Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Jefferson Mainardes1
Silvana Stremel2
Introdução
E
ste artigo tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa
realizada com egressos de Programas de Pós-Graduação em Educação
(PPGE) brasileiros que concluíram o doutorado no período de 2013 a
2016, bem como desenvolver teorizações sobre o processo de formação de pes-
quisadores para a área da Política Educacional. A pesquisa de campo envolveu a
aplicação de um questionário online para egressos de linhas de pesquisa (LP) rela-
cionadas à Política Educacional. A opção por realizá-la com egressos do doutorado
baseia-se no fato de que este é o nível mais elevado da formação de pesquisadores.
Além disso, no Brasil, a pós-graduação tem sido um dos mais importantes lócus
do desenvolvimento de pesquisas e de formação de pesquisadores.
O texto apresenta uma breve contextualização da formação de pesquisa-
dores como objeto de estudo, seguida de referencial teórico, metodologia, análise
de dados e conclusões.
A formação de pesquisadores no
doutorado como objeto de estudo
Referencial teórico
têm o papel de oferecer uma formação extensiva para a pesquisa. Em termos gerais,
há programas que se baseiam em uma cultura de formação mais individualizada,
enquanto outros se articulam em torno de disciplinas e atividades comuns ou
ainda se constituem em programas integrados de pesquisa, estruturados em torno
de uma legítima cultura de formação para pesquisa. A existência de uma cultura de
pesquisa forte e estruturada é valorizada tanto por agências de fomento e patroci-
nadores de pesquisas quanto por estudiosos da formação de pesquisadores. Os au-
tores destacam também que as culturas de pesquisa e formação de pesquisadores
diferem de uma área para outra (e de um contexto para outro).
No Brasil, os PPG possuem elevada autonomia para definirem seus cur-
rículos. De modo geral, os programas possuem disciplinas convencionais e seminá-
rios (como atividades obrigatórias e/ou optativas). Gradualmente, em virtude da
proposição de organizar os PPG em áreas de concentração e LP (pela Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — Capes), da criação do Dire-
tório de Grupos de Pesquisa (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico — CNPq), bem como do próprio processo de institucionalização e
amadurecimento da pesquisa no país, cada vez mais se observa a existência de uma
cultura de formação de pesquisadores mais integrada e articulada. Nesse contexto,
as LP e os grupos de pesquisa (GP) têm adquirido papel essencial no processo de
formação de pesquisadores e na orientação das pesquisas de discentes e docentes.
Alguns aspectos da teoria de Bernstein (1998) contribuem para a aná-
lise dos processos de produção do conhecimento e da formação de pesquisadores.
Ao discorrer sobre a chamada “nova economia oficial da investigação” e sua relação
com os métodos de investigação, Bernstein (1998) lança luzes importantes para a
compreensão do processo de pesquisa. Segundo ele, no contexto inglês, a partir do
fim dos anos 1980, pela influência de órgãos oficiais de fomento, as bolsas foram
vinculadas ao que foi definido, dogmaticamente, como formação para a “investiga-
ção eficaz”. A nova economia do financiamento passou a exercer uma pressão com-
petitiva sobre os beneficiários para produzir mais com menos recursos. Nesse tipo de
regime, o tempo é fundamental e influi na forma de coletar os dados e analisá-los.
A dependência da pesquisa dos contratos com o governo pode limitá-la
ao utilizar amostras muito ajustadas ou desenhos metodológicos muito rígidos. Para
Bernstein, o novo desenho do doutorado tornou-se “uma permissão para dirigir e não
uma licença para explorar, investigar” (BERNSTEIN, 1998, p. 160), o que tem con-
sequências incalculáveis para os métodos, pois tanto o estudante como os professores
procurarão, por todos os meios, terminar dentro do prazo estabelecido. As análises
de Bernstein referem-se ao contexto inglês, a partir da década de 1980, fortemente
marcado pelo neoliberalismo e, posteriormente, pelo gerencialismo. Desde então, a
obtenção de recursos para a pesquisa tornou-se, crescentemente, bastante competitiva.
No contexto brasileiro, a maior parte dos estudantes de doutorado estão
em universidades públicas3, os professores que integram os PPGE são efetivos e têm
Metodologia
Quadro 1
Número de teses das linhas de Pesquisa de Política Educacional (doutorado)
e número de teses de Política Educacional (2013‑2016).
Nº
Nº de
total de
Nº Instituição Linha de pesquisa teses
teses da
de PE
linha
Universidade Federal
1 Políticas Educacionais 25 25
do Paraná (UFPR)
2 Universidade de São Paulo (USP) Estado, Sociedade e Educação 37 18
Pontifícia Universidade Católica
3 História e Políticas da Educação 27 17
do Paraná (PUC-PR)
Universidade Estadual de Estado, Políticas Públicas e
4 27 16
Campinas (UNICAMP) Educação
Universidade Estadual Paulista Políticas Educacionais, Gestão
5 “Júlio de Mesquita Filho” de Sistemas e Organizações, 18 16
(UNESP), campus de Marília Trabalho e Movimentos Sociais
Políticas Públicas de Educação 9 9
Universidade Federal
6 Política, Trabalho e Formação
de Minas Gerais (UFMG) 27 6
Humana
Universidade Federal
7 Políticas Públicas Educacionais 18 15
do Pará (UFPA)
Políticas Públicas e Gestão da
8 Universidade de Brasília (UnB) 19 14
Educação
Universidade Federal do Políticas e Gestão de Processos
9 14 14
Rio Grande do Sul (UFRGS) Educacionais
Pontifícia Universidade Católica Educação, Desigualdades Sociais
10 13 13
do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e Políticas Públicas
Universidade Federal de Gestão, Políticas Públicas e
11 18 12
Juiz de Fora (UFJF) Avaliação Educacional
Universidade Federal do Políticas e Instituições
12 15 12
Rio de Janeiro (UFRJ) Educacionais
Universidade Federal do Educação, Política e Práxis
13 14 12
Rio Grande do Norte (UFRN) Educativas
Política Educacional,
Universidade Federal
14 Planejamento e Gestão da 12 11
de Pernambuco (UFPE)
Educação
Pontifícia Universidade Católica Políticas Públicas e Reformas
15 21 10
de São Paulo (PUC-SP) Educacionais e Curriculares
Universidade Federal de
16 História, Políticas e Educação 14 10
Mato Grosso do Sul (UFMS)
Pontifícia Universidade Católica Estado, Políticas e Instituições
17 12 10
de Goiás (PUC-Goiás) Educacionais
Universidade Federal Estado, Políticas e História da
18 10 10
de Goiás (UFG) Educação
Continua...
Quadro 1
Continuação.
Nº
Nº de
total de
Nº Instituição Linha de pesquisa teses
teses da
de PE
linha
Universidade do Vale do
19 Educação, História e Políticas 15 9
Rio dos Sinos (UNISINOS)
Universidade Federal
20 Política e Gestão da Educação 11 9
da Bahia (UFBA)
Universidade Federal Políticas, Educação, Formação e
21 13 8
Fluminense (UFF) Sociedade
Universidade Estadual Paulista
22 “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Política e Gestão Educacional 22 7
campus de Araraquara
Universidade Nove
23 Políticas Educacionais 31 6
de Julho (UNINOVE)
Universidade Federal Estado, Política e Formação
24 19 6
de São Carlos (UFSCar) Humana
Universidade Federal Educação, Movimentos Sociais e
25 12 6
do Piauí (UFPI) Políticas Públicas
Universidade Tuiuti Políticas Públicas e Gestão da
26 11 6
do Paraná (UTP) Educação
Universidade Estadual
27 Políticas e Gestão em Educação 8 6
de Maringá (UEM)
Universidade Federal Estado, Políticas e Gestão da
28 7 6
de berlândia (UFU) Educação
Pontifícia Universidade Católica Formação, Políticas e Práticas em
29 25 5
do Rio Grande do Sul (PUC-RS) Educação
Universidade Estadual de
30 História e Políticas Educacionais 11 5
Ponta Grossa (UEPG)
Universidade Estadual Paulista Formação dos Profissionais da
31 “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Educação, Políticas Educativas e 10 5
campus de Presidente Prudente Escola Pública
Universidade Federal Práticas Escolares e Políticas
32 15 4
de Santa Maria (UFSM) Públicas
Universidade Federal Educação, Formação Humana e
33 14 4
do Espírito Santo (UFES) Políticas Públicas
Universidade Federal
34 Políticas Educacionais 10 4
da Paraíba (UFPB)
Universidade Católica Políticas Educacionais, Gestão da
35 4 4
Dom Bosco (UCDB) Escola e Formação Docente
Universidade do Políticas para a Educação Básica
36 4 4
Vale do Itajaí (UNIVALI) e Superior
Universidade Federal Educação, Estado e Políticas
37 3 3
de Santa Catarina (UFSC) Públicas
Continua...
Quadro 1
Continuação.
Nº
Nº de
total de
Nº Instituição Linha de pesquisa teses
teses da
de PE
linha
Núcleo de estudos e pesquisa
Universidade Metodista Trabalho Docente, Formação
38 13 2
de Piracicaba (UNIMEP) de Professores e Políticas
Educacionais
Universidade Católica Política, Gestão e Economia da
39 9 2
de Brasília (UCB) Educação
Universidade Metodista
40 Políticas e Gestão Educacionais 7 2
de São Paulo (UMESP)
LP I: Formação e Profissionalização
3 0
Universidade Católica Docente: Políticas e Práticas
41
de Santos (UNISANTOS) LP II: Educação Escolar: Políticas
4 1
e Práticas
Universidade Federal
42 História e Política da Educação 6 1
de Alagoas (UFAL)
Universidade Estadual Paulista
Educação: Políticas, Gestão e o
43 “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), 3 1
Sujeito Contemporâneo
campus de Rio Claro
Universidade de
44 Políticas Educacionais 2 1
Passo Fundo (UPF)
Educação: direito à educação e
Pontifícia Universidade Católica políticas educacionais para os
45 1 1
de Minas Gerais (PUC Minas) diferentes níveis e modalidades
de ensino
Universidade Estácio Políticas, Gestão e Formação de
46 1 1
de Sá (UNESA) Educadores
Universidade História e Historiografia: Políticas
47 8 0
de Sorocaba (UNISO) e Práticas Escolares
Centro Universitário Gestão, Educação e Políticas
48 3 0
La Salle (UNILASALLE) Públicas
Universidade Católica Formação e Trabalho Docentes:
49 3 0
de Petrópolis (UCP) Políticas e Práticas
Universidade Federal Educação, Políticas Públicas e
50 2 0
do Amazonas (UFAM) Desenvolvimento Regional
Universidade Federal do Estado
51 Políticas e Práticas em Educação 1 0
do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Universidade Federal Rural Desigualdades Sociais e Políticas
52 1 0
do Rio de Janeiro (UFRRJ) Educacionais
TOTAL 54 662 369
PE: Política Educacional.
Análise de dados
ciplinas) desta área e 49 responderam que não tiveram (45%). Entre aqueles que não
cursaram, diversos destacaram que esta fora “uma parte fraca na minha formação”
(E1)7. Ao contrário, aqueles que cursaram, destacaram contribuições positivas:
Sim, lógico. Na verdade, não foi muito boa, uma vez que o pro-
fessor dedicou-se apenas à área do conhecimento que dominava
e deixou a desejar nas outras perspectivas epistemológicas (E38).
Considerações finais
Notas
1. Disponível em: <www.relepe.org>.
2. Para Hey (2008, p. 15), “campo acadêmico é o lócus de relações, tendo como protagonistas agen-
tes que têm por delegação produzir conhecimento acadêmico, isto é, um tipo de prática social
legitimada e reconhecida como tal”.
3. Segundo dados da Capes (BRASIL, 2017), do total de 74 PPGE com mestrado e doutorado em
funcionamento em 2017, 44 eram de universidades públicas. Do total de 5.989 doutorandos
matriculados, 4.726 eram de instituições públicas (78,91%). Do total de 1.342 titulados (douto-
rado), 1.038 eram de universidades públicas (77,34%).
5. A discussão sobre gramáticas forte e fraca é complexa e polêmica. Moore e Muller (2003, p. 1.348)
explicam que “a sociologia da educação é, então, uma estrutura de conhecimento horizontal com
uma gramática fraca, com uma sintaxe conceitual incapaz de gerar descrições empíricas precisas e
sem ambiguidades. E como essa gramática não consegue relacionar as descrições empíricas com as
descrições teóricas sem controvérsias, a descrição empírica não pode arbitrar disputas conceituais.
Consequentemente, quando surgem disputas, uma nova linguagem especializada é invariavelmente
criada porque não existe um princípio geralmente aceito para integrar as teorias em disputa exis-
tentes. Do mesmo modo, não existem meios geralmente aceitos para se livrar das velhas teorias
antiquadas que começam a estorvar a literatura”.
7 E: egresso.
Referências
BERNSTEIN, B. A pedagogização do conhecimento: estudos sobre recontextualização.
Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 120, p. 75-110, nov. 2003. http://dx.doi.
org/10.1590/S0100-15742003000300005