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Olinda, 10 de outubro de 2022

Uma carta aberta para a sociedade.


No tocante ao aspecto biopsicossocial, é triste perceber o quanto você,
sociedade, é excludente e preconceituosa, o quanto diminui desde os saberes
tradicionais até a classe periférica, gerando um abismo entre os indivíduos que
possuem os saberes tradicionais e os profissionais com conhecimento técnico,
o que leva a construção de um olhar preconceituoso sobre aquele indígena que
profere sua crença na utilização de chás, folhas e raízes. Dessa forma,
erroneamente, esses cidadãos têm sua cultura como um grande alvo do infeliz
etnocentrismo social, sob a perspectiva histórica do Brasil colônia, percebe-se
o olhar etnocentrico, uma vez que é relatado nas cartas de navegação de Pero
Vaz de Caminha um olhar de pena, de ingenuidade e de inferioridade, nesse
contexto, essa forma de enxergar a população originária ainda se mantém, haja
vista que muitos profissionais, principalmente os que não possuem uma
formação humanizada, ainda perpetuam esse estigma tão errôneo, o que leva
a muitos indígenas não criarem o vínculo de relação médico e paciente, mas,
imagine, por exemplo, você, cristão, alguém chegar em você e falar que tudo
em que você acredita desde que você se conhece por gente é tudo uma
grande mentira e que o seu Deus, na verdade, é um ser que está apenas lhe
ludibriando para o mal, pois é, né, achou pesado? Porque realmente é, a fé
indígena foi totalmente devorada.
Além disso, inúmeros povos indígenas tiveram sua fala, sua cultura , seu
modo de viver, seu estado de espírito totalmente extintos, imagine o quanto
essas pessoas tinham de conhecimento, de riqueza, de história, gerações e
mais gerações de algo tão belo e rico devorados simplesmente pelo grande
mercantilismo.
Cara, eu muitas vezes me pego pensando no que deixamos de aprender
com essas populações, poxa, receitas de medicamentos, conhecimento sobre
astronomia ou sobre animais, ou até histórias folclóricas, é triste temos uma
imagem do indígena como apenas uma tanga e um arco e flecha da mão, ou
como aquela visão romantizada, diria até pornográfica do corpo indígena visto
nas obras literárias românticas de primeira geração, um grande exemplo de
uma dessas obras é “Iracema” obra de José de Alencar, autor romântico, até
entendo que ele queria enaltecer a cultura nacional e escolher um herói para as
histórias e colocar um alicerce representativo, mas é muito mais além do que
isso, todos nós deveríamos ter esse contato mais perto dessas pessoas, tenho
certeza que elas têm muito o que nós ensinar sobre as terras, sobre o folclores,
sobre as lendas, sobre as plantas, sobre o céu, sobre energias.
Por vezes, gosto de ler sobre essas histórias contadas sobre mitos e lendas
da cultura indígena, realmente acho interessante, pow, cara, imagine se tudo
realmente for real? Hahaha é legal viajar nisso, você sai um pouco da realidade
nua e crua do mundo e até desenvolve empatia por esses povos originários,
uma vez que você está enxergando o mundo da maneira que eles enxergam,
enfim, acredito que a gente, como profissional da saúde, como cidadão, é
nosso dever entender toda essas populações como um grande alicerce de
nossa construção social, cara, toda nossa cultura, desde alimentação até a
forma que a gente fala foi fortemente influenciada por essa belíssima cultura,
mesmo sabendo disso tudo, ver as pessoas colocando a cultura europeia ou
até a norte Americana como a mais bonita, como a mais almejada, entrando
naquele limbo imenso da população brasileira se sentir inferior socialmente,
culturalmente, já passou mais do que da hora de quebrarmos esse pensamento
nefasto e totalmente eugenista, ninguém é superior a ninguém, nenhuma
cultura é mais bela ou deve ser colocada como um ponto de evolução a ser
alcançado, como os darwinista sociais pregavam, única coisa que existem
entre as culturas são as diferenças, mas são as diferenças que as tornam
únicas e as fazem ser belas da sua forma e da sua mais que graciosa maneira
específica.
Sob óptica do filósofo Franz Boas, todas as culturas devem ser plenamente
respeitadas e defendidas. Contudo, é perceptível claramente no Brasil que a
cultura afrodescendente é totalmente dilacerada pela perspectiva, em grande
parte, do homem branco, visto que o próprio enxerga a sua religião, a sua
matriz social como a correta, cara, mas isso é visível desde as épocas mais
antigas, desde quando a igreja categorizou o negro como um ser humano sem
alma, vei, sem alma pow que loucura, mas é impressionante como fatos
históricos podem mudar totalmente o rumo das coisas, enfim, voltando, os
viajantes europeus quando viram aquela terra, extremamente quente, a África,
viram a figura de tridente, o qual fazia parte da religião deles, associaram um
lugar quente, um tridente, como o próprio inferno presente na terra, olha que
visão mais nefasta.
Indo sob essa visão, os europeus estimulavam a guerra entre as tribos para
facilitar a dominação, durante o processo de dominação europeu, os próprios
começaram a misturar todas as tribos, de maneira totalmente sem empatia,
sem considerar diferenças, sem considerar modo de viver, sem confirmar
rivalidade, NADA, o que levou a um grande cenário de guerra civil naquele
ambiente, que doidera máxima, e isso tudo tem impacto até hoje, é triste
imaginar o que esse imperialismo selvagem gerou para toda cultura e povos
(fome, miséria e guerras).
Enfim, acho que dei uma viajada agora, mas retomando para a perspectiva
histórica brasileira, a gente já começa a nossa história com um cenário
praticamente de um holocausto da população negra, essa retirada em massa
da população africana das suas terras originárias em navios totalmente
insalubres, mano, esse cenário de navios negreiros, me arrepia demais, cara,
imagine, mais uma vez, você, sim você mesmo aí sentado que está lendo essa
carta/relato, viajando milhares de quilômetros de navio totalmente apertado
com pessoas em cima de você, você não conseguindo nem respirar, nem se
mexer, durante horas, isso com ratos transmitindo a peste negra, vendo a sua
família morrer, seu irmão que também foi capturado morrendo de fome ao seu
lado, seu pai já falecido no outro lado, você faz ideia o quanto esse cenário é
inexplicavelmente desumano ?!
Cara, para, no final de tudo, você ser colocado a venda como uma mera
mercadoria, infelizmente, isso não é ficção, tudo realidade nua e crua que
reflete até os dias atuais uma sociedade extremamente racista, voltando a
visão histórica, isso tudo durante séculos, para depois séculos a abolição da
escravatura ser de maneira gradativa e burocrática, por exemplo, a Lei do
sexagenário, a qual afirmava que o escravo deveria ser solto após completar
60 anos, mas MANO, que escravo vivia até 60 anos? Só a cachorrada essa lei,
foram diversas enrolaçôes até de fato ocorrer a abolição, mas aí pensamos
“entao, depois da abolição os negros viveram feliz para sempre ?” CONFIA,
infelizmente, a população negra foi totalmente negligenciada pelo estado, sim,
se tinha liberdade, mas eae ? O que se fazer com ela ? Se não existe emprego,
não existe dignidade, não existe SAÚDE, nunca existiu de nenhuma forma, até
a lei de cotas, uma reintrodução digna dessa população para a sociedade, o
que levou a marginalização desse grupo, totalmente a desprovidos de políticas
públicas em prol de uma sociedade mais equitativa, graças a isso, diversas
doenças têm-se como fator de risco a população negra, devido, em grande
parte, à falta de alimentos de qualidade, devido à um acesso efetivo à saúde,
higiene, ou seja, bens básicos.
Logo, o médico deve ter esse olhar sensível para entender cada pessoa
como um indivíduo biopsicossocial, entendendo suas necessidades, suas
limitações e sempre ofertando o melhor tratamento, sempre com respeito
empatia, o melhor estilo de vida que se enquadre naquela realidade de
determinado paciente.
Entrando no aspecto do raciocínio histórico, é triste termos uma visão
extremamente ocidental do que é história ou muitas vezes entendermos a
história muitas vezes como “fatos importantes”, mas, o que é será que significa
importante ? Sinto que tudo é tão relativo e tão subjetivo que não devemos por
nenhum tipo de parâmetro para uma coisa tão humana quanto a história,
realmente fico triste com essa perspectiva de hierarquizante, acredito que o
principal aspecto é entendermos a história como um grande mecanismo
humano e que muitas vezes é mutável, haja vista que a perspectiva pessoal de
cada indivíduo vai ter influência sobre a narrativa histórica de determinado fato,
o que leva a história, assim como qualquer ciência humana, ficar longe de ser
algo exato.
Mas aí você pensa, por que tudo isso seria importante para a formação
de um profissional da saúde? Velho, se você não consegue ao menos tentar
entender que determinado paciente vai ter uma visão individual sobre a própria
história, sobre as narrativas mundiais, isso tudo leva ao indivíduo a adotar
determinada postura em relação a sua alimentação, sua vestimenta, a forma
que ele age com determinada doença e isso tudo vai formando uma grande
teia de acontecimentos e necessidades que aquele indivíduo por ele ter uma
visão, muitas vezes, tão indivualizada de mundo que tentar entender o que ele
pensa vai fazer você tratar ele de maneira mais efetiva. Além disso, você ainda
vai facilitar ainda mais a relação médico paciente, fazendo com o que ele se
abra de maneira mais fácil com você e você consiga reconhecer as principais
necessidades daquele paciente, o que levou ele a determinado quadro clínico e
como você vai lidar com esse quadro clínico vendo toda a perspectiva
biopsicossocial daquele sujeito.
Por fim, sociedade, espero que essa carta aberta para você faça surgir
uma reflexão, quanto aos preconceitos e espero que vocês consigam enxergar
as raízes dos seus próprios preconceitos sociais e, assim, torne esse mundo
menos errôneo e menos tóxico.

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