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Charbelly Estrella
Em seu texto clássico Fashion, Georg Simmel (1971, p. 294) apresenta uma tessitura das
formas sociais expressa nas articulações da moda. O autor defende que a moda serviu a uma
busca pela distinção individual na sociedade moderna urbana, colaborando com a construção
de uma tipologia social. Da mesma maneira, o “sistema da moda” funcionou como uma
forma aplicada do racionalismo produtivo, produzindo e reproduzindo identidades e
hierarquias a partir da maneira pela qual o indivíduo, e grupos de indivíduos, agenciavam as
possibilidades de construir sua aparência, sua forma de apresentar-se publicamente, através
de códigos de vestimenta e dos adornos do corpo em geral.
Com essa abordagem sociológica, Simmel nos dá a pista central do problema que a moda
representaria na engrenagem moderna – o agenciamento social das formas do parecer, ou
seja, como cada indivíduo seria capaz de conjugar as suas possibilidades individuais de
apresentação pública com os padrões coletivos de organização social. Isso significa que os
indivíduos inseridos em diferentes classes sociais deveriam conhecer os códigos de distinção
social que eram articulados na aparência das pessoas.
É possível observar, por exemplo, como várias manifestações artísticas lançaram mão do
vestuário para fomentar seu espectro conceitual, desde as experimentações do Futurismo
ao movimento Punk londrino. É o caso de figurinos criados por alguns artistas, que podem
ser tomados como apresentação de um vocabulário visual passível de ser aplicado em
outros suportes, em outros meios. Este texto, portanto, tratará a dinâmica da moda sob
os dois aspectos aqui indicados: o primeiro é o que diz respeito à sua função social, sua
importância como dispositivo de controle e condicionamento da figuração pública, próprio
das sociedades disciplinares européias do século XIX e da primeira metade do século XX.
1 Para debate mais amplo sobre essas transformações, ver Richard Sennett (2002).
O segundo, que receberá maior ênfase, é o que diz respeito às especificidades formais do
Moda e Arte
parecer, das técnicas de produção do vestuário, da aplicação de novos materiais e das relações
entre as novas formas de se vestir e a dinâmica da arte.
Para que se contemplem esses dois aspectos, este texto tratará primeiro da dinâmica da
moda numa sociedade urbano-industrial. Em seguida, será focalizada a influência definitiva
de alguns movimentos artísticos nas artes aplicadas, a partir da ampliação do campo da
arte promovida pelas correntes modernistas, conjugando um caráter formal à produção de
objetos de toda ordem, que passaram a invadir o cotidiano do cidadão comum.
Outro autor importante na análise desse processo é Michel Foucault. Ao cunhar o conceito
de sociedades disciplinares, Foucault (2002, p. 117) aponta que o conceito de indivíduo é
próprio de uma etapa histórica, os séculos XVIII e XIX, na qual os dispositivos de controle do
coletivo se estabelecem a partir da técnica de vigilância – o panóptico. Para o autor, o poder
deixa de ser repressivo para ser condicionante, ou seja, deixa de ser brutalmente punitivo
para se tornar vigilante. O indivíduo surge quando o sujeito não apenas se percebe como
alvo do poder, mas também internaliza a vigilância, própria de uma sociedade de produção
em massa. O indivíduo, para Foucault, é efeito de um tipo de poder, um poder internalizado
sob a forma de vigilância constante. Nesse sentido, a dicotomia indivíduo-massa é central
para a concepção da sociedade moderna e atravessa, da mesma forma, os debates sociais e
estéticos capitaneados pelos movimentos vanguardistas do início do século XX.
A moda é, em larga medida, conseqüência de uma sociedade disciplinar que credita nos
dispositivos de condicionamento do comportamento do indivíduo sua principal força para
fazer a grande máquina produtiva funcionar. Mas, como bem destaca Foucault, a grande
vantagem estratégica dessa forma de controle é ser positiva, ou seja, ela não promove
capturas forçadas, mas seduz, convoca a participação individual, ou seja, as disciplinas
induzem a fragmentação e a participação no coletivo como movimentos de uma mesma
dinâmica social. Mas o que isso tem a ver com o universo da moda? Podemos dizer que,
a priori, o grande papel social das roupas, ao final do século XIX, foi a figuração de um
condicionamento social de uma nova forma de poder econômico que se consolidava na
Europa – o capital industrial.
Norbert Elias aborda a formação do Estado Moderno e como isso interferiu diretamente sobre o comportamento dos
indivíduos nas obras O Processo Civilizador (1993; 1994) e Sociedade dos Indivíduos (1997).
Para Foucault as disciplinas são possíveis a partir do momento em que o corpo é reconhecido como alvo e objeto
de poder. O autor defende as disciplinas como dispositivos de docilização dos corpos, ou seja, numa sociedade capi-
talista industrial o poder é exercido a partir do estímulo ao corpo produtivo e ao esvaziamento de sua vontade política,
evitando assim a própria revolução. A preocupação com a aparência, operada pela moda, pode ser entendida como um
desses dispositivos na produção de “corpos dóceis”. Para este debate ver Foucault (2002, p. 117-192).
De uma função elementar de proteção do corpo, as roupas passaram a servir, numa
Moda e Arte
sociedade civilizada, sobretudo ao agenciamento social do indivíduo na coletividade.
Portanto, as roupas serviam para disciplinar os corpos e, assim, inseri-los no jogo social
do coletivo urbano e, acima de tudo, permitir as pequenas distinções sociais. Com isso, as
roupas se tornaram as principais aliadas da hierarquia social moderna a partir dos tipos de
tecidos, dos modelos únicos, dos discretos códigos de diferenciação – o nó das gravatas, a
forma de amarrar as botinas ou de fechar os botões das casacas.
É possível ver claramente a função social que a produção orientada de trajes assume a partir
da década de 1870, com o surgimento das casas de costura, o que em pouco tempo viria a se
tornar a chamada Alta Costura. Além da produção de modelos únicos, é nesse contexto que
começam a ser produzidos em larga escala utensílios para a toalete cotidiana, a proliferação
dos espelhos sem função decorativa, mas como instrumentos que auxiliavam a preparação
do indivíduo para a vida pública na cidade. Portanto, o chamado “sistema da moda” é
o enunciado da percepção de uma relação bastante complexa que aflorava entre corpo e
cidade moderna. A roupa deixa de ser apenas um bem utilitário e assume a insígnia de seu
tempo – a idéia de um figurino urbano.
No início do século XX, as Casas de Costura, que formavam a denominada Alta Costura,
eram o que de mais próximo existia do universo artístico moderno. O surgimento das casas
de Alta Costura e dos grandes costureiros, como Charles Frederic Worth, Paul Poiret, Jean
Patou e Coco Chanel, entre outros, acabou por conferir à produção das roupas e acessórios
o lugar privilegiado de criação artística. Era como se a chancela do gênio artístico chegasse
também às Casas de Costura. Pela primeira vez na história as roupas faziam parte de uma
orientação produtiva, de uma racionalidade produtiva, colocada em prática com vistas à
coletividade. Por outro lado, as Casas de Costura produziam modelos únicos e assinados
por seus criadores que, por sua vez, os apresentavam em salões vespertinos para aqueles que
ocupavam o ápice da pirâmide social.
Entretanto, para além do circuito da moda que se formava principalmente em Paris o que
efetivamente estava em foco na ascensão da importância das roupas e acessórios eram duas
questões fundamentais – as transformações produzidas pelo modernismo e a produção industrial
em larga escala para atender a uma massa de consumidores. O diálogo entre os “costureiros” do
início do século XX e o mundo da genialidade artística conferiu à produção de vestimentas e
acessórios a força criativa tão necessária para atribuir ao figurino urbano um valor estético.
CORBAIN, Alain. Bastidores (apud PERROT, 1997, v. 4, cap. 4).
Para esse debate ver Lipovetsky (1991).
caráter. Também importantes foram Charles Baudelaire (1993), que produziu o seu elogio
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à maquiagem, e Oscar Wilde (1972), que apresentou o dândi Dorian Gray como amante
e fiel seguidor das normas modernas do bem vestir. A crônica moderna está repleta de
personagens que têm sua moralidade exposta nas calças, nos botões das camisas ou no
tamanho das golas.
Junto com o psicologismo literário dos personagens, exposto através das roupas, um problema
fundamental surge – quais são os dispositivos que fomentam a criação das roupas? Quais são
os elementos que efetivamente promovem no mundo da moda mudanças e rupturas formais?
O sistema da moda já havia se consolidado a partir de uma sazonalidade industrializada, era
responsável por apresentar aos ávidos burgueses as novidades do momento. Mas de onde
vêm as novidades? Como são fomentadas e formalizadas?
Do final do século XIX até a primeira década do século XX, o elementos agenciadores
das mudanças nos trajes eram pequenos, sutis. E as roupas serviam como dispositivos de
diferenciação social. Portanto, toda vez que um detalhe se popularizava uma novidade
surgia em seu lugar, e assim se consolidava o par dicotômico novidade/obsolescência. Mas é
a partir da segunda década do século XX que mudanças profundas, estruturais, podem ser
percebidas nas roupas, especialmente nas femininas.
Segundo Giulio Carlo Argan (2002), o Modernismo subsume diversas correntes artísticas,
da última década do século XIX e início do século XX, que se propõem a interpretar, apoiar
e acompanhar o esforço progressista, econômico-tecnológico da civilização industrial. O
historiador da arte identifica cinco premissas como tendências modernistas:
1) a deliberação de fazer uma arte em conformidade com sua época e a renúncia à invocação de modelos clássicos, tanto
na temática como no estilo; 2) o desejo de diminuir a distância entre as artes maiores (arquitetura, pintura e escultura)
e as “aplicações” aos diversos campos da produção econômica (construção civil corrente, decoração, vestuário etc.); 3) a
busca de uma funcionalidade decorativa; 4) a aspiração a um estilo ou linguagem internacional ou européia; 5) o esforço
em interpretar a espiritualidade que se dizia (com um pouco de ingenuidade e um pouco de hipocrisia) inspirar e redimir
o industrialismo.
Argan (2002, p.185).
É a partir dessas premissas que podemos analisar os pontos de contato entre a Moda e a
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Arte. Em primeiro lugar, podemos observar que é a relação que a arte estabelece com o
“industrialismo” moderno e suas vertentes que permite o surgimento das chamadas artes
aplicadas. Esse novo “lugar” de diálogo possibilita que algumas formas de produção, antes
relegadas a uma lógica de criação de segunda categoria, ascendessem a um lugar de destaque
e, assim, passassem a constituir também problemas que requeriam soluções artísticas.
Podemos citar, como exemplos, a preocupação com a padronagem dos tecidos, a produção
de acessórios de toda ordem e a influência definitiva do desenho industrial.
O vestuário e a produção de figurino para cinema, teatro e balé tornam-se exemplos das artes
aplicadas “beneficiadas” pela dinâmica das correntes modernistas. Portanto, os problemas
centrais para a Arte Moderna refletem-se diretamente nesses novos campos de produção.
Isso quer dizer que as questões das quais se ocupa a arte moderna também influenciaram as
artes aplicadas, configurando a chamada ampliação do campo da arte.
É nesse período histórico que Arte e Moda consolidam um movimento de sucessivas rupturas
formais, garimpando novos materiais, acatando novos dispositivos técnicos em suas produções
e assumindo definitivamente seus respectivos papéis sociais na sociedade do novo século.
Mas quais foram, então, as efetivas transformações formais que esse novo cenário social,
político, técnico e artístico provocou nas roupas? No século XIX era comum observarmos que
a moda pouco se estendia às classes operárias. Enquanto os burgueses e a aristocracia vestiam
roupas volumosas, com cinturas marcadas, corpetes apertados e chapéus ostensivamente
pesados, as classes populares tinham acesso às roupas produzidas artesanalmente – nas
costureiras de bairro ou feitas pelas próprias mulheres, através de modelos copiados dos
semanários –, ou aos primeiros modelos padronizados, disponíveis nas lojas de departamentos
que começavam a surgir. Mas, em geral, as roupas forçavam uma estrutura rígida para o
corpo, o que podia também ser percebido, embora em menor escala, nas roupas masculinas.
As cores sóbrias serviam como insígnias de uma moralidade de vestir.
Com a explosão dos movimentos de vanguarda e a intervenção pontual das novas técnicas
e materiais de produção, uma outra forma de vestir se apresenta. As roupas femininas
começam a abandonar os trajes “enclausurantes”, e embora acima da cintura a forma
triangular ainda continue, da cintura para baixo os tecidos utilizados apresentam maior
maleabilidade, ou seja, sugerem maior movimento e leveza. Podemos identificar essa noção
de leveza no clássico suprematista de Kasimir Malevich, Branco sobre Branco, de 1918.
Nessa obra, Malevich sobrepõe delicadamente duas formas geométricas em branco. No
branco sobre o branco, a princípio difícil de imaginar, reside a intensidade da própria
fluidez do branco, o branco propõe uma espécie de volatilidade à forma geométrica,
sugerindo uma espécie de movimento dispersivo. É essa sensação de leveza que é perseguida
pelos estilistas na produção dos trajes. Segundo James Laver, a partir de 1913 há uma
Laver (1996, p. 225-229).
mudança surpreendente: os vestidos passam a admitir o decote em V e os chapéus não se
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apresentam mais como gigantescos adornos, difíceis de equilibrar, mas se tornam menores
e mais ajustados à cabeça, portanto visualmente mais leves e mais condizentes com a nova
mobilidade da mulher moderna. O corpo deixa de ser um suporte para as criações dos
“gênios da costura” e passa a ser a condição das produções.
É nesse momento que podemos perceber a forte influência das premissas do cubismo e
do futurismo italiano. A linhas horizontais e verticais apresentam-se como técnicas de
corte, e a própria lógica do corte industrial, o corte reto, assume o lugar das sinuosidades
extravagantes. Neste sentido, as roupas são feitas para permitir a mobilidade do corpo e para
abarcar o sentido da velocidade técnica e a própria ação social que as vanguardas apontam
como estratégia de transformação social, o que pode ser exemplificado com a obra de Luigi
Rossolo, Dinamismo de um automóvel, de 1912-13. As camadas triangulares não deixam
dúvida quanto à motivação criadora do movimento.
Mas quais são as questões da arte moderna que fornecem os elementos estruturais para os
trajes de Chanel? Não é difícil perceber as pistas que Chanel nos dá quanto à influência
do construtivismo russo e do próprio suprematismo de Malevich. As transformações que
estavam ocorrendo na Rússia, desde a revolução de 1917, anunciavam o despojamento das
formas ostensivas e especialmente o abandono da figuração. Em primeiro lugar, como já
dissemos, os modelos retos beneficiam o movimento do corpo e buscam na base geométrica
a real condição da mobilidade, da sensualidade. O que o corte básico fornece é a característica
essencial da função social de um traje, no caso feminino.
Durante muito tempo, os trajes se encheram de elementos e adornos que impediam que
a relação entre corpo e roupa se tornasse menos mediada pelo excesso de tecidos e cortes
sobrepostos. Esses modelos impediam, é claro, a reprodução em larga escala, devido ao
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excesso de detalhes pomposos. Era necessária uma simplificação e a utilização de outros
tecidos, mais simples e baratos. A concepção do básico preto elimina essas fronteiras. Seu
modelo é uma matriz para reprodução em massa, não exige nenhuma modificação, pois já
é em si uma forma elementar. Percebe-se, assim, a influência que os princípios difundidos
pelas vanguardas russas tiveram sobre as mudanças introduzidas por Chanel na moda,
especialmente a busca por formas puras que caracterizou o suprematismo de Malevich.
A coreografia da repetição, por sua vez, faz uma referência clara ao trabalho dos operários
nas fábricas, suavizado pelo próprio movimento do balé. De fato, o industrialismo assumiu
força total sob a pedagogia bauhausiana em que Schlemmer fundamentou as suas opções
estéticas. Assim, podemos perceber que o diálogo entre o banal e o artístico é realizado
através da inserção do design industrial na produção de objetos que passaram a invadir o
cotidiano dos cidadãos, forjando um conceito de usabilidade a partir dos princípios da arte.
O design industrial estabeleceu, desde a sua origem, um pacto definitivo com o vestuário e
com os acessórios da moda.
É preciso lembrar que ao final da década de 1940, mais precisamente em 1949, surge o
chamado prêt-à-porter. A idéia seria a apresentação de um conceito de coleção que estivesse
“pronta” para vestir, ou seja, pronta para venda em massa nas lojas das grandes grifes.
Assim, o “pronto para vestir” pode ser considerado o ápice da conjugação entre design e
industrialismo na Moda. A principal conseqüência dessas novas condições de produção de
roupas é que a Alta Costura entra em franco declínio no período após a II Grande Guerra.
Chanel fecha seu ateliê sob a alegação de que os europeus não queriam mais saber da grande
moda, e Balenciaga afirma que não há mais pessoas para vestir. A partir desse momento, as
grandes Casas de Costura se transformam em “indústrias do prêt-à-porter”.
Entretanto, o ápice da vida industrial chega com a introdução dos materiais sintéticos nas
roupas. Esses materiais industrializados já estavam presentes na visualidade do século XX e,
pelo menos desde seu uso nas colagens cubistas e no ready-made de Marcel Duchamp na
década de 1910, haviam se tornado uma questão específica para a história da Arte Moderna.
Mas é entre as décadas de 1950 e 60, especialmente nos Estados Unidos, que os materiais
de valor menor, como plástico, metais baratos e papéis, passam a servir para a produção
de roupas. Em finais da década de 1960, o estilista espanhol Paco Rabanne cria modelos
completamente sintéticos e, além disso, é o primeiro estilista a levar para a passarela a idéia
de performance das manequins.
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A presença das técnicas de reprodução no processo de criação, a realidade de segunda
categoria difundida pelos meios de comunicação de massa, que passam a mediar a relação
do indivíduo com a realidade, a transformação da obra de arte em mercadoria: esses
são alguns dos elementos que nos permitem compreender as próprias transformações
internas do circuito da Moda.
Podemos perceber um debate mais apurado sobre a idéia de uma vida que se artificializa,
uma vida de plástico, através das produções da Pop Art. A expansão do uso do plástico
em todos os tipos de produtos já havia sido amplamente ironizada nas esculturas gigantes
de Claes Oldenburg. Essas esculturas não apresentam qualquer rigidez, e parecem formas
“desfalecidas”. As propostas de monumentos públicos realizadas por Oldenburg trazem
elementos banais, da vida banal cotidiana – batons e bolas de basquete – para escalas
gigantes. Assim, esses “monumentos” apontam para uma realidade de segunda categoria,
reproduzida artificialmente para as massas. O “bazar” criado pelo artista também apresenta
uma variedade de objetos da vida de plástico que invadia os Estados Unidos na década de
1950, assim como as geringonças eletrodomésticas e os gadgets.
O surgimento da moda juvenil traz a categoria unissex como o novo conceito de vida
contemporânea. Desde a década de 1960 até os dias de hoje o tênis, a t-shirt, a calça jeans e
o estilo rock-n-roll compõem o visual da juventude urbana e tornaram-se signos máximos
do despojamento e da rebeldia. Entretanto, entre as décadas de 1960 e 70 explode o
movimento Punk nos bairros operários ingleses. Esse movimento cultural e ideológico
formalizou sua estética pelo uso de roupas em couro, coturnos, cabelos espetados e rostos
pintados de preto, fazendo uma referência direta à situação do proletariado inglês. O
cenário cultural que se desenha a partir dessa época é uma ruptura estética com os padrões
modernos até então válidos. A produção em larga escala de commodities e a consolidação
de um star-system, povoado de celebridades efêmeras e alimentado pela cinematografia
americana, a indústria hollywoodiana, fornece a nova estética de consumo correspondente
ao capitalismo pós-industrial.
O movimento Punk produz, através de seu visual áspero e de sua música desestruturada e
ruidosa, uma crítica ao status quo forçado por essa nova sociedade de consumo. Os estilos
juvenis e suas respectivas trilhas sonoras passam então a ser a nova fonte de inspiração
para os novos estilistas, a exemplo de Vivienne Westwood. Considerada “mãe” da moda
punk, Westwood transforma em commodities os signos de protesto do Punk, assim como
a indústria fonográfica já havia feito com o próprio punk-rock. Uma vez transformado
em produto da cultura de massa, considerado um estilo, o movimento Punk assume
sua inevitável decadência e fim. Mas as peças sobreviveram nas linhas de produção, e os
penteados pontiagudos resistiram por alguns anos.
O que a Moda produz a partir de então é uma sucessão de negociações com os diversos
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campos da cultura de massa. Municiada pela indústria fonográfica, desemboca numa
sucessão de estilos que atravessam as décadas posteriores: a psicodelia das décadas de 1960
e 70; o disco dos anos 1970; o yuppie da década de 1980; a androginia e o grunge dos anos
1990. O interesse pela criação de figurinos de balé é, em grande parte, substituído pelo
destaque dado aos figurinos dos espetáculos de música. O estilista Jean-Paul Gaultier, por
exemplo, produz o figurino de vários shows da popstar Madonna.
No cenário brasileiro de moda, dois grandes eventos ganham força: a São Paulo Fashion
Week e a Rio de Janeiro Fashion. O elemento “juventude” permanece reelaborado pela
citação da literatura brasileira, do desenho animado americano das décadas anteriores ou do
mangá contemporâneo, até das divas do cinema das décadas de 1940 e 50 e, principalmente,
da cultura popular. No caso do Brasil, a temática “natureza” aparece numa referência direta
à fauna e à flora nacionais – a Amazônia, o Pantanal e a Mata Atlântica são argumentos de
estilo, utilizados em estampas e no recurso aos materiais orgânicos. Um jogo de marketing
social promove a substituição das peles originais por sintéticos politicamente corretos.
O que está em questão na Moda contemporânea? A ruptura estética promovida pela ascensão
da cultura de massa nas décadas de 1950 e 60, como nova fonte de elementos visuais,
permitiu amplamente uma descontinuidade ofegante de estilos. Agora, um sistema de
produtos da sociedade pós-industrial é capaz de reproduzir e disseminar, incessantemente,
imagens sampleadas dos modelos anteriores. Uma espécie de recorte/cole, pedaços copiados
e detalhes relidos, embora não façam qualquer referência a uma possibilidade de todo. Ou
seja, não são capazes de, uma vez reunidos, promover uma perspectiva de conjunto. Esses
retalhos são uma espécie de hipertexto, uma lógica aberta continuamente alimentada pelos
resíduos informativos da vida contemporânea.
Para melhor visualização da cronologia dos estilos contemporâneos, ver: Les Grands Moments de la Mode (1997).
3. Referências
Moda e Arte
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2001.
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Zahar, 1994.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 25. ed. Petrópolis: Vozes,
2002. pt. 3, p. 117-192.
LAVER, James. A roupa e a moda: uma história concisa. São Paulo: Cia. das Letras,1996.
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LIVINGSTONE, Marco. Pop art: a continuing history. London: Thames & Hudson,
1990.
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Moda e Arte
RICARD, Françoise Vincent. As espirais da moda. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra. 1989.
SIMMEL, Georg. Fashion. In: ______. On individuality and social forms. Chicago: The
University of Chicago Press, 1971. p. 294-323.
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. Rio de Janeiro: Abril, 1972. (Os imortais da
literatura universal, 35).
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