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EXPERIÊNCIAS MUSICAIS COMO RECURSO TERAPÊUTICO

NA CLÍNICA PASTORAL

CHECAN, Érika Cecconi Borges Massa1


SILVA, Lydio Roberto2
PIRAGINE JR, Paschoal3

RESUMO
Este artigo trata de uma pesquisa qualitativa, com caráter ex-pós facto e bibliográfica, que
de forma reflexiva busca apresentar como as experiências musicais podem se caracterizar
em recursos terapêuticos no contexto da Clínica Pastoral. Para tanto, estruturou-se este
estudo em três capítulos: sendo o primeiro o que trata das experiências musicais como
recurso terapêutico; o segundo que apresenta a Clínica Pastoral - incluindo questões ligadas
à espiritualidade e ciência e o terceiro que trata da utilização de experiências musicais como
recurso terapêutico na Clínica Pastoral. As reflexões acerca das situações em que as
experiências musicais se apresentaram como recursos terapêuticos foram realizadas com
base em algumas ocorrências observadas no trabalho da Clínica Pastoral, de forma
panorâmica, sem evidenciar especificamente casos e pessoas. As referências teóricas
tiveram como suporte autores como Boff (1997), Bomilcar (2005), Bruscia (2000),
Cavalcanti (2005), Chagas (2008), Costa (1989) Craveiro de Sá (2003), Cunha (2008), Kivitz
(2003), Peterson (2001), Piragine Jr (2006), Silva (2010), Swindoll (1998) entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: experiências musicais; recurso terapêutico; clínica pastoral;


espiritualidade e ciência.

ABSTRACT
This article is a qualitative and bibliographic research, with ex-post facto character, that in a
reflective way aims to present how musical experiences can be characterized in therapeutic
resources in the context of Pastoral Clinical Care. Therefore, this study was structured in
three chapters: the first deals with musical experiences as a therapeutic resource; the
second presenting the Clinical Pastoral - including issues related to spirituality and science,
and the third deals with the use of musical experiences as therapeutic resource in the
Pastoral Clinical Care. The reflections on situations in which musical experiences presented
themselves as therapeutic resources were based on some occurrences observed in the work
of the Clinical Pastoral Care, in a panoramic way, without specifying cases and people.The
theoretical references were supported by authors such as Boff (1997), Bomilcar (2005),
Bruscia (2000), Cavalcanti (2005), Chagas (2008), Costa (1989) Craveiro de Sá (2003),
Cunha (2008), Kivitz (2003), Peterson (2001), Piragine Jr (2006), Silva (2010), Swindoll
(1998), among others.

KEYWORDS: musical experiences; therapeutic resource; pastoral clinical care, spirituality


and science.

1 Formanda do curso de Bacharel em Musicoterapia, Turma 2013 - Universidade Estadual do


Paraná/ Campus II, Faculdade de Artes do Paraná. contato: erikachecan01@gmail.com
2 Orientador. Docente da UNESPAR. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares
em Musicoterapia - NEPIM, curriculo lattes: http://lattes.cnpq.br/9826437349331237 contato
lydioroberto@gmail.com
3 Co-orientador. Docente da Faculdade Teológica Batista do Paraná FTBP. Doutor em ministério pela
FTSA e pastor da PIB Curitiba desde 1988 – www.pibcuritiba.org.br - contato piraginejr@gmail.com
1 INTRODUÇÃO
Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Ler significa
reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os
olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés
pisam.
Leonardo Boff

Este artigo trata de uma pesquisa qualitativa, de caráter ex-pós facto e


bibliográfica, que de forma reflexiva busca apresentar como as experiências
musicais podem se caracterizar num recurso terapêutico no contexto de Clínica
Pastoral.
Como pesquisa bibliográfica foram realizadas consultas e leituras de obras de
cuidadosa abordagem sobre o tema tratado. Sendo ex-pós facto, isto é,"a partir do
fato passado", o pesquisador não dispõe de controle sobre a variável independente,
que constitui o fator presumível do fenômeno, porque ele já ocorreu. O que o
pesquisador procura fazer neste tipo de pesquisa é identificar situações que se
desenvolveram naturalmente e trabalhar sobre elas como se estivessem submetidas
a controles. (GIL, 2008).
Em relação à motivação para este estudo, pode-se dizer que ela partiu da
vivência pessoal, musical e profissional da pesquisadora, no exercício da prática
pastoral, atualmente, junto à Primeira Igreja Batista de Curitiba (PIB Curitiba), onde
o uso da música é enfatizado e, por esta razão, justifica-se esta reflexão.
Pode-se dizer, que a pergunta problema desse estudo é: “De que forma
experiências musicais se caracterizam, como recurso terapêutico nos trabalhos de
Clínica Pastoral?
Assim, tornou-se necessário apresentar o que é a Clínica Pastoral, seu
histórico e suas características. Na mesma medida, também se fez importante
definir, o que se entende por experiências musicais, e, a partir dessas
conceituações, somadas à apreciação de vivências nesse contexto, é que foi
possível promover a reflexão sobre a utilização de experiências musicais como
recurso terapêutico nos atendimentos da Clínica Pastoral.
Ressalte-se que este estudo não tem a Musicoterapia como elemento central
de investigação, pois o objeto da investigação não trata de um processo terapêutico,
mas do uso terapêutico da música, como elemento presente nos trabalhos da
Clínica Pastoral, perspectiva esta, que evidencia a utilização de signos musicais,
não como fim em si, mas como meios auxiliares.
O principal intento deste estudo foi o de buscar e trazer, para o campo da
reflexão científica, sob a ótica da tradição judaico-cristã, ligada à ciência e
espiritualidade, experiências musicais como recurso terapêutico nos atendimentos
da Clínica Pastoral.
Assim, o suporte teórico da pesquisa, foi construído basicamente com
autores que versaram sobre Espiritualidade e Clínica Pastoral tais como Amorese
(2004) Bergel (2005), Boff (1997), Bomilcar (2005), Cavalcanti (2005), Clinebell
(1987), Kivitz (2003), Ludovico (2005), Oliveira (2013), Peterson (1993), Piragine
(2006), Ramos (2013), Schneider-Harpprecht (1998), Souza (2005), Swindoll
(1998), Thurneysen (2012); e as experiências musicais como recurso terapêutico se
sustentaram em autores como Barcellos (1992), Bruscia (2000), Camargo, Wazlawick
e Maheirie (2006), Chagas (2008), Costa (1989), Craveiro de Sá e (2003), Cunha
(2008), Koellreutter (1985), Lemos e Gomes (2005), Mathias (1986), Millecco (2001),
Ramos (2013), Rudd (2009), Silva (2005), Sicole e Nascimento (2003).
Outro importante aspecto deste estudo, é não ter ocorrido nenhuma
intervenção de camyaxdgfu8iWEHIJQO[;po, apenas referências a alguns momentos
da Clínica Pastoral, em que foram comentadas situações, onde as experiências
musicais foram utilizadas, como recurso terapêutico, de forma reflexiva, e sem que
se nominassem os participantes. Daí o resultado como ex-pós facto.

2 EXPERIÊNCIAS MUSICAS COMO RECURSO TERAPÊUTICO

“..aprouve ao Altissimo, pelo fato de que nossa alma veio


dele, que toda tentativa de volta ao jardim, toda busca de
religacao com ele mesmo, se constituisse em experiencia
linda e deliciosa. Rubem Amorese“[

Definida, ora como revelação divina ao homem - podendo assumir a forma


do conhecimento e do sentimento -, ora como um conjunto de técnicas expressivas,
que concernem à sintaxe dos sons, a música enquanto filosofia pode ser uma fusão
dessas duas definições que contemplam o divino e o humano. (MATHIAS, 1986)
Sem ter a expectativa de definir o que a música é, pois tal não é o alvo deste
trabalho, cabe pontuar que o entendimento da música abrange seus conceitos mais
abertos, sem demarcações quanto à sua estrutura, à sua forma e mesmo ao seu
uso. (SILVA, 2005).
Por esta razão, música e experiências musicais, para efeito deste estudo,
serão tratadas na mesma dimensão, isto é, embora sabendo que as experiências
referem-se à ação de vivenciar a música, nas suas mais diferentes formas, e a
música como produto dessas vivências, optou-se por tratar as expressões como
similares e interdependentes.
Assim, defendendo a idéia de que, numa perspectiva contemporânea, a
música pode ser entendida como som, silêncio, movimento, pensamento, ação,
gestos, enfim, uma experiência aberta, ampla e irrestrita; Wisnik (apud Silva 2010),
diz que o som, caracteristicamente impalpável e invisível permite à música a
atribuição de uma dimensão espiritual: “o elo comunicante do mundo material com o
espiritual e invisível”. (WISNIK, 1999, p.28)
Com a intenção de promover complementaridade ao que está sendo
apresentado aqui, pode-se considerar que a música em si, não se apresenta em
tempos tridimensionais, cristalizados na forma de passado, presente e futuro. Cada
momento musical é único, multitemporal e repleto de possibilidades. (SILVA, 2005).
Nesse contexto, o ser humano pode ser afetado físico, mental, emocional e
espiritualmente. Ao utilizar experiências musicais como recurso terapêutico, pode-se
trabalhar uma noção de coexistência temporal e/ou potência multitemporal, capaz de
interagir com a percepção do tempo presente, memórias do passado e perspectivas
futuras. (CRAVEIRO DE SÁ, 2003)
Millecco (2001), em seu livro É preciso cantar, defende que a música pode
ser reveladora e/ou restauradora da alma humana. Cada qual busca na música,
aquilo de que necessita para expressão de seus sentimentos e emoções.
Vista teleologicamente4, ou seja, a partir de relações entre os meios e os fins,
seja no âmbito artístico ou terapêutico, o musicoterapeuta Lydio Roberto Silva
influenciado pelo conceito de Biograviton5, concebe a música como expressão de
vida, onde presente-passado-futuro, o dentro e o fora, o intra e o extra, o lá ou acolá

4 A teleologia (do grego τέλος, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do
propósito, objetivo ou finalidade
5 Biograviton: “Campo gravitacional conjecturado que controla a organização teleológica da vida”,
proposto por Koellreutter (2000),
se apresentam como projeções conceituais - apreendidas culturalmente - quer se
aceitem tais convenções ou não.
Ao favorecer a compreensão da existência humana e de seus problemas, a
música se caracteriza como intermezzo da relação terapêutica.
Bréscia (2009) defende que toda e qualquer música pode ser usada no
contexto clínico. Em sua perspectiva, música pode ser um antídoto curativo e
saudável para as tensões e desarmonias da modernidade, cuja busca na saúde tem
ênfase no controle da dor, ainda que, para utilização da música, com finalidade
terapêutica, seja imprescindível a figura de um terapeuta, que traga consigo uma
formação específica em seu campo de atuação.
Ao fazer um levantamento da utilização da música ligada à cura de
enfermidades, e compreensão de fenômenos da natureza, em diferentes períodos
da história, Costa (1989) reconhece que os homens buscam a cura dos males do
corpo e do espírito, à luz das crenças de cada época. Segundo a autora, mesmo em
tratamentos "racionais", as prescrições religiosas nunca deixaram de existir. Em seu
texto vemos, por exemplo, que Apolo, considerado o deus da medicina na mitologia
grega, é também o deus da música, e por isso era invocado nos casos de
enfermidades e cerimonias através de recursos musicais.
Alguns dos primeiros registros sobre a música como elemento terapêutico e
bases históricas da Musicoterapia6, podem ser encontrados nas entrelinhas da
narração de histórias bíblicas.7
“Diga, pois, nosso senhor a seus servos, que estão na tua presença, que
busquem um homem que saiba tocar harpa e será que, quando o espírito
mau da parte de Deus vier sobre ti 8, então ele tocará com a sua mão, e te
acharás melhor Então disse Saul aos seus servos: Buscai-me, pois, um
homem que toque bem, e trazei-mo. Então respondeu um dos moços, e
disse: Eis que tenho visto a um filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar e é
valente e vigoroso, e homem de guerra, e prudente em palavras, e de gentil
presença; o Senhor é com ele. E Saul enviou mensageiros a Jessé, dizendo:
Envia-me Davi, teu filho, o que está com as ovelhas.(...) Assim Davi veio a
Saul, e esteve perante ele, e o amou muito, e foi seu pajem de armas. E

6 Apontamentos feitos em sala de aula, conforme Plano de Ensino de Epistemologia da


Musicoterapia - FAP. Professora Noemi Ansay, 19.3.2007.
7 Saul e Davi - http://www.bibliaonline.com.br/acf/1sm/16
8 O termo hebraico aqui é babth, que significa “cair sobre, assustar, esmagar”,. Alguns estudiosos
do VT, consideram que Saul não estava vivendo apenas uma depressão que ocasionalmente
dava lugar a crises de insanidade, mas segundo eles, tinha a ver com um poder maligno maior,
que tomou posse do rei e não só o privou da paz de espírito, como também instigou sentimentos,
idéias, imaginação e pensamentos da sual alma a ponto de levá-lo, as vezes, à loucura.
sucedia que, quando o espírito mau da parte de Deus vinha sobre Saul, Davi
tomava a harpa, e a tocava com a sua mão; então Saul sentia alívio, e se
achava melhor, e o espírito mau se retirava dele9. (I Samuel 16:14-23)

Em outra perspectiva, Lemos e Gomes (2005) afirmam, que a música fala da


da cultura e revela o contexto do mundo em que as pessoas vivem. Para as autoras,
a realidade cultural é ponto de partida para a construção da identidade. Nesse
sentido, pode-se compreender a musica, como um fazer construído pela ação do
sujeito em relação ao seu contexto historico-cultural, isto é, ao mesmo tempo, ele é
constituído e constituinte do contexto no qual está inserido, incluindo suas
expressões sonoras.
A música pode ter um importante papel, ao marcar eventos da vida das
pessoas, talvez por estar sempre presente no cotidiano, quando estimula a memória,
e traz à consciência sentimentos relacionados às experiências vividas, o que a torna
um elemento de grande mobilização emocional (RUDD, 1998).
Prefaciando o livro O despertar para o outro, Cecília Conde (1989) chama a
atenção para o fato de que a arte ainda é vista, por muitas pessoas, apenas como
algo que nos proporciona prazer ou lazer; como algo inatingível, quando vista como
realização ou criação dos artistas; supérflua quando ligada à educação e quando
ligada à terapia, sem grande importância científica.
O despertar do prazer, pelo viés da música, pode favorecer a abertura de
canais de comunicação em níveis profundos. Para Costa (1989), o princípio do fazer
musical: tocar, cantar, dançar, ouvir, entre outros, atinge a expressão do sentir.
Fazer música implica selecionar e combinar sons e seus parâmetros (alturas,
intensidades, durações e timbres), que vão formar unidades mais complexas (ritmos,
melodias e harmonias). Música não é apenas a somatória de ritmo, melodia e
harmonia, mas a relação entre esses aspectos, logo, é artificial correlacionar o ritmo
à vida biológica, a melodia à vida afetiva e a harmonia à vida intelectual. (COSTA,
1989).
Embora não seja o objetivo deste estudo, vale considerar, que enquanto
ciência, a Musicoterapia vem sendo sistematizada desde a segunda metade do
século XX. Sua fundamentação teorica partiu do modelo médico-biologicista e das
linhas da Psicanálise, Psicologia Comportamental e Psicologia Humanista,

9 Grifo da pesquisadora
proporcionando a compreensão de que a Musicoterapia é transdisciplinar por
natureza, ou seja, é uma ciência híbrida. (CHAGAS, 2008)
Complementando, Bruscia (2000) afirma que a Musicoterapia não é uma
disciplina isolada e singular, claramente definida e com fronteiras imutáveis. Ao
contrário, ela é uma combinação dinaa mica de muitas disciplinas em torno de duas
áreas: musica e terapia.
A Musicoterapia é um campo da ciência, que estuda o ser humano, suas
manifestações sonoras e os fenômenos que decorrerem da interação entre as
pessoas e a música, o som e seus elementos, como o timbre, a altura, a intensidade
e a duração.
A sistematização da teoria e da prática musicoterapêutica vem se
solidificando por meio de um crescente número de estudos e pesquisas na
atualidade. No âmbito das investigações científicas, os estudos dedicam-se a
compreender as funções, usos e significados, que as pessoas atribuem aos sons,
músicas, ritmos, silêncios e outros parâmetros sonoro-musicais que permeiam suas
vidas (RUUD apud VOLPI e CUNHA, 2008).
Craveiro de Sá (2003) destaca que música e terapia formam um único bloco e
não uma ferramenta em que uma se utiliza da outra. A música pode proporcionar
quatro tipos distintos de experiências musicais: improvisar, recriar, compor e escutar.
A relação entre o que envolve experiências musicais, para Bruscia (2000),
pode ser representada por pessoa, processo, produto e contexto. O autor afirma que
a música está em todos esses componentes ao mesmo tempo e inseparavelmente.
Na correlação entre Musicoterapia e Clínica Pastoral, talvez seja possível
uma analogia a partir do conceito proposto por Kenneth Bruscia (2000) em que a
pessoa seja entendida como “ovelha”; o processo, como acolhimento, em que se
oportuniza compor, improvisar, apresentar ou ouvir; o produto, como fruto da
experiência musical (composição , improvisação, execução e percepção); o
contexto, como ambiente físico, emocional, interpessoal, virtual ou clínico.
Logo, é justamente a experiência da “ovelha” com a música, ou seja, a
interação entre pessoa, processo, produto e contexto que irá justificar a escolha por
experiências musicais, como recurso terapêutico, bem como as intervenções e
ações do terapeuta como agente.
Silva (2005) diz que a experiência musical, enquanto experiência de beleza,
pode refletir a relação que o sujeito tem com o mundo circundante. Utilizando a visão
do filósofo Martim Buber sobre as relações Eu-tu e Eu-ísso, afirma que as
experiências com a música podem ajudar as pessoas a visualizar se as suas
interações com o mundo se dão numa dimensão mais superficial ou de profunda
representação afetivo-social.
Conectando a questão musical com terapia, é preciso lembrar que terapia, do
grego, é prestar cuidados médicos e tratar. Já a definição de terapêutico tem a ver
com tratamento e mudança. Portanto, para que as experiências musicais sejam
reconhecidas como recurso terapêutico, é preciso admitir que elas provoquem
mudança, principalmente no âmbito do trabalho clínico, que se propõe a intervir
para promover tais mudanças, na vida das pessoas.

3 O QUE É A CLÍNICA PASTORAL?

Para possibilitarmos cura, precisamos ser


suficientemente vulneráveis para encarar e aceitar
nossa própria contínua necessidade de cura. Desta
forma, nos tornamos, “saradores feridos”
Henri Nowen

Historicamente, nos anos 20 e 30, surgiu nos Estados Unidos um movimento


de pastores e médicos liderados por A. Boisen e A. Bryan, R. Dicks e R. Cabot. Que
veio a ser chamado de Clínica Pastoral. Inicialmente, objetivou o aconselhamento
terapêutico e a formação clínica dos teólogos de então. Essa corrente uniu-se, nos
anos 60, na Europa, com o movimento da psicologia pastoral que promoveu a
recepção de conhecimentos psicológicos e psicoterápicos no aconselhamento.
Segundo Schneider-Harpprecht (1998), suas origens estão firmadas no trabalho do
pastor e psicanalista Oskar Pfister, um amigo suíço de Sigmund Freud.
Nos autos da história geral e eclesiástica, a Clínica Pastoral é precedida por
relatos abusivos de poder e aberrações durante o monarquismo episcopal, quando a
prática do aconselhamento pastoral esteve centralizada nas mãos de bispos e
presbíteros.
Na América Latina, a forma predominante de aconselhamento, para
Schneider-Harpprecht (1998), consistiu no sistema de penitência e na poimênica
sacramental da Igreja Católica. Porém, se reconhece, que sempre existiram fortes
tendências de religiosidade popular, como a benzedura e rituais da religiosidade
afro-brasileira.
Poimênica, do grego poimen=pastor e próbaton=ovelha, é a ciência do agir
pastoral, ministério de ajuda da comunidade cristã para os seus membros e para
outras pessoas interessadas. Na Teologia Prática tem caráter interdisciplinar
relacionando-se com outras dimensões da vida comunitária e com as ciências
humanas.
Como base reflexivo-teológica de prática e Clínica pastoral, Schneider-
Harpprecht (1998), apresenta quatro modelos teóricos, a saber:
a) o modelo fundamentalista, que critica todo e qualquer tipo de uso das
técnicas psicológicas no aconselhamento, centraliza a experiência bíblica como a
prática do atendimento, sendo Jay E. Adams um dos seus expoentes;
b) o modelo evangelical de psicologia pastoral, que busca usar na prática do
aconselhamento a psicologia como ferramenta, tentando integrar a nova ciência,
com os princípios do cristianismo, numa chamada visão psicoteológica. Collins,
León, Ellens e outros representantes do Corpo de Psicólogos e Psiquiatras Cristãos
são teóricos desta vertente;
c) o modelo holístico de libertação e crescimento, que possui uma visão
holística do homem, o qual tem a poimênica como o ministério abrangente e de
mutualidade dentro da comunidade cristã. Howard Clinebell é um dos
representantes;
d) o modelo contextual de uma poimênica da libertação, onde o
aconselhamento tem um caráter de apoio solidário na luta popular, e acontece
dentro do contexto de grupos específicos e encontros. Aqui os próprios atingidos ou
representantes especializados, trabalham visando capacitar as vítimas de injustiças
sociais e problemas, para lutar por seus interesses. A conscientização política e o
progresso nessa luta são o critério decisivo para a poimênica promovida por leigos.
A reflexão rudimentar de Lothar Carlos é uma referência desta prática pastoral.
Conversar com o (a) pastor (a) ou um profissional da religião, tendo em mente
ser esta uma “conversa especial”, revela a expectativa de uma busca interior que
possa ser satisfeita nessa conversa ou em um processo de recíproca caminhada.
Schneider-Harpprecht (1998) diz não haver consenso sobre o termo mais
apropriado para esse encontro e/ou diálogo. No senso comum, esse é um serviço
de aconselhamento pastoral, traduzido do pastoral counselin do século XX,
influenciado pela medicina, psicologia e pelo método psicoterápico de Carl Rogers,
em que o conselheiro era um profissional da religião, e a pessoa que procurava o
serviço, o aconselhando.
A palavra pastor procede do substantivo latino pastorem, que significa
alimentar, dando pasto, que por sua vez, é a tradução latina do termo hebraico ro’en,
que quer dizer vigiar, cuidar, guardar, assistir e acompanhar.
A maneira usual em que ocorre a “conversa especial”, tem a ver
prioritariamente com a relação que se estabelecerá entre os iguais que se propõe m
a essa experiência de afeto integral, seja individual ou em grupo.
Minhas conversas pastorais sejam elas nos encontros formais de
aconselhamento, nas mesas de restaurantes, nos encontros
informais rotineiros, quase sempre iniciam com questões teológicas
e filosóficas. As pessoas aproximam-se com perguntas que
aparentemente dizem respeito a coisas que não entendem. Quem
ouve sem muita atenção imagina que a conversa é entre duas
mentes. Mas o que aprendi, nestes anos, foi discernir o que está por
trás das palavras, quais são as dores, as angústias, as frustrações,
os anseios mais profundos. Agora me exercito em outro tipo de
conversa. Uma conversa entre dois corações. (KIVITZ, 2003)

O cuidado pastoral percebido por Thurneysen (2012), não se dá na


preocupação com a alma do ser humano, mas na preocupação com o ser humano,
enquanto alma.
A cura das almas identifica o foco do trabalho pastoral. O sentido original da
palavra latina ‘cura’ é cuidado. Assim, como Silvan apud Peterson (1993) o trabalho
pastoral no cuidado de pessoas, se estabelece com as escrituras, moldado pela
experiência da oração, dedicado individualmente ou em grupos, em lugares
sagrados e profanos. As tarefas pastorais não são meras listas de atividades, mas
o exercício do amor de Deus às pessoas, e são por isso, em sua essência,
espirituais. (PIRAGINE apud PETERSON, 2003)
Para entender melhor o que significa espiritualidade nos dias atuais, Souza
(2005), recomenda que as expressões subjetividade e pós-modernidade lhe estejam
associadas e intimamente conectadas, formando um tripé para a compreensão da
cultura contemporânea, que faz oposição com as certezas do mundo moderno.
A visão mecanicista e racionalista fragmentou o conhecimento e a perda da
concepção sagrada da vida, influenciando profundamente a psique ocidental na
relação predatória do homem com o meio ambiente e consigo mesmo. Para corrigir
esta visão, Cavalcanti (2005), afirma que cientistas e teóricos tem atuado em
conjunto para unir a visão científica à visão espiritual, ainda que tal compreensão
seja desconhecida em inúmeros meios intelectuais.
O ser pós-moderno não aceita mais viver sobre a ótica estreita e limitada da
cultura racional, entretanto, paradoxalmente, esta sua luta, o levou a um novo
estado de alienação e superficialidade, fruto do subjetivismo e do individualismo
impessoal. (SOUZA, 2005).
A dimensão espiritual e pessoal, em razão da tradição de espiritualidade
judaico-cristã, possui entre si uma ligação profunda, em que o conceito de ser
humano singular e integral está atrelado ao fato do homem ter sido criado a Imago
Dei. (LUDOVICO, 2005).
Façamos o ser humano à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança. Domine ele sobre os peixes do mar; sobre as aves do
céu, sobre os grandes animais de toda a terra e sobre todos os
pequenos animais que se movem rente ao chão. Criou Deus o
homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher
os criou. (Gênesis 1:26,27 - NVI)

Kivitz (2003), em seu livro, Vivendo com propósitos, relata que a imagem de
Deus no homem possui pelo menos quatro dimensões fundamentais: espiritual,
pessoal, relacional e criativa. Espiritual, porque Deus é Espírito. Pessoal, porque
Deus é Pessoa. Relacional, porque Deus é plural. Criativa, porque Deus delegou
sua autoridade para que o homem exerça domínio sobre o restante da criação.
Viver a Imago Dei é um apelo contagiante a respeito do valor da vida, da
beleza das coisas efêmeras, das possibilidades do sagrado, da dignidade de toda
pessoa, no encantamento das relações de amor e afeto, e das potencialidades do
talento humano [...] reconhecendo o seu eu e colocando-se em relação a outros eus.
(KIVITZ, 2003).
Fé e espiritualidade são o pano de fundo de toda e qualquer atividade
pastoral. Como também, a promoção de saúde, subentendida como fenômeno
produzido socialmente.
11
Oliveira (2004), disponibiliza a informação, de que apenas há cerca de duas
décadas a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu incluir o aspecto
espiritual no descritivo do conceito de saúde, adicionado-o às dimensões psíquica e
social.
A OMS caracteriza, como iniciativas de promoção de saúde, os programas, as
políticas e as atividades planejadas e executadas de acordo com os seguintes
princípios: concepção holística, intersetorialidade, empoderamento, participação
social, eqüidade, ações multi-estratégicas e sustentabilidade. (WHO apud SÍCOLE e
NASCIMENTO, 1998).
Ramos (2012), faz lembrar que sofrer é um verbo, que e como os outros
verbos, só se efetiva quando é conjugado. A reação diante da saúde fragilizada, dor
e lágrimas, para ele, é uma escolha. Nesta perspectiva se dá a possibilidade de se
conjugar outros verbos diante da vida: acreditar, confiar , amar, cuidar, solidarizar,
cooperar, agradecer, reagir, ajudar, lutar, perdoar, libertar, compreender,
revolucionar, esperar, participar.
Atualmente diversas pesquisas atestam que a fé, independente da religião,
oferece benefícios à saúde. É o que confirmam os resultados da pesquisa
desenvolvida com 2000 médicos de diferentes especialidades nos EUA, divulgada
por Bergel (2005) que diz que 56% dos médicos acreditam que a religião e a
espiritualidade têm uma influência significativa na saúde dos pacientes, pois
afirmam que ao aplicar as últimas descobertas da ciência em sua prática clínica,
eles o fazem-no crendo que Deus intervém na saúde dos pacientes.
O cuidado envolve não apenas libertar a pessoa do seu sofrimento, mas o
seu manejo. Saúde ou Shalom do hebraico, envolve todas as dimensões da vida,
seja psicológica, espiritual, social ou ambiental. Referindo-se ao bem estar geral,
Shalon tem um sentido amplo, pois significa paz e integridade. (OLIVEIRA, 2004).
Identificar-se com a fundamental humanidade de uma pessoa em desespero,
ameaça nossas frágeis defesas contra o nosso próprio desespero. Reconhecer que
o catatônico em regressão mental é mais parecido que diferente da gente, abala os
próprios fundamentos de nossa auto-imagem defensiva, necessária para
relacionamentos mutuamente terapêuticos. (CLINEBELL apud NOWEN, 1987)
Diante do exposto, pode-se perceber que a Clínica Pastoral é um sinal do
encontro entre espiritualidade e ciência, numa perspectiva de complementaridade,
em que os discursos e ações sobre as questões do corpo e do espírito não mais
aparecem como excludentes, mas como realidades interdependentes e
complementares.

4 EXPERIÊNCIAS MUSICAS COMO RECURSO TERAPÊUTICO NA CLÍNICA


PASTORAL
O cuidar de pessoas na Clínica Pastoral tem a ver
com a musicalidade da vida. Por sua vez, Chico
Buarque, em “Cálice”, suplica:...como tragar a dor,
engolir a labuta.... Humberto Ribeiro de Queiroz

Neste ponto da reflexão, há que se reconhecer a relevância da presença da


música e consequentemente do universo musical em todo e qualquer contexto
religioso desde a antiguidade até os dias atuais.

Ao investigador que buscar, na história social referenciais sobre o uso da


música na igreja, há que passear pelo Velho e Novo testamento sagrados caminhar
na produção da música sacra incluindo os movimentos de Reforma, Contra-
Reforma, Avivamentos da Europa, Estados Unidos e a expressão nacional de
música cristã contemporânea.

Dessa rica produção sonora, se pode perceber que o fazer musical


eclesiástico está quase que, exclusivamente voltado aos anseios litúrgicos ou de
educação musical. Talvez daí o surgimento de tensões e contradições, sobre o que
é ou não é música sacra, é ou não é música cristã e música pagã, bem como a
discussão sobre o uso de instrumentos, expressões vocais, profissionalismo
musical na igreja, entre outros.
Partindo de um posicionamento real de que “Pessoas precisam de Deus,
pessoas precisam de pessoas” (Kivitz,2003) e “Pessoas são mais importantes do
que coisas” (Piragine, 2006); este estudo quer apresentar outra possibilidade de se
vivenciar música, além do “culto, clero, domingo e templo” (Kivitz,1994), para que se
inclua o uso de experiências musicais como recurso terapêutico, no contexto do
aconselhamento e prática pastoral.
Voltando às escrituras sagradas, observa-se que diante do sofrimento do rei
Saul - com “espírito atormentado” - Davi, 10 o jovem poeta de "O Senhor é o meu
pastor e nada me faltará...” doa de si, doa do seu, doa música. Submetido a
audição musical proporcionada pelo músico, Saul, passa a desfrutar de alívio e bem
estar.
Sobre este tipo de reação à música, Costa (1989) esclarece que os
processos criativos exigem um mergulho no inconsciente, buscando elementos da
fantasia para transformação do real, semelhante ao que acontece em estados
psicóticos.
A musicoterapeuta que escreveu Música e Psicose (Costa, 2010), declara que
a exposição à música propicia a libertação dos constrangimentos do verbo, do
discurso lógico, levando o ouvinte a viajar 'para uma terra de sonho', onde se
encontram os desejos satisfeitos e os pesadelos infernais.
Adriano Holanda (2013), afirma que “existe um conjunto de experiências
patológicas que consegue se organizaar dentro da cultura religiosa. Em sala de
aula11, ele declarou um sonho de capacitar religiosos para compreensão de
psicopatologias e vice versa, alegando que 20% da população na atenção primária,
traz questões de cunho religioso.
Ao proporcionar uma ou várias, das possibilidades do fazer musical:
recriação, audição, improvisação ou composição (Bruscia, 2000), verifica-se o
encontro-Encontro12, quando, no exercício da prática pastoral, se busca escutar não
apenas a queixa trazida por quem busca ajuda, mas o que a própria produção
musical possa revelar.
As intervenções de Clínica Pastoral acontecem no contexto encontro-
Encontro tendo como premissa a Imago Dei e propósitos do criador. Experiências
musicais, louvor, meditação bíblica, oração, encorajamento, silêncio, entre outros,
são expressões comuns deste trabalho afetivo e intencional.
Amparada pela revisão bibliográfica e reflexão cientifica do uso de
10 Autor de 73 dos 150 salmos que formaram o primeiro hinário do povo de Israel: o saltério; rei,
guerreiro e o líder que organiza a música e o serviço dos músicos responsáveis por conduzir
musicalmente o seu povo em adoração ao Deus trino da Imago Dei.
11 Seminário promovido no 4o ano do curso de musicoterapia, através da disciplina Musicoterapia e
Saúde, minsitrada pela Profa Andressa Arndt.
12 encontro-Encontro: expressão usada por Kivitz, 2003; para identificar o que acontece ou se espera
quando uma ou mais pessoas, a saber encontro; se conectam com o que transcende, ou seja
Encontro, a saber Deus.
experiências musicais, como recurso terapêutico, mostram-se a seguir, três
fragmentos de atendimentos realizados em Clinica Pastoral.
Com os pulsos marcados por auto mutilação, semblante abatido e fala
contida, Ana foi acolhida em clínica pastoral, por encaminhamento de sua
psicóloga.
No segundo encontro, logo após livre exploração sonora com instrumentos
percussivos, expressou sentimentos que foram reconhecidos em um tema musical,
pela insistência de se tocar as células ritmicas: 3 colcheias, pausa de colcheia; 3
colcheias, pausa de colcheia, 3 colcheias, colcheia pontuada, semi-colcheia e
colcheia.
Esta improvisação sonoro-musical durou vários minutos. Sem pressa, Ana,
verbalizou estar se sentindo muito confusa, diante da tensão de se viver altos e
baixos em constante e intensa alternância, nominando seu entorno de “dias bons,
dias maus”.

Manejando melhor suas variações de humor, pela influência do fazer musical,


solicitou reflexão sobre os seus sentimentos à luz da bíblia, conversa que gerou o
tema: Contentamento, à luz da experiência de Paulo, passada por carta aos
Filipensens13
Em outro encontro-Encontro, a canção “You are god alone”14 foi
experimentada pela técnica da recriação. E, ao ser por ambas cantada, a presença
de Deus em “dias bons ou dias maus” foi reconhecida,e Ana sentiu-se encorajada a
viver.

13 Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com
fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. Filipenses
4.11-13
14 You are god alone: Phillips Craig and Dean, http://www.youtube.com/watch?v=OICArFHAa9c
gravação em Português http://www.youtube.com/watch?v=MSQO743DjjE
O recorte de atendimento pastoral com a jovem Giane 15., destaca o dia em
que trouxe o seu teclado. Ela quis mostrar que sabia tocar a canção Brothers16
aprendida a partir de um tutorial do youtube, justificando ser uma música que lhe
transmitia esperança.
Tendo tocado a canção várias vezes, Giane foi estimulada a refletir, sobre
quem poderia ser a pessoa representada nas melodias entoadas pela mão direita e
esquerda consecutivamente.

Em sua analogia, atribuiu o som grave executado pela mão esquerda a


presença materna, tendo nos graves a função de base. Na mão direita, fez um auto
reconhecimento. Antes de concluir, sugeriu que na combinação de ambas as mãos
a música era bem mais bonita e suave, chegando a verbalizar que seria lindo se
mãe e filha, se ajudassem.
Em atendimentos posteriores, trouxe para Clínica Pastoral o que estava
sendo construido no ambiente da psicoterapia, devido ao sofrimento consequente a
sucessivas experiências de abuso infantil. De volta ao teclado, ela incluiu em sua

15 Giane é um nome ficticio .


16 Criminal Minds Coda Piano http://www.youtube.com/watch?v=pjiWvWyvnUA&t=0s Link tutorial:
http://www.youtube.com/watch?v=pjiWvWyvnUA
produção musical, confiança em Deus, como cuidador em quem podia confiar
diante da fragilidade do cuidado familiar. Sua esperança foi fortalecida para lidar
com a dor e marcas do abuso.
Emoções, linguagem , expressão, beleza, prazer, gozo, fruição... Esses
termos funcionam como mediadores de realidades tanto importante quanto
difíceis de explicar. Abrem passagem para um jardim interno da alma; aquele
lugar secreto que gostamos de visitar, mas o caminho nem sempre
acertamos; naquele 'mundo' só nosso, onde muitas vezes temos experiências
personalissimas e de certa forma intransferíveis, inenarráveis, inefáveis
referindo-se à dimensão intima e estética de experiências do amor de Deus. .
(AMORESE, 2004)

Exemplificando o pensamento de Amorese (2004), segue o recorte de um


momento singular, no atendimento pastoral interdisciplinar de uma mãe engajada no
enfrentamento da dependência quimica de um dos seus filhos desde a adolescência,
bem como na percepção de sua codependência pessoal.
Maria17 que vinha apresentando ao longo de alguns encontros, muita
dificuldade e dor para se expressar através do canto. Com resultado negativo para
lesão, em investigação laringoscópica, foi acolhida, vindo a reconstruir sua
capacidade de cantar.
Cantou na Clínica Pastoral, quando dedicou ao filho, que tanto a preocupava
por suas alternadas recaídas e internações, uma cantiga afetiva 18, Sua improvisação
musical proporcionou catarse mnemonica e reflexão sobre vínculo mãe-filho como
decorrência do vínculo mãe-Deus.

17 Maria é nome ficticio


18 “Me ama” (How he loves) - Diante do Trono , Album Sol da Justiça – gravado em 2011.
http://www.youtube.com/watch?v=gYBzHhvqF_k
Os fragmentos relatados dos encontros-Encontro sobre Saul, Ana, Giane e
Maria no contexto de experiências musicais, como recurso terapêutico de
acolhimento pastoral, somado aos indícios de atuação multidisciplinar entre
profissionais, sinalizam que não são raras as situações em que as ovelhas se
mostram resistentes, ou demonstram bloqueios, para expor suas angustias, anseios,
enfim queixas, para o que, se faz uso de pequenas audições de canções, entoação
de trechos de músicas, atividades lúdico-musical, percussão sobre algumas
palavras, entre outras ações, que se tornam recursos importantes para o encontro
terapêutico, eis que mobilizam energias criativas, diminuem a tensão e ajudam a
criar uma atmosfera mais afetiva nos encontros, fatores indispensáveis para o
processo de vinculação de pacientes e terapeutas, não diferentes na Clínica
Pastoral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao término, desta pesquisa, útil seria propor que experiências musicais sejam
incluídas como recurso terapêutico na Clínica Pastoral.
A partir da visão de uma antropologia integral, na busca por viabilizar
encontros-Encontro, se faz necessário aprofundar o diálogo entre Clínica Pastoral,
práticas terapêuticas e Saúde, reconhecendo, e incluindo como parceiros na prática
do cuidado intencional do ser, profissionais da religião, capelães, teólogos,
educadores, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
cuidadores, artistas, dançarinos, músicos, musicoterapeutas.
Desenvolver um estudo no campo híbrido, situado entre a ciência e a
espiritualidade, certamente requer cuidado e equilíbrio, pois, não se trata de
promover um ajuste entre realidades distintas, mas, sim, de vislumbrar uma nova
perspectiva, construída no entendimento e na ação da complementaridade entre
métodos científicos e transcendentalidade.
Por isso, na tentativa de re-significar o trabalho de Clínica Pastoral, para além
das narrativas orais comuns ao diálogo entre conselheiro e aconselhado, inclui-se a
possibilidade do fazer musical, como recurso terapêutico, útil na ampliação deste
serviço essencial, que, na linguagem pastoral, se articula como um “encontro de
corações”.
Ao reconhecer o vasto legado de músicas, hinos e canções que fazem parte
da cultura e identidade sonora das celebrações cristãs, bem como o grande
contingente de músicos, líderes e pastores que desenvolvem sua vocação servindo
pessoas musicalmente, espera-se que esta pesquisa venha estimular a reflexão do
uso da música para além da formação e expressão musical nos cultos e eventos
públicos.

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