti, S.
tribui com alguma coisa. […] Aqui, acolá, às (1995) e por outros autores (SANTOS; SAN-
vezes aparecem pessoas assim muito dedica- TOS NETO, 1989). Mas deve ser sublinhado
das e participantes e perguntam o que é que que, noutras casas, alguns cargos associados
quer. Às vezes eles dão 10 reais, 20 reais, no aos Impérios – assim como outros cargos (por

7. No passado, essa implicação de pessoas, não necessariamente ligadas aos terreiros no cofinanciamento das
festas, era ainda mais efetiva, uma vez que as caixeiras realizavam peditórios públicos nas ruas de São Luís.
Estes, entretanto – devido a motivos que termos ocasião de detalhar mais à frente –, foram abandonados.

114 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


exemplo, as bandeirinhas) – podem ser tam- das “fotos de família” junto aos bolos e às
bém bancados por dançantes ligadas ao terrei- lembrancinhas.
ro. Isso não impede que, mesmo nesses casos, Embora seja mais significativa no caso dos
não possa haver imperadores ou imperatrizes Impérios, esta lógica de abertura reencontra-se
de promessa. Por exemplo, no Terreiro da Fé no desempenho de outros cargos rituais. É o
em Deus, em 2012, para além dos meninos e que se passa com os cargos de madrinha e pa-
meninas dos Impérios – maioritariamente li- drinho do mastro (e do mastaréu), geralmente
gadas às dançantes da casa – havia duas rai- escolhidos entre pessoas conhecidas e de sim-
nhas de promessa.8 Entretanto, o que impor- patia – para recorrer a uma expressão usada
ta notar é que, mesmo quando o encargo de por Pai Euclides – do terreiro, até como forma
bancar os Impérios é assegurado por pessoas de partilha dos gastos da festa, uma vez que
do terreiro, o seu desempenho envolve – em os padrinhos (e madrinhas) contribuem para
proporções variáveis – o recurso a redes de as despesas relacionados com o mastro. Esta
relacionamento exteriores ao terreiro. É o que mesma lógica pode, de resto, ser estendida –
acontece nos muitos casos em que as crian- embora de modo mais informal – a outros en-
ças dos Impérios são escolhidas nas redes de cargos associados à festa: desde o patrocínio
parentesco de cada dançante: por exemplo, da mesa de bolos da casa até ao “apadrinha-
entre as suas sobrinhas e/ou netas. É também mento” informal das bandeirinhas. Estas e ou-
o que acontece quando elas são escolhidas tras colaborações mais informais podem, em
entre filhos ou filhas de vizinhas da casa ou muitos casos, resultar de promessas menores
entre vizinhas e amigas das dançantes. Por ao Espírito Santo. Como escreveram Santos e
exemplo, na festa do Divino de 2012 da Casa Santos Neto (1989, p. 94):
Casa Ilê Ashe Obá Izô, os cargos de imperador Esta festa desperta entre os seus devotos o
e imperatriz, embora bancados por dançantes espírito de cooperação, por meio de vários
da casa, foram assegurados por filha(o)s de tipos de promessas, cada uma contendo um
vizinhas da casa. caráter peculiar. Realizar trabalhos, ajudar
O modo como os Impérios dão lugar a na casa da festa, confecionar bolos, doces e
essa abertura para o exterior é de resto par- ornamentos para o salão […] são algumas das
ticularmente evidente nas distribuições de muitas maneiras de cumprir promessas feitas
bolos e de lembrancinhas que se seguem ao ao Divino.9
encerramento da tribuna. Estas, para além
das caixeiras, envolvem também pessoas Isto é, mobilizando despesas e encargos
que integram as redes de parentesco e ami- rituais que superam os recursos financeiros e
zade dos adultos que bancam os Impérios. humanos regulares da maioria dos terreiros, as
Em muitos casos, para vincar o caráter es- Festas do Divino podem ser vistas como um
pecial da ocasião são inclusivamente bati- exercício alargado de cooperação ritual que

8. No Terreiro Fé em Deus, a Festa do Divino realiza-se em conjunto com a Festa de Santana, e a termi-
nologia dos Impérios é diferente: em vez de imperador, imperatriz, etc., fala-se de rei, rainha, dama, vas-
salo, juiz. Para uma abordagem mais detalhada à Festa do Divino deste terreiro, ver Gouveia (1997).
9. Deve ser ainda sublinhado que, em muitas casas, as festas fornecem ainda o contexto ritual para o pa-
gamento de promessas ao Espirito Santo, sob a forma de velas ou de ex-votos em cera.

A festa maior dos terreiros 115


projeta os terreiros para fora do círculo mais aí que a frequência da festa – que pode ir até
restrito dos seus frequentadores habituais. 200 a 300 pessoas – atinge o seu pico. O pró-
Simultaneamente, a composição ritual das prio êxito da festa é, em grande medida, afe-
festas reserva um papel importante a sequ- rido pela afluência de gente ao almoço, tanto
ências que ampliam essa sua abertura para o mais que este – para além de ser direcionado
exterior. Como várias vezes me foi referido, para todas as pessoas que estão envolvidas
a Festa do Divino “é uma festa para todo o com a festa e para todos os convidados dos
mundo”. Essa sua caraterística é particular- Impérios e da casa – é encarado como uma
mente evidente nos cortejos e rituais que en- refeição aberta, em que pode participar todo o
volvem o mastro (buscamento, levantamento mundo. Como me disse Pai Euclides:
e derrubamento). Embora haja exceções, o [...] quer seja convidado, quer não seja, desde
buscamento do mastro pode envolver, em que esteja aqui dentro de casa, está rolando a
muitos terreiros, entre 80 a 100 pessoas. Nú- comida por aí, é servido para todo o mundo.
meros idênticos ou até superiores são tam- Aqui nós não escolhemos assim “Ah, eu não
bém válidos para o levantamento e para o conheço aquele, quem é aquele lá?” Não tem
derrubamento do mastro, que se constituem, não. O comer está rolando […] Aqui se dá co-
em conjunto com o buscamento do mastro, mida assim bem popular.
em pontos particularmente importantes da
abertura dos terreiros de Tambor de Mina. Esta ideia é subscrita por todos os pais
Mas é sobretudo no almoço do dia da festa e mães de santo, junto dos quais conduzi
que é evidente essa capacidade de abrir para pesquisa. Para eles, também, a comida do
fora que carateriza o script ritual das festas. É dia da festa desempenha um papel central

Foto 3 - Almoço do dia da festa. Casa Ilê Ashe Obá Izô 2012 (foto do autor)

116 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


nessa abertura – potencialmente ilimitada – alargada. Estão nessa categoria a ida dos
dos terreiros de Mina para fora. Impérios à missa e o cortejo que, terminada
A inclusão, em muitos terreiros, de ra- esta, conduz a coroa de regresso ao terreiro.
diolas de reggae ou de outras atividades Mesmo nos casos – como na Festa do Divi-
festivas (atuações de blocos afro, tambor de no do Terreiro Fé em Deus – em que a igreja
crioula) a seguir ao levantamento do mastro escolhida para a realização da missa se situa
e/ou ao almoço do dia da festa visa justa- longe do terreiro e obriga a que a parte mais
mente reforçar essa capacidade de abertura significativa do cortejo seja feita de ônibus,
para audiências mais vastas e, sobretudo, este para geralmente a uma certa distância do
mais jovens. O modelo – recorrendo aqui terreiro, para que o percurso restante possa
a um conceito folk português – é o do “ar- ser feito no interior do bairro.
raial” (SANCHIS, 1983): a capacidade que a É a mesma lógica de amarragem territorial
festa tem de fornecer um espaço – constitu- das festas que preside ao roubo dos Impérios
ído por música, atividades lúdicas diversas e à visita dos Impérios, quando esta ainda se
e venda e consumo de bebidas e comidas realiza no seu formato tradicional. No roubo
– que promove o encontro das pessoas, o dos Impérios – por exemplo, no Terreiro de
divertimento e a sociabilidade, a conversa e São Sebastião, no terreiro Fé em Deus ou na
a brincadeira. Algumas pessoas dizem que Casa Ilê Ashe Obá Izô –, os diversos adereços
esse é o lado profano da festa. Mas não é cerimoniais dos Impérios são distribuídos por
profano, não: é – como o buscamento, o casas – entre 15 a 25 – situadas nas imedia-
levantamento e o derrubamento do mas- ções do terreiro, e é o território desenhado por
tro – o espaço em que a festa, no quadro essas casas que o cortejo – durante uma a
do continuum ritual/play (SCHECHNER, duas horas – percorre. Nalguns terreiros que
2001), reforça a eficácia – cerimonial – do realizam “festas do Divino e/com”, pode tam-
ritual com a eficácia – lúdica – do play. bém ter lugar – como no caso do terreiro Fé
Algumas das sequências que tenho vindo em Deus – uma procissão em que a imagem
a referir, para além de um número elevado da santa homenageada percorre as ruas mais
de participantes, têm também como traço dis- próximas do terreiro.
tintivo a sua capacidade de inscreverem as Em todos estes casos, o que está em causa
Festas do Divino no espaço público. É o que é a visibilização das festas, e, por seu inter-
se passa com o cortejo do levantamento do médio, dos terreiros de Mina, no espaço pú-
mastro, cujo percurso atravessa várias ruas blico: tanto no espaço da religião hegemô-
dos bairros de implantação dos terreiros. Se, nica – como no caso da ida à missa – como
nalguns casos, esses percursos são curtos – no espaço territorial de implantação dos ter-
como no caso da Festa do Divino da Casa das reiros. Desse ponto de vista, não deixa de
Minas de 2012 –, noutros – como no caso do ser significativa a preocupação que algumas
terreiro Fé em Deus ou da Casa Ilê Ashe Obá mães e pais de santo manifestam em rela-
Izô – são percursos mais longos e, portanto, ção a alguns desenvolvimentos recentes que
com uma capacidade acrescida de marcação veem como suscetíveis de comprometer essa
territorial. É também o que se passa com um dimensão das festas. Entre eles, contam-se
conjunto de outras procissões e cortejos que, o aumento da violência e da insegurança
embora com menor número de participan- nas ruas e os processos de fragmentação e
tes, abrem as festas para uma geografia mais ruptura espacial decorrentes da implantação

A festa maior dos terreiros 117


neopentecostal nos bairros periféricos de bém para as redes de relacionamento so-
São Luís onde estão localizados os terrei- cial – familiares, amiga(o)s, vizinha(o)s –
ros. É a estes dois fatores que são atribuídos das pessoas que bancam os Impérios, quer
tanto o fim dos peditórios realizados pelas sejam promesseiras exteriores à casa, quer
caixeiras como – em certos terreiros – o de- sejam dançantes.
clínio das visitas dos Impérios. E são estes Nos terreiros com mais forte enraiza-
dois fatores que são vistos como podendo mento territorial, essa abertura faz-se tam-
ameaçar outros rituais sobre que assenta a bém para o(a)s vizinho(a)s da secção do
construção da visibilidade das Festas do Di- bairro onde os terreiros estão implantados.
vino no espaço público. É esse o caso dos terreiros Fé em Deus e São
Sebastião e da Casa Ilê Ashe Obá Izô. Mas,
4 O Social e o Político noutros terreiros – como na Casa das Minas
e na Casa Fanti Ashanti –, essa implantação
Tomados no seu conjunto, os disposi- vicinal é já fraca ou mesmo inexistente. Por
tivos rituais que tenho vindo a passar em exemplo, quando perguntei a Pai Euclides
revista promovem não apenas a agregação sobre o envolvimento da comunidade local
de pessoas com um relacionamento mais na festa, a sua resposta foi significativa:
irregular com os terreiros na organização Nem tanto, porque a comunidade daqui,
das festas, como asseguram a capacidade a maioria, são tudo protestante e católi-
de projeção das festas para fora, tanto em co apostólico romano. Então ‘bom dia’, ‘boa
termos da sua audiência, como em termos tarde’, mas ninguém vem. […] Aqui a nos-
da sua inscrição no espaço público. sa casa fica lotada, mas é só gente de outros
A lógica ou – para utilizar uma expres- bairros, que vem de fora.
são cara a Durkheim e a Mauss – a “mor-
fologia social” desta abertura construída Nos terreiros mais conhecidos e com uma
pelas Festas do Divino combina aspectos inserção mais forte no mainstream afro-re-
constantes com algumas particularidades. ligioso de São Luís, as Festas do Divino pro-
Na maioria dos terreiros, ela começa por piciam ainda outro tipo de aberturas. Uma
abranger o grupo mais alargado de pessoas delas tem que ver com o circuito do Tambor
que têm um qualquer tipo de relação com de Mina de São Luís. Isto quer dizer que,
a casa: antigos frequentadores, frequenta- em muitas festas, uma parte da audiência
dores irregulares ou pessoas de simpatia é constituída por pais e mães de santo e/
da casa. Nalguns casos, entre as pessoas ou dançantes de outras casas. Visitas des-
de simpatia da casa, estão intelectuais e te tipo podem ter lugar noutros momentos
pessoas conotadas com a “classe média” do calendário ritual das diferentes casas de
negra de São Luís, como foi apontado por Tambor de Mina, mas é nas Festas do Divino
Ferretti, S. (2009) para a Casa das Minas.10 que elas são mais expressivas. Há também
Simultaneamente, as festas abrem-se tam- terreiros que têm um conjunto de conexões

10. Deste grupo de simpatizantes da casa fazem também parte os pesquisadores, que muitos pais e mães
de santo enunciam como sendo um dos grupos específicos que acorrem com regularidade às festas. Faço
– claro – parte desse grupo.

118 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


fora do Maranhão, baseadas em muitos ca- intermédio do qual são criados coletivos e
sos em terreiros fundados por pais e mães relações de vário tipo (LEAL, 2013). Pen-
de santo iniciado(a)s em São Luís. Nesses so que essa perspetiva pode ser aplicada às
casos, as Festas do Divino atuam como po- Festas do Divino de São Luís. Sendo a festa
los de agregação supralocal de pais e mães maior dos terreiros e aquela que os projeta
de santo e de dançantes desses terreiros ou, de forma mais enfática para o exterior, a
mais genericamente, de pessoas de simpatia Festa do Divino tem um lugar central na
da casa residentes fora de São Luís. É o que produção – e não na mera reiteração – de
sucede na Casa Fanti Ashanti, cuja Festa do espaços e redes mais amplas de relaciona-
Divino, além de vários pais de santo da ilha mento dos terreiros de Tambor de Mina.
de São Luís, junta ainda muitas pessoas – Mas não é apenas neste sentido que as
incluindo caixeiras – vindas de São Paulo, Festas do Divino podem ser vistas como a
onde foi recriada, com a participação re- festa dos terreiros de Tambor de Mina com
levante de familiares de Pai Euclides, uma maior capacidade de abertura. O modo
Festa do Divino. Entre os participantes das como elas os projetam no espaço público,
Festas do Divino de 2012 e 2013 da Casa para além da dimensão de marcação do
Ilê Ashe Obá Izô, encontravam-se também território que sublinhei anteriormente, tem
vários membros de um terreiro de Mina do também uma importante dimensão política.
Macapá (Amapá) que procuravam não ape- De facto, as Festas do Divino – a par do
nas o reforço dos laços com a casa matriz, bumba-meu-boi ou do tambor de crioula –
mas também – significativamente – um me- têm sido parte integrante dos processos de
lhor conhecimento da festa, de modo a po- objetificação (HANDLER, 1988) da cultura
derem incorporá-la no menu ritual de sua e da religiosidade popular do Maranhão.11
casa. Mas talvez o caso mais significativo No caso das festas, este processo de obje-
seja o ocorrido em 2013, na Festa do Divino tificação iniciou-se, no decurso dos anos
do terreiro de Iemanjá, do finado Pai Jorge 1940, com a sua tematização etnográfica
de Itaci. A festa – uma Festa do Divino “e/ enquanto traço distintivo da cultura ma-
com” São Luís – articulou-se com a come- ranhense. Nesse processo, desempenharam
moração dos dez anos do falecimento de Pai papel destacado folcloristas como Vieira
Jorge, tendo recebido nesses dias a visita Filho (1977, 1982, 2005) ou, mais tarde,
de um elevado número de pais de santo e Carlos Lima (1988). Mas prolongou-se em
outros dançantes iniciados na casa, alguns políticas de cooptação patrimonial das fes-
deles residentes fora de São Luís. tas iniciadas nos anos 1970 pelo governo
Noutro lugar, defendi que, em vez de ser do Maranhão. Essa cooptação desenvol-
um espelho durkheimiano da sociedade ou veu-se inicialmente em torno das Festas do
um dispositivo de mero reforço de relações Divino de Alcântara, encaradas como uma
sociais que lhe seriam pré-existentes, a fes- espécie de modelo originários das Festas
ta deveria ser vista – como todo o ritual do Divino em todo o estado: as mais “an-
– como um dispositivo performativo, por tigas”, as mais “autênticas”, as que se situ-

11. Sobre esses processos, entre outros, Albernaz (2004), Barros (2007), Braga (2000), Cardoso (2008) e Pa-
rodi (2011).

A festa maior dos terreiros 119


ariam “mais perto” das origens açorianas. uma das explicações mais recorrentes so-
Mas, posteriormente, alargou-se de forma bre a multiplicação recente das festas em
a englobar outras festas. Inicialmente esse terreiros de Mina como forma de aprovei-
alargamento parece ter sido algo seletivo, tamento dos fundos disponibilizados pela
beneficiando, sobretudo, as casas de Tam- Secretaria Estadual da Cultura. Não só esses
bor de Mina mais antigas: a Casa das Minas fundos não cobrem, na grande maioria dos
e a Casa de Nagô. Mas, no decurso dos anos casos, a parte mais significativa dos gastos
1990, outras festas foram englobadas nas como o que está realmente em questão é a
políticas estaduais de apoio às festas, tra- inserção das festas no campo político onde
duzidas nomeadamente na disponibilização é definido o que conta – e o que não conta
de apoios financeiros para a sua realização. – como “cultura”.
Em consequência, em 2009, 150 festas em
todo o estado – 80 das quais em São Luís 5 Regresso ao sincretismo:
– eram apoiadas financeiramente pela Se- razões maiores e razões menores
cretaria Estadual da Cultura. Esses apoios
são variáveis e se, nalguns casos, podem Este artigo iniciou-se sob o signo do
atingir valores mais significativos, noutros sincretismo e do papel que as Festas do Di-
casos não vão além de R$500,00 por festa. vino desempenham no perfil sincrético que
O ponto importante não é, entretanto, carateriza o Tambor de Mina. É a esse tema
esse. Uma das consequências destas polí- que regresso agora.
ticas de cooptação patrimonial tem sido a Esse sincretismo desdobra-se em vários
generalização – a partir dos terreiros – de planos, alguns dos quais têm sido sublinha-
uma nova perceção das festas, não apenas dos na literatura disponível.12 O primeiro (e
como religião, mas também como “cultu- o mais óbvio) decorre da importância que
ra” com aspas – no sentido em que Cunha um ritual católico – a Festa do Divino – tem
(2009) usa esta expressão –, isto é, como um no calendário ritual dos terreiros de Mina.
ritual que inscreve as casas de Mina não só Embora as Festas do Divino sejam celebra-
no campo religioso mas também no cam- das em vários outros estados brasileiros, em
po dos discursos e práticas políticas sobre São Luís elas são realizadas no quadro de
tradição, identidade e raízes. Nesse senti- casas religiosas afro-brasileiras. Mas não
do, as Festas do Divino passaram também a é apenas por conta da presença relevante
ser festas que, além de abrirem os terreiros de um ritual católico em terreiros afrorre-
de Tambor de Mina para o espaço público ligiosos que se pode falar da articulação
enquanto território, projetam-nas para o sincrética entre Divino e Mina. Simulta-
espaço público enquanto espaço politica- neamente, as Festas do Divino tendem a
mente estruturado, onde é possível ganhar cruzar a devoção e a promessa a entidades
acrescido prestígio simbólico. Nesse senti- espirituais católicas com o culto às entida-
do, têm razão todos aqueles que contrariam des espirituais não católicas da Mina. Isso é

12. Ver, entre outros, Cardoso Jr. (2001), Ferretti, S. (1995, 1999, 2001, 2009), Ferretti, M. (2009), Gouveia
(1997; 2001), Oliveira (1989), Silva (1999, 2003), Santos e Santos Neto (1989).

120 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


muito claro nos motivos dados por muitos de Mina, passagens de cura, etc. Em mui-
pais e mães de santo para a realização das tos desses casos, o culto ao Espírito San-
festas, onde se combinam – ou alternam –, to surge também articulado com os toques
de formas variáveis, a devoção católica e de Tambor de Mina para as entidades não
a obrigação religiosa do terreiro, resultante católicas do terreiro. Isso é particularmen-
de um pedido ou, nalguns casos, como Fer- te claro nos toques que se realizam ime-
retti, S. (2009) refere para a Casa das Minas, diatamente após o encerramento formal da
da devoção de uma entidade espiritual cul- festa. Realizados diante da tribuna – que se
tuada no terreiro: vodun, gentil, encanta- mantém por mais sete dias –, esses toques
do ou caboclo. Além de festas baseadas na preveem, em muitos casos, modos variáveis
devoção católica, as Festas do Divino são, de integração ritual entre o culto às entida-
pois, em muitos casos, festas de obrigação des da Mina e o culto ao Espírito Santo.13
afrorreligiosa. A importância dessas formas de integração
Em consequência, as entidades espiritu- ritual – ausentes ou referidos apenas de
ais da Mina têm uma presença importante passagem na literatura disponível – deve
em muitas festas. Elas podem, por exemplo, ser sublinhada: não é apenas o culto cató-
definir alguns dos seus aspetos organiza- lico do Espírito Santo que se abre para as
tivos, com destaque para a determinação entidades da Mina, é também, em muitos
das cores da tribuna ou dos trajes dos Im- terreiros, o culto das entidades da Mina que
périos. Certas sequências rituais das festas se abre para o Espírito Santo.
abrem-se, também, frequentemente para Para além de ter procedido ao levanta-
a sua presença. Por exemplo, no decurso mento de alguns destes modos de articu-
do buscamento, do levantamento e do der- lação entre Divino e Mina – que se distri-
rubamento do mastro, ou, no dia da festa, buem entretanto de forma irregular pelos
quando a coroa regressa da igreja para ser diferentes terreiros –, a literatura antropo-
instalada na tribuna, elas podem baixar em lógica disponível indicou algumas das ra-
alguns dos seus protagonistas e participan- zões subjacentes a esses arranjos sincréticos.
tes, associando-se dessa forma à festa. Para Eduardo, que trabalhou – como vimos
Em muitos casos, as Festas do Divino anteriormente – com base nas propostas so-
fazem também parte de um conjunto fes- bre aculturação de Herskovits, o sincretismo
tivo mais vasto que engloba alguma enti- do Tambor de Mina seria um resultado do
dade – ou várias entidades – não católica(s) “contacto de culturas” e das dinâmicas con-
cultuada(s) na casa. Desse conjunto festi- traditórias de retenção e integração cultural
vo, para além das obrigações internas da (EDUARDO, 1948, pp. 1-2). Esta última, ao
casa, podem fazer parte toques de Tambor mesmo tempo que seria favorecida por al-

13. Estes toques realizam-se, geralmente, em frente à tribuna do Divino, que é iluminada com velas e on-
de ocupam lugar de destaque a coroa e os trajes do Impérios. Nalguns casos, o regresso da coroa ao altar
da casa – ou ao peji – integra em plano de relevo a sequência ritual do último toque. No decurso de al-
guns toques, podem também ser cantadas doutrinas com referências ao Divino Espírito Santo e, nalgumas
casas, durante um toque específico para as princesas, as crianças e adolescentes dos Impérios sentam-se
na tribuna.

A festa maior dos terreiros 121


gumas similitudes entre a cultura europeia e aos processos de resistência e transforma-
as culturas africanas transplantadas de Áfri- ção das culturas negras no Novo Mundo.
ca (EDUARDO, 1948, p. 2), seria também o Esse esforço é importante e, no caso da
resultado da posição “subordinada” das po- cooptação sincrética do Divino pela Mina,
pulações negras no Novo Mundo (EDUAR- pode e deve abrir-se em novas direções que
DO, 1948, p. 3). Já Ferretti, S. (1995, p. 219) valorizem, por exemplo, a forte inserção das
encara o sincretismo “como estratégia de Festas do Divino no campo do catolicismo
adaptação à sociedade preconceituosa, que popular – mais do que no oficial – de São
se pretende branca.” Essa estratégia de bran- Luís e, de uma forma geral, do Maranhão.
queamento teria sido historicamente condi- O que este artigo, entretanto, sugere é que,
cionada pela perseguição de que o Tambor simultaneamente a essas razões maiores –
de Mina foi alvo: que devem continuar a ser investigadas –,
A dependência aparente da mina ao catoli- há outras razões “menores” para o sincre-
cismo decorre de mais de um século e meio tismo: mais localizadas, por um lado, e mais
de circunstâncias históricas em que a religião inscritas no presente, por outro. Além de ser
foi proibida, perseguida e conseguiu sobre- um produto da história, o sincretismo tal-
viver com grande dificuldade (FERRETTI, S. vez deva ser visto também como uma opção
1995, p. 218). que é permanentemente refeita no presente
de acordo com razões que não são necessa-
Estas explicações – embora sublinhem riamente idênticas àquelas que operaram no
pontos diferentes – têm duas caraterísticas passado. No caso das articulações sincréti-
em comum. São, por um lado, explicações cas entre Mina e Divino, uma dessas razões
que se centram numa escala macro, que prende-se com a capacidade das Festas do
privilegia aqueles que seriam os grandes Divino operarem como uma tecnologia ritu-
fatores estruturantes do sincretismo: a di- al capaz de produzir a abertura dos terreiros
nâmica dos contactos de cultura, a domi- para o exterior e de os enraizar em espaços
nação branca e as estratégias adaptativas de relacionamento social – e, mais recente-
– de conformação e resistência – das po- mente, de visibilização política – mais alar-
pulações afrodescendentes. São, por outro gados. Essa não é a única razão, nem sequer
lado, explicações históricas. Não só os fa- é provavelmente a principal, para a coopta-
tores estruturantes evidenciados atuam na ção sincrética do Divino pela Mina. Mas é
longa duração mas também o presente – o uma das razões. Nunca teremos meios para o
lugar onde é feita a observação – é, em lar- saber com toda a segurança: mas se as Fes-
ga medida, conformado pelo passado – o tas do Divino não tivessem as virtualidades
que é observado hoje depende de algo que de abertura para o exterior que passamos em
aconteceu antes. Nesse aspecto, são não só revista, talvez não fosse tão forte a sua pre-
explicações que aplicam, para o caso de sença no Tambor de Mina. E, caso isso acon-
Tambor de Mina, ideias presentes nas gran- tecesse, não reconheceríamos no Tambor de
des teorias sobre aculturação e sincretismo Mina a disponibilidade sincrética que nele
de Herskovits (1948, 1960) e Bastide (1950, reconhecemos. Nesse sentido, talvez se pos-
1967), mas também se inscrevem num es- sa também dizer que mais do que um mero
forço, que prossegue até aos nossos dias, de reflexo do sincretismo como propriedade
iluminar as grandes tendências subjacentes sistémica do Tambor de Mina, as Festas do

122 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


Divino têm um papel performativo na cons- BRAGA, Ana Socorro. Folclore e política cul-
tituição do sincretismo no Tambor de Mina. tural: a trajetória de Domingos Vieira Filho e a
Situadas entre a devoção católica e a obri- institucionalização da cultura. 2000. Dissertação
gação afrorreligiosa, abrindo decisivamente (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão,
São Luís, 2000.
os terreiros para fora, elas coproduzem no
presente o sincretismo como característica BROWN, David. Santería enthroned: art, ritual,
central do Tambor de Mina. and innovation in an afro-cuban religion. Chica-
go: The Universityof Chicago Press, 2003.

CARDOSO JR., Sebastião. Nagon abioton: um


REFERÊNCIAS estudo sobre a casa de Nagô. 2001. Monografia
ALBERNAZ, Lady Selma. O “urrou” do boi em (Licenciatura) - Universidade Federal do Mara-
Atenas: instituições, experiências culturais e nhão, São Luís, 2001.
identidade no Maranhão. 2004. Tese (Doutorado)
CARDOSO, Letícia. O teatro do poder: cultura e
- Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
política no Maranhão. 2008. Dissertação (Mes-
2004.
trado) - Universidade Federal do Maranhão, São
AMARAL, Renata. Pedra da memória: Euclides Luís, 2008.
Talabyan, minha universidade é o tempo. São
CUNHA, Manuela Carneiro da.‘Culture’ and cul-
Paulo: Maracá Cultura Brasileira, 2012.
ture: traditional knowledge and intellectual ri-
BARBOSA, Marise. Umas mulheres que dão no ghts. Chicago: Prickly Paradigm Press, 2009.
couro: as caixeiras do Divino no Maranhão. São
EDUARDO, Octávio da Costa. Thenegro in nor-
Paulo: Empório de Produções e Comunicações,
thern Brazil: a study in acculturation. Seattle –
2006.
Londres: University of Washington Press, 1948.
BARBOSA, Sílvia. A casa de Nagô: estudo sobre
FARDON, Richard (Org.). Localizings strategies:
um terreiro de mina em São Luís. 1997. Mono-
regional traditions of ethnographic writing. Edim-
grafia (Licenciatura) – Universidade Federal do
burgo-Washington: Scottish Academic Press-Smi-
Maranhão, São Luís, 1997.
thsonian Institution Press, 1999.
BARRETTO, Maria Amália. A casa de Fanti
FERRETTI, Mundicarmo. Desceu na guma: o cabo-
-Ashanti em São Luís do Maranhão. 1987. Tese
clo no tambor de mina. São Luís: EDUFMA, 2000.
(Doutorado) – Universidade Estadual do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 1987. ______. Identidade e resistência em um Terreiro
de Mina de São Luís – MA: a Casa de Nagô. In:
______. Os voduns do Maranhão. São Luís: Fun-
VASCONCELOS, Márcio. Nagon abioton: um es-
dação Cultural do Maranhão, 1977.
tudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô.
BARROS, António Evaldo. O pantheon encan- São Luís, 2009. p. 10-23.
tado: cultura e heranças étnicas na formação da
FERRETTI, Sérgio. La fête du Divin chez le tam-
identidade maranhense (1937-65). 2007. Disserta-
bour de mina. In : CONFERÊNCIA DA SOCIÉTÉ
ção (Mestrado) - Universidade Federal da Bahia,
INTERNATIONALE DE SOCIOLOGIE DES RELI-
Salvador, 2007.
GIONS, 25., 1999, São Luís. Anais... São Luís,
BASTIDE, Roger. Les Amériques noires. Paris: 1999. Disponível em:htpp//www.ufma.br/canais/
Payot, 1967. gpmina/textos/10.htm. Acesso em: 7 jul. 2007.

______. Les religions Africaines au Brésil. Paris: ______. Querenbentã de zomadônu: etnografia
P.U.F., 1950. da casa das minas do Maranhão. Rio de Janeiro:
Pallas, 2009.

A festa maior dos terreiros 123


______. Religious syncretism in an afro-brazilian festivals in southeastern new england. In: HOL-
cult Hhouse. In: GREENFIELD, Sidney; DROO- TON, Kim; KLIMT, Andrea (Org.). Community,
GERS, André (Org.), Reinventing religions: syn- culture and the makings of identity. Portuguese
cretism in Africa and the Americas. Lanham MA: - Americans along the Eastern Seaboard. Dart-
Rowman & Littlefield Publishers, 2011. p. 87-97. mouth MA: Center for Portuguese Studies and
Culture-University of Massachusetts, 2009. p.
______. Repensando o sincretismo: estudo sobre
127-144.
a casa das minas. São Paulo: EDUSP – FAPEMA,
1995. LIMA, Carlos. Festa do Divino Espírito Santo em
Alcântara (Maranhão). Brasília, DF: Ministério da
GOUVEIA, Cláudia. ‘As esposas do Divino’: poder
Cultura-Grupo de Trabalho de Alcântara, 1988.
e prestígio na Festa do Divino Espírito Santo em
terreiros de tambor de mina de São Luís – Mara- OLIVEIRA, Jorge Itaci. Orixás e voduns nos ter-
nhão. 2001. Dissertação (Mestrado) - Universida- reiros de mina. São Luís: VCR Produções, 1989.
de Federal de Pernambuco, Recife, 2001.
PACHECO, Gustavo; GOUVEIA, Cláudia; ABREU,
______. ‘O reinado de vó Missã’: estudo da Festa Maria Clara. Caixeiras do Divino Espírito Santo
do Divino em um terreiro de mina. 1997. Mono- de São Luís do Maranhão. Rio de Janeiro: Asso-
grafia (Licenciatura) – Universidade Federal do ciação Cultural Caburé, 2005.
Maranhão, São Luís, 1997.
PARODI, Michelle. Il campo del folclore tra va-
HANDLER, Richard. Nationalism and the politics lorizzazione e integrazione culturale: Il caso di
of culture in Quebec. Madison: The Wisconsin São Luís del Maranhão (Brasile). 2011. Tese (Dou-
University Press, 1988. torado) - Università degli Studi di Milano Bicoc-
ca, Milão, 2011.
HERSKOVITS, Melville. Man and his works: the
science of cultural anthropology. New York: Al- PEREIRA, Nunes. A casa das minas: contribuição
fred Knopf, 1948. ao estudo das sobrevivências do culto dos voduns
do panteão Daomeano, no estado do Maranhão,
______. The new world negro: selected papers in
Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979.
afro american studies. [S. l.]: Minerva Press, 1966.
PIMENTEL, Beatriz. Festas do Divino no estado
LEAL, João. ‘The past is a foreign country’?:
do Maranhão (Brasil): diferentes cenários para
acculturation theory and the anthropology of
a reconstrução de uma prática ritual com origem
globalization. Etnográfica,n. 15, n. 2, p. 313-336,
portuguesa. 2009. Dissertação (Mestrado) - : FCSH
2011.
(UNL), Lisboa, 2009.
______. As festas do Espírito Santo nos Açores:
SANCHIS, Pierre. Arraial: festa de um povo: as
um estudo de antropologia social. Lisboa: Publi-
romarias portuguesas. Lisboa: Publicações Dom
cações Dom Quixote, 1994.
Quixote, 1983.
______. Festas do Divino em São Luís: um retrato
SANTOS, Maria do Rosário Carvalho; SANTOS
de grupo. Boletim da Comissão Maranhense de
NETO, Manoel dos. Boboromina: terreiros de São
Folclore, São Luís,n. 53, p. 3-7, 2012.
Luís: uma interpretação sócio cultural. São Luís:
______. Modos de produção da etnicidade: emi- SECMA-SIOGE, 1989.
gração, ritual, etnogénese. In: SILVA, Maria
SCHECHNER, Richard. Performance studies: an
Cardeira; Clara SARAIVA (Org.). As lições de Jill
introduction. Londres - Nova Iorque: Routlege,
Dias: antropologia, história, África, academia.
2001.
Lisboa: CRIA, 2013. p. 207-221.
SILVA, Jacira Pavão da. Festa do Divino no
______. Travelling rituals: azorean holy ghost
terreiro das portas verdes. In: NUNES, Izaurina

124 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014


(Org.). Olhar, memória e reflexões sobre a gente NOTA SOBRE O AUTOR
do Maranhão. São Luís: Comissão Maranhense de
Folclore, 2003. p. 171-174.
João Leal é professor do Departamento de An-
______. Tambor de borá: a representação do tropologia da Universidade Nova de Lisboa
índio na mina maranhense. 1999. Monografia (Li- (FCSH) e Investigador do Centro em Rede de
cenciatura) – Universidade Federal do Maranhão, Investigação em Antropologia (UNL). Tem tra-
São Luís, 1999. balhado sobre vários temas, com destaque pa-
SILVA, Josimar. Festa do Divino Espírito San- ra as Festas do Espírito Santo e para a história
to do Goiabal: uma abordagem histórica. 1997. da antropologia em Portugal. É autor, entre
Monografia (Licenciatura) – Universidade Federal outros, dos livros As Festas do Espírito Santo
do Maranhão, São Luís, 1997. nos Açores. Um Ensaio de Antropologia Social
(Lisboa, Dom Quixote, 1994) e Cultura e Iden-
VERGER, Pierre. Uma rainha africana mãe de tidade Açoriana. O Movimento Açorianista em
santo em São Luís. Revista USP, n. 8, p. 151-158, Santa Catarina (Florianópolis, Insular, 2007).
1990.

VIEIRA FILHO, Domingos. A Festa do Divino


Espírito Santo. Boletim da Comissão Maranhense
de Folclore, n. 31, p. 12-14, 2005.

______. Folclore brasileiro: Maranhão. Rio de Ja-


neiro: FUNARTE-Campanha de Defesa do Folclore
Brasileiro, 1977.

______. Populário maranhense (Bibliografia). São


Luís: Secretaria da Cultura do Maranhão, 1982.

Recebido em: 08/01/2014


Aprovado em: 28/03/2014

A festa maior dos terreiros 125


126 R. Pós Ci. Soc. v.11, n.21, jan/jun. 2014

Você também pode gostar