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Ética Cristã e
Ética Cristã e
RESPONSABILIDADE
SOCIAL
GRADUAÇÃO
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
SEJA BEM-VINDO(A)!
Olá, caro(a) aluno(a)!
Você está prestes a embarcar em uma jornada fascinante pelos caminhos de uma fé
cristã engajada com a ética social e a transformação integral das pessoas. Talvez para al-
guns seja um trajeto totalmente novo, já que nem sempre nossas convicções cristãs são
traduzidas em bem comum a todos, mantendo-se relevante apenas em uma dimensão
individual da fé. No entanto, como aprenderemos neste livro, a vida com Cristo é abun-
dante e rica em princípios e fundamentos para sermos “sal e luz” em todas as dimensões
da vida, inclusive, no serviço aos mais vulneráveis social e economicamente.
Esta publicação une, integra e conecta teoria e prática, pois o “o que” é tão importante
quanto o “como” diante do objetivo de tornar concreta nossa fé. Como disse Tiago, em
seu livro bíblico homônimo: “a fé sem obras é morta”, (Tg 2:17). Por isso, queremos dar
conceitos, mas também ferramentas para os cristãos realizarem intervenções intencio-
nais, estratégicas e planejadas, sem cair no “tecnicismo” vazio ou na superficialidade do
chamado “marketing social” sem consistência.
Na Unidade I, você aprenderá, principalmente, que a missão cristã tem a natureza de
transformação integral e que ela pode, sim, influenciar todas as áreas da vida, porque
cremos que Deus se preocupa com toda a vida. Na Unidade II, aprenderemos os funda-
mentos teóricos de uma cosmovisão realmente cristã, que coloca-se como “óculos” para
ler o cenário da realidade complexa dos nossos dias. Na Unidade III, o tema principal é
ética social e suas relações com a igreja diante dos desafios contemporâneos, mas não
somente isso; vamos, também, aprender sobre o conceito bíblico de “diaconia”, espiritu-
alidade e direitos humanos, ressaltando a importância de sermos igrejas cristocêntricas.
Na Unidade IV, vamos conversar sobre Políticas Públicas – um tema fundamental em
uma nação democrática, mas ainda injusta como o Brasil é. Quais os princípios fundan-
tes sobre a responsabilidade social presentes no Antigo Testamento? Quais as implica-
ções sociopolíticas no significado do Evangelho e da prática missionária da igreja? O
que é Advocacy? Vamos conhecer o estudo de caso de uma igreja que nasceu igreja,
mas que estendeu suas ações no âmbito das políticas públicas de forma bem-sucedida.
E, por fim, a Unidade V traz uma série de ferramentas para iniciar-se - e desenvolver – um
programa de intervenção social relevante, sustentável e que gere transformações inte-
grais nas vidas das pessoas e das comunidades.
Como você pode perceber, este livro traz elementos importantes para pensar-se uma
ordem social que reflita o caráter de justiça de Deus, bem como sugestões práticas para
que a Igreja de Cristo cumpra seu papel num mundo em crise e necessitado de ações
transformadoras.
UNIDADE I
15 Introdução
41 Considerações Finais
46 Referências
47 Gabarito
UNIDADE II
51 Introdução
73 Considerações Finais
78 Referências
79 Gabarito
10
SUMÁRIO
UNIDADE III
83 Introdução
112 Referências
113 Gabarito
UNIDADE IV
117 Introdução
150 Referências
151 Gabarito
UNIDADE V
157 Introdução
192 Referências
193 Gabarito
195 Conclusão
Professor Me. Mauricio José Silva Cunha
INTEGRALIDADE E MISSÃO
I
UNIDADE
TRANSFORMADORA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender a fundamentação bíblico-teológica da integralidade da
Missão e da responsabilidade social da Igreja.
■■ Adquirir uma visão abrangente e integrada das implicações
missiológicas do conceito de Reino de Deus como tema central das
Escrituras, em contraposição ao dualismo grego.
■■ Entender o conceito de esfera de soberania e o modelo reformado de
sociedade.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Introdução a uma teologia bíblica integral
■■ Chave hermenêutica e equívocos interpretativos
■■ O Dualismo Grego e a sua influência na missiologia da Igreja
■■ As implicações do dualismo grego para uma visão das Vocações
Humanas
■■ O senhorio de Cristo sobre os diferentes domínios sociais
15
INTRODUÇÃO
Introdução
16 UNIDADE I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
INTRODUÇÃO A UMA TEOLOGIA BÍBLICA INTEGRAL
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Missão da Igreja deve ser, portanto, mais do que o povoamento do céu, a
tradução da ação de Deus para o discipulado de nações. A fé deve dar conta da
realidade, urge a compreensão de uma missiologia integral como fundamento
efetivo para nossa ética e nossa responsabilidade diante da sociedade.
Essa compreensão deve nos levar a uma ação mais efetiva e transformadora,
fundamentando e orientando aquilo que, muitas vezes, já acontece na prática de
forma amadora e intuitiva. Vemos indivíduos cristãos e igrejas empreendendo
um esforço grande para, de alguma forma, impactar a sua comunidade, ou um
grupo de pessoas em condições de vulnerabilidade ou marginalidade.
Os missionários no campo transcultural, ou não, estão envolvidos na mais
ampla gama de atividades. Eles estão plantando igrejas, mas estão também ensi-
nando a plantar, construindo escolas, lutando contra injustiças, trabalhando em
centros de saúde etc. O campo, a vida real, exigem da Igreja e do seu povo um
engajamento integral, quer ela queira, quer não.
Sempre que nos aproximamos da Bíblia, usamos óculos e isso ocorre sempre
com todos nós. Não estou me referindo aos óculos físicos, mas aos óculos da
nossa cultura, dos nossos valores, da nossa família, e da experiência cultural,
religiosa e subjetiva que acumulamos.
Podemos chamar esses óculos de cosmovisão ou visão de mundo, e todos
nós os usamos constantemente, pois a ausência deles significaria a ausência de
sentido e significado, ou seja, um mergulho no caos. Esses óculos fazem a media-
ção entre conteúdo e o que absorvemos e interpretamos dele.
Ao fazer essa mediação sócio-analítica, eles são encarregados de conferir
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sentido ao todo da revelação. Como estamos continuamente em busca de sen-
tido e significado, não conseguimos ficar sem os óculos. Não conseguimos nos
despir totalmente deles, pois tirar os óculos significaria deixar de ser, o cair no
caos ou o completo esvaziamento. Seja como for, os óculos estarão sempre lá,
moldando a nossa maneira de ver, perceber e interpretar.
Podemos usar o livro do Êxodo como exemplo: a história de um povo opri-
mido e de um povo opressor. O relato do Êxodo nos mostra a impressionante
saga de libertação do povo de IsraeI rumo à Terra Prometida. Ao lê-lo, isso pode
fazer tanto sentido para alguém, em seu contexto, que é utilizado como chave
hermenêutica para o todo da revelação. A tarefa primordial de Deus passa a ser
libertar o oprimido do seu opressor.
Jesus se torna um mero ativista sociopolítico, sempre privilegiando o cui-
dado dos pobres e oprimidos. Começamos a transformar um princípio relativo
e fundamental em princípio absoluto, orientador de toda a Verdade, em res-
posta à realidade social que nos cerca. Nasce uma teologia ou uma missiologia
e, neste caso, podemos citar a Teologia da Prosperidade, que teve um impacto e
uma contribuição importante, especialmente na América Latina, apresentando
importantes contribuições para a compreensão da Igreja sobre sua Missão e sua
relação com a cultura, mas que, como sistema teológico completo, orientador de
mundo, entendemos ser insuficiente e um equívoco hermenêutico.
No outro extremo, um exemplo poderia ser relacionado aos textos que falam
sobre prosperidade. Sabemos que a Bíblia apresenta um modelo holístico de
prosperidade, e que há diversos textos que abordam essa questão, inclusive sobre
Entendemos o reino de Deus como todo lugar ou todo ambiente onde Deus Reina.
O reino de Deus é o governo de Deus, a plena manifestação da Sua vontade.
Afirmar que o reino de Deus é chegado a nossa vida é afirmar que o Governo de
Deus chegou a nós. Isso abre para a possibilidade de ampliar o escopo da nossa
Missão, pois passamos a entender que o reino de Deus vai além da própria igreja,
assim como as implicações sociais deste Governo.
Ao nos ensinar a orar (seja feita a Tua vontade, assim na terra como nos céus
- Mateus 6:10), Jesus nos ensina que o reino de Deus está associado à vontade
de Deus, e que a manifestação desse reinado é terrena, ou seja, embora seja um
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reino celestial, seus sinais se manifestam na Terra, criação sua, para a Glória de
Deus. O campo de batalha é aqui!
O reino de Deus compreendido como vontade, governo e domínio de Deus
nos leva a perguntar: então, porque a Igreja existe? Podemos dar infinitas res-
postas a essa pergunta: ela existe para proclamar, servir, amar. Porém, ao final
do dia, a razão última da existência da Igreja é: para que Deus governe! Para isso
damos o dízimo, fazemos missões transculturais, temos ministério de casais,
criamos as nossas organizações... a sinalização do reino é a razão da existência
da Igreja, portanto, o cerne da sua Missão.
O reino de Deus é a volta do governo sobre todas as coisas criadas para as
mãos de quem nunca deveria ter saído. Diferenciamos o Governo de Deus da
Soberania de Deus. Sua soberania permanece para sempre, mas em sua pró-
pria soberania Deus deu a liberdade ao homem como cocriador e cogestor da
criação, e este, ao pecar, distanciou-se de Deus, levando toda a criação consigo.
Deus é soberano, mas o Governo dEle ainda não está estabelecido sobre toda
a Criação. A obra de Deus consiste em restaurar todas as coisas, reconciliar con-
sigo mesmo toda a criação, que está em rebelião contra Ele. Esta é a essência do
relato bíblico, desde Gênesis até Apocalipse.
A história bíblica pode ser resumida na camada tríade bíblica teológica refor-
mada: criação, queda e redenção. É como se, para entender um enredo que é
complexo, apontássemos três grandes acontecimentos em que todos os elementos
do enredo devem se enquadrar e fazer sentido, à luz destes três acontecimentos.
A Bíblia é a história de uma Criação, de uma Queda e de uma Redenção.
Sabemos que Deus é o criador de todas as coisas. O argumento lógico é que, se
Deus é o criador de todas as coisas, não pode haver nenhum aspecto da cria-
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ção sobre o qual ele não tenha interesse ou não deva governar. Em nossa ênfase
soteriológica, esquecemos que a Criação toda pertence a Deus, que Ele ama a
Sua criação, e que a Criação, em si, é boa.
Contudo, a Bíblia deixa claro, no relato de Gênesis, que os plenos desígnios
de Deus não se cumpriram. A liberdade do homem e o seu pecado abriu espaço
para a manifestação do segundo elemento da tríade: a Queda.
Quais os aspectos da Criação foram afetados pela Queda? Esta é uma per-
gunta muito importante, pois o terceiro elemento (a Redenção), só faz sentido
a partir do segundo (a Queda). Só é necessário haver uma Redenção porque
houve uma Queda e, por isso, a compreensão da Queda, muitas vezes negligen-
ciada, é tão importante.
Entendemos que todos os elementos da Criação foram afetados pela queda,
caracterizando o conceito reformado de “depravação total”. O que isso quer
dizer? Este conceito não diz respeito à intensidade do pecado, mas à sua ampli-
tude. Todas as dimensões de Criação foram afetadas pelo pecado. Tudo caiu,
logo tudo pode ser redimido. Nesse sentido, a Queda não afetou apenas a alma
humana, como muitas vezes tem sido a ênfase da nossa teologia. Um texto que
nos ajuda a compreender isso é o de Romanos 8:19-21:
A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de
Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas
por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação
será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos
filhos de Deus (Romanos 8:19-21).
Em nossa ênfase reducionista, afirmamos que nossa missão como Igreja é levar
pessoas a um relacionamento com Deus, ensinando-os a ser apenas religiosos.
Embora isso não seja errado, é incompleto, ou seja, não abarca toda a verdade
bíblica. A redenção, por definição, tem que ser maior que a Queda. Essa compre-
ensão é radical e muda a nossa proposta missiológica. Aqui está o fundamento
da nossa responsabilidade social e da integralidade da Missão.
Esta verdade está permeada em toda a Escritura, mas o texto de Colossenses
1:15-20 a deixa ainda mais evidente:
Este é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação;
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pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as vi-
síveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados,
quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de
todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a cabeça do corpo, da igreja.
Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as
coisas ter a primazia, porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda
a plenitude que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio
dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra,
quer nos céus (Colossenses 1:15-20).
Vemos aqui que, em seis versos, quando fala da pessoa e da obra de Cristo, o
apóstolo Paulo apresenta oito vezes a noção de totalidade ou de integralidade, e
o versículo 20 evidencia a redenção de todas as coisas tocadas pelo pecado. Da
mesma forma, o discurso de Pedro no templo, em Atos 3:18-21, destaca a inte-
gralidade da obra redentora de Cristo:
Mas Deus, assim, cumpriu o que dantes anunciara por boca de todos
os profetas: que o seu Cristo havia de padecer. Arrependei-vos, pois, e
convertei-vos para serem cancelados os vossos pecados, a fim de que, da
presença do Senhor, venham tempos de refrigério, e que envie ele o Cris-
to, que já vos foi designado, Jesus, ao qual é necessário que o céu receba
até aos tempos da restauração de todas as coisas, de que Deus falou por
boca dos seus santos profetas desde a antiguidade (Atos 3:18-21).
vivendo a vida Coram Deo (MILLER, 2003), ou seja, a vida que deve ser vivida
integralmente diante da face de Deus. A compreensão da integralidade da mis-
são e das implicações éticas disso é muito mais do que uma ideologia ou um
modismo, pois é bíblico e está profundamente arraigado nas Escrituras Sagradas.
O fundamento sólido da Integralidade da Missão se dá pela compreensão
do oniabrangente Reino de Deus. A chegada do Reino em nossas comunidades,
cidades e nações, traria implicações abrangentes, afetando todas a áreas da vida.
Logo, se a Missão da Igreja é, em última análise, a manifestação do Governo de
Deus, ou seja, a chegada do Seu reino, ainda que não completamente, é sua mis-
são atuar em todos os domínios sociais, como agente da sinalização desse reino
e do Senhorio Cósmico de Cristo sobre todas as dimensões da Vida.
Missão Integral não pode, portanto, ser confundida com evangelismo e cesta
básica. Vai muito além do que fazer ação social e cuidar do pobre, é muito mais
abrangente do que isso, e vai para muito além da ação intraeclesiástica, tendo
aplicação em todos os domínios sociais, incluindo a arte, o direito, a economia,
o Estado, a ciência, a família etc.
Não fazemos ação social como gancho para evangelizar, como desencargo
de consciência ou para suprir algo que o Governo não está fazendo. Nossa mis-
siologia não pode ser baseada na omissão de alguém! O fundamento da missão
e da nossa responsabilidade social é o resgate total de todas as áreas da vida
e de todas as dimensões da Criação. Evangelismo e ação social são, portanto,
aspectos indissociáveis do agir redentor de Deus. Da mesma forma, compre-
enderemos, aqui, ação social como ação na sociedade, e não apenas como
enfrentamento à pobreza.
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O DUALISMO GREGO E A SUA INFLUÊNCIA NA
MISSIOLOGIA DA IGREJA
Deus
ado
Sagr
Se
cu
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lar
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espírito do erro (BÍBLIA, 1 João 4:1-6).
A Dicotomia Grega
Fé
Teologia
Domingo
Mais alto
Espiritual Ética
Graça
Mais
(sagrado) Missões
importante
Vida devocional
Evangelho
Razão
Dias da semana
Ciência
Natureza
Gnosticismo Evangélico
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Deus
Espiritual
Moral >> Sagrado
Graça Teologia
Fé Evangelismo
Ética Discipulação
Missões Devocionais Natural
Disciplinas Espirituais Físico >> Secular
Guerra Espiritual
Trabalho Ciência
Razão Economia
Negócios Mídia
Política As Artes
Ministérios Físicos
Justiça Social
Dias da Semana
CORAM DEO
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Diante de Deus
Deus
Fé Raciocínio
Ciência Teologia
Administração Ética
Missões Política
Direito Evangelismo
Arte/Música A Natureza
Vida Serviço
devocional Comunitário
Pão Evangelho
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A concepção dicotômica da realidade e sua influência na vida do trabalho
pode ser melhor traduzida pelos ensinamentos de Eusébio, bispo de Cartago,
no século IV. Ele ensinou:
Dois modos de vida foram dados pela lei de Cristo à Sua Igreja. O pri-
meiro é acima da natureza e além da vida humana comum… plena-
mente e permanentemente separada da vida comum e costumeira do
ser humano, ela se devota somente ao serviço de Deus… esta é a forma
perfeita da vida Cristã.
O segundo, mais humilde e mais humano me permite possuir capacidade
para agricultura, comércio e para outros interesses mais seculares como
também para religião… E um tipo secundário de graça é atribuído aos tais.
Segundo Miller (2012), esta é a essência da vida Coram Deo, pregada pelos refor-
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O SENHORIO DE CRISTO SOBRE OS DIFERENTES
DOMÍNIOS SOCIAIS
a. Esfera pística – esta é a esfera da fé (do grego pisthos, fé). Ela existe para
nutrir a fé. Nesta esfera está a igreja local, os seminários teológicos, as
agências missionárias para a propagação da fé.
b. Esfera ética – esta é a esfera do casamento e da família, governada pelo
amor.
c. Esfera estética – esta é a esfera da arte, governada pela beleza, existe para
a expressão do Belo (o Criador).
d. Esfera jurídica – esta é a esfera do Estado, governada pela lei da Justiça.
Aqui também estão os movimentos de pressão e os partidos.
e. Esfera lógica – esta é a esfera do conhecimento, onde está a produção do
conhecimento científico e as Universidades.
f. Esfera econômica – esta é a esfera do mercado, o domínio social das
empresas, da produção de riqueza para o bem comum (CARVALHO
2006; DOOYEWEERD, 1986).
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esfera da fé), tem como finalidade a nutrição da fé. Todos os demais atribu-
tos (beleza estética do culto, arrecadação financeira, gestão por competências
etc.) podem e devem existir em harmonia, mas a finalidade é prioritária e não
pode faltar. Os demais atributos e características devem estar a serviço disso.
Outros exemplos são empresas que funcionam pastoralmente, como se fos-
sem igrejas, e acabam indo à falência, pois a empresa está na esfera econômica,
e não na esfera pística. Um político que, ao invés de fazer o que é justo e pro-
pagar a justiça, utiliza-se do Estado para propagar a adesão à fé ou impô-la à
sociedade, comete um equívoco, uma confusão de esferas, ferindo a ordem cria-
cional, o que causa confusão e vários problemas.
A esfera jurídica, ou do Estado, como derivação do caráter do próprio
Deus, é a esfera da Justiça. O cristão que tem vocação para a política exerce o
seu trabalho na arena política para que a Justiça se manifeste, e não para que
a fé se propague (embora isso também possa e deva acontecer como resultado
do seu testemunho).
Logo, a sua preocupação deve ser: o que é justo para todos os cidadãos? Que
tipo de decisão ou de política pública vai gerar uma sociedade com mais justiça,
equidade, prosperidade e solidariedade? A confusão de esferas causa desequilí-
brio e toda sorte de equívocos, abusos e problemas.
Dentro do princípio do homem como cogestor da criação e como aquele a
quem Deus instituiu autoridade sobre a criação, compreendemos que cada esfera
possui as respectivas classes de pessoas que exercem autoridade sobre aquele
domínio social específico, a partir de um chamado ou uma vocação dada por
Deus. Desta forma, o prefeito não pode dizer à igreja como praticar os sacramen-
tos. Da mesma forma, o pastor não deve dizer ao cientista como fazer a pesquisa
científica, nem ao prefeito como governar.
Karl Barth foi um dos primeiros teólogos a articular o conceito de Missio Dei,
que diz respeito à ideia de missão como atividade de Deus mesmo, e não
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outras esferas. Segundo esta teoria, o reino de Deus seria caracterizado pela har-
monia dos domínios sociais, que respeitariam uns aos outros. Sempre que uma
esfera se coloca no centro, tentando governar as demais, ou mesmo tentando
“achatar as demais”, Dooyeweerd (1986) chama isso de tirania.
Alguns exemplos históricos podem ser citados. Um deles seria a Igreja domi-
nando todas as esferas na Idade Média (o domínio do papa sobre os reis, a arte
sacra como a única legítima etc.). Outro exemplo poderia estar relacionado às
várias tentativas do Estado de legislar sobre a consciência das pessoas e dominar
sobre todas as demais áreas, em diversos momentos da história, gerando totali-
tarismo, violência, discriminação e até genocídios e guerras.
Atualmente, vivemos a tirania da esfera econômica ou esfera do mercado. A
manifestação disso na Igreja, atualmente, está na constatação de que ela se torna
um empreendimento econômico-religioso e as evidências de uma vida de fé se
confundem pelas evidências do próprio mercado, ou seja, a bênção divina repousa
(ou, no mínimo, é enfatizada) sobre a prosperidade material. O mercado domina
a produção cultural e artística, as relações e as decisões das pessoas e dos países.
Nesta visão reformada, que foi brilhantemente sistematizada pelo neocalvi-
nismo holandês, as esferas devem ser integradas e harmônicas. Isso caracteriza
uma visão cristã de sociedade, em que a família, o Estado e a Igreja, assim como
cada uma das instituições sociais, têm, cada qual, o seu devido lugar, exercendo
o seu papel com clareza a cooperando entre si.
dos específicos em cada uma das esferas. Nesse sentido, cremos em ministérios
de referência específicas, caminhando lado a lado com as igrejas locais, ou pasto-
rais que apoiam os cristãos em seu chamado para os diferentes domínios sociais.
Assim, temos ministérios, organizações e instituições cristãs voltadas exclu-
sivamente para a área da educação, por exemplo, formulando novos currículos,
ensinando crianças a pensar de acordo com os princípios das Escrituras, fun-
dando escolas e influenciando as políticas públicas na área da educação.
Os educadores devem conhecer este trabalho e ser capacitados por estas inicia-
tivas, a fim de serem melhores obreiros de transformação. O mesmo acontece
entre artistas cristãos, políticos, cientistas, empresários etc. As esferas estão orga-
nizadas em instituições e ministérios que devem sempre andar em harmonia e
cooperação com as igrejas locais e nunca competir com elas.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
42
1. De acordo com o que foi abordado nesta unidade, diante do escopo abrangente
da ação cristã em uma sociedade ao longo dos séculos cada vez mais complexa
e dinâmica, assinale a alternativa correta:
a) O dualismo sagrado versus profano, ou dualismo grego, exerceu influência
decisiva na formação do gnosticismo evangélico, presente ainda hoje na te-
ologia e missiologia cristã.
b) A vida cristã coram deo, que quer dizer “diante de Deus” ou “perante a face de
Deus” foi um dos lemas da Reforma Protestante.
c) Eusébio, bispo de Cartago, pregava dois modos de vida cristã, influenciando
até hoje uma visão fragmentada da vida vocacional.
d) A esfera pística é a esfera de nutrição da fé, onde se encontra a igreja local e
as agências missionárias com ênfase na implantação de igrejas.
e) Todas as anteriores estão corretas.
2. A compreensão mais fundamentada acerca da integralidade da missão, ética
cristã e responsabilidade social da igreja baseia-se em uma compreensão acerca
do próprio reino de Deus, sua definição e abrangência. Discorra sobre o concei-
to de Reino de Deus e sua relação com a responsabilidade social da Igreja.
3. A história bíblica pode ser resumida na chamada tríade bíblica teológica refor-
mada: criação, queda e redenção. É como que se para entender um enredo que
é complexo, apontássemos três grandes acontecimentos em que todos os ele-
mentos do enredo devem enquadrar-se e fazer sentido, à luz destes três aconte-
cimentos. Explique e relacione a tríade bíblica teológica cristã com a respon-
sabilidade social e a natureza integral da missão.
4. A cultura greco-romana sempre influenciou o pensamento da Igreja e devemos
lembrar que, à época do Novo Testamento, esta era a cultura dominante na Pa-
lestina (MILLER, 2003). Para o dualismo grego, tudo que é espiritual, ou”etéreo” é
sagrado, e tudo que é físico e material, é profano. Nesta concepção de mundo, a
matéria é essencialmente má. Quais as implicações do dualismo grego para
uma visão das vocações humanas?
5. A compreensão da integralidade das intenções de Deus na vida vocacional e
profissional nos traz à tona a questão dos diferentes domínios sociais, ou esferas
de soberania, conforme a definição de diferentes autores. Em alguns ambientes,
as esferas são também conhecidas como áreas de influência ou os sete montes.
A ideia central é que a sociedade é composta por diferentes áreas, cada qual com
suas características específicas, e que a Igreja deve influenciar todas elas, mani-
festando o senhorio de Cristo. Apresente de forma simplificada a didática, os
exemplos destas “esferas” citados na unidade.
43
Leia uma parte das conclusões do artigo “A Missão da Igreja à Luz do reino de Deus”, de René
Padilha, um dos ícones da Teologia da Missão Integral, para reforçar o conteúdo da Unidade:
De acordo com a vontade de Deus, a Igreja Por sua morte e ressurreição, Jesus Cristo
é chamada a manifestar o Reino de Deus foi exaltado como Senhor do universo.
aqui e agora, tanto por meio daquilo que Consequentemente, todo o mundo foi
ela faz, como por meio do que proclama. colocado sob seu senhorio. A Igreja ante-
Porque o Reino de Deus já veio e está por cipa o destino de toda a humanidade. Entre
vir; a Igreja “entre os tempos” é uma rea- os tempos, portanto, a Igreja – a comuni-
lidade escatológica e histórica. Se não dade que confessa a Jesus Cristo como
manifesta plenamente o Reino, isto não se Senhor e por meio dele reconhece a Deus
deve a que o Reino dinâmico de Deus tenha como criador e juiz de todos os homens
invadido a presente era “sem a autoridade – está chamada a “participar dessa solici-
ou o poder para transformá-la na era vin- tude divina pela justiça e reconciliação em
doura”, (Nota 11. Arthur P. Johnston. Op cit., todas as sociedades humana, e pela liberta-
p. 23), mas porque a consumação não che- ção do homem de toda forma de opressão”
gou ainda. O poder que está ativo na igreja, (Pacto de Lausanne, seção 5). A entrega de
no entanto, é como a operação do poder Jesus Cristo é entrega a ele como Senhor
de Deus, o qual “exerceu ele em Cristo, res- do universo, o Rei diante do qual todo joe-
suscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o lho se dobrará, o destino final da história
sentar à sua direita nos lugares celestiais, humana. Contudo, a consumação do Reino
acima de todo principado e potestade, e de Deus é a obra de Deus. Nas palavras de
poder, e domínio, e de todo o nome que Wolfhart Pannenberg, “O Reino de Deus
se possa referir não só no presente século, não será estabelecido pelo homem. Muito
mas também no vindouro” (Ef 1:20-21). A enfaticamente, ele é o Reino de Deus (...)
missão da Igreja é a manifestação histórica O homem não é exaltado, mas degradado
deste poder por meio da palavra e da ação, quando se torna vítima de ilusões acerca
no poder do Espírito Santo. de seu poder”.
O site do Centro de Reflexão Missiológica Martureo traz densos artigos, vídeos e dicas de cursos
sobre questões contemporâneas da missão da Igreja.
Disponível em: <https://www.martureo.com.br>.
O artigo “Missão Integral e a Grande Comissão – as cinco marcas da missão”, de Chris Wright,
apresenta visão panorâmica sobre os conceitos principais da missão contemporânea. Verifique no
link disponível em: <https://www.martureo.com.br/missao-integral-e-a-grande-comissao/>.
Material Complementar
46
REFERÊNCIAS
5.
■■ Esfera pística – esta é a esfera da fé (do grego pisthos, fé). Ela existe para nutrir
a fé. Nesta esfera está a igreja local, os seminários teológicos, as agências mis-
sionárias para a propagação da fé.
■■ Esfera ética – esta é a esfera do casamento e da família, governada pelo amor.
■■ Esfera estética – esta é a esfera da arte, governada pela beleza, existe para a
expressão do Belo (o Criador).
■■ Esfera jurídica – esta é a esfera do Estado, governada pela lei da Justiça. Aqui
também estão os movimentos de pressão e os partidos.
■■ Esfera lógica – esta é a esfera do conhecimento, onde está a produção do
conhecimento científico e as Universidades.
■■ Esfera econômica – esta é a esfera do mercado, o domínio social das empresas,
da produção de riqueza para o bem comum (CARVALHO, 2006; DOOYEWEERD,
1986).
Professor Me. Mauricio José Silva Cunha
II
COSMOVISÃO CRISTÃ:
UNIDADE
ÉTICA, JUSTIÇA E
TRANSFORMAÇÃO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Definir conceito e importância de uma cosmovisão cristã.
■■ Apontar propostas distintas de uma cosmovisão cristã reformada
diante dos dilemas atuais.
■■ Analisar características propositivas da cosmovisão cristã no
desenvolvimento social.
■■ Discorrer sobre o conceito da justiça social e da compaixão cristã no
contexto da luta contra a pobreza.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Cosmovisão: conceito e relevância
■■ Elementos essenciais da Cosmovisão Cristã e sua relação com a Ética
Social
■■ Construímos nossas sociedades baseados nos deuses que cultuamos
■■ Justiça Social e Compaixão bíblica
51
INTRODUÇÃO
Introdução
52 UNIDADE II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
COSMOVISÃO: CONCEITO E RELEVÂNCIA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
espiritual e cultural.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ELEMENTOS ESSENCIAIS DA COSMOVISÃO CRISTÃ E
SUA RELAÇÃO COM A ÉTICA SOCIAL
Isto é, antes de ser o Deus salvador, Ele é o Deus criador e apenas Ele é a
fonte da ordem criada. Na ordem criacional, assim como em todo o relato bíblico,
temos os elementos fundamentais e fundantes para o estabelecimento de uma
visão cristã de mundo, capaz não apenas de interpretar o mundo, mas de trans-
formá-lo, por meio do discipulado de indivíduos, comunidades e nações. Neste
sentido, o principal desafio do cristianismo em relação à cultura contemporânea
não seria uma oposição de detalhes, mas de princípios gerais, ou seja, a proposta
da cosmovisão cristã reformada seria “apresentar princípios gerais do cristia-
nismo que nos orientarão na sua integração com as diversas dimensões da vida,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ O Homem como co-criador, chamado por Deus para ser gestor da Criação,
e, portanto, com responsabilidade e com a incumbência de ser autor da
própria história. Vemos estes princípios nos textos de Gênesis:
Também disse Deus: façamos a homem à nossa imagem, conforma a
nossa semelhança, tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as
aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre
todos os répteis que rastejam sobre a terra (BÍBLIA, Gênesis 1:26).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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intrínsecas, ou seja, do valor natural da mulher conferido pelo Criador.
“Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não pegue”
(BÍBLIA, Eclesiastes 7:20).
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para uma ética cristã no manejo ambiental. Em contraste com outras
cosmovisões, a fé cristã traz uma visão muito peculiar da relação do ser
humano com a criação, ao compreendê-lo como mordomo, administra-
dor e regente na natureza criada. Para a visão cristã de mundo, a maneira
como o Homem administra os recursos naturais está submetida ao senho-
rio e à soberania de Deus e em obediência aos seus princípios.
Desta forma, toda ação humana no meio ambiente deve ter um compo-
nente moral e teocêntrico, ou seja, há limites éticos para essa ação, à luz
do bem comum para as futuras gerações. Ao contrário da visão huma-
nista (abordagem antropocêntrica), que coloca apenas o próprio homem
e os seus interesses no centro, a visão cristã impõe limites para a ação do
mercado e dos interesses financeiros sobre a natureza, buscando a oti-
mização de recursos, mas também a busca do bem comum, tendo como
pano de fundo a celebração da Criação como a boa obra de Deus.
O ser humano deixa de ser mero “consumidor de recursos” – mais que
isso, de ter o seu valor atrelado à sua capacidade de consumo – para assu-
mir o seu papel de fiel mordomo regente da criação, impondo a si mesmo
limites para sua latente ganância e tendência autodestrutiva.
Por outro lado, a cosmovisão cristã também se opõe à visão animista, que
idolatra as forças da natureza (abordagem biocêntrica), submetendo o
A “Natureza” da Natureza
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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CONSTRUÍMOS NOSSAS SOCIEDADES BASEADOS
NOS DEUSES QUE CULTUAMOS
Embora saibamos que cada indivíduo possui a sua própria cosmovisão, pode-
mos afirmar que há certos “traços de regularidades”, padrões mais ou menos aceitos
por uma grande parcela de determinado grupo coletivo, influenciando a maneira
como este grupo se organiza, o que ele valoriza, as instituições que cria e os com-
portamentos que legitima e aprova - é o que chamamos de “mente coletiva”. Os
padrões da mente coletiva, baseados em crenças relativamente comuns em uma
dada sociedade, determinam os seus valores. Os valores, por sua vez, governam
as vidas das pessoas, moldando os seus comportamentos. E os comportamentos
manifestam as consequências que vivemos em uma dada realidade social.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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dessas crenças. Isso acontece porque não suportamos cair no vazio e no caos da
ausência de sentido, da desorganização do mundo.
Isto é, mesmo que o mundo mostre o contrário, a tendência é que as cren-
ças sejam afirmadas, e não transformadas. Porém, isso não nos deve levar a
uma visão determinista. A fé cristã sempre vai abrir espaço para a mudança
e para a transformação, e não permite o fatalismo e a resignação passiva do
mal. Cremos que a transformação é possível, no nível individual e coletivo,
pelo ensino da verdade, no poder do Espírito Santo e pela vivência desta ver-
dade na experiência de mundo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
paixão e a justiça social. Esse compromisso é muito mais do que uma emoção
ou um sentimento, mas uma escolha ética que nasce também da Imago Dei – a
consciência da imagem de Deus em cada ser humano, conferindo a ele digni-
dade inalienável e valor infinito.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
lidade de uma sociedade em permitir que a família, a igreja e as organizações e
associações de base comunitária florescessem, para o bem da coletividade. Suas
ideias influenciaram, também, a encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII,
de 1891. Embora hoje, muitas vezes, o termo “justiça social” possa estar asso-
ciado apenas ao discurso “de esquerda” e de ações do Estado para redistribuição
da riqueza, sua origem tem base teológica e cristã.
Com a secularização da sociedade ocidental, a “linguagem da compaixão”
- que significa, em termos bíblicos, “sofrer com alguém, junto, com paixão”, foi
sendo gradualmente substituída pela “linguagem de direitos”, influenciando a
noção de justiça social, que passou a ter um enfoque impessoal, burocrático e
programático, e não mais baseado nas relações humanas. Esse movimento de
secularização levou e Igreja a restringir o escopo na sua ação e a compreensão
da sua missão, ao ponto de o conceito de justiça social ter sido ressignificado em
termos gerais ou, até mesmo, esquecido ou negligenciado.
A contribuição cristã para o debate acerca da erradicação da pobreza, tal-
vez, resida na compreensão de que a raiz para a injustiça é cultural, baseada na
cosmovisão das comunidades e nações e não apenas econômica. Esta última,
é apenas uma consequência da primeira, tendo em vista que o alicerce para a
pobreza material está na “pobreza de mentes e corações”, em padrões culturais
caídos e distantes dos valores do Reino de Deus. Na cosmovisão cristã, a trans-
formação social e cultural é possível pela aplicação da Verdade em todos os
domínios sociais, como resultado da compaixão e do serviço.
DE PARA
Serem humanos criados à imagem de
Seres humanos como animais racionais
Deus
Sofrer com Pena ou sentimentalismo
Fazer o bem Sentir-se bem
Compartilhamento de si, do tempo e
Doar dinheiro (para aliviar a culpa)
dos talentos
Fonte: Miller (2015, p. 55).
A ideia cristã de justiça social deriva do conceito bíblico de compaixão que, por
sua vez, está ancorado na natureza do próprio Deus. Ela está baseada na respon-
sabilidade individual, de cada pessoa, com o seu próximo, para somente depois
alavancar outros níveis de responsabilidade (família, grupos comunitários, igre-
jas, associações, governos, organismos internacionais).
Ela se expressa num compromisso ético e moral, que pode ou não envolver
sentimentos, devendo sempre levar a ações concretas de serviço incondicional
ao ser humano, criado à imagem de Deus. A manifestação desta justiça implica
renúncia, “sofrer com”, identificação e doação de si, para muito além de progra-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mas, projetos e políticas. Este é o diferencial, é a contribuição única e peculiar
da Igreja para que a justiça do Reino de Deus se manifeste na terra.
A compaixão, portanto, não é um mero sentimento fabricado. Ela nasce no
coração de quem leva a sério a própria natureza de Deus e ganha forma no cará-
ter corajoso de quem segue a Cristo nos lugares mais necessitados deste mundo.
Assim como Jesus Cristo, que nossos olhares estejam treinados para enxergar, com
compaixão, “aqueles que estão como ovelhas sem pastor” (BÍBLIA, Mateus 9:36).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
74
Sem dúvida, as boas obras de Jesus não Mateus 9.36: “Vendo ele as multidões, com-
devem ser entendidas somente como padeceu-se delas, porque estavam aflitas e
evidência da presença do reino de Deus exaustas, como ovelhas que não têm pas-
e da derrota do reino de Satanás. Foram, tor”.
além disso, e principalmente, frutos de
sua própria compaixão. Essa era a moti- Marcos 6. 34 acrescenta: “E passou a ensi-
vação suprema de seus serviços! Jesus se nar-lhes muitas coisas”.
comovia profundamente ao ver a neces-
sidade humana, e isso o movia à ação. Ao Mateus 14.14: “Desembarcando, viu Jesus
examinarmos algumas passagens que nos uma grande multidão, compadeceu-se dela
servem de exemplo, encontramos sempre o e curou os seus enfermos”.
mesmo esquema de ação. Em cada caso, foi
uma tremenda necessidade humana que Marcos 8.2-3 e Mateus 15.32: “Naqueles dias,
despertou o interesse de Jesus. quando outra vez se reuniu grande multi-
dão, e não tendo eles que comer, chamou
Marcos 1.40-41: “Aproximou-se dele um Jesus os discípulos e lhes disse: Tenho com-
leproso, rogando-lhe, de joelhos: Se paixão desta gente, porque há três dias que
quiseres, podes purificar-me. Jesus, pro- permanecem comigo, e não têm o que
fundamente compadecido, tocou-o e disse: comer. Se eu os despedir para suas casas
“Quero, fica limpo!”. em jejum, desfalecerão pelo caminho; e
alguns deles vieram de longe”.
Lucas 7.11-14: “...dirigia-se Jesus a uma
cidade chamada Naim, e (...) como se apro- Quer se tratasse de multidões ou indiví-
ximasse da porta da cidade, eis que saía duos, a sequência era a mesma. A primeira
o enterro do filho único de uma viúva; e coisa que fazia era ver. O verdadeiro amor
grande multidão da cidade ia com ela. Ven- está sempre observando com atenção, e
do-a, o Senhor se compadeceu dela e lhe os olhos de Jesus jamais estiveram fecha-
disse: Não chores! Chegando-se, tocou o dos ante a necessidade humana. Ninguém
esquife e, parando os que o conduziam, podia acusá-lo de ser como o sacerdote ou
disse: “Jovem, eu te mando: Levanta-te”. como o levita da parábola do bom samari-
tano. De ambos se diz “vendo-o (...)”, mas
Não eram somente as necessidades indi- não viram corretamente, porque passa-
viduais que despertavam a compaixão de ram “de largo” (Lc 10.31-32). Em contraste,
Jesus, mas também as necessidades das Jesus viu corretamente, pois não temia
multidões, que ele viu como “ovelhas sem encontrar-se cara a cara com a necessi-
pastor”, ou “porque havia muitos enfermos dade humana e toda a sua angustiosa
entre eles”, ou “porque não havia comido realidade. E quando viu, inevitavelmente
por vários dias e estavam famintos”. foi movido à compaixão e a um serviço
76
efetivo. Algumas vezes, expressou o seu Esses versículos são precedidos da surpre-
sentimento com palavras, mas jamais sua endente afirmação de que pelo sacrifício
compaixão se diluiu somente em palavras. de Jesus nós “conhecemos o amor”. O que
Sempre foi concretizada em atos. Viu, sen- João quer dizer é que o mundo jamais teria
tiu e agiu. A motivação para a ação passou conhecido o verdadeiro significado de amor
dos olhos ao coração e daí para as mãos. se não tivesse sido pela cruz de Cristo. “Mas
Tinha sempre compaixão ao ver a neces- isso é ridículo” – poderá replicar alguém
sidade humana, e sempre a demonstrava – “todos nós conhecemos o verdadeiro sig-
com uma ação positiva. nificado do amor. Não necessitamos de que
Jesus nos ensine”. Dificilmente essas pala-
E assim o apóstolo João, inspirado pela ine- vras críticas poderiam mudar a opinião do
xorável lógica dessa compaixão, volta ao apóstolo João. E a explicação consiste em
tema em sua primeira carta. Certamente, que todos os amores humanos tornam-
João assimilou bem a lição, ao escutar e -se pequenos perto do amor supremo.
observar Jesus em seus ensinos e ações. Por Muito amor humano é bom e nobre, mas
isso, escreve: “Nisto conhecemos o amor, em algum grau oculta motivos ulteriores
em que Cristo deu a sua vida por nós; e ou é uma mescla de generosidade e ego-
devemos dar nossa vida pelos irmãos. Ora ísmo. Somente um ato de amor puro foi
aquele que possuir recursos desde mundo realizado na história humana, e este é o
e vir a seu irmão padecer necessidade e sacrifício de Jesus na cruz. Na cruz Jesus
fechar-lhe o seu coração, como pode per- amou – e amou com amor perfeito. Ali ele
manecer nele o amor de Deus? Filhinhos, deu tudo o que tinha: deu-se a si mesmo,
não amemos de palavra, nem de língua, por aqueles que não mereciam nada, que
mas de fato e de verdade” (1 Jo 3.16-18). eram simples pecadores como nós.
O site do L´Abri Fellowship Brasil apresenta a proposta, a estrutura, material teológico e cursos
de formação da comunidade cristã fundada por Francis Schaeffer, um dos primeiros teólogos
que refletiram sobre cosmovisão cristã e que foram lidos no Brasil. Visite a página e conheça uma
proposta prática de estudo e acolhimento com raízes teológicas de reflexão entre a fé cristã e a
cultura atual. Disponível em: <https://www.labri.org.br/>.
Material Complementar
78
REFERÊNCIAS
4. Quais são os sinais do Reino que se observam na realidade social (como manifes-
tações da graça comum ou do agir de Deus) e que devem ser afirmados?
Quais são os sinais da Queda que se observam nas crenças, valores e compor-
tamentos individuais e coletivos (como manifestações da ideia de “depravação
total”) e que devem ser transformados?
GABARITO
III
ÉTICA: CONCEITO,
UNIDADE
FUNDAMENTOS E
RESPONSABILIDADE SOCIAL
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender os conceitos de ética na Filosofia.
■■ Entender a importância de uma igreja cristocêntrica diante dos
desafios sociais contemporâneos.
■■ Discutir o papel de uma teologia e de uma espiritualidade
socialmente responsáveis.
■■ Definir o significado da “diaconia” nos textos bíblicos e seu impacto
em uma evangelização transformadora.
■■ Relacionar os conceitos de direitos humanos com a ética cristã.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Ética: conceito e fundamentos filosóficos
■■ Igreja e Ética Cristocêntrica e Responsabilidade
■■ Ética, teologia e espiritualidade
■■ Diaconia, Cidadania e Ação Evangelizadora
■■ Ética, Igreja e Direitos Humanos
83
INTRODUÇÃO
Introdução
84 UNIDADE III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ÉTICA: CONCEITO E FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS
social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Nesse sentido, a ética, embora
não possa ser confundida com as leis, está relacionada com o sentimento de jus-
tiça social. Ela é construída por uma sociedade com base nos valores históricos
e culturais. Do ponto de vista da Filosofia, a Ética é uma ciência que estuda os
valores e princípios morais de uma sociedade e seus grupos.
Pallister (2002, p. 11), nos ensina que:
[...] a ética pode ser definida como um conjunto de normas que orientam
o comportamento e vivência em sociedade. Desde tempos pré-filosóficos
que existe o discurso ético, fazendo parte, por exemplo, dos códigos de leis
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Um dos grandes ícones que influenciou o pensamento cristão no campo da
ética é Agostinho. Para ele, a educação, a razão ou a contemplação, tão estima-
das pelos gregos, por si só não poderiam levar o homem a agir de forma ética. A
graça de Deus era imprescindível para transformar o coração humano.
Ele se ocupou com a ética social, e não apenas pessoal, mas, ao fazer uma
separação radical entre a “cidade de Deus” e a “cidade dos homens”, apresenta
um enorme pessimismo em relação à possibilidade de influenciar a sociedade e
um dualismo que o impedia de cultivar qualquer tipo de esperança, ainda que
relativa, para implantar os valores do Reino na sociedade humana. A ética de
Agostinho, com seu caráter transcendente e deontológico, influenciaria, mais
tarde, de forma inequívoca, a Reforma Protestante.
Tomás de Aquino, séculos mais tarde, não aceitou essa visão agostiniana
tão pessimista e dual, assim como herdou traços aristotélicos do imanentismo e
do consequencialismo em sua perspectiva da ética. Para ele, o bem poderia ser
atingido pela via da natureza e da graça.
A Reforma Protestante nos apresenta uma redescoberta da ética transcen-
dente da Bíblia e de Agostinho. Nela, é reforçado o conceito de depravação total
do homem e a consequente impossibilidade de ele agir bem, sem a transfor-
mação interior efetuada pela ação do Espírito. Em Calvino, as Escrituras são a
única fonte de autoridade e não se pretende aplicar as normas éticas da Bíblia
somente à comunidade de fé.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
lidade é relativa à situação em que a pessoa se encontra, sendo o único absoluto
deontológico a exigência do amor. O final do século passado, trazendo consigo a
pós-modernidade, assistiu à afirmação do pluralismo e do pragmatismo em relação
às questões de fé. No campo religioso, aquilo que funciona é aquilo que se aceita.
O supremo valor será a tolerância, e o grande pecado será dizer que alguém
está errado. Esta tolerância, logo, deve ser estendida ao campo da ética, permi-
tindo que as diferentes leituras de mundo evoquem diferentes comportamentos
éticos, que devem ser aceitos por todos. Pallister (2002, p. 18) afirma que, neste
mundo pós-moderno, “a redescoberta do mundo do sobrenatural, que poderia
ter levado a uma redescoberta da base transcendental e deontológica da ética, de
fato leva a uma ética quase totalmente imanente, subjetiva e teleológica”.
Para o autor, essa visão que evita o mundo dos absolutos representa um grande
perigo, pois não há e não pode haver certezas no campo ético, que se tornou subje-
tivista e pragmático, permitindo que cada um se centre apenas em si. Desta forma,
há um profundo contraste com a visão cristã, para a qual a ética é firmemente trans-
cendente e deontológica, embora este fato não exclua critérios imanentes (o homem
natural tem a lei escrita no seu coração – Rm 2.15) e teleológicos (o homem ganha
benefícios tangíveis por causa dos padrões éticos que assume – Efésios 6: 2 – 3 etc.).
Nesta linha, Camargo (2006, p. 178), acerca da natureza da ética, nos lem-
bra que:
[...] o pecado desordena o sistema de referência original que emana
de Deus. Assim o apelo de Cristo à igreja de Éfeso amplifica-se em sua
relevância: Arrependa-se e pratique as obras que praticava no princí-
pio – Ap 2:5. O apelo é a respeito do retorno à origem, à referência,
às coordenadas absolutas..., portanto, se o reino de Deus é a realidade
Refletindo sobre a natureza da ética, sob uma ótica cristã, deveríamos até nos
perguntar, como nos alerta Dietrich Bonhoeffer, se faz sentido falar em ética
cristã, ou se a concepção da ética, a partir da visão cristã de mundo, nos leva à
impossibilidade de qualquer outra ética:
[...] se assim mesmo o fazemos (ou seja, se ainda desejamos falar
nos termos de uma ética cristã), isso só pode significar que a éti-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É assim que, da mesma forma, o filósofo Habermas nos ensina que apenas no
teísmo bíblico é possível uma ética capaz de validar e aferir todos os demais dis-
cursos pretensiosamente éticos e, evocando Kierkegaard, afirma que “a forma de
existência ética produzida a partir do esforço próprio, só pode ser estabilizada
na relação do fiel para com Deus” (HABERMAS, 2004, p. 11).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
IGREJA E ÉTICA CRISTOCÊNTRICA E
RESPONSABILIDADE
Para Bonhoeffer, viver em comunidade é muito mais do que viver com os outros,
mas sim viver para os outros. Na comunidade, somos todos membros uns dos
outros. Para ele, a reflexão ética depende diretamente da compreensão da ação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Deus em situações concretas. “A origem, essência e alvo da nossa existência é
Deus e o próximo, na medida que eles se encontram conosco em Jesus Cristo”
(BONHOEFFER, 2001, p. 50).
A base do pensamento de Bonhoeffer acerca de uma Igreja que vive para
os outros está na sua Cristologia. Para isso, é necessário que a Igreja deixe de
viver para si mesma, e participe das preocupações, dores e anseios dos homens.
Ele queria que a Igreja fosse exatamente aquilo que Deus quer que ela seja: uma
presença serviçal entre os homens, capaz de discernir os verdadeiros valores
humanos, a fim de defendê-los.
Com isso, ele não pensava que um certo ativismo social poderia esvaziar a
Igreja do seu conteúdo, a ponto de lhe fazer perder a identidade, dissolvendo-
-se no mundo. Pelo contrário, agindo assim ela manifestaria verdadeiramente o
testemunho de Cristo, pelo qual o mundo creria.
ÉTICA, TEOLOGIA E
ESPIRITUALIDADE
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em outras palavras, nosso relacionamento com Deus é refletido em nossas rela-
ções com o próximo. Se nosso modelo de espiritualidade não está nos levando
ao encontro do próximo, especialmente o pobre, humilhado, frágil e desprezado,
precisamos questionar se esse modelo é, de fato, bíblico e cristocêntrico ou se
estamos vivendo apenas uma ilusão pietista e religiosa.
“O amor de Deus é sempre concreto. Ele demanda prática. Ele não permane-
ce no terreno das atitudes, mas busca o dia a dia”.
(Johannes Reimer)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dignidade humana.
Para o autor, tal como tratamos na Unidade I, para que a evangelização seja trans-
formadora, capaz de promover o resgate da espiritualidade e dignidade humana,
é imprescindível romper com o dualismo que opõe corpo e alma:
[...] a indiferença e o distanciamento da igreja em relação aos problemas
e necessidades que afligem o mundo em que vivemos é, em parte, resul-
tado de uma teologia desencarnada, ..., que ensina que a verdadeira espi-
ritualidade consiste em privar o corpo de todos os seus desejos e necessi-
dades e viver na expectativa da vinda de Jesus (OLIVEIRA, 2001, p. 42).
A ação evangelizadora, tendo Cristo como modelo e referência, deve ser base-
ada na identificação com aqueles a quem servimos, no sacrifício e no amor.
Para Hoffmann, o grande desafio é traçar a relação destas duas ações da igreja
(diaconia e evangelização), visando o bem-estar do ser humano no exercício da
cidadania. Há diversos textos bíblicos que não fazem separação dessas ativida-
des, quando se trata de diaconia. Alguns deles são:
Nessa passagem, a igreja passava por uma crise de exclusão em sua ação social.
Nota-se que os pré-requisitos para compor a equipe liderada por Estêvão eram
os mesmos para uma equipe apostólica de evangelização aos gentios. Segundo
Hoffmann (2001, p. 25):
[...] o termo para ministério é diaconia. Deduz-se que o anúncio da
palavra, e evangelização, fazia parte da diaconia. Ao que tudo indica,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Romanos 12: 6-7: “tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi
dada; se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos
ao ministério; ou o que ensina, esmere-se em fazê-lo”.
Nessa passagem, novamente, o termo ministério (como parte dos dons dados à
igreja) é correspondente ao grego: diaconia. Diaconia, portanto, significaria o
serviço em geral prestado a outras pessoas.
Nesse texto do primeiro milagre de Jesus nas bodas de Caná da Galileia, o termo
que se refere aos serventes (empregados) é diáconos, com o significado literal de
servos ou garçons. Trata-se daqueles que estão a serviço de Deus e do próximo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
2 Coríntios 6:4: “pelo contrário, recomendando-nos a nós mesmos como ministros
de Deus: na muita paciência, nas aflições, nas privações, nas angústias, nos açoites,
nas prisões”.
Lucas 4: 18 – 19: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para
evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar libertação aos cativos e restau-
ração de vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e apregoar o ano
aceitável do Senhor”.
Verificamos, pois, nesses textos, que o termo diácono, na verdade, tem um signi-
ficado muito mais profundo e abrangente daquele a que normalmente é referido
em nossas igrejas e organizações.
nos escreve:
O termo diaconia pode ser usado como termo técnico para a obra de
proclamar o evangelho. A igreja inteira passa a ser um corpo para o ser-
viço no mundo. É composta de membros – os servos – e funciona como
preparativo para a volta do Senhor. É preciso lembrar que fé e obras
normalmente andam juntas. Não tem como separamos estas posições.
Uma vez que fomos amparados por Cristo Jesus é hora de arregaçar as
mangas pela diaconia / evangelização.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ÉTICA, IGREJA E DIREITOS HUMANOS
É o conceito bíblico de imago Dei que, mais que qualquer outro, provê o
fundamento ontológico dos direitos humanos que falta às narrativas pura-
mente seculares. É duvidoso que o respeito a todos os seres humanos possa
florescer em sociedades intocadas pela visão bíblica. Historiadores médi-
cos mostraram que, por exemplo, o cuidado a recém-nascidos defeituosos
simplesmente não era uma preocupação médica na antiguidade clássica. A
moralidade de matar recém-nascidos doentes ou deformados não parece
ter sido questionada até o nascimento da igreja cristã. Nenhum escritor pa-
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gão – nem grego, nem romano, indiano ou chinês – parece ter levantado a
questão de os serem humanos terem valor ontologicamente inerente, inde-
pendente de valor social, estado legal, idade, sexo, e assim por diante.
Fonte: Peskette e Ramachandra (2005, p. 39).
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refere à presença dos chamados pais da Igreja), observamos essa relação, por
meio de Agostinho, Teófilo de Antioquia, Gregório de Nazianzeno e São João
Crisóstomo, entre outros, em discursos críticos acerca dos atos errados das
autoridades, condenação da opressão e da escravidão, assim como na denún-
cia profética contra a pobreza.
A Igreja primitiva não só tinha um discurso comprometido com a vida
humana, como também evidenciava de forma prática esse compromisso pelas
ações diaconais. Muitos historiadores fazem referência à forma como as primei-
ras comunidades de fé acolhiam os necessitados e doentes. Havia, também, uma
forte dimensão de comunhão, que transformava as comunidades de fé em ver-
dadeiros espaços terapêuticos.
Mais tarde, os mosteiros se transformaram em locais de ajuda e socorro aos
necessitados. Segundo Aquino (2001, p. 94), “faziam parte das regras das primei-
ras comunidades monásticas, a prática da hospitalidade e a proibição da negação
da ajuda aos mais carentes”.
A Idade Média, embora tenha sido marcada pelo processo de institucio-
nalização da Igreja e de inúmeros equívocos, também nos apresentaria os seus
profetas. Um deles foi Francisco de Assis, cuja imensa influência se manifestou
nos âmbitos profético (por meio da denúncia da riqueza e da avareza), prá-
tico (conferindo uma nova dimensão à ideia de diaconia, servindo a todos os
que precisassem, indistintamente) e de koinonia (com o estabelecimento das
Ordens de vida comunitária que enfatizavam um estilo de vida simples e dedi-
cado ao próximo).
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do amor e Deus de todo o coração, alma, entendimento e força - ao próximo
como a si mesmo. Um bom resumo está na consagrada frase: “Ama a Deus e faze
o que queres”. O amor a Deus e ao próximo deve nortear as nossas escolhas do
que é certo e errado, bom e ruim, melhor e pior, nas situações concretas e coti-
dianas, da vida, para muito além de regras generalizadoras (embora elas também
tenham sua utilidade e agradem certos tipos de pessoas).
Nesta lógica da graça, a liberdade é acompanhada de responsabilidade: “Todas
as coisas me são lícitas, mas nem todas convêm. Todas as coisas me são lícitas,
mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1 Cor 6:12). O desafio
da ética cristã (quem sabe, a única ética de fato ou dizendo de outra maneira, “a
mãe de todas as éticas”), portanto, vai muito além de não fazer o que é errado, e
fazer o que é certo. Entre o branco e o preto, há milhões de tons de cinza.
A ideia de uma obediência cega, militar, baseada no “cumprir ordens”, é sim-
plista e não dá conta das realidades e dilemas cotidianos. A verdadeira ética vem,
então, como resultado do relacionamento com Deus, no discernimento entre o
que é mais ou menos edificante e conveniente, com o apoio de conselheiros pie-
dosos e da comunidade de fé. Como nos diz Velasques Filho (1977, p. 88):
[...] o conhecimento da vontade de Deus implica total submissão a Ele.
Esta submissão só se expressa através da ação responsável. Não é uma
ação qualquer, decidida e realizada pelo homem, mas a ação que Jesus
Cristo realiza no homem e mediante ele no mundo. Isto significa que,
para o cristão, não existe ação correta que não expresse a ação de Jesus
Cristo em sua vida. Agir em Cristo é agir em amor. Isto faz do amor o
significado e o conteúdo da ética cristã.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Caro(a) aluno(a),
Chegamos ao fim de mais uma unidade deste livro. Esperamos que sua lei-
tura contribua para o aprofundamento e ampliação da visão cristã na sociedade.
Neste capítulo, você aprendeu sobre os significados de ética e de moral, a par-
tir de um apanhado histórico-filosófico da Antiguidade, passando pela Reforma
Protestante e chegando aos dias atuais. Assim, ficou claro que a fé cristã sempre
esteve na esfera da ética e da moral.
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Aprendeu, também, a partir do olhar de Dietrich Bonhoeffer, como uma
“igreja cristocêntrica” é fundamento e modelo para os cristãos que anseiam trans-
formar a sociedade, tanto em termos de persuasão quanto em serviço.
Nesta unidade, tratamos, ainda, das falhas de uma teologia sem espiritua-
lidade e de uma espiritualidade sem teologia. Entendemos que a deficiência de
uma afeta diretamente a qualidade da outra e vice-versa. Este “divórcio” pode
lançar a vida cristã a uma irrelevância pecaminosa.
Dando sequência a essa reflexão, seu raciocínio foi conduzido a um aprofun-
damento do conceito de “diaconia” a partir da leitura de textos neotestamentários
que evidenciam como a igreja era instrumento de Deus no serviço ao próximo,
seja com palavras, seja com ações. A intrínseca relação entre evangelização e ser-
viço (diaconia/ação social) são elementos indissociáveis do agir redentor de Deus.
E, por fim, você foi incluído no debate sobre o papel da defesa dos direitos
humanos, não como um tema exclusivo de não-cristãos ou de especialistas, mas
como assunto relevante que caminha historicamente ao lado da trajetória da igreja
inserida e encarnada no mundo. Vimos que o Cristianismo pode influenciar a
sociedade para melhor tratar e cuidar das pessoas, especialmente aquelas que
vivem à margem da sociedade ou, como diria Jesus, “como ovelhas sem pastor”.
Na próxima unidade, nossa atenção estará voltada para a igreja no cenário
concreto das chamadas políticas públicas, sinalizando o reino de Deus para toda
a sociedade a longo prazo.
Bom estudo!
“Ó homem, ele te declarou o que é bom. dar-lhes o que é devido ou pertence por
Por acaso o Senhor exige de ti alguma coisa direito. Assim sendo, lemos: “Defenda os
além disto: que pratiques a justiça, ames a direitos dos pobres e dos necessitados” (Pv
misericórdia e andes em humildade com o 31.9, NVI). Mishpat é dar às pessoas o que
teu Deus?” (Miqueias 6.8). lhes é devido, seja punição, seja proteção
ou cuidado.
Miqueias 6.8 resume o modo de vida que
Deus quer que tenhamos. Andar em humil- É por isso que, se lermos todos os versí-
dade com Deus é conhecê-lo intimamente culos em que o termo aparece no Antigo
e estar atento ao que ele deseja e ama. E Testamento, observaremos que os mes-
o que está implícito nisso? O versículo nos mos grupos de pessoas sempre aparecem.
manda praticar a justiça e amar a miseri- Repetidas vezes, mishpat descreve cuidar
córdia, duas ações que, à primeira vista, da causa dos órfãos, das viúvas, dos estran-
parecem coisas diferentes, mas não são. O geiros e dos pobres – conhecidos como “o
termo hebraico para “misericórdia” é che- quarteto da vulnerabilidade”.
sedh, graça e compaixão incondicionais
de Deus. O termo hebraico para “justiça” é “Assim falou o Senhor dos Exércitos: Prati-
mishpat. Em Miquéias 6.8, “mishpat enfa- cai a justiça verdadeira, mostrai bondade e
tiza a ação, e chesedh, a atitude [ou motivo] compaixão, cada um para com o seu irmão;
por trás da ação”. Para andarmos com Deus, e não oprimais a viúva, o órfão, o estran-
então, temos de fazer justiça, com amor geiro e o pobre... (Zc 7.9-10).
misericordioso.
Nas sociedades agrárias pré-modernas,
O termo mishpat em suas várias formas esses quatro grupos não tinham poder
ocorre mais de duzentas vezes no Antigo social. Mal tinham o que comer e, se hou-
Testamento Hebraico. De acordo com vesse fome na terra, invasão ou até mesmo
seu significado mais básico, devemos tra- distúrbio social, morreriam em questão de
tar as pessoas com imparcialidade. Desse dias. Hoje esse quarteto abrangeria refugia-
modo, Levítico 24.22 adverte Israel a usar dos, trabalhadores imigrantes, os sem-teto,
“a mesma mishpat (regra da lei) tanto para e os muitos idosos e pais/mães que cuidam
o estrangeiro como para o natural”. Mishpat sozinhos dos filhos.
significa absolver ou punir cada pessoa
nos méritos do caso, independentemente Conforme a Bíblia, a mishpat, ou a justiça,
da raça ou posição social. As pessoas que de uma sociedade é avaliada de acordo
cometerem o mesmo erro devem receber com o tratamento dado a esses grupos.
a mesma punição. Contudo, mishpat sig- Qualquer negligência em relação às neces-
nifica mais do que punição justa pelo erro sidades de quem faz parte desse quarteto
cometido. Significa assegurar os direitos não é simplesmente falta de misericór-
de cada um. Deuteronômio 18 ordena que dia ou caridade, mas violação da justiça,
os sacerdotes do tabernáculo sejam sus- da mishpat. Deus ama e defende quem
tentados por uma porcentagem da renda tem menos poder econômico e social e
do povo. Esse sustento é descrito como devemos agir da mesma forma. É esse o
“mishpat dos sacerdotes”, que significa significado de “fazer justiça”.
Fonte: Keller (2013, p. 24-26).
MATERIAL COMPLEMENTAR
Para celebrar os 500 anos da Reforma Protestante, a Aliança Evangélica Brasileira tem realizado
uma série de debates pela internet sobre aspectos relacionados à igreja e à sociedade. É possível
ouvir todos os debates já realizados em uma página especial. Disponível em: <http://www.
aliancaevangelica.org.br/500anos/>.
Material Complementar
112
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIAS ON-LINE
1. A ética está associada ao estudo fundamentado dos valores morais que orien-
tam o comportamento humano em sociedade, enquanto a moral são os costu-
mes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade. Os termos
possuem origem etimológica distinta. A palavra “ética” vem do grego ethos que
significa “modo de ser” ou “caráter”. Já a palavra “moral” tem origem no termo
latino Morales, que significa “relativo aos costumes”.
A moral, portanto, diz respeito ao conjunto de regras aplicadas no cotidiano e
usadas continuamente por cada cidadão. Essas regras orientam cada indivíduo,
norteando as suas ações e os seus julgamentos sobre o que é moral ou imoral,
certo ou errado, bom ou mau. No sentido prático, a finalidade da ética e da mo-
ral é muito semelhante. São ambas responsáveis por construir as bases que vão
guiar a conduta do homem, determinando o seu caráter, altruísmo e virtudes, e
por ensinar a melhor forma de agir e de se comportar em sociedade.
2. Para Bonhoeffer, viver em comunidade é muito mais do que viver com os ou-
tros, mas sem viver para os outros. Na comunidade, somos todos membros uns
dos outros. Para ele, a reflexão ética depende diretamente da compreensão da
ação estruturadora de Cristo na Igreja. Da mesma forma, Cristo estrutura o seu
discípulo, o que implica a renúncia de ser um super-homem e um semideus, e
colocar-se inteiramente submisso a Ele, simplesmente homem. Ser estruturado
por Cristo significa ser justificado e tornado nova criatura.
3. Podemos destacar vários elementos de uma espiritualidade mais teológica. Ela
deve ser centrada em Cristo e na Palavra de Deus, deve ter seu fundamento na
Trindade e manifestar-se na ação missionária. Porém, uma das dimensões mais
profundas diz respeito ao seu caráter comunitário. Segundo Barbosa (2001, p.
17), “a pessoa é o ser em comunhão, que se realiza nas relações de afeto e ami-
zade, é altruísta, concebe a liberdade em termos de entrega, obediência e amor
autodoado e abre para a revelação que se encontra fora de si mesmo. Essa nova
pessoa em Cristo recebe o outro da mesma forma como em Cristo é recebido”.
4. A ação evangelizadora, tendo Cristo como modelo e referência, deve ser ba-
seada na identificação com aqueles a quem servimos, no sacrifício e no amor.
Para Hoffmann, o grande desafio é traçar a relação destas duas ações da igreja
(diaconia e evangelização), visando o bem-estar do ser humano no exercício da
cidadania. Para Hoffmann (2001, p. 29), “o termo diaconia pode ser usado como
termo técnico para a obra de proclamar o evangelho. A igreja inteira passa a ser
um corpo para o serviço no mundo. É composta de membros – os servos – e fun-
ciona como preparativo para a volta do Senhor. É preciso lembrar que fé e obras
normalmente andam juntas. Não tem como separamos estas posições. Uma vez
que fomos amparados por Cristo Jesus é hora de arregaçar as mangas pela dia-
conia / evangelização”.
GABARITO
IV
IGREJA E POLÍTICAS PÚBLICAS:
UNIDADE
SINALIZANDO O REINO DE
DEUS NA ESFERA PÚBLICA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Entender os princípios fundantes sobre a responsabilidade social
presentes no Antigo Testamento.
■■ Apresentar as implicações sociopolíticas no significado do Evangelho
e da prática missionária da igreja.
■■ Compreender o conceito de advocacy e sua importância como
plataforma para a atuação pública na defesa dos direitos humanos.
■■ Analisar o trabalho de Advocacy em seus diferentes níveis de atuação
e a atuação da igreja neste campo.
■■ Conhecer a experiência da igreja “Encontro com Deus” na defesa
dos direitos das crianças e dos adolescentes na região periférica de
Curitiba.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Antigo Testamento e Ordem Social
■■ O significado político do Evangelho
■■ Advocacy e Incidência em Políticas Públicas
■■ Advocacy: níveis, estratégias e princípios orientadores
■■ Estudo de caso: uma experiência de inserção em políticas públicas a
partir da igreja local: o caso da Associação Beneficente “Encontro com
Deus”, de Curitiba.
117
INTRODUÇÃO
da esfera política sem “perder a alma”? Ou isso tem a ver com o “Evangelho”? A
relação entre a Igreja e a Política (aqui compreendida, de uma forma mais ampla,
como as relações de poder, ou seja, a “esfera de soberania” ou “domínio social”
relacionado com o exercício do poder e o Estado numa determinada sociedade)
é um tema controverso e, muitas vezes, mal compreendido, mas que precisamos
abordar se queremos de fato ser uma Igreja que exerce sua missão e seu papel de
manifestar os sinais do Reino de Deus aqui na Terra.
Você sabe o que significa o tempo em inglês (sem tradução para o portu-
guês) Advocacy? Neste capítulo, você vai aprender que o conceito tem a ver com
toda a ação política realizada individual ou coletivamente, com o intuito de gerar
mudanças em políticas públicas e sistemas de governo em prol de pessoas ou
grupos específicos.
Nesta unidade, você, ainda, terá uma boa base prática do que temos estu-
dado até aqui em termos de atuação na arena pública em favor da justiça social.
Isto é, conheceremos como aplicar a Advocacy e, ainda, conhecermos a fundo o
estudo de caso da Igreja Encontro com Deus que, em sua trajetória, mesmo que
recente, tem conseguido fazer diferença na vida de crianças e famílias, além de
atuar concretamente nas esferas públicas no monitoramento das políticas mais
justas no Paraná.
Em síntese, nesta unidade, você compreenderá melhor o embasamento
bíblico, teológico e histórico da participação da Igreja nas políticas públicas,
assim como conhecerá mais sobre as ferramentas de ação, seus conceitos-chave
e conhecer um estudo de caso real acerca dessa área.
Bons estudos!
Introdução
118 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ANTIGO TESTAMENTO E ORDEM SOCIAL
Uma das questões a serem superadas para que a Igreja seja relevante no compro-
metimento de sua responsabilidade social na arena da influência sobre as políticas
públicas diz respeito à compreensão da importância da participação social e cidadã
por parte dos cristãos, não apenas como um “adendo” à “real” missão da Igreja,
mas como cerne e essência do chamado de Deus para o seu povo. A militância
sociopolítica, longe de ser considerada uma atividade “mundana”, encontra-se per-
meada nas Escrituras como parte central à própria proposta de missão da Igreja.
Desde o Antigo Testamento, Deus estabelece uma ordem social a ser seguida
que, caso cumprida, traria prosperidade e justiça para todos em Israel. Essa ordem
social manifestava, entre outras coisas, a sinalização do Reinado de Deus na terra
e traduzia os elementos do seu caráter e das suas plenas intenções para a Criação.
“O mundo espera dos cristãos que elevem as suas vozes tão altas e tão clara-
mente..., que rejeitem as abstrações vagas e se coloquem firmemente diante
do rosto sangrento da história”.
(Albert Camus)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mente, a voz do Senhor, teu Deus, para cuidares em cumprir todos estes
mandamentos que hoje te ordeno. Pois o Senhor, teu Deus, te abençoará,
como tem dito; assim, emprestarás a muitas nações, mas não tomarás
empréstimos; e dominarás muitas nações, porém elas não te dominarão.
Quando entre ti houver algum pobre de teus irmãos, em alguma das tuas
cidades, na tua terra que o Senhor, teu Deus, te dá, não endurecerás o teu
coração, nem fecharás as mãos ao teu irmão pobre; antes, lhe abrirás de
todo a mão e lhe emprestarás o que lhe falta, quanto baste para a sua ne-
cessidade. Guarda-te não haja pensamento vil no teu coração, nem digas:
Está próximo o sétimo ano, o ano da remissão, de sorte que os teus olhos
sejam malignos para com teu irmão pobre, e não lhe dês nada, e ele cla-
me contra ti ao Senhor, e haja em ti pecado. Livremente, lhe darás, e não
seja maligno o teu coração, quando lho deres; pois, por isso, te abençoará
o Senhor, teu Deus, em toda a tua obra e em tudo o que empreenderes.
Pois nunca deixará de haver pobres na terra; por isso, eu te ordeno: livre-
mente, abrirás a mão para o teu irmão, para o necessitado, para o pobre
na tua terra (BÍBLIA, Deuteronômio 15.1-11).
sua vida; para que não clame contra ti ao senhor, e haja em ti pecado
(BÍBLIA, Deuteronômio 24:14-15).
Os princípios da lei incluíam relações sociais justas no que diz respeito às trocas eco-
nômicas e negociações, de modo que nenhuma das partes saísse prejudicada. O texto
é muito radical ao condenar os que se aproveitam das pessoas, tentando tirar vanta-
gens sobre elas. Esse princípio é fundamental para o estabelecimento de confiança
e justiça nas relações comerciais, bases para o desenvolvimento e a prosperidade.
O apoio aos pobres e a proibição da usura, apontando para uma sociedade
justa e solidária:
Da mesma forma:
Quando no teu campo, segares a messe e, nele, esqueceres um feixe de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
espigas, não voltarás a tomá-lo; para o estrangeiro, para o órfão e para a
viúva será; para que o Senhor, teu Deus, te abençoe em toda obra das tuas
mãos. Quando sacudires a tua oliveira, não voltarás a colher o fruto dos
ramos; para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva será. Quando vin-
dimares a tua vinha, não tornarás a rebuscá-la, para o estrangeiro, para o
órfão e para a viúva será o restante (BÍBLIA, Deuteronômio 24: 19-21).
A novidade é que esse Reino girava em torno de uma figura da Galileia executada
pelo Império. A execução de Jesus mostrava a sua ameaça ao sistema dominante e
uma alternativa à lógica cultural imperial. O Evangelho de Cristo nasce, então, num
contexto de abuso de poder, como esperança, fé e plataforma de ação de uma comu-
nidade marginalizada que sofria os efeitos da opressão, anunciando um novo rei e
uma nova realidade espiritual e temporal. A Galileia de Jesus era uma região mar-
cada por sofrimento, opressão e resistência. Os galileus eram obrigados a oferecer
seu trabalho e o que mais tivessem para atender aos interesses do sistema político
e religioso que privilegiava as elites da época, aliançadas com o poder imperial.
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O ministério de Jesus, portanto, como o Senhor da Criação, tem amplitude total,
alcançando todos os domínios sociais, inclusive a arena da política.
Sabemos que culturas e países que receberam uma maior influência cristã his-
tórica reformada tendem a ter uma tradição de instituições mais solidamente
arraigadas nos princípios democráticos e num efetivo controle social. Isso não é
à toa. A visão cristã de mundo, com os seus valores de justiça, equidade, solida-
riedade e, especialmente, a distribuição de poder, considerando o mal inerente à
condição humana e a sua tendência para a corrupção, estabelece o fundamento
para a construção de sociedades mais participativas e com uma efetiva vigilân-
cia social sobre aqueles que exercem o poder, por meio de um sistema de pesos
e contrapesos que garanta fiscalização e controle sobre as pessoas investidas de
poder. Isto é, para a visão cristã de mundo, é necessário proteger a comunidade
dos poderosos.
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vivenciamos no Brasil, em muitos ambientes, um reascender da visão missio-
nária da igreja - no sentido de envio de missionários vocacionados aos campos
mais negligenciados, especialmente ao campo transcultural.
Porém, é interessante notar que o chamado “pai de missões modernas”,
William Carey, um inglês chamado a servir na Índia do século XVIII, muito mais
do que “salvar almas” dos indianos hindus, também fez o que chamaríamos hoje
de incidência política. Graças a Carey, foram abertas escolas para cerca de 10.000
meninas, numa época em que a educação era praticamente restrita aos meninos,
e o “sati” (a morte das viúvas) foi considerada ilegal na Índia.
Talvez o exemplo clássico mais inspirador seja o de William Wilberforce, que,
graças à sua militância como político, orientada a partir da sua visão cristã de
mundo, conseguiu trabalhar pela abolição da escravatura no Império Britânico,
marcando um dos momentos cruciais na história da humanidade.
Em um país como o Brasil, onde ainda encontramos um enorme abismo
social e uma das maiores desigualdades do mundo, mas que, ao mesmo tempo,
impõe uma das mais altas cargas tributárias, torna-se vital para igrejas e organi-
zações cristãs que de fato almejam uma influência no campo da Reforma Social,
o exercício da participação cidadã e da relação crítica com a cultura, governos e
sociedade. No campo do Terceiro Setor, há muito devemos sair do mero modelo
assistencialista de “entrega de serviços” para a população socialmente vulnerável
e migrar para o modelo da defesa de direitos, empoderando a sociedade, espe-
cialmente os excluídos, rumo a uma participação cidadã efetiva que toque nas
estruturas de perpetuação das misérias e injustiças que ainda assolam o nosso
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pria essência da Missão. O rompimento desta dicotomia, que na verdade é mesma
dicotomia clero X laicato, fé X obras, evangelismo X ação social, é um aspecto
fundamental para uma ação qualificada e significativa. A compreensão da inte-
gralidade das intenções de Deus para a sua criação coloca o evangelismo e a ação
social (aqui compreendida como “ação na sociedade”, muito mais do que cui-
dado direto dos pobres) como aspectos indissociáveis do agir redentor de Deus.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
da sociedade. Este trabalho de incidência em políticas públicas poderá gerar a
criação, implementação ou monitoramento de uma política, o fortalecimento
de uma política já existente, ou mesmo o trabalho de barrar algum retrocesso
numa determinada questão já conquistada.
Há muitas definições possíveis de Advocacy. A compreensão do tema
varia de acordo com as experiências e visão de mundo das pessoas. Da
mesma forma, as definições podem variar segundo as ênfases específicas de
determinada organização ou movimento. Vejam algumas delas e seus con-
ceitos subjacentes:
Fazer Advocacy é advogar por uma causa social. Significa a incidência
na formulação e acompanhamento tanto de políticas públicas e legis-
lativas, como também nas articulações junto ao sistema de justiça, por
meio de agentes sociais interessados no fortalecimento da sociedade
democrática e da prevalência dos interesses coletivos, comuns e públi-
cos. Além de fomentar uma participação direta da sociedade civil nos
processos decisórios no Executivo, Legislativo e Judiciário, o Advocacy
é um direito de todos e um fundamental exercício de cidadania. Acre-
dita-se que quanto mais presença nos âmbitos decisórios do Estado,
maior a garantia de defesa dos direitos humanos, inclusive os direitos
da criança (INSTITUTO ALANA, 2016, on-line)1.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por esta razão, o Advocacy é um tema de grande interesse para as Igrejas inte-
ressadas em provocar mudanças na sociedade a partir de políticas públicas nos
diversos domínios sociais na sua tarefa de discipulado da nação. Essas mudan-
ças passam efetivamente pela luta na defesa de direitos, que significa influenciar
pessoas, políticas, estruturas e sistemas, a fim de causar mudança, influenciando
as pessoas no poder para que ajam de maneira mais ética e igualitária.
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Para um Advocacy efetivo, é importante que sejam empreendidas ações
permanentes e sistemáticas na forma de estratégias, programas e projetos,
incluindo o monitoramento e a avaliação das ações, ou seja, é importante
sair do paradigma do “panelaço” e da mera ação político-partidária ou ideo-
lógica de disputa do poder, para um paradigma de resultados concretos em
prol da coletividade.
Da mesma forma, um nível excelente de atuação em Advocacy só pode ser
alcançado com parcerias relevantes e estratégicas, dentro do princípio da cobe-
ligerância. Na relação com o Poder Público (políticos e partidos), as ações de
Advocacy deverão ser operacionalizadas com transparência e integridade, ou
seja, as iniciativas não deverão ser utilizadas em nenhum processo de troca e/ou
solicitação de favores a políticos e partidos em nenhuma circunstância e hipó-
tese, sob pena da desqualificação de todo o trabalho.
Para uma ação efetiva da Igreja no campo das políticas públicas, precisare-
mos vencer diversos desafios, entre eles:
Da mesma forma, segundo Freston (2006), devemos evitar a todo custo proble-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mas históricos recorrentes da relação dos evangélicos com a política, entre eles:
■■ o messianismo - “o projeto de mudar o homem no poder, ao invés do con-
ceito reformado de pecadores se controlando uns aos outros num sistema
de fiscalização mútua”;
■■ o triunfalismo - a crença, absolutamente não comprovada historicamente,
de que a presença dos evangélicos na arena política automaticamente, de
uma forma mágica – e não pela via do exercício da ética cristã, gerará
bênçãos e transformações na sociedade;
■■ o corporativismo - a militância política apenas para defender os interesses
dos grupos evangélicos ou para impor a sua visão de mundo à sociedade
pela via do poder, e não da evangelização e do serviço. Nossa tarefa con-
siste, portanto, na aplicação da Verdade no domínio social das políticas
públicas, orientados pela cosmovisão e pela ética cristã, na busca pela
sinalização do oniabrangente Reino de Deus.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
chamamos de “recuperação da sua dimensão profética”. Entendemos, aqui, o pro-
fético como a denúncia de injustiças, o inconformismo com tudo aquilo que fere
o caráter e os plenos desígnios de Deus em uma dada sociedade. A recuperação
dessa dimensão profética da Igreja no exercício da sua Missão está relacionada
com a busca da Justiça, entendida como a participação de Deus na vida humana.
Os profetas, aqueles que têm fome e sede de justiça, são aqueles que, segundo
White (1977, s/p.), “choram e oram em particular, e desafiam terra e inferno
em público”. Nesse sentido, vale a pena recuperarmos a frase de Martin Luther
King Jr (1963, s/p.):
[...] a igreja deve ser lembrada de que não é a mestra ou a serva do Esta-
do, mas sim a sua consciência… Ela deve ser a guia e a crítica do Estado,
nunca sua ferramenta. Se a igreja não recuperar seu fervor profético, ela se
tornará um clube social irrelevante, sem autoridade moral ou espiritual.
Concluímos, portanto, que faz parte da missão da igreja realizar a defesa de direi-
tos, falando contra a injustiça, defendendo a causa dos pobres, responsabilizando
as pessoas no poder e empoderando as pessoas para que falem por si próprias. Seu
objetivo último é trazer e demonstrar as boas novas da vinda do Reino de Deus.
Estudo de Caso: uma Experiência de Inserção em Políticas Públicas a Partir da Igreja Local:
138 UNIDADE IV
INTRODUÇÃO E HISTÓRICO
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A igreja local, que funciona no bairro Cajuru, em Curitiba, conta com 80
membros, possui vida própria (células, estudos bíblicos, 3 pastores), constituindo
uma igreja “normal”, como muitas outras em nosso país. Porém, o diferencial
desse grupo de cristãos é o serviço que têm feito na vida de mães vulneráveis e
seus filhos e, especialmente, a inserção em políticas públicas. Graças a ela, o pro-
jeto social cresceu nos últimos anos, alcançando, hoje, 18 funcionários.
A igreja e a associação constituem duas personalidades jurídicas diferen-
tes, sendo que, estatutariamente, a igreja evangélica consta como mantenedora
no projeto social. Embora juridicamente sejam independentes, a comunidade
externa enxerga tudo como uma coisa só, ou seja, uma expressão do serviço
e do testemunho cristão de forma integral. Internamente, permanece o desa-
fio recorrente de a igreja enxergar que o trabalho social é uma extensão do seu
ministério, ou seja, uma manifestação do reinado cósmico de Cristo. Segundo
o Pr. Patrick, há um distanciamento natural da igreja em relação ao projeto à
medida que o trabalho social se torna mais técnico. No entanto, há uma inte-
ração permanente entre igreja e projeto social e uma organicidade saudável no
desenvolvimento das atividades.
O componente “social” da obra realizada na comunidade, ou seja, o projeto
social, conta, hoje, com três frentes distintas:
1. Uma casa das mães adolescentes, que fica nos fundos da igreja, e
atende até 20 pessoas. O público-alvo são mães jovens com menos de
20 anos de idade e seus filhos. Para a manutenção do projeto, são fir-
mados convênios com as prefeituras de Curitiba, São José dos Pinhais
e Almirante Tamandaré.
Estudo de Caso: uma Experiência de Inserção em Políticas Públicas a Partir da Igreja Local:
140 UNIDADE IV
Segundo o Pr. Patrick, essa inserção confere um espaço muito mais qua-
lificado para falar “de igual para igual” com o Poder Público. Outro fator
fundamental para uma maior qualificação da organização foi a participa-
ção na Rede Evangélica Paranaense de Ação Social (REPAS) e na Rede das
Instituições de Acolhimento (RIA), ajudando a criar e fortalecer um espaço
para as entidades se organizarem de forma muito mais efetiva. As redes con-
feriram à Associação uma forte base de representatividade para participar dos
Conselhos. Como evidência, a “Encontro com Deus” teve cerca de 70% dos
votos das entidades votantes na última eleição para o Conselho Municipal dos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Direitos da Criança e do Adolescente (COMTIBA).
Hoje, a instituição está inserida em capacitações continuadas e espaços
de debates e de construção de políticas públicas, fazendo parte dos principais
espaços de controle social, que são os Conselhos. Ela é membro do COMTIBA
e do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente de Paraná (CEDCA)
e foi membro do Conselho Estadual de Assistência Social do Paraná. Além
disso, hoje, o Pr. Patrick coordena o Fórum Regional da Assistência Social de
Curitiba (FOREAS), Região Metropolitana e Vale do Ribeira, que se constitui
uma instância de articulação e ação política em nível de acompanhamento das
ações de Assistência Social, propondo serviços, programas, projetos e benefí-
cios às instâncias deliberativas.
A representação nestes espaços de incidência se dá pelo próprio Pr. Patrick,
apoiado pela equipe técnica do projeto. Na verdade, esse apoio, muito mais do que
meramente técnico, dá-se na própria representação institucional nos Conselhos.
Uma evidência disso é que uma técnica da Associação responde hoje pela coor-
denação local da rede de proteção à criança no nível do bairro. Esta é a única
rede do município cujo coordenador é uma pessoa da área não governamental,
das cerca de 90 redes do município de Curitiba.
Tanto no nível municipal quanto estadual, a organização tem escolhido atuar
em redes de organizações. Segundo o Pr. Patrick, desta forma, há uma articulação
e composição de forças entre as entidades, permitindo uma maior participação
das organizações e de pessoas no processo, uma flexibilidade na representação
nos Conselhos e um diálogo mais qualificado com o Estado.
EVIDÊNCIAS E RESULTADOS
Estudo de Caso: uma Experiência de Inserção em Políticas Públicas a Partir da Igreja Local:
142 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
nizarem quando da efetivação dos repasses públicos. Além disso, houve
diversas outras situações, tais como revisão de valor per capta, por exem-
plo. Ainda em relação à lógica do financiamento, a Associação atuou na
problematização da centralidade da criança no acolhimento institucional,
ampliando o financiamento de algumas ações para a proteção e apoio à
família, especialmente as mães, para o bem-estar da criança.
A Associação tem vários planos para o futuro. Um deles é o intuito de ver a tec-
nologia social de acolhimento institucional de mães e filhos ser reproduzida e
multiplicada. No âmbito da inserção em Políticas Públicas, “Encontro com Deus”
almeja atuar mais em espaços regionais e, se possível, no âmbito nacional, levantando
uma voz que é legítima em virtude do trabalho que é feito na base da sua atuação.
Estado e pela própria sociedade civil para as pessoas e organizações envolvidas. Para
o Pr. Patrick, uma intervenção não qualificada pode ser mais danosa que uma não
intervenção, e o melhor lugar para o trabalho de incidência em políticas públicas
ser feito são as Câmaras e Comissões dentro de cada Conselho, onde cada assunto
pode ser detalhadamente discutido e decisões qualificadas podem ser tomadas.
Segundo o Pr. Patrick, em um certo sentido, a Associação “Encontro com
Deus” nunca deixou de ter uma características de uma igreja local. A confes-
sionalidade da Associação não tem prejudicado a organização da relação com
o Estado. Ele ressalta a importância da participação dos evangélicos na inci-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dência política:
somos iguais aos cogumelos, brotamos em espaços de trevas, e ali cresce-
mos. Estamos presentes nos territórios onde as políticas públicas almejam
estar, nos movemos pela compaixão, por situações de sofrimento, cujas
demandas envolvem questões mais complexas e que se relacionam com as
políticas públicas. Os espaços democraticamente constituídos estão aber-
tos, o Poder Público quer a nossa participação, não adianta a igreja querer
influenciar depois das regras e procedimentos terem sido aprovados.
Para o Pr. Patrick, o discurso evangélico na área da família é muito frágil e redu-
zido, restringindo-se à questão do aborto, direitos sobre o corpo e casamento
homoafetivo. “Temos uma contribuição muito maior a dar nesta área, envol-
vendo, inclusive, o próprio conceito de família”. Historicamente, é inegável que
os cristãos tiveram uma participação na defesa dos direitos e nos avanços da
Humanidade. Para ele,
nunca houve um avivamento em que não houve influência social, por
isso temos que ser leais à nossa História como igreja. Se o Brasil passou
de fato por um movimento do Espírito Santo, não poderia ser agora a
primeira vez na história em que isso não aconteceria.
Estudo de Caso: uma Experiência de Inserção em Políticas Públicas a Partir da Igreja Local:
144 UNIDADE IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
as comissões específicas dentro dos Conselhos.
■■ É fundamental a nossa atuação em redes no sentido de fortalecer o con-
trole social.
■■ Ao atuarmos na arena social, especialmente, na relação com Políticas
Públicas, o serviço deve ser incondicional, sem proselitismo religioso.
Isto é, devemos resistir à pressão de “ganhar almas” como indicador de
resultado do nosso trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerações Finais
146
Conheça a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (RENAS), que reúne dezenas de organizações
sociais evangélicas com objetivo de praticar a misericórdia e a compaixão ao próximo, mas sem
deixar de lutar por seus direitos na espera das políticas públicas. O site da RENAS tem um vasto
conteúdo de artigos e ferramentas para ajudar os cristãos a envolverem-se e atuarem nas ações
sociopolíticas no Brasil. Acesse: <www.renas.org.br>.
Material Complementar
150
REFERÊNCIAS
REFERÊNCIA ON-LINE
1. Desde o Antigo Testamento, Deus estabelece uma ordem social a ser seguida
que, caso cumprida, traria prosperidade e justiça para todos em Israel. Essa or-
dem social manifestava, entre outras coisas, a sinalização do Reinado de Deus na
terra e traduzia os elementos do seu caráter e das suas plenas intenções para a
Criação.
O cumprimento das ordenanças de Deus em Israel fazia parte do ordenamento
jurídico da Nação, como componente da lei mosaica, e não era entendido como
“caridade” ou mera opção de comportamento. A não observância dos precei-
tos estabelecidos por Deus no ordenamento jurídico e social de Israel era con-
siderada um caso de extrema gravidade. Vejam no caso do pecado de Sodoma,
relatado em Ezequiel 16:49: “eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua irmã:
soberba, fartura de pão e próspera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nun-
ca amparou o pobre e o necessitado”.
2.
• Reino de Deus e domínio da política como antagônicos – como parte da tra-
dição purista, que tende a práticas de isolacionismo da Igreja, enfatizando o
“céu” como objetivo último da igreja e dos cristãos, muitas vezes orientada a
partir do chamado “pessimismo cristão” (“o mundo jaz no maligno e só tende
a piorar mais e mais”).
• Reino de Deus e domínio da política como dois reinos distintos, separados e
justapostos – ambos são importantes, mas o primeiro diz respeito às coisas
celestiais, e o segundo às coisas temporais. Há pouca ou nenhuma relação
entre eles.
• Reino de Deus penetrando, influenciando e transformando o domínio da po-
lítica, como manifestação do senhorio cósmico de Cristo – esta é a tradição
reformada, responsável por um imenso avanço histórico na formação das so-
ciedades democráticas e por um maior engajamento da Igreja nas questões
de ordem sociopolítica.
3. É o caso, por exemplo, da noção de educação universal – “toda criança na escola”
- uma política pública adotada por quase todas as sociedades civilizadas, mas
que teve uma imensa contribuição da visão cristã de mundo, a partir de um con-
ceito de sacerdócio universal dos cristãos. Se todo crente é um sacerdote, todos
deveriam conhecer a Bíblia. Logo, todos deveriam ser alfabetizados. A ideia de
que a educação - antes relegada aos sacerdotes e aristocratas – é para todos,
nasce dessa visão cristã.
Hoje, felizmente, vivenciamos no Brasil, em muitos ambientes, um reascender da
visão missionária da igreja - no sentido de envio de missionários vocacionados
aos campos mais negligenciados, especialmente ao campo transcultural. Porém,
é interessante notar que o chamado “pai de missões modernas”, William Carey,
um inglês chamado a servir na Índia do século XVIII, muito mais do que “salvar
GABARITO
almas” dos indianos hindus, também fez o que chamaríamos, hoje, de incidên-
cia política. Graças a Carey, foram abertas escolas para cerca de 10.000 meninas,
numa época em que a educação era praticamente restrita aos meninos, e o “sati”
(a morte das viúvas) foi considerada ilegal na Índia.
Talvez o exemplo clássico mais inspirador seja o de William Wilberforce que,
graças a sua militância como político, orientada a partir da sua visão cristã de
mundo, conseguiu trabalhar pela abolição da escravatura no Império Britânico,
marcando um dos momentos cruciais na história da humanidade.
4. “Fazer Advocacy é advogar por uma causa social. Significa a incidência na formu-
lação e acompanhamento tanto de políticas públicas e legislativas, como tam-
bém nas articulações junto ao sistema de justiça, por meio de agentes sociais
interessados no fortalecimento da sociedade democrática e da prevalência dos
interesses coletivos, comuns e públicos. Além de fomentar uma participação di-
reta da sociedade civil nos processos decisórios no Executivo, Legislativo e Ju-
diciário, o Advocacy é um direito de todos e um fundamental exercício de cida-
dania. Acredita-se que quanto mais presença nos âmbitos decisórios do Estado,
maior a garantia de defesa dos direitos humanos, inclusive os direitos da criança”
(INSTITUTO ALANA, 2016, on-line)1.
“Influenciar as decisões, políticas e práticas de quem tem poder de decisão, vi-
sando combater as causas fundamentais da pobreza, trazer justiça e apoiar o
bom desenvolvimento” (TEARFUND, 2016 apud ROOT 1 e 2, 2015, on-line).
“Exercer influência sobre decisores de forma organizada” (VIVA, 2016, on-line).
“A promoção de uma mensagem ou medida específica com o objetivo de in-
fluenciar ou contribuir para a elaboração e aplicação de políticas públicas que
combatam as causas e consequências da pobreza” (OXFAM GB, 2016 apud ROOT
1 e 2, 2015, on-line).
“O processo de influenciar os principais decisores e formadores de opinião (pes-
soas físicas e jurídicas) a favor de mudanças nas políticas e práticas que favore-
çam os empobrecidos” (ACTION AID, 2016 apud ROOT 1 e 2, 2015, on-line).
“Um projeto, programa ou metodologia programática que visa tratar das causas
estruturais e sistêmicas da pobreza através de mudanças nas políticas, sistemas,
práticas e atitudes que perpetuam a desigualdade e negam direitos humanos“
(WORLD VISION INTERNATIONAL, 2016 apud ROOT 1 e 2, 2015, on-line).
Manifestar-se para influenciar as políticas, decisões, atitudes e comportamentos
de quem tem poder, atuando a favor e com a participação dos empobrecidos e
marginalizados, com o objetivo de promover transformações sociais, políticas
e econômicas positivas e duradouras (UNITED MISSION TO NEPAL, 2016 apud
ROOT 1 e 2, 2015, on-line).
153
GABARITO
5.
• No Brasil, há espaços amplamente abertos para a nossa inserção em Políticas
Públicas, inclusive para organizações confessionais, desde que haja qualidade
no serviço prestado. Esta é uma questão fundamental para conquistarmos o
respeito dos atores governamentais.
• A capacitação técnica é fundamental para uma incidência qualificada.
• O melhor espaço de incidência ainda são os Conselhos, especialmente as co-
missões específicas dentro dos Conselhos.
• É fundamental a nossa atuação em redes no sentido de fortalecer o controle
social.
• Ao atuarmos na arena social, especialmente na relação com Políticas Públicas,
o serviço deve ser incondicional, sem proselitismo religioso. Isto é, devemos
resistir à pressão de “ganhar almas” como indicador de resultado do nosso
trabalho.
Professor Me. Mauricio José Silva Cunha
V
PRINCÍPIOS E FERRAMENTAS
UNIDADE
PARA O SERVIÇO SOCIAL E
COMUNITÁRIO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Compreender o que é “intervenção social” e seus princípios básicos
■■ Aprender a realizar um “diagnóstico comunitário participativo”,
mapeando as necessidades e potencialidades da comunidade.
■■ Entender a efetuar um diagnóstico organizacional que aponte a
saúde interna da instituição.
■■ Elaborar um Programa de Intervenção Social com diretrizes
estratégicas da intervenção social.
■■ Avaliar atividades e resultados alcançados em um programa de
intervenção social.
■■ Mensurar qual a contribuição de um determinado projeto para
resolver um problema social.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Introdução e Princípios Orientadores nos Projetos de Intervenção
Social
■■ Diagnóstico Comunitário Participativo
■■ Diagnóstico Organizacional
■■ Programa de Intervenção Social
■■ Monitoramento e Avaliação
■■ Mensuração de Impacto
157
INTRODUÇÃO
Introdução
158 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PRINCÍPIOS ORIENTADORES
NA ATUAÇÃO SOCIAL
A área técnica de uma intervenção social, seja ela executada por meio de uma
iniciativa informal ou de uma organização formal juridicamente constituída, é
fundamental para o bom desempenho do trabalho e para o alcance dos resul-
tados. Nosso desafio sempre será ter uma área técnica de qualidade, sem cair
em um “tecnicismo” exagerado, preservando a paixão que originou a iniciativa.
Este desafio aumenta à medida que novas iniciativas vão surgindo, os recursos
vão tornando-se mais escassos, as pessoas vão profissionalizando-se e a sociedade
em geral, incluindo os próprios beneficiários de um projeto, vão aumentando
o nível de exigência dos projetos. Em se tratando de possíveis parcerias com o
Poder Público e outros organismos e fundações, ainda requer-se que as iniciati-
vas sejam amparadas por instrumentos que garantam sua a eficácia. Isto é, não
basta “querer fazer”, é preciso “saber fazer”.
Nesse sentido, é importante estabelecer critérios mínimos que garantam a qua-
lidade técnica dos projetos, no sentido de atender às expectativas dos stakeholders
(partes interessadas), incluindo a própria equipe de trabalho, os patrocinadores
e as comunidades assistidas, em todos os projetos executados.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rio de atuação da iniciativa.
Recomendações e Orientações:
■■ Recomenda-se que as iniciativas, mesmo as mais complexas, tenham,
no máximo, de 4 a 5 projetos que, juntos, possam compor intencional-
mente um Programa de ações interligadas, maximizando o impacto da
intervenção social.
■■ As iniciativas de intervenção social devem registrar todos os relatórios
necessários (conforme as exigências do projeto e do financiador), a fim
de que a prestação de contas seja viabilizada, assim como o trabalho de
fidelização do doador, quando for o caso.
■■ Em todos os projetos, na medida do possível, deve buscar o componente
de gênero (a defesa dos direitos e a valorização da mulher como protago-
nista do desenvolvimento social), como tema transversal e essencial para
a transformação social. Além disso, da mesma forma, é recomendável
que, nos projetos e programas, o enfoque socioambiental seja garantido,
nos contextos apropriados, como forma de relacionar o enfrentamento à
pobreza, às questões ambientais e às mudanças climáticas.
■■ Da mesma forma, é fundamental que os projetos garantam o compo-
nente de compromisso cristão como tema transversal e essencial para a
transformação social.
■■ Trabalhando por uma relevância cada vez maior, as iniciativas sociais
devem buscar sempre a inovação programática e a criação de novas tecno-
logias sociais, priorizando a execução de projetos que possam apresentar
um maior diferencial para a sociedade, nas suas áreas de expertise.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Projeto: conjunto de atividades que encontra objetivos aceitos em um
período de tempo específico com um conjunto de recursos disponível.
■■ Dado primário: é o dado que não está disponível, sendo especialmente
usado nas situações em que as fontes secundárias não oferecem informa-
ções suficientes. Para obtê-lo, é necessário recorrer diretamente às fontes
(público-alvo, comunidade, beneficiários, atores sociais) com instrumen-
tos específicos de pesquisa.
■■ Dado secundário: a pesquisa de dados secundários diz respeito à coleta
de dados já existentes em diversas fontes (fontes oficiais, relatórios do
IBGE e da Prefeitura, estudos acadêmicos, ODSs, jornais, revistas, asso-
ciações de classe, entre outras).
■■ Pesquisa quantitativa: método de pesquisa que trabalha com indicado-
res numéricos e segue critérios estatísticos (SEBRAE).
■■ Pesquisa qualitativa: consiste em descrições detalhadas de situações,
conversas com grupos focais, entrevistas, comportamentos observados
e as citações diretas de pessoas sobre suas experiências, atitudes e cren-
ças. Vamos passar agora às ferramentas e componentes essenciais para a
intervenção social de base comunitária.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dação, além de cair em enfoques excessivamente normativos e divorciados da
realidade e anseios comunitários. O tempo, energia e recursos gastos na realiza-
ção do diagnóstico constitui, na verdade, um investimento, que acelerará mais
adiante os processos de transformação.
Os principais objetivos do Diagnóstico são:
■■ Conhecer as principais necessidades e potencialidades que a comunidade
do território atendido pela iniciativa social enfrenta, assim como as ações
desenvolvidas pela rede de serviços locais e municipais.
■■ Promover e fortalecer a participação comunitária no planejamento das
ações de intervenção.
■■ Recomendar ações de intervenção social no nível de Programa, no sentido
de otimizar o impacto, a partir do conhecimento adquirido no Diagnóstico.
METODOLOGIA
INSTRUMENTOS DE PESQUISA
PROCESSO E ENTREGA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Em geral, a realização de um Diagnóstico Comunitário prevê um amplo processo
de mobilização, que deve ser bem coordenado e ter a participação direta de ato-
res comunitários locais como parte da liderança e do planejamento das ações.
Após a definição dos instrumentos de pesquisa, o ideal é ter uma fase de pré-
-teste, em que os instrumentos são aplicados num número reduzido de pessoas.
Esse procedimento é importante para testar os instrumentos, verificando se fazem
sentido, se são inteligíveis para a comunidade, se as perguntas estão adequadas
e se trazem as respostas que vão dar subsídios para a elaboração do Programa.
A fase de coleta de dados é muito intensa e a sua duração pode variar muito
dependendo da complexidade, profundidade da pesquisa e da abrangência do ter-
ritório, mas, com organização, disciplina e uma equipe coordenada, é possível fazer
uma ampla coleta de dados em alguns dias de trabalho de campo. Depois dessa fase,
inicia-se a análise dos dados, que costuma durar muito mais, requerer o trabalho de
técnico especializado da área das ciências humanas ou, em alguns casos, de alguém
da própria comunidade sendo tutoreado por um profissional com mais experiência.
A entrega final do trabalho consiste no Relatório de Diagnóstico Comunitário,
com recomendações de ações de intervenção social, a nível de Programa, para os
interessados. Desde o início, é preciso que fique claro de quem será a responsabi-
lidade pela escrita do Relatório, pois esta costuma ser complexa, com diferentes
análises e recomendações propositivas.
DIAGNÓSTICO ORGANIZACIONAL
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e impacto, saindo de um paradigma assistencialista
e intuitivo para um enfoque mais técnico e voltado
para resultados. Muitas vezes, isso se dá em organizações que querem cap-
tar recursos de uma forma mais profissional, celebrar parcerias com o Poder
Público e crescer em resultados e impacto.
Quando uma nova iniciativa almeja ser gerada nesses termos, ocorre uma
complexidade maior, pois a Organização já está atuando, já tem uma história, uma
equipe e é percebida de certa forma (muitas vezes, negativa) pela comunidade e
por seus stakeholders. Desta forma, recomenda-se que a nova iniciativa ou projeto
não seja implementada antes da realização de um Diagnóstico Organizacional,
que será fundamental para estabelecer um plano de ação no sentido de prepa-
rar a organização para uma intervenção social mais qualificada. Do contrário,
a tendência é que o novo projeto não se consolide e a organização “não tenha
pernas” para implementá-lo, causando ainda mais frustração na equipe e, mui-
tas vezes, nos próprios beneficiários.
O Diagnóstico Organizacional consiste no estudo avaliativo sobre a saúde de
Organizações do Terceiro Setor que atuam na área do desenvolvimento comuni-
tário, em que é possível identificar deficiências, fraquezas e potencialidades nos
diversos âmbitos de atuação e gestão. Ele é uma ampla pesquisa sobre os diversos
aspectos que devem compor uma organização para que ela seja efetiva e sustentá-
vel. Trata-se de uma excelente ferramenta de fortalecimento institucional, que não
deve ser negligenciada no processo de transformação. A maior beneficiada de uma
Organização efetiva, sustentável e saudável será a própria comunidade assistida.
METODOLOGIA
Tal qual o diagnóstico comunitário, este estudo pode variar muito em profundi-
dade, dependendo dos objetivos organizacionais; mas, em determinadas situações,
é fundamental que seja realizado antes do início da implementação do Programa
de intervenção social. Os passos metodológicos essenciais são:
■■ No nível interno à organização, é aplicada uma pesquisa qualitativa,
por questionário de análise das áreas de governança, gestão, partici-
pação e proteção da criança e adolescente, espiritualidade, parcerias,
comunicação e marketing, captação de recursos, entre outros; os ques-
tionários são preenchidos pelos próprios colaboradores, voluntários,
funcionários, diretores etc. Idealmente, todos da organização devem
participar do processo.
■■ No nível externo à organização, é aplicada uma pesquisa quali-quanti-
tativa por meio de questionário semiestruturado sobre o desempenho e
impacto das ações organizacionais na população beneficiada. Podem ser
aplicados diversos instrumentos de coleta de dados junto a crianças, ado-
lescentes, jovens, familiares, lideranças da Organização, equipe executiva
e atores externos; além de grupos de foco com beneficiários.
■■ Análise de dados secundários (estatuto, atas, relatórios das atividades dos
últimos anos etc.).
Diagnóstico Organizacional
170 UNIDADE V
INSTRUMENTOS DE PESQUISA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
PROCESSO E ENTREGA
Diagnóstico Organizacional
172 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
As pesquisas de diagnóstico mencionadas até aqui são consideradas etapas interme-
diárias para que tenhamos os insumos necessários para a elaboração do Programa de
Intervenção Social, que vai direcionar de fato o trabalho. A elaboração do Programa,
como já dissemos, é um componente essencial do processo de transformação que a
iniciativa deseja alavancar, pois promove o trabalho do nível meramente intuitivo
para um direcionamento estratégico, com objetivos e foco claramente definidos.
Conforme a definição dada no item 1, entende-se Programa como “um con-
junto de projetos intencionalmente integrados, articulados e coordenados com
vistas ao alcance de um impacto social”. Como, na maioria das vezes, as iniciativas
de desenvolvimento comunitário vão atuar em diferentes frentes (ex.: proteção
da infância, incidência em políticas públicas, geração de renda etc.), para que o
impacto seja maior e sustentável, preferimos utilizar o termo Programa, ao invés
de Projeto, tendo em vista que se trata de uma coleção de projetos integrados.
Porém, ambos os termos podem ser utilizados. Segundo Maximiano (1997, p.
5), projeto pode ser definido como:
[...] um empreendimento ou esforço planejado, que deve entregar um
resultado singular, orientado para uma mudança benéfica, definido por
objetivos de ordem quantitativa e qualitativa, realizado por recursos orga-
nizados de forma também singular, dentro de restrições de prazo e custo.
METODOLOGIA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Geralmente, um bom relatório de diagnóstico apontará diversas problemáticas
que devem ser enfrentadas para alavancar processos de transformação. Não é
recomendado que se haja em muitas frentes distintas, sob pena de aumentar o
risco e diluir o impacto, por isso, uma boa opção é aproveitar a devolutiva do
diagnóstico comunitário para, em conjunto com a comunidade e demais atores
sociais, eleger prioridades e iniciar a construção do programa.
Esse processo participativo é muito importante para gerar empoderamento,
pertencimento e apropriação do projeto por parte da comunidade, o que, por
definição, é essencial para o desenvolvimento. Ainda que seja desejável que um
consultor especializado ou uma pessoa com experiência seja responsável pela
entrega final do documento do Programa, recomenda-se que haja um comitê
para auxiliar no desenho do projeto, com representantes da comunidade bene-
ficiária. Estes stakeholders, incluindo potenciais financiadores e os líderes da
iniciativa, vão apontar os resultados que se esperam obter, mas é fundamental
que haja um responsável técnico pela elaboração do documento.
PROCESSO E ENTREGA
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
MONITORAMENTO E AVALIAÇÃO
Para que o processo de monitoramento seja efetivado, são feitas análises de docu-
mentos (relatórios de atividades, meios de verificação dos indicadores, execução
orçamentária etc.) e, preferencialmente, devem ser realizadas visitas a campo,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Monitoramento e Avaliação
178 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A entrega final é o relatório de avaliação do projeto, contendo:
■■ análise dos dados;
■■ relatos de beneficiários;
■■ conclusões;
■■ lições aprendidas;
■■ considerações finais.
MENSURAÇÃO DE IMPACTO
Mensuração de Impacto
180 UNIDADE V
No entanto, a realização das oficinas, por si só, não garante que, de fato, o
trabalho infantil irá diminuir ou será erradicado. A mensuração de impacto será
capaz de afirmar que zzzz crianças saíram da situação de trabalho infantil, ou
o número de crianças em situação de trabalho infantil diminuiu x%, em fun-
ção do projeto. O foco está no resultado e não apenas nas atividades realizadas.
Entendemos impacto como o efeito de uma ação ou o resultado de uma
atividade. Ele agrega determinado valor para aquelas pessoas que receberam a
ação, podendo ser entendido em curto, médio ou longo prazos. O impacto está
relacionado diretamente à transformação, ou seja, significa mudar de uma situ-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ação A (atual) para uma situação B (desejada). O Impacto social diz respeito,
portanto, ao resultado de uma solução aplicada no campo social, e a mensura-
ção do impacto é o processo para conhecer o impacto causado.
A primeira etapa para se trabalhar a avaliação de impacto é conhecer a Teoria
da Mudança. Não esgotaremos esse tema aqui, mas podemos ter uma ideia de
como uma iniciativa social deve ser entendida e analisada na figura a seguir:
Mensuração de Impacto
182 UNIDADE V
Impacto
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A figura exemplifica as fases de mensuração:
Divulgação e Teoria da
monitoramento mudança 1
5
AVALIAÇÃO
Análise e Apresentar
mensuração DE IMPACTO objetivos
SOCIAL
2
4 Plano de Método
medição de avaliação
3
Figura 2 - Avaliação de Impacto Social
Fonte: adaptado de Paulo Cruz Filho ([2017], on-line)¹.
utilizar na mensuração.
6. Escolher qual a metodologia de mensuração de impacto que vamos utili-
zar. Existe várias metodologias disponíveis. Neste ponto, há vários níveis
de profundidade possíveis, desde o mais simples até o mais complexo:
a. Avaliação direta: antes versus depois.
b. Comparação e complementariedade – comparar o impacto da iniciativa com
o de outras organizações que fazem algo parecido, ou que trabalham com o
mesmo público.
c. Adicionalidade – avaliar a contribuição específica da iniciativa para o pro-
cesso de mudança. Isso é possível por meio do estabelecimento de grupos de
controle e aleatorização. A pergunta orientadora é: será que o impacto que
eu causei já não ia acontecer se eu não existisse? Em outros termos, qual a
minha contribuição peculiar para a transformação que está acontecendo? Se eu
trabalho com uma comunidade e eu ajudei a aumentar a riqueza desta comu-
nidade em 1%, e o PIB do Brasil aumentou 2 % no mesmo período, será que
o meu resultado não foi causado pela conjuntura maior? Na adicionalidade,
por meio de comparação com dados macro conjunturais e do estabelecimento
de grupos e controle, é possível fazer essa relação.
d. Monetização – corresponde ao último nível, mais complexo, que consiste em
atribuir valor financeiro àquilo que é realizado e ao resultado alcançado. Exem-
plo: quanto custa tirar uma pessoa da rua? Quanto isso reduz de custos para o
governo e para a sociedade civil? Algumas metodologias complexas nesta área
costumam até monetizar valores intangíveis, como autoestima, por exemplo.
Podemos utilizar ferramentas específicas com bancos de indicadores pré-es-
tabelecidos, que podem orientar a nossa ação de mensuração de impacto. Há
diversas ferramentas de apoio que podem auxiliar o gestor e a equipe nesta tarefa.
Mensuração de Impacto
184 UNIDADE V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Após a Aplicação do Plano de Ação Mensuração e a Análise dos dados, a decisão
estratégica é acerca da divulgação e compartilhamento de resultados, de acordo
com as expectativas do stakeholders. A comunicação poderá ser feita com empre-
sas, parceiros, financiadores, público interno etc., dependendo dos objetivos.
Uma observação importante: a mensuração de impacto não deve tornar-se um
“peso” ou um “fim em si mesmo” para a organização ou iniciativa social, nem deve
distrair a equipe do cumprimento das metas do programa em si. O trabalho de
mensuração de impacto deve ser analisado em função do benefício que trará para a
organização, pois pode ser um diferencial positivo de melhoria na gestão dos projetos.
No caso de organizações consolidadas, é função da alta administração (fundadores,
diretores, conselhos), da liderança de participarem ativamente e apoiarem o trabalho
de mensuração, principalmente nas fases do planejamento e da análise do processo.
GLOSSÁRIO
2000, p. 82).
MEIOS DE VERIFICAÇÃO – são métodos para coletar informações (dados)
requeridas para avaliar o progresso em relação aos indicadores.
MONITORAMENTO – significa um processo estruturado e contínuo de
medição de progresso em relação aos objetivos.
ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – os 193 países-mem-
bros das Nações unidas adotaram oficialmente a nova agenda de desenvolvimento
sustentável, intitulada “Transformando o nosso mundo: a agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável”. A agenda contém 17 objetivos e 169 metas.
PARCEIRO – significa a organização pública ou privada que estabelece uma
cooperação com o CADI Brasil e que será responsável pela implementação direta
das atividades do programa.
PARTICIPAÇÃO – é usada para se referir especificamente a processos nos
quais as partes interessadas tomam parte no planejamento e tomada de decisão,
implementação, aprendizado e avaliação.
RECURSOS – significa aquilo que é necessário para implementar as ativida-
des (por exemplo, pessoal, tijolos, veículos, materiais de instrução, alimentação,
dinheiro).
RESULTADOS – serviços que resultam das ações do programa/projeto, que
incluem produtos, bens, serviços e mudanças que agregam e contribuem para
atingir os objetivos.
RISCO é o potencial de eventos ou consequências indesejadas. Quando
esses eventos ou consequências ocorrem podem resultar na eficácia reduzida e
menor impacto nas vidas dos beneficiários.
Mensuração de Impacto
186 UNIDADE V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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peculiaridades que, então, exigem sensibilidade, criatividade e pró-atividade no
desafio de transformar realidades.
Ao mesmo tempo, isso não invalida a necessidade de termos, em qualquer
lugar e contexto, metodologias eficientes que, testadas e experimentadas, ajudam
a traduzir em ação as boas intenções de justiça e solidariedade. Comprovou-se
que as melhores metodologias assim funcionam porque conseguem envolver ati-
vamente as comunidades beneficiadas, o que torna ainda mais importante um
planejamento inclusivo.
Gostaria de ressaltar, ainda, que a compaixão cristã é o combustível para a
ação social inspirada na fé em Cristo. É bom deixar claro que, sem ela, mesmo os
projetos mais bem planejados não se sustentam em termos de profundidade e a
longo prazo. Isso porque são os de corações compassivos que conseguem “cho-
rar com os que choram e alegrar-se com os que se alegram”.
O estabelecimento de vínculos realmente sinceros é o que todo ser humano
procura, especialmente os mais pobres, que têm suas relações fragilizadas, mesmo
que só consigamos ver suas necessidades externas.
Nosso grande desafio como cristãos é exatamente este: reunir emoções, teoria
e prática nas iniciativas organizadas de intervenção social. Este capítulo é quase
que um manual que serve como base para se iniciar um planejamento cristão
eficiente e compassivo. Aproveite esta oportunidade e coloque a “mão na massa”.
1. A área técnica de uma intervenção social, seja ela executada por meio de uma
iniciativa informal, ou de uma organização formal juridicamente constituída, é
fundamental para o bom desempenho do trabalho e para o alcance dos resulta-
dos. Que princípios básicos devem ser observados por quem deseja iniciar
um programa social?
2. Um grupo de projetos relacionados, administrados de forma coordenada, para
obter benefícios e controle não disponíveis quando são administrados individu-
almente, é um:
a) Projeto ( ).
b) Portfólio ( ).
c) Pesquisa qualitativa ( ).
d) Programa ( ).
e) Dado secundário ( ).
3. O Diagnóstico Comunitário Participativo é um passo fundamental para qualquer
iniciativa de transformação. Assinale a seguir a única afirmação correta a res-
peito do Diagnóstico Comunitário Participativo:
a) O diagnóstico comunitário é, na verdade, um fim em si mesmo, que já sinte-
tiza tudo o que precisa ser feito em uma comunidade.
b) O diagnóstico comunitário é uma mudança de paradigma do “nós fazendo
com eles” para o “nós fazendo para eles”.
c) Promover ações de marketing social é um dos principais objetivos de um
diagnóstico comunitário participativo.
d) Projetos elaborados sem diagnósticos sociais são como tratamentos médicos
sem exames e vão cair sempre na técnica da tentativa e erro, tendo muito
mais probabilidade em desperdiçar tempo e recursos; gerar frustração na
equipe e na comunidade; causar dependência, paternalismo, manipulação e
acomodação, além de cair em enfoques excessivamente normativos e divor-
ciados da realidade e anseios comunitários.
e) Nenhuma das opções.
4. Uma das grandes vantagens do gerenciamento por projetos é o esforço de mo-
nitoramento e avaliação que é empreendido, assegurando que os resultados se-
jam alcançados, ou que as mudanças necessárias sejam feitas, de uma maneira
muito mais eficaz do que no mero gerenciamento por atividades rotineiras. Qual
a diferença entre monitoramento e avaliação dentro de um projeto social?
188
Filho de Gueixa
Embora haja pessoas extremamente ricas donada de seu pai em Awa, onde passou
no Japão, os pobres constituem uma toda a sua infância, triste, solitário, despro-
pequena minoria. Quase toda a popula- vido de carinho e maltratado. Depois foi
ção pertence à classe média. De acordo estudar em Tokushima, não muito longe
com as últimas estatísticas, 92% das famílias de Kobe, onde aos 15 anos, veio a se con-
estão asseguradas quanto ao futuro; trata- verter ao cristianismo por influência de um
mento médico, internações em hospitais, professor japonês e dois missionários. Não
acidentes de trânsito, velhice e morte. A demorou muito a se matricular no Seminá-
expectativa de vida é a mais alta do mundo: rio Presbiteriano de Kobe.
75,5 para homens e 81,3 para mulheres. Os
idosos são tratados com a maior considera- No Natal de 1909, Kagawa colocou os seus
ção possível. O Governo proporciona uma pertences num carrinho de mão, atravessou
ajuda mensal de cinco mil ienes para cada a ponte que separa Kobe da cidade vizi-
criança nascida a partir do terceiro filho, nha de Shinkawa, onde havia uma grande
até a idade de 18 anos, desde que a renda e miserável favela, e foi morar num case-
familiar esteja abaixo do necessário. Não bre, cujas paredes estavam ainda sujas de
há analfabetos e a matrícula na escola é de sangue, como resultado de um crime ali
100%. Mais de 90% termina o segundo grau perpetuado algum tempo antes. O rapaz
(12 anos de estudo). E, para concluir esta contava apenas 21 anos quando resolveu
lista de conquistas sociais, é preciso lembrar morar entre os pobres para pregar-lhes o
que o Japão tem um dos mais baixos índi- evangelho de forma objetiva. Viveu ali por
ces de criminalidade do Mundo. Enquanto 14 anos e oito meses. Tornou-se igual aos
em 1978 houve 989 casas de latrocínio por pobres e lutou desesperadamente por eles.
100 mil habitantes em Nova Iorque e 479 Condenou a inércia e a indiferença para
em Paris, em Tóquio o índice foi de ape- com os pobres, bombardeou a imprensa
nas quatro. com artigos que descreviam o sofrimento
deles, relacionou a miséria moral das fave-
Atrás destas impecáveis reformas sociais las com o pecado social da nação, propôs
há, entre outros, um nome que deve ser amplas reformas para impedir o fluxo de
lembrado: Toyohiko Kagawa. pobres para as cidades, fez campanhas para
impedir o fluxo de pobres para as cidades,
Nascido em Kobe, o principal centro de fez campanhas evangelísticas por todo o
exportação e importação do Japão, em país, pregou para líderes políticos e para o
1888, Kagawa era filho ilegítimo de um dos próprio imperador, deu força aos sindica-
homens mais poderosos do império, um tos de trabalhadores, e ajudou a formar alei
dos artífices da Era Meiji, que transformou o que abolia as favelas do Japão.
país de um estado feudal em uma potência
industrial e militar. Sua mãe era uma gueixa. Aos 35 anos, tornou-se um dos homens-
Órfão de pai e mãe aos quatro anos, Kagawa -chave na reconstrução de Tóquio e
foi entregue aos cuidados da esposa aban- Yokohama, por ocasião do terremoto de
190
1923, que, juntamente com os incêndios e de completar 50 anos, o talvez mais famoso
a ressaca marinha, matou 143 mil habitan- filho ilegítimo da aristocracia japonesa já
tes. Foi também um líder na reconstrução havia escrito 50 livros, um deles — Before
do Japão após a derrota imposta pelas for- the Dawn —, escrito em 1925, atingiu 250
ças aliadas em 1945, a esta altura já com mil exemplares.
57 anos.
Toyohiko Kagawa, que também passou
Tido como reformador social, evangelista pelo famoso Seminário de Princeton, nos
e escritor, Kagawa contribuiu para a salva- EUA, esteve preso várias vezes. Mas acabou
ção de 100 mil pobres, a emancipação de sendo ouvido e respeitado pelo governo,
9.430.000 trabalhadores e a libertação de que pôs um fim nas favelas do Japão. Mor-
20 milhões de agricultores sem-terra. Antes reu em 1960, aos 72 anos.
Nascidos em Bordéis
Ano: 2004
Sinopse: a fotógrafa Zana Briski e o cineasta Ross Kauffman foram a
uma das regiões mais marginalizadas e pobres da Índia para quebrar
tabus. Na cidade de Calcutá, funciona a zona de prostituição Sonagachi,
onde a fotógrafa iniciou um workshop com os filhos das garotas de
programa da região. Logo, meninos e meninas acostumados com a
exclusão provaram do poder transformador da arte.
Comentáio: esse filme sensível e emocionante mostra como é possível
mudar a vida de grupos altamente vulneráveis, como as crianças
que nasceram em bordéis na Índia, por meio de ações simples, mas
persistentes.
Material Complementar
REFERÊNCIAS
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de desenvolvimento. PM4NGOS, 2012.
BLACKMAN, R. Gestão de Ciclos de Projetos. Teddington: Tearfund, 2003. Disponí-
vel em: <http://learn.tearfund.org/~/media/Files/TILZ/Publications/ROOTS/Portu-
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CADI BRASIL. Política de Qualidade Técnica (Documento interno). 2014.
CRUZ JUNIOR, P. Webinar sobre mensuração de impacto. Programa Impulso, jul.
2017.
MAXIMIANO, A. C. A. Administração de projetos: como transformar ideias em re-
sultados. São Paulo: Atlas, 1997.
PFEIFFER, P. O Quadro Lógico: um método para planejar e gerenciar mudanças. Re-
vista de Serviço Público, Brasília, ENAP, 2000.
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sustentável (ODS). ONU, 2017.
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<https://www.sebraemg.com.br/atendimento/bibliotecadigital/documento/Carti-
lha-Manual-ou-Livro/Como-elaborar-uma-Pesquisa-de-Mercado>. Acesso em: 21
set. 2017.
SOCIAL GOOD BRASIL. 6 passos para uma Teoria de Mudança e mais impacto
social em seu projeto. 2017. Disponível em: <http://socialgoodbrasil.org.br/lab/
6-passos-para-uma-teoria-de-mudanca-e-mais-impacto-social-em-seu-projeto/>.
Acesso em: 21 set. 2017.
ULTIMATO. Filho De Gueixa. 2005. Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/
revista/artigos/295/filho-de-gueixa>. Acesso em: 21 set. 2017.
Referências On-line
1.
• Princípio da Autonomia Programática Local: as iniciativas devem ter autono-
mia para definir a estratégia de intervenção social, à luz do seu contexto, das
oportunidades e da expertise das pessoas envolvidas. Os projetos deverão se-
guir as recomendações e orientações do Diagnóstico elaborado a partir da co-
munidade e dos indicadores socioeconômicos do território a ser impactado.
No caso de projetos executados por organizações previamente constituídas
e consolidadas, no entanto, o princípio da autonomia programática deve
submeter-se à Visão, Missão e Valores da Organização, seja ela uma Organi-
zação da Sociedade Civil ou uma Igreja.
• Princípio da subordinação da captação de recursos à orientação programáti-
ca: as necessidades de campo e as estratégias locais de desenvolvimento de-
vem orientar a estratégia de mobilização de recursos para os projetos, e não
o inverso. Em se tratando de organizações sociais já constituídas, em todos
os processos de captação para projetos de intervenção, as equipes de campo
e representantes dos beneficiários ser consultados e, na medida do possível,
envolvidos na elaboração destes.
• Princípio da Participação: é imprescindível a participação comunitária no pla-
nejamento, execução, monitoramento e avaliação dos projetos. Da mesma
forma, as iniciativas deverão buscar a formação e o empoderamento das lide-
ranças locais em todas as suas ações e no seu planejamento de longo prazo.
• Princípio da territorialidade: cabe a cada iniciativa de intervenção social defi-
nir claramente os critérios de delimitação dos territórios a serem impactados,
evitando a dispersão de esforços. Os territórios delimitados devem ser comu-
nicados a todos os stakeholders. No caso de diferentes projetos atuando em
diferentes comunidades e áreas geográficas, deve-se planejar que os proje-
tos atuem em áreas contíguas, maximizando o impacto e diminuindo custos.
• Princípio da equidade: na escolha e priorização das áreas de intervenção, ideal-
mente deve-se buscar a equidade, ou seja, o apoio preferencial às comunidades,
famílias e crianças mais vulneráveis dentro do território de atuação da iniciativa.
2. Alternativa D.
3. Alternativa D.
4. O Monitoramento consiste na verificação da execução das atividades e dos re-
sultados esperados do Programa, de forma constante e durante o seu ciclo de
vida, no sentido de garantir que a implementação esteja progredindo conforme
o planejado. Já a Avaliação do programa/projeto é a verificação se os benefícios
esperados foram entregues, ao final do prazo definido. Isto é, enquanto o mo-
nitoramento se dá durante a fase de execução, interferindo no replanejamento
e na gestão dos riscos, a avaliação acontece depois que o projeto é encerrado,
ou quando está em fase de encerramento ou transição para um novo desenho.
CONCLUSÃO
5. Seguindo a Figura da Teoria da Mudança, definidas as Atividades que vão nos le-
var a alcançar os objetivos, precisamos pensar nos Produtos diretos da ação (ou-
tputs). Este é o resultado imediato das ações do projeto. Exemplo: num projeto
de erradicação do trabalho infantil e diminuição da evasão escolar, um produto
seria as oficinas de capacitação de gestores das escolas para realizar busca ativa
de crianças que deixassem de comparecer à escola.
Porém, o processo não acaba aí: em seguida, vêm os Resultados (outcomes).
Neste caso, os resultados dependem também, em parte dos beneficiários, e não
apenas dos projetos em si. Por exemplo, em um programa de capacitação para
geração de renda, podemos ensinar a um grupo de pessoas alguma profissão,
mas se isso de fato vai permitir que alguém gere renda para si e sua família, não
dependerá apenas dos esforços do projeto, mas em grande parte dos próprios
alunos. Nesta dimensão da Teoria da Mudança é que residem os objetivos de
fato finalísticos do projeto.
O nível seguinte, mais profundo, depois de Produtos e Resultados, é o nível do
Impacto, que corresponde ao resultado ecossistêmico, ou seja, o quanto que
essa ação vai mudar a realidade social em geral.
Resumindo, de uma maneira simples, os produtos são os resultados diretos das
atividades, os resultados são o impacto nas vidas das pessoas beneficiárias do
projeto, e o impacto corresponde à mudança abrangente, a nível da sociedade.
Para ficar mais claro, outra maneira de se pensar em mensuração de impacto é
fazer um encadeamento de perguntas “para que”? Entre cada um dos níveis de
teoria da mudança:
Atividades - Para que? – geram os produtos;
Produtos – Para que? – geram os resultados;
Resultados – Para que? – geram o impacto.
195
CONCLUSÃO