Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
NA CLÍNICA PASTORAL
RESUMO
Este artigo trata de uma pesquisa qualitativa, com caráter ex-pós facto e bibliográfica, que
de forma reflexiva busca apresentar como as experiências musicais podem se caracterizar
em recursos terapêuticos no contexto da Clínica Pastoral. Para tanto, estruturou-se este
estudo em três capítulos: sendo o primeiro o que trata das experiências musicais como
recurso terapêutico; o segundo que apresenta a Clínica Pastoral - incluindo questões ligadas
à espiritualidade e ciência e o terceiro que trata da utilização de experiências musicais como
recurso terapêutico na Clínica Pastoral. As reflexões acerca das situações em que as
experiências musicais se apresentaram como recursos terapêuticos foram realizadas com
base em algumas ocorrências observadas no trabalho da Clínica Pastoral, de forma
panorâmica, sem evidenciar especificamente casos e pessoas. As referências teóricas
tiveram como suporte autores como Boff (1997), Bomilcar (2005), Bruscia (2000),
Cavalcanti (2005), Chagas (2008), Costa (1989) Craveiro de Sá (2003), Cunha (2008), Kivitz
(2003), Peterson (2001), Piragine Jr (2006), Silva (2010), Swindoll (1998) entre outros.
ABSTRACT
This article is a qualitative and bibliographic research, with ex-post facto character, that in a
reflective way aims to present how musical experiences can be characterized in therapeutic
resources in the context of Pastoral Clinical Care. Therefore, this study was structured in
three chapters: the first deals with musical experiences as a therapeutic resource; the
second presenting the Clinical Pastoral - including issues related to spirituality and science,
and the third deals with the use of musical experiences as therapeutic resource in the
Pastoral Clinical Care. The reflections on situations in which musical experiences presented
themselves as therapeutic resources were based on some occurrences observed in the work
of the Clinical Pastoral Care, in a panoramic way, without specifying cases and people.The
theoretical references were supported by authors such as Boff (1997), Bomilcar (2005),
Bruscia (2000), Cavalcanti (2005), Chagas (2008), Costa (1989) Craveiro de Sá (2003),
Cunha (2008), Kivitz (2003), Peterson (2001), Piragine Jr (2006), Silva (2010), Swindoll
(1998), among others.
4 A teleologia (do grego τέλος, finalidade, e -logía, estudo) é o estudo filosófico dos fins, isto é, do
propósito, objetivo ou finalidade
5 Biograviton: “Campo gravitacional conjecturado que controla a organização teleológica da vida”,
proposto por Koellreutter (2000),
se apresentam como projeções conceituais - apreendidas culturalmente - quer se
aceitem tais convenções ou não.
Ao favorecer a compreensão da existência humana e de seus problemas, a
música se caracteriza como intermezzo da relação terapêutica.
Bréscia (2009) defende que toda e qualquer música pode ser usada no
contexto clínico. Em sua perspectiva, música pode ser um antídoto curativo e
saudável para as tensões e desarmonias da modernidade, cuja busca na saúde tem
ênfase no controle da dor, ainda que, para utilização da música, com finalidade
terapêutica, seja imprescindível a figura de um terapeuta, que traga consigo uma
formação específica em seu campo de atuação.
Ao fazer um levantamento da utilização da música ligada à cura de
enfermidades, e compreensão de fenômenos da natureza, em diferentes períodos
da história, Costa (1989) reconhece que os homens buscam a cura dos males do
corpo e do espírito, à luz das crenças de cada época. Segundo a autora, mesmo em
tratamentos "racionais", as prescrições religiosas nunca deixaram de existir. Em seu
texto vemos, por exemplo, que Apolo, considerado o deus da medicina na mitologia
grega, é também o deus da música, e por isso era invocado nos casos de
enfermidades e cerimonias através de recursos musicais.
Alguns dos primeiros registros sobre a música como elemento terapêutico e
bases históricas da Musicoterapia6, podem ser encontrados nas entrelinhas da
narração de histórias bíblicas.7
“Diga, pois, nosso senhor a seus servos, que estão na tua presença, que
busquem um homem que saiba tocar harpa e será que, quando o espírito
mau da parte de Deus vier sobre ti 8, então ele tocará com a sua mão, e te
acharás melhor Então disse Saul aos seus servos: Buscai-me, pois, um
homem que toque bem, e trazei-mo. Então respondeu um dos moços, e
disse: Eis que tenho visto a um filho de Jessé, o belemita, que sabe tocar e é
valente e vigoroso, e homem de guerra, e prudente em palavras, e de gentil
presença; o Senhor é com ele. E Saul enviou mensageiros a Jessé, dizendo:
Envia-me Davi, teu filho, o que está com as ovelhas.(...) Assim Davi veio a
Saul, e esteve perante ele, e o amou muito, e foi seu pajem de armas. E
9 Grifo da pesquisadora
proporcionando a compreensão de que a Musicoterapia é transdisciplinar por
natureza, ou seja, é uma ciência híbrida. (CHAGAS, 2008)
Complementando, Bruscia (2000) afirma que a Musicoterapia não é uma
disciplina isolada e singular, claramente definida e com fronteiras imutáveis. Ao
contrário, ela é uma combinação dinaa mica de muitas disciplinas em torno de duas
áreas: musica e terapia.
A Musicoterapia é um campo da ciência, que estuda o ser humano, suas
manifestações sonoras e os fenômenos que decorrerem da interação entre as
pessoas e a música, o som e seus elementos, como o timbre, a altura, a intensidade
e a duração.
A sistematização da teoria e da prática musicoterapêutica vem se
solidificando por meio de um crescente número de estudos e pesquisas na
atualidade. No âmbito das investigações científicas, os estudos dedicam-se a
compreender as funções, usos e significados, que as pessoas atribuem aos sons,
músicas, ritmos, silêncios e outros parâmetros sonoro-musicais que permeiam suas
vidas (RUUD apud VOLPI e CUNHA, 2008).
Craveiro de Sá (2003) destaca que música e terapia formam um único bloco e
não uma ferramenta em que uma se utiliza da outra. A música pode proporcionar
quatro tipos distintos de experiências musicais: improvisar, recriar, compor e escutar.
A relação entre o que envolve experiências musicais, para Bruscia (2000),
pode ser representada por pessoa, processo, produto e contexto. O autor afirma que
a música está em todos esses componentes ao mesmo tempo e inseparavelmente.
Na correlação entre Musicoterapia e Clínica Pastoral, talvez seja possível
uma analogia a partir do conceito proposto por Kenneth Bruscia (2000) em que a
pessoa seja entendida como “ovelha”; o processo, como acolhimento, em que se
oportuniza compor, improvisar, apresentar ou ouvir; o produto, como fruto da
experiência musical (composição , improvisação, execução e percepção); o
contexto, como ambiente físico, emocional, interpessoal, virtual ou clínico.
Logo, é justamente a experiência da “ovelha” com a música, ou seja, a
interação entre pessoa, processo, produto e contexto que irá justificar a escolha por
experiências musicais, como recurso terapêutico, bem como as intervenções e
ações do terapeuta como agente.
Silva (2005) diz que a experiência musical, enquanto experiência de beleza,
pode refletir a relação que o sujeito tem com o mundo circundante. Utilizando a visão
do filósofo Martim Buber sobre as relações Eu-tu e Eu-ísso, afirma que as
experiências com a música podem ajudar as pessoas a visualizar se as suas
interações com o mundo se dão numa dimensão mais superficial ou de profunda
representação afetivo-social.
Conectando a questão musical com terapia, é preciso lembrar que terapia, do
grego, é prestar cuidados médicos e tratar. Já a definição de terapêutico tem a ver
com tratamento e mudança. Portanto, para que as experiências musicais sejam
reconhecidas como recurso terapêutico, é preciso admitir que elas provoquem
mudança, principalmente no âmbito do trabalho clínico, que se propõe a intervir
para promover tais mudanças, na vida das pessoas.
Kivitz (2003), em seu livro, Vivendo com propósitos, relata que a imagem de
Deus no homem possui pelo menos quatro dimensões fundamentais: espiritual,
pessoal, relacional e criativa. Espiritual, porque Deus é Espírito. Pessoal, porque
Deus é Pessoa. Relacional, porque Deus é plural. Criativa, porque Deus delegou
sua autoridade para que o homem exerça domínio sobre o restante da criação.
Viver a Imago Dei é um apelo contagiante a respeito do valor da vida, da
beleza das coisas efêmeras, das possibilidades do sagrado, da dignidade de toda
pessoa, no encantamento das relações de amor e afeto, e das potencialidades do
talento humano [...] reconhecendo o seu eu e colocando-se em relação a outros eus.
(KIVITZ, 2003).
Fé e espiritualidade são o pano de fundo de toda e qualquer atividade
pastoral. Como também, a promoção de saúde, subentendida como fenômeno
produzido socialmente.
11
Oliveira (2004), disponibiliza a informação, de que apenas há cerca de duas
décadas a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu incluir o aspecto
espiritual no descritivo do conceito de saúde, adicionado-o às dimensões psíquica e
social.
A OMS caracteriza, como iniciativas de promoção de saúde, os programas, as
políticas e as atividades planejadas e executadas de acordo com os seguintes
princípios: concepção holística, intersetorialidade, empoderamento, participação
social, eqüidade, ações multi-estratégicas e sustentabilidade. (WHO apud SÍCOLE e
NASCIMENTO, 1998).
Ramos (2012), faz lembrar que sofrer é um verbo, que e como os outros
verbos, só se efetiva quando é conjugado. A reação diante da saúde fragilizada, dor
e lágrimas, para ele, é uma escolha. Nesta perspectiva se dá a possibilidade de se
conjugar outros verbos diante da vida: acreditar, confiar , amar, cuidar, solidarizar,
cooperar, agradecer, reagir, ajudar, lutar, perdoar, libertar, compreender,
revolucionar, esperar, participar.
Atualmente diversas pesquisas atestam que a fé, independente da religião,
oferece benefícios à saúde. É o que confirmam os resultados da pesquisa
desenvolvida com 2000 médicos de diferentes especialidades nos EUA, divulgada
por Bergel (2005) que diz que 56% dos médicos acreditam que a religião e a
espiritualidade têm uma influência significativa na saúde dos pacientes, pois
afirmam que ao aplicar as últimas descobertas da ciência em sua prática clínica,
eles o fazem-no crendo que Deus intervém na saúde dos pacientes.
O cuidado envolve não apenas libertar a pessoa do seu sofrimento, mas o
seu manejo. Saúde ou Shalom do hebraico, envolve todas as dimensões da vida,
seja psicológica, espiritual, social ou ambiental. Referindo-se ao bem estar geral,
Shalon tem um sentido amplo, pois significa paz e integridade. (OLIVEIRA, 2004).
Identificar-se com a fundamental humanidade de uma pessoa em desespero,
ameaça nossas frágeis defesas contra o nosso próprio desespero. Reconhecer que
o catatônico em regressão mental é mais parecido que diferente da gente, abala os
próprios fundamentos de nossa auto-imagem defensiva, necessária para
relacionamentos mutuamente terapêuticos. (CLINEBELL apud NOWEN, 1987)
Diante do exposto, pode-se perceber que a Clínica Pastoral é um sinal do
encontro entre espiritualidade e ciência, numa perspectiva de complementaridade,
em que os discursos e ações sobre as questões do corpo e do espírito não mais
aparecem como excludentes, mas como realidades interdependentes e
complementares.
13 Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com
fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece. Filipenses
4.11-13
14 You are god alone: Phillips Craig and Dean, http://www.youtube.com/watch?v=OICArFHAa9c
gravação em Português http://www.youtube.com/watch?v=MSQO743DjjE
O recorte de atendimento pastoral com a jovem Giane 15., destaca o dia em
que trouxe o seu teclado. Ela quis mostrar que sabia tocar a canção Brothers16
aprendida a partir de um tutorial do youtube, justificando ser uma música que lhe
transmitia esperança.
Tendo tocado a canção várias vezes, Giane foi estimulada a refletir, sobre
quem poderia ser a pessoa representada nas melodias entoadas pela mão direita e
esquerda consecutivamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término, desta pesquisa, útil seria propor que experiências musicais sejam
incluídas como recurso terapêutico na Clínica Pastoral.
A partir da visão de uma antropologia integral, na busca por viabilizar
encontros-Encontro, se faz necessário aprofundar o diálogo entre Clínica Pastoral,
práticas terapêuticas e Saúde, reconhecendo, e incluindo como parceiros na prática
do cuidado intencional do ser, profissionais da religião, capelães, teólogos,
educadores, médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
cuidadores, artistas, dançarinos, músicos, musicoterapeutas.
Desenvolver um estudo no campo híbrido, situado entre a ciência e a
espiritualidade, certamente requer cuidado e equilíbrio, pois, não se trata de
promover um ajuste entre realidades distintas, mas, sim, de vislumbrar uma nova
perspectiva, construída no entendimento e na ação da complementaridade entre
métodos científicos e transcendentalidade.
Por isso, na tentativa de re-significar o trabalho de Clínica Pastoral, para além
das narrativas orais comuns ao diálogo entre conselheiro e aconselhado, inclui-se a
possibilidade do fazer musical, como recurso terapêutico, útil na ampliação deste
serviço essencial, que, na linguagem pastoral, se articula como um “encontro de
corações”.
Ao reconhecer o vasto legado de músicas, hinos e canções que fazem parte
da cultura e identidade sonora das celebrações cristãs, bem como o grande
contingente de músicos, líderes e pastores que desenvolvem sua vocação servindo
pessoas musicalmente, espera-se que esta pesquisa venha estimular a reflexão do
uso da música para além da formação e expressão musical nos cultos e eventos
públicos.
REFERÊNCIAS
KIVITZ, Ed René. Vivendo com propósitos São Paulo: Mundo Cristão, 2003.
______________ Quebrando Paradigmas São Paulo: Abba Press, 1993.
----------------------- A espiritualidade e a experiência cotidiana: o melhor da
espiritualidade brasileira. Org. por Nelson Bomilcar. cap X. São Paulo: Mundo
Cristão, 2005. http://livros.gospelmais.com.br/wp-content/blogs.dir/6/files/livro-o-
melhor-da-espiritualidade-brasileira.pdf
KOELLREUTTER, H.J. Introdução à estética e a composição musical
contemporânea. Porto Alegre: Editora Movimento, 1985.
LEMOS, Cris e GOMES, Solange Musicando - Cd e livro. Curitiba: Gramofone
Produtora Musical, 2005.
LUDOVICO, Isabelle. A espiritualidade e a transformação pessoal: O melhor da
espiritualidade brasileira. Cap V; org. Nelson Bomilcar, São Paulo: Mundo Cristão,
2005. http://livros.gospelmais.com.br/wp-content/blogs.dir/6/files/livro-o-melhor-da-
espiritualidade-brasileira.pdf
MATHIAS, Nelson Coral, um canto apaixonante. Brasília, MusiMed, 1986.
MILLECCO FILHO, L.A.; BRANDÃO, M.R.E; MILLECCO, R.P. É preciso cantar.
Rio de Janeiro: Enelivros, 2001.
OLIVEIRA, Roseli M. K. de Cuidando de quem cuida – Propostas de poimênica
aos pastores e pastoras no contexto de igrejas evangélicas brasileiras
Dissertação de Mestrado em Teologia. São Leopoldo: Instituto Ecumênico de Pós
Graduação em Teologia, 2004
NOUWEN, Henri Pão para o caminho São Paulo: edições Loylola, 1999.
https://www.facebook.com/MeditacoesDeHenriNouwenPortuguesBr Acessado em
15.11.2013.
PETERSON, Eugene A Sombra da Planta Imprevisível: uma investigação de
santidade vocacional; São Paulo: United Press, Editora Hagnos, 2001.
PIRAGINE JUNIOR, Paschoal. Crescimento integral da igreja: uma visão prática
de crescimento em múltiplas dimensões. São Paulo: Editora Vida, 2006.
RAMOS, Ariovaldo. Pare de conjugar o verbo sofrer. Rio de Janeiro: Inatas, 2013.
SCHNEIDER-HARPPRECHT, Christoph. Teologia prática no contexto da
América Latina, Aconselhamento Pastoral - Cap 13 - São Leopoldo: ASTE,
Sinodal,1998.
SILVA, Lydio R. Musicoterapia: A música como espaço-tempo relacional entre
o sujeito e suas realidades. Revista do Núcleo de Estudos e Pesquisas
Interdisciplinares em Musicoterapia, Curitiba v.1, p.1-141, 2010
______________ Onde está a beleza, nos olhos de quem vê ou na obra de
arte? http://musicoholos.blogspot.com.br/2011/04/onde-esta-beleza-nos-olhos-
de-quem-ve.html Acessado em 15.5.2013.