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II - INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA (1860-1873) Pág.

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Sabemos menos a respeito desse período da vida de Freud, do que a respeito de seus primeiros anos. O
pouco que sabemos provém de sua mãe e de sua irmã, bem como de observações ocasionais feitas por ele
mais tarde. Foi um bom menino, nada rebelde e muito voltado à leitura e ao estudo. Foi sempre o filho
preferido de sua mãe; era autoconfiante e sabia que iria alcançar algo importante na vida.

Os primeiros anos em Viena foram difíceis para ele, e mais tarde dizia que não valia a pena lembrar deles.
Nesse período ele sentia muita falta da liberdade e do campo aberto do interior onde ele tinha sido tão
feliz. De uma casa pequena onde moraram ao chegar a Viena, tiveram que se mudar para uma bem maior,
pois a família cresceu rapidamente com a chegada de seus irmãos. Mesmo a casa sendo maior, não
acomodava com muito conforto, pois a família era composta de 8 pessoas, mas ele tinha seu próprio
quarto. Neste período, eles precisavam da ajuda financeira da família de sua mãe. Não havia banheiro na
casa, mas uma vez a cada duas semanas, traziam uma banheira de madeira para a cozinha, assim como
vários barris de água quente e fria; tudo isso era retirado da casa no dia seguinte. Mas, quando as crianças
já estavam um pouco mais crescidas, a mãe as levava a um dos muitos banhos públicos da cidade. Freud
viveu nesta casa até tornar-se residente no hospital; ao longo de sua vida escolar e universitária, a única
coisa que mudou no quarto dele, foi o crescente número de estantes lotadas de livros. Neste seu quarto ele
tinha um lampião, enquanto os outros quartos tinham apenas velas.

A família toda tinha por ele e seus estudos um grande respeito. Sua irmã com 8 anos começou a estudar
piano; apesar do piano não ficar muito próximo do quarto de Freud, o som o perturbava muito e ele
insistiu para que fosse retirado da casa, o que de fato aconteceu. Assim, nenhum membro da familia
recebeu formação musical, como também mais tarde, nenhum dos filhos de Freud. A aversão dele pela
música era uma de suas características mais conhecidas.

As primeiras lições ele teve com sua mãe, e a seguir, o pai se encarregou de sua educação até mandá-lo
para uma escola particular. O pai era autodidata, e um homem talentoso, com inteligência e visão acima
da média. A partir dos doze anos, Freud acompanhava o pai em passeios pelos arredores de Viena. Essas
caminhadas eram o principal exercício dele, que gostava muito de ir até as montanhas. Parece ainda, que
os passeios solitários foram sua principal distração durante a época de estudante. Quando tinha 65 anos,
Freud participou de uma caminhada nas montanhas com alguns colegas cerca de 25 anos mais novos, e
ele se sobrepujou a todos, tanto em velocidade quanto em resistência. Era bom nadador e nunca perdia
oportunidade de nadar em um lago ou no mar.

Seu pai não era do tipo severo tão comum na época, tendo inclusive o costume de consultar os filhos a
respeito de várias decisões a serem tomadas. Essas discussões ocorriam no que eles chamavam de
"Conselho Familiar". Mas, o pai era acima de tudo um patriarca judeu e assim exigia muito o respeito.

Não se sabe muita coisa sobre a formação religiosa de Freud. A sua babá católica, com sua influência
deve ter contribuído para a aversão que Freud tinha pelas crenças e cerimônias cristãs. Seu pai deve ter
sido educado como judeu ortodoxo, e ele próprio deve ter aprendido todos os costumes e festas judaicas.
Quando Freud tinha 35 anos, seu pai então com 75, o presenteou com uma Bíblia que havia ganhado
ainda jovem, de seu pai; ele lhe disse que aquele era o Livro dos Livros. Freud falava de ter sido muito
influenciado pela leitura da Bíblia, desde muito cedo.

Aos nove anos, Freud se submeteu a um exame que o habilitou a freqüentar a escola secundária um ano
antes da idade normal. E teve um brilhante desempenho. Freud ajudava na instrução e nos estudos de
suas irmãs. Exerceu censura sobre a leitura delas, dizendo-lhes que eram muito jovens para ler
determinados autores. Todas as suas advertências eram exemplificadas por uma história lendária, o que
foi uma característica de Freud. Ele era em tudo um grande irmão. O estudo e a leitura sempre ocuparam
a maior parte da sua vida. Ele preferia as monografias que tivessem como tema um assunto em
profundidade, e chegou a se dedicar a leituras arqueológicas. Ele lia muito sobre assuntos que estavam
fora dos seus estudos e as conversas com os amigos eram sempre voltadas para assuntos sérios e
profundos.

Tinha muita facilidade para línguas, tendo sido mestre da prosa alemã. Era familiarizado com o latim e
com o grego, tinha conhecimento profundo do francês e do inglês, tendo ainda estudado sozinho italiano e
espanhol. Também tinha aprendido hebraico. Gostava especialmente de inglês, e chegou a ler durante dez
anos apenas livros em inglês. Leu muitas vezes as obras de Shakespeare, tendo começado essa leitura aos
oito anos de idade.. Costumava fazer citações que tirava de suas peças. Era um admirador do seu poder de
expressão e da sua ampla compreensão da natureza humana.

Freud tinha poucas características judias e tinha o gosto de contar anedotas e histórias judias. Mas se
sentia completamente judeu e isso tinha grande importância para ele. Sofria muito com qualquer
insinuação de anti-semitismo, e por isso tinha poucos amigos que não eram judeus. Se opunha à ideia de
serem malquistos, mas sofreu muito durante sua vida escolar, principalmente na Universidade, com o
anti-semitismo que vigorava em Viena. Freud nunca foi submisso.

Freud passou por uma fase militarista e a Guerra Franco-prussiana, que eclodiu quando tinha quatorze
anos, despertou nele um forte interesse. Mas, seus sonhos de se tornar um grande general foram se
desfazendo e acabaram quando ele aos 23 anos, passou um ano no exército, bem no meio de uma
pesquisa científica importante para ele.

Freud tinha dezenove anos quando visitou pela primeira vez a Inglaterra, que era a terra dos seus sonhos.
Nunca deixou de invejar seu meio-irmão, por este conseguir viver na Inglaterra, e criar seus filhos longe
das perseguições a que os judeus estavam sujeitos na Áustria. Freud chegou a confessar que costumava se
entregar à fantasia, de que era filho de Emanuel, o que teria tornado sua vida muito mais fácil. Parece
que foi nessa visita que ele decidiu seguir a carreira médica, mas seu pai achava que ele tinha o coração
muito sensível para esse trabalho, pois ele tinha também horror a sangue.

Quanto a seu desenvolvimento sexual, parece que ele teve um desenvolvimento mais calmo do que a
maioria dos outros jovens. A sua primeira experiência amorosa foi aos dezesseis anos, quando voltou à
sua cidade natal. Ficou hospedado com uma família amiga de seu pai e que também trabalhava no ramo
têxtil. Apaixonou-se pela filha deles, Gisela que era um ou dois anos mais nova que ele, e que tinha sido
sua companheira de infância. Como era muito tímido não conseguiu dirigir-lhe uma única palavra antes
que ela partisse para a escola. Ele então teve de se contentar em passear pelos bosques, com a fantasia de
como teria sido sua vida se seu pai não tivesse decidido ir embora daquele lugar que ele gostava tanto.
Mais tarde aos 19 anos em Manchester, quando reencontrou a jovem, ela o deixou completamente
indiferente e isso pode ter sido um dos fatores de sua decisão de persistir em uma carreira científica. Se os
encantos dela agora tivessem se igualado aos da época do campo, muita coisa poderia ter sido diferente
em nosso mundo.

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