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A (DES)EVOLUÇÃO DO SER HUMANO E A

VIOLÊNCIA IMPLÍCITA CONTRA AS


MULHERES – UMA ANÁLISE DO ÂNGULO
BIOÉTICO

Adriana Geffer de Oliveira1

Resumo: Qual a finalidade da bioética? Por onde é necessário


começar a exposição de um trabalho nesta área? Como usar os
princípios bioéticos para expor assuntos que são também ligados
à saúde, mas que refletem em todo um contexto social? Podemos
e devemos trazer a autonomia, a beneficência e a não meleficên-
cia em pauta para alcançar a justiça que tanto buscamos? Nesta
exposição, propomos ao leitor uma reflexão bioética acerca do
aspecto comportamental da violência estrutural contra as mulhe-
res. A contrapartida da evolução tecnológica. A (des)evolução
humana e a atualização de comportamentos primitivos que se
adaptam e adequam a uma sociedade brilhantemente inteligente,
mas que traz condutas cada vez mais violentas e remetem aos
tempos primórdios. Uma análise bioética através dos tempos da
violência implícita que permeia, se atualiza e se adequa aos dias
atuais de forma que a raiz do problema se reflete em resultados
cada vez mais assustadores e sem a perspectiva de resolução.
1
Graduada em Direito pela Universidade de Sorocaba/SP/BR (UNISO), pós-graduada
em Bioética pela Universidade de Lisboa/PT, membro da Comissão de Direito Mé-
dico e da Saúde OAB/Sorocaba, membro da Comissão Especial de Estudos sobre Pe-
rícias Forenses OAB/SP.

Ano 8 (2022), nº 2, 965-997


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Palavras-Chave: Bioética. Mulheres. Violência.

Abstract: What is the purpose of bioethics? What paths should


be taken in exploring this issue? How to apply bioethical princi-
ples relating health and social context issues? Should we bring
autonomy, beneficence and non-maleficence into the to discus-
sion achieve justice? In this research, we propose a bioethical
reflection on structural violence against women. Bioethical is-
sues arising from the supposed social evolution that seems to be
restricted to technologies in a parallel to retrograde and primitive
human behavior that adapt to and insert themselves in a bril-
liantly intelligent society, but which brings increasingly violent
behaviors and refer to early times. A bioethical analysis through
the times of implicit violence that permeates, updates and adapts
to the present day so that the root of the problem is reflected in
increasingly frightening results and without the prospect of res-
olution.

Keywords: Bioethics. Women. Violence.

INTRODUÇÃO

A
agressividade é um fenômeno intrínseco do ser
humano. A competição, a concorrência, o instinto
de autopreservação, a defesa dos princípios bási-
cos, alimentação, crescimento, procriação e terri-
torialismo promovem atos e atitudes agressivas
para a sobrevivência do indivíduo. O comportamento agressivo
pode ser constatado nas mais diversas espécies, tanto nas irraci-
onais, quanto nas racionais.
LUQUIARI2 nos traz a diferenciação entre agressividade

2
LUQUIARI, Graziela Aparecida. Agressividade: A origem dos conflitos? – Rio
Claro, 2013. p. 14
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e violência, no que diz: “Freud, (1920), entende que instinto é


“um impulso inerente à vida orgânica”. A agressividade, sendo
um instinto, não é desejada; ao contrário, é um ato natural no
indivíduo quando sua sobrevivência está sendo ameaçada. Por-
tanto, é praticada como defesa para conservar a vida ou integri-
dade do ser, bem como para saciar suas necessidades vitais. Por
isso, para Freud não existe instinto violento e sim instinto agres-
sivo, presente tanto nos homens como nos animais.
Costa (1986) estabelece a diferença entre agressividade
e violência, pontuando que na primeira existe o fator necessi-
dade, enquanto que a segunda é permeada pela gratuidade de sua
expressão, isto é, não está vinculada à defesa do agressor nem à
manutenção de seu bem-estar ou desenvolvimento, como ocorre
na agressividade. A violência gera em sua vítima um desprazer
desnecessário, violando o direito da mesma de ocupar um lugar
no meio social, ferindo sua identidade, bem como as regras es-
tabelecidas.”
A questão mais importante é o quanto a racionalidade do
ser humano pode influenciar, desenvolver ou até mesmo evoluir
a questão da agressividade e o quanto a consciência pode inter-
ferir no comportamento da evolução da violência. Estamos em
uma era cada vez mais evoluída, com a inteligência e tecnologia
a níveis imensuráveis, informações sendo compartilhadas em
velocidades jamais imaginadas, mas, por outro lado, a conver-
gência a comportamentos pré-históricos, o aumento da estatís-
tica da violência contra a mulher, a gravidade cada vez mais exa-
cerbada, mostram um retrocesso comportamental do ser humano
e um pseudociclo de retorno à idade das pedras onde o instinto
estava mais relacionado aos atos do que a inteligência emocio-
nal. O desenvolvimento psicológico, nesse interim, foi elevado
em todos os aspectos, porém a primitividade do ser humano
mostra-se um tanto quanto presente.
Vamos, neste trabalho, abordar de Medusa à Maria da
Penha, da evolução patriarcal no comportamento humano, à
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violência implícita nos atos humanos da evolução social. A do-


lorosa opção da maternidade em conjunto com a mulher como
um ser indivíduo, o mercado de trabalho em sua implacável con-
corrência. O direcionamento das mídias sociais através dos al-
goritmos de engajamento em tempos de ódio. A pandemia que
devastou o mundo e isolou as mulheres com seus agressores,
promovendo uma dupla luta de sobrevivência: contra a doença e
contra a integridade física e emocional.
A importância que a bioética pode estabelecer e concre-
tizar nessa questão comportamental, dentro dos princípios da au-
tonomia, justiça, beneficência e não maleficência. A importância
da pauta dentro das rodas bioéticas para elaboração de atos con-
cretos que reduzam a violência contra a mulher por causas e mo-
tivos sempre pelo subjulgo do gênero simplemente.

CAPÍTULO I – A EVOLUÇÃO DA VIOLÊNCIA ATRAVÉS


DOS TEMPOS

1. MEDUSA – A TRISTE HISTÓRIA POR TRÁS DO


MONSTRO

Nos tempos antigos, a mitologia tinha a função de dar


sentido à vida, de explicar os fenômenos da natureza que a tec-
nologia e a ciência não possuiam recursos para justificar. Com
ela, vários assuntos de natureza polêmica eram abordados, en-
trelaçados a um enredo de magia e contos heróicos com a pre-
sença de deuses, humanos, monstros, criaturas belas e outras
com terríveis defeitos para estimular o imaginário das pessoas.
Dentre tantos mitos, um muito conhecido, embora sob
uma óptica erronêa, é o mito da Medusa, uma górdona criatura
de asas, cabelos de serpente, corpo coberto de escamas e dentes
em presas de javali com a terrível maldição de que quem lhe
dirigisse o olhar, seria transformado em pedra. A Medusa, inclu-
sive, já teve participações em livros de literatura, filmes, séries
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e no imaginário da sociedade como uma criatura temida e cruel.


O que não tem tanta popularidade, é o fato de que tal
mito, segundo estudiosos, era uma belíssima mulher que foi
transformada em tal monstro por conta de sua perfeição, da co-
biça e do ciúmes.
Segundo KEUST3, em seu artigo “De Medusa a Maria
da Penha – Um olhar sobre a violência contra as mulheres”, Me-
dusa é retratada sob um outro ângulo e vivia no templo de Atena,
exercendo o sacerdócio, mas por conta de grande beleza, atraia
a cobiça de muitos seres, deuses e humanos que iam ao templo
para contemplar sua aparência e tentar conquistar seu amor. Po-
seidon, deus dos mares e que já possuía uma rixa com a deusa
Atena, não se conformando com às negativas de Medusa em su-
cumbir ao seu assédio, estupra-a dentro do templo e de frente a
estatua de Atena, resultando em uma gravidez fruto do ato.
Atena, julgando o ato como culpa de Medusa por seduzir
Poseidon com sua beleza, amaldiçoa-à transformando-a, então,
na terrível criatura que povoa o imáginário das pessoas há tantos
séculos.
Além do sofrimento pelo estupro e da maldição do mons-
tro, o nascimento de seu filho apenas se daria quando ela mor-
resse. A partir de então, castigada, grávida e perseguida, passou
a viver solitária e reclusa em uma caverna. Por conta da maldi-
ção de transformar em pedra todos que a olhassem, Medusa era
caçada para ter sua cabeça transformada em arma de guerra.
Desta forma, segundo a mitologia, Perseu, quando a matou ar-
rancando-lhe a cabeça, colocou fim ao sofrimento da criatura e
fez de sua cabeça um prêmio.
Note-se que a violência contra a mulher é um hábito que
já permeia a sociedade desde os tempos primórdios, visto que o
conto da Medusa remonta ao século VIII, a.c.4.
3
KEUST, Andrea – Violências, dos antigos hábitos às novas formas – obra coletiva.
Editora Império. 2021. p. 18 e ss.
4
Disponível para consulta em: Conheça a história da Medusa, um dos monstros mais
terríveis da mitologia grega - HiperCultura. Acesso em 06/10/2021.
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A história da Medusa, levada em analogia à relação de


poder dos mitos para com as questões a serem discutidas na so-
ciedade, mostra que, ainda que não houvesse o combate à pratica
da violência contra a mulher, de alguma forma, foi colocada a
questão para que fizesse parte da história e incluísse, ou iniciasse
- mesmo que subliminarmente - a necessidade da exposição e
debate acerca do tema.
O rosto da medusa, foi escolhido como o símbolo da luta
feminista5 por todo o contexto de sofrimento e atribuição de dor
que a criatura foi posta à prova durante a sua existência e o
quanto esse mito se assemelha com a experiência de mulheres
que são expostas à situações degradantes.

2. O PATRIARCADO ESTRUTURAL E O PAPEL DO


MASCULINO NA EVOLUÇÃO DA SOCIEDADE.

O sistema patriarcal versa em torno do privilégio do gê-


nero masculino perante o feminino na sociedade como um todo.
Em geral, nas decisões, nas atribuições, na inclusão e exclusão
e, principalmente, no domínio psicológico exercido pelo homem
sobre a mulher diante das mais diversas formas de controle (fa-
mília, estudo, trabalho, religião, etc.).
Para analisarmos brevemente a presença do patriarcado
na evolução da sociedade, devemos iniciar nossa linha do tempo
remontando o estudo da pré-história. Para SOUZA6, a forma
como houve a descrição da era pré-histórica, já demonstra a in-
fluência do patriarcado, iniciando-se com a nomenclatura “ho-
mem das cavernas”, mas que, ao se aprofundar e analisar mais
amplamente após a quebra dos paradigmas dos fósseis femininos
Lucy e Luzia, percebe-se que a mulher teve um papel

5
Disponível para consulta em: Medusa: uma história de tragédia, traição e feminismo
na mitologia grega (r7.com). Acesso em 06/10/2021.
6
SOUSA, Rainer Gonçalves. "O cotidiano da mulher na Pré-História"; Brasil Escola.
Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/historiag/o-cotidiano-mulher-na-pre-
historia.htm. Acesso em 13 de outubro de 2021.
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proeminente e de grande valia na sobrevivência dos seres huma-


nos.
Já, para LERNER7, o patriarcado foi um processo que
levou cerca de 2.500 anos de formação. A organização familiar,
a instituição de regras e valores, a incidência no período Neolí-
tico do uso de mulheres como objeto de troca, por um lado. Tam-
bém em casamentos ou como escravas e, posteriormente, no sé-
culo 02 a.c com a venda das mulheres para casamentos com seus
dotes e/ou escravas sexuais provenientes das famílias pobres ou
de castas inferiores.Por outro lado, o casamento arranjado entre
famílias da alta sociedade na dança dos poderes.
A mulher não tinha a opção da liberdade e da escolha, o
protagonismo masculino que permeou por milênios a sociedade
resumindo o gênero feminino ao papel coadjuvante, sexual, do
lar e da “incompetência” trouxeram essa semântica, formando
o conceito patriarcal que temos conhecimento atualmente.
A exploração das mulheres, diante dos séculos, sempre
foi conduzida por homens, gerenciadas por homens e que, apesar
de tais domínios serem acerca de suas capacidades reprodutivas,
afiliações, privações de liberdade e/ou poder familiar, a mulher
não se tornava “coisa”, nem eram percebidas desta forma.
A luta feminina, não está em ser reconhecida como pes-
soa, mas sim ter a liberdade de escolha, emancipação e criação
de direitos e atendimento às necessidades que lhe foram usurpa-
das no processo de formação da contundente sociedade patriar-
cal.
Esse conceito de exploração talvez seja o cerne da vio-
lência contra a mulher.
Quando pensamos no termo “violência contra a mulher”,
recebemos instântaneamente a mensagem mental de agressões
físicas, sexuais, psicológicas, patrimoniais. Machucados,

7
LERNER, Gerda, 1920-2013. “A criação do patriarcado: história da opressão das
mulheres pelos homens”. Gerda Lerner; tradução Luiza Sellera. – São Paulo: Cultrix,
2019. p. 350 e ss.
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edemas, hospitais e delegacias. Mas há de se ter em mente que a


supressão de direitos de liberdade, de escolha, de estudo e pro-
fissão já são trazidos desde a infância. O comportamento patri-
arcal de reduzir a autonomia feminina resulta nas violências fí-
sicas, sexuais, morais, psicológicas e patrimoniais. As vias de
fato, já têm seu início na concepção comportamental da criação
das mulheres e dos homens. É necessário entender que a discus-
são acerca da autonomia vêm se desenvolvendo e desenrolando
através dos milênios, no feudalismo, na burguesia dos séculos
XIX e XX na Europa, nas colonias e colonizadores, conforme
explica LERNER, e, ressalta também, que essa evolução da do-
minação do gênero masculino perante o feminino esteve muito
ligada a exploração da reprodução e sexualidade com maiores
ou menores graus de liberdade, porém sempre acerca do co-
mando dos homens.
Através dos tempos, os vínculos familiares basearam-se
na transferência do poder do pai/ irmão para o marido. A forma
como a devoção religiosa programou, em todos os atos e pensa-
mentos, a necessidade da mulher se submeter ao homem para
preservar uma ilusória proteção e que, para escapar de tal con-
trole masculino da familia biológica ou adquirida através do ca-
samento e manter a respeitabilidade, a mulher tinha que se voltar
ao sacerdócio religioso, que, por outro lado, impunha regras rí-
gidas e a privação de liberdade se intensificava.
O patriarcado disfarçado de dominação paternalista re-
siste de forma muito presente em alguns países do oriente médio,
onde ainda há casos em que a mulher que se rebela contra a im-
posição dos ritos matrimoniais e de dependência tem como con-
sequência o fato de a família renegá-la, se voltar contra sua pró-
pria integrante com práticas de tortura como o apedrejamento,
circuncisão, expulsão do lar, atuando como forma de punição
por não aceitar imposições de regras sobre seus corpos, seus pen-
samentos e seus destinos.
A relação de situações torturantes para com as mulheres
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que não se submetem aos pensamentos tidos como corretos, são


extensos e “evoluídos” com o passar dos séculos. Castigos reli-
giosos, familiares, os cintos de “castidade”, privação de estudo,
privação da liberdade, imputação das doutrinas psicológicas
desde a infância, são exemplos de imposições sociais aceitas de
forma natural para justificar uma hierarquia masculina predomi-
nante sobre a feminina.
A Revolução cultural para abolir o patriarcado sobre as
mulheres é recente e com um tímido início a partir dos últimos
dois séculos quando acontece uma reestruturação radical do pen-
samento da análise de gêneros iguais, da sociedade com direitos
iguais sobre ambos os gêneros, o feminino e o masculino sem
distinção. A evolução da liberdade de expressão da mulher ainda
deve se moldar de forma que não haja um pensamento patriarcal
incutido no psicológico e se desenvolva de forma que a liberdade
será aceita pelos dois gêneros.
Percebe-se, ainda, que boa parte das doutrinas criadas
por mulheres, ainda é inter-gênero e pouco reconhecida ou aceita
entre gêneros distintos.
A consiciência que a mulher desenvolveu sobre o seu pa-
pel na sociedade contemporânea, o estudo e comparação do pas-
sado com o futuro, a importância da liberdade, da educação e o
desenvolvimento da escrita acelerou a luta das mulheres ao se
reconhecer na história. O progresso feminino é marcado pela
luta da aceitação, da liberdade de escolha e da distorção incapa-
citante imputada no psicológico da sociedade para reprimir a his-
tória feminina reduzindo subsistência ao papel coadjuvante do
gênero masculino.
O estigma da insignificância feminina, ainda que deses-
timuladas pela evolução do pensamento masculino, mostra mu-
lheres com o pensamento inovador e liberto como sendo desvi-
antes, rebeldes, transgressoras e inapropriadas.

CAPÍTULO II – DA BIOÉTICA.
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS.

Sem fugir do convencional início de explicação de um


termo ou assunto, iniciamos com a definição morfológica do
termo. Bioética, do grego bios=vida + ethos=ética, desta forma,
seguindo o entendimento literal, a bioética seria a ética da vida,
uma forma bastante ilimitada para se definir tal assunto.
Parando para analisar o aspecto geral, nota-se que a bi-
oética é relativamente nova. A sociedade, ainda não tem fami-
liaridade com o termo, com o assunto e nem a respeito de suas
funções ou intenções. É comum pedidos de explicação por parte
das pessoas que não são estudiosas do tema, com uma dificul-
dade em seu entedimento, importância e profundidade.
Fritz Jahr mencionou pela primeira vez o termo Bioética
nos anos 20 em um sentido amplo que integrava as obrigações
éticas a todos os seres humanos. POTTER8, em seu livro “Bioe-
thics: bridge to the future”, utilizou o termo novamente, so-
mente no ano de 1971. Sua ideia ao referir-se ao termo estava
relacionada a sobrevivência da humanidade através de conheci-
mentos etícos e biológicos. Tal definição, atualmente, foi aper-
feiçoada, porém é evidente que, por ser algo tão recente, estará
com seu desenvolvimento constante e modificando sua forma de
visão. Em algumas décadas, a evolução da sociedade, da medi-
cina, tecnologia e das questões éticas, bem como dos parâmetros
sociais e comportamentais, serão revistos centenas de vezes e a
necessidade de não termos a bioética como um termo restrito é
fundamental.
Analisando o introdutório da Declaração Universal de
Bioética e Direitos Humanos9, notamos que até mesmo entre os
países, existem visões de propósitos e ideais diferentes sobre a
8
POTTER, V.R. Bioethics: bridge to the future. Englewood Cliffs: Prentice-Hall,
1971.
9
Disponível para consulta em: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Huma-
nos (saude.gov.br)
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função e validação da necessidade da bioética no mundo.


A restrição da bioética para os ramos biomédicos e bio-
tecnológicos é defendida pelos países de maior capacidade eco-
nômica, enquanto que os países em desenvolvimento, abraçam,
também, os aspectos sanitários, sociais e ambientais. Isso mostra
que a preocupação dos países mais ricos em limitar a capacidade
tecnológica e seus avanços frenéticos está mais presente pela
tecnologia de ponta ser muito acessível, em contrapartida os pa-
íses mais pobres que, além da necessidade mais urgente de en-
frentar questões sociais, ambientais e sanitárias, enfrentam o fato
de o acesso à evolução tecnológica não estar tão presente, nem
tão avançado por questões óbvias, aspectos esses enfrentados de
forma mais tênue nas sociedades economicamente ricas.
Dentro dessas análises, podemos concluir que a bioética
reune diversos ramos científicos, da medicina, tecnologia, filo-
sofia, teologia, psicologia, antropologia e direito.
Embora a bioética de uma forma geral seja relacionada a
temas polêmicos ligados à medicina, como o desenvolvimento
tecnológico para tratamento de doenças, princípio e terminali-
dade de vida, autonomia de pacientes, doenças de uma forma
geral, (in)fertilidade, abordamos, neste trabalho, a bioética li-
gada às questões comportamentais do ser humano sobre os as-
pectos da agressivade do gênero masculino sobre o feminino. A
proporção entre inatismo versus ambientalismo nas questões
comportamentais da supressão dos direitos das mulheres. Direi-
tos intrínsecos. Autonomia, justiça, liberdade de escolha, de de-
cisões. Aproximamos nossa análise às questões humanitárias li-
gadas à bioética e como a discussão acerca da evolução compor-
tamental do ser humano pouco tem se refletido ou, até mesmo,
observamos um retrocesso em relação a interrelação dos sexos e
a independência psicológica, financeira sexual e moral da mu-
lher.
O debate que a bioética deve manter sobre a temática e
os princípios da autonomia, não maleficência, beneficência e
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justiça e como ela pode contribuir na sociedade para o enfrenta-


mento de uma comunidade cada vez mais tecnologicamente evo-
luída em oposição aos comportamentos primitivos.

2. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E OS DIREI-


TOS À VISTA DA SOCIEDADE.

A Bioética, como exposto, surgiu pela necessidade da


discução, através da filosofia, com avanço dos tratamentos de
saúde e suas correlações. No juramento de Hipócrates, realizado
pelos estudantes de medicina que concluem seus estudos e vão
iniciar a carreira profissional, temos um exemplo claro dessa in-
fluência; da relação da filosofia com a medicina e que, ainda que
o termo seja recente, a preocupação com o respeito, a dignidade
e o bem estar do ser humano sempre foi essencial na comunidade
médica.
A tecnologia tem permitido um avanço difícil de se esta-
belecer limites éticos nas mais diversas áreas da saúde: cuidados
paliativos, nascimento, morte, genoma e DNA, clonagem, entre
tantos outros. A discussão acerca de tais temas mostra-se cada
vez mais vital, visto que o uso de sistemas tecnológicos têm ul-
trapassado os limites filosóficos e, não raras vezes, confrontado
a ética sobre sua aplicação. O biodireito, empenha-se em criar
normas éticas para que tais limites não ultrapassem a linear bar-
reira do aceitável, porém é indiscutível a necessidade constante
de revisão de tais limites.
Contam, os antigos, que a máquina fotográfica, em sua
invenção, não foi bem aceita, pois acreditava-se que ela captu-
rava a alma da pessoa na fotografia. O que diriam esses mesmos
antigos, se soubessem que alguns séculos à frente, não somente
nossas almas, mas todos os nossos passos estariam relacionados
a um objeto tecnologicamente avançado que pode nos “levar” ao
outro lado do mundo sem sair do lugar, o celular.
Mas é necessário entender a existência de muitas
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questões precedentes que ainda permeiam nosso cotidiano e ne-


cessitam de discussão a todo momento para estabelecerem-se
parâmetros de análise, conforme o passar dos anos e a evolução
cada vez mais presente. A ética em si é imutável, porém a soci-
edade e as relações humanas, pensamentos e atos evolutivos são
um constante movimento metamorfo, portanto previsível so-
mente em sua inconstância paradoxalmente constante. Isso faz
com que a bioética seja tão fluida quanto as questões que emer-
gem da sociedade.
As questões ligadas ao racismo e a homofobia, por exem-
plo, ainda não chegaram a um ponto de comum acordo social. O
racismo é um debate reconhecido há muitos anos, mas que é ne-
cessário estar em evidência perene, pois ainda não foi possível
combater a segregação trazida pela discriminação através da cor.
A homofobia cada vez mais debatida é outra questão que, apesar
do engajamento ser um pouco mais recente, urge por atenção e
a necessidade de ser colocado em pauta para o estabelecimento
de parâmetros, limites e aceitação do assunto.
Dentro do tema da violência contra as mulheres, a Bioé-
tica mostra-se cada vez mais necessária. O debate para se criar
uma consciência com a saúde da mulher, com a dignidade que o
ser feminino necessita, a autonomia que ainda tem se desenvol-
vido de forma embrionária, com parâmetros de definições sem a
influência masculina em seus aspectos inaugurais, mostra-se de
uma importância gigantesca.
As bases sociais perpetradas pelo machismo estrutural
estão presentes na criação de todas as pessoas, dessa forma, com
o crescimento do movimento feminista, está sendo construída
uma nova visão do zero. A dignidade da pessoa humana na ques-
tão feminina ainda necessita de reflexões acerca de muitos as-
pectos. O debate relacionado à liberdade de expressão, à forma
de se portar, de se viver ainda esbarra gritantemente com o que
se espera socialmente de uma mulher.
Dentro das questões médicas, a violência obstétrica, a
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fertilização ou a esterilização permanente e o aborto são aspec-


tos que vêm de gerações pacificadas no entendimento que não
existe possibilidade de decisão pelas mulheres. A mulher que
opta por não ter filhos é segregada. O aborto, um assunto que vai
além da saúde, da legislação, da dignidade da pessoa e funda-
mentos filósifocos e da religião. O direito à fertilização, o direito
à geração de filhos, independentemente do estado civil ou da
forma que se constituirá a família e a gestação por substituição
são assuntos em que a ação bioética se faz indispensável para
evitar que essas temáticas, na prática, promovam agressões ao
corpo e à alma das mulheres.
Como exposto, o comportamento da violência contra as
mulheres já vem desde os primeiros ensinamentos da infância.
E a questão Bioética à respeito está na proporção que o ambiente
(ambientalismo) influência no desenvolvimento desses aspectos
em detrimento à natureza oriunda do ser. Obviamente, uma mu-
lher crescida no Afegnistão tem uma consciência de autonomia,
liberdade, escolhas, justiça muito divergente de uma mulher
crescida no Brasil, que também é diferente de uma mulher cres-
cida na Inglaterra. A discussão acerca da influência ambiental
em uma sociedade que está desconstruindo a visão patriarcal e
formando conceitos iniciais de igualdade é muito irregular ao
redor do planeta. E isso demonstra a necessidade de trazer este
aspecto para o debate, gerando cada vez mais frutos.
O machismo estrutural acerca do feminino está presente
desde a infância, quando as mulheres são ensinadas a brincar de
panelinhas, para servir. Apesar dos exageros em alguns aspec-
tos, é necessária essa discussão e a criação de parâmetros de li-
berdade que nunca foram pensados, pois, desde a primeira in-
fância, o hábito tende a ser de imposição a ordens para com as
mulheres.
A bioética é extremamente fundamental nas questões da
evolução do ser humano, das questões referentes à dignidade da
pessoa humana através de seus princípios e alicerces.
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3. OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA: A NÃO MALEFI-


CÊNCIA, A BENEFICÊNCIA, A AUTONOMIA E A JUS-
TIÇA NO FEMINISMO.

Como visto, a Bioética em alguns países tende a ser le-


vantada nos assuntos relacionados a biotecnologia e ao biodi-
reito, mas se trouxermos os princípios basilares para a temática
acerca da violência contra as mulheres, percebemos a grande re-
levância e necessário alinhamento em suas vertentes.
Conforme BARBOZA10,os princípios da Bioética foram
apresentados, inicialmente, no ano de 1974, no Informe de Bel-
mont, onde uma Comissão Nacional criada pelo Congresso dos
Estados Unidos deveria observar as ciências de comportamento
e biomedicina na investigação sobre seres humanos. Os princí-
pios da autonomia, justiça e beneficência, então, surgiram como
um caminho dentro dos aspectos bioéticos.
Já em 1979, BARBOZA expõe que, Tom L. Beauchamp
e James F. Childress, na publicação Principles of biomedical
ethics, apresentou, também, o princípio da não maleficência.
Dessa forma, foram estabelecidos os quatro pilares norteadores
da bioética: A não maleficência, a beneficência, a autonomia e a
justiça.
Os princípios visam, via de regra, que o profissional da
saúde exerça sua profissão de modo que os resultados sejam in-
variavelmente fazer o bem, respeitar suas decisões e agir de
forma que a vida seja preservada, mas sem que isso seja um de-
ver. E como podemos trazer para a reflexão contida neste traba-
lho?
Vemos a todo momento que as violências sobre as mu-
lheres não se resumem apenas às violências praticadas no âmbito
domiciliar ou às vias de fato, às consumadas. A violência contra

10
BARBOZA, Heloisa Helena. “Princípios do biodireito. Novos temas de Biodireito
e bioética. Renovar. Rio de Janeiro. 2003. p. 49 e ss.
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as mulheres está presente implicitamente nos mais diversos as-


pectos, inclusive na área da saúde. A equipe médica em um parto
sem acolhimento ou com crueldade com a parturiente, a falta de
tratamentos especializados direcionados a vítimas de estupros,
abortos ou doenças que geram estigmas sociais. A dificuldade
de tratamentos para fertilização pelo Sistema Único de Saúde
(SUS), a pobreza menstrual que atinge à comunidade carente,
jovens adolescentes faltam as aulas em seu período menstrual,
mulheres encarceradas se expondo a doenças pela má higiene
das partes íntimas.
Indo além dos profissionais da saúde, percebemos a ne-
cessidade da Bioética ser amplamente aberta em suas discussões
sobre a saúde da mulher e a violência implícita. O acolhimento
das mulheres vítimas de agressão no Brasil é precário. Os pro-
gramas governamentais se restringem às metrópoles e de forma
que, em vez de proporcionar um acolhimento à vítima, imputa
burocracias, imposições legais e sociais resultando em um
grande número de mulheres com medo de expor seus agressores
e permanecendo, muitas vezes, por anos em uma situação de vul-
nerabilidade, quando não a morte.
O preparo dos profissionais para acolher, receber as de-
núncias, tratar da vítima, registrar o fato e proporcionar uma pe-
nalização para o agressor ainda é deficiente em vários níveis.
A discussão sobre o aborto é outro dos pontos mundial-
mente assinalados como algo que exige um olhar da bioética em
busca de um estabelecimento normativo e humanitário. A bioé-
tica e seus princípios estão para o direito à vida e o direito à
morte, como estão para o direito a existência e sobrevivência. A
autonômia da mulher em relação ao seu corpo, em relação a sua
capacidade física, emocional e financeira de prover o cresci-
mento de uma pessoa, ainda que envolva muitas áreas relaciona-
das à saúde e seus profissionais, abrange a sociedade como um
todo e deve ser posto em pauta em todas as rodas de conversa,
desde as mais experientes, quanto às humildes. Esse assunto
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________981_

merece a atenção para promover as devidas reflexões que não


dizem respeito unicamente a questões religiosas, mas sim, toda
uma dimensão social, psicológica e financeira. Não se pode mais
restringir o aborto ao aspecto espiritual, sem trazer seus reflexos
e resultados para a responsabilidade física, seja qual for a opção
da mulher, realizá-lo ou não.
A justiça é outro aspecto muito importante na construção
desse novo paradigma social. O desenvolvimento de um novo
comportamento social, com a aplicação da justiça e as penalida-
des para os agressores já começa a resultar em uma mudança dos
padrões da violência contra as mulheres como, por exemplo, a
promulgação da lei Maria da Penha, em 2006, no Brasil. E essa
mobilização cada vez maior, de discussão, de posicionamento,
concretização e limites referentes a liberdade da mulher, esti-
mula uma modificação no comportamento, no aprendizado e na
evolução de toda uma forma de pensar e agir. A modificação
milenar dos conceitos patriarcais não se modifica do dia para
noite. São milênios de imposição de regras de “boas práticas”
imposta às mulheres.
Dessa forma, há de se concluir que a violência contra as
mulheres está enraizada em todos os contextos da bioética, por-
tanto, devemos trazer tais discussões novos vieses que ela pro-
porciona e apresentar soluções compatíveis com os níveis de
evolução proporcionados pela mesma.
Apesar da Bioética ser predominantemente voltada às
discussões das áreas da saúde, é clara a correlação dela com os
parâmetros sociais e ampliar esse debate é a garantia de frutos
necessários para a modificação de todo um pensamento.

CAPÍTULO III – A VIOLÊNCIA CONTEMPORÂNEA IM-


PLÍCITA CONTRA AS MULHERES

1. O NOVO MERCADO – A CONCORRÊNCIA EN-


FRENTADA PELAS MULHERES.
_982________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

A modificação das estruturas familiares, abriu espaço


para a inserção da mulher no mercado de trabalho, trazendo um
leque de oportunidades antes impensadas.
No Brasil colônia (FERNANDES11), as mulheres não ti-
nham a oportunidade de se alfabetizar. Os estudos giravam em
torno da catequese ou do aprendizado das atividades do lar. As
primeiras oportunidades de estudo, surgiram entre 1750 e 1777,
porém até por volta de 1879, o ingresso da mulher se limitava a
estudos e cursos voltados à sua função doméstica. Só a partir
disso que o ensino superior foi acessível às mulheres.
A ascensão do estudo, a partir do século XIX, trouxe a
independência que as mulheres precisavam para conquitar seu
espaço no mercado de trabalho. Dessa maneira, indagamos:
Dois séculos se passaram e a presença da mulher como
profissional já está em fase de igualdade? Obviamente que não!
A dificuldade em se estabelecer frente à concorrência
profissional, provoca uma fissura entre os sexos, gerando uma
provação infinitas vezes maior para o sexo feminino que para o
masculino. A concorrência para o ingresso no mercado, inclu-
sive se inicia entre as mulheres. Cada vez mais a importância de
estar a frente dos demais, com extensas listas de qualificações e,
ainda assim, galgar postos mais elevados transforma-se em um
caminho e ambiente solitários e dolorosos.
Vemos nas profissões predominantemente masculinas,
como mecânica, engenharia, construção civil, política, um tí-
mido progresso da presença feminina, enquanto que, em profis-
sões que até pouco tempo atrás, eram predominante a dominação
do sexo feminino, como chefes de cozinha, cabeleireiras, moda,
os homens cada vez mais apracem em cargos de alta visibilidade.
O machismo implícito no pensamento social, faz com
que a presença de mulheres em cargos de alto escalão ainda não

11
Disponível para consulta em: A história da educação feminina (multirio.rj.gov.br).
Acessado em 15/10/2021.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________983_

seja considerado normal. Uma mulher como presidente de em-


presas, como diplomata, CEO, presidente na esfera política ou
similares, causa espanto e uma certa singularidade. Enquanto
que homens sendo chefes de cozinha de grandes restaurantes,
donos de salões de beleza da alta sociedade e estilistas, alcançam
a notoriedade com incrível facilidade e credibilidade.
Até mesmo nos ramos da medicina, tão discutidos pela
Bioética, a presença feminina como médicas é muito menor que
como enfermeiras, nos mostrando uma construção de que o ho-
mem está além ou acima da mulher, que sua capacidade cogni-
tiva ou profissional encontra-se mais evoluída que a feminina.
A discussão acerca desse tema, pode trazer uma norma-
lização maior e a abertura de espaços onde a presença feminina
ainda é árdua e pouco acessível. É fundamental a mudança do
pensamento retrógrado para que a mulher tenha a autonomia de
decidir suas vivências pessoais e profissionais na mesma equi-
dade recebida pelos homens.

2. A MATERNIDADE E A “VOLTA A VIDA PRODU-


TIVA”

A sociedade moderna trouxe grandes modificações à ro-


tina da mulher. As lutas por independência trouxeram novos cos-
tumes e adaptações. As mulheres passaram a prospectarem re-
conhecimentos profissionais e o padrão “senhora do lar”, tem
causado cada vez mais estranheza atualmente.
A revolução industrial, o acesso a estudo, a saúde, desen-
volvimento de métodos contraceptivos e a inserção da mulher
nos ambientes profissionais trouxeram novos valores que modi-
ficaram as estruturas familiares, onde a maternidade deixou de
ser a protagonista feminina, resultando na diminuição da
_984________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

natalidade. Uma pesquisa realizada entre 2003 a 201312, pelo


Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a fome do
Brasil, mostra uma queda de 10,7% no número de filhos por fa-
mília. Essa é uma tendência que vem evoluindo com o passar
das décadas.
Acreditamos que a inserção no mercado de trabalho foi
um dos grandes responsáveis por essa modificação estrutural e
vamos analisar a partir deste ângulo alguns pontos relevantes:
A geração de filhos, ainda que seja um encargo de duas
pessoas, via de regra, tem a propensão de atribuir a responsabi-
lidade total às mulheres. Afastando os cuidados iniciais do bebê
com amamentação, notamos que o costume social em relação à
criação dos filhos é totalmente voltada para a mãe e, caso haja
algum tipo de negligência no crescimento desta criança, é ela
sempre a primeira a ser lembrada, apontada e acusada.
Essa ideia, quiçá possa ser uma das causas da redução
maternal vista acima. Por conta dessa mudança estrutural na ro-
tina feminina, houve um exacerbado aumento das atividades e
não uma adaptação. A mulher que, há décadas era a mãe e dona
de casa, responsável pelos cuidados com o lar e pelo crescimento
dos filhos - enquanto o homem, responsável pelo provimento -
hoje em dia, cumulou-se com as mulheres, em pé de igualdade
serem responsáveis pelo provimento financeiro, porém ainda a
responsável por todos os afazeres domésticos. Adicionando-se a
isso, uma rotina extenuante de estar sempre bem arrumada, ca-
belos, unhas e maquiagem em dia, exercícios, estudo, 8 horas de
trabalhos diários, jantar, limpeza da casa, cuidado com as crian-
ças e disposta e motivada para “namorar” ao término do dia.
Essa tendência absurda mostra uma violência subjulgada nas ati-
vidades femininas que faz com que haja um aumento cada vez
maior de doenças mentais.

12
Disponível para consulta em: Redução no número de filhos por família é maior
entre os 20% mais pobres do país | Agência Brasil (ebc.com.br). Acessado em
12/10/2021.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________985_

Conforme CONDESSO13, os multiplos papéis desempe-


nhados pela mulher atualmente, fazem com que ela fique mais
exposta a problemas psicológicos, dentre eles, depressão, fobias,
ansiedade, pânico, insônias e diminuição do desejo sexual.
CONDESSO revela, também, que estudos de Portugal14, Reino
Unido15 e Estados Unidos16 confirmam essa sobrecarga de ativi-
dades que resulta no desencadeamento de moléstias psicológicas
e emocionais.
Outra questão crescente atualmente é a opção por não ge-
rar filhos e dedicar-se exclusivamente a vida profissional. Um
estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística17
(IBGE) mostra que 40% das mulheres em idade fértil no Brasil
optaram por não ter filhos. Ainda que esse crescimento tenha se
intensificado, é motivo de estranheza e julgamento por parte da
sociedade que a mulher precisa enfrentar.
Esse julgamento é intenso e constante. Não ter filhos e
ser julgada, ter filhos e não galgar posições profissionais eleva-
das e também ser julgada, ou realizar ambos e sentir-se incom-
pleta por acreditar não estar desempenhando plenamente ne-
nhuma das funções.
A violência implícita no desempenho dessas vá-
rias facetas da mulher contemporânea pode ser notada quando é
considerado um “bom parceiro”, aquele que ajuda nos afazeres
de casa ou no cuidado com os filhos. Nâo existe essa imposição
de desempenho doméstico ao homem e aquele que se predispõe

13
Disponível para consulta em: Porque as mulheres sofrem mais de doenças mentais?
- Saúde e Medicina - SAPO Lifestyle. Acessado em 15/10/2021.
14
Disponível para consulta em: https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-
de-saude/publicacoes/portugal-saude-mental-em-numeros-2014-pdf.aspx. Acessado
em 15/10/2021.
15
Disponível para consulta em: | de estatísticas Fundação de Saúde Mental (menta-
lhealth.org.uk). Acessado em 15/10/2021.
16
Disponível para consulta em: O | Sexual Estressado Psicologia Hoje (psychology-
today.com). Acessado em 15/10/2021.
17
Disponível para consulta em: Quase 40% das mulheres em idade fértil no Brasil não
tiveram filhos - 28/11/2012 - UOL Notícias. Acessado em 15/10/2021.
_986________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

a fazer, ganha o status de herói, em contrapartida com tantos ou-


tros que, assim como há décadas, permanece na função única de
prover o sustento do lar e não realizar nenhuma tarefa doméstica.
E esse hábito, como demonstrado no desenrolar de nossa expo-
sição, está implícito na sociedade onde até as próprias mulheres
têm esse pensamento, essa forma de julgamento entre elas.
Tratamos disso, ainda sem entrar no mérito das mães so-
los, que não têm a “sorte” de ter um parceiro que possa ajudá-la
e necessitam desempenhar todas as funções de maneira que a
sanidade torna-se humanamente impossível.
No Brasil, a legislação voltada aos empregados prevê
uma licença maternidade de 120 dias após o nascimento do filho
ou adoção. Acontece que a reinserção ao trabalho, após essa li-
cença, torna a rotina feminina sobrecarregada. Não existe uma
adaptação, nem um acolhimento por parte da sociedade no en-
tendimento de que a volta da licença é uma tarefa árdua. A con-
cepção de que a mulher que entra em licença maternidade está
de férias é um pensamento recorrente e que, em seu retorno, ela
volta descansada dos 4 meses de “férias”. Não há uma referência
ao trabalho desempenhado com a chegada da criança, a adapta-
ção de toda uma rotina do lar com o novo integrante, as noites
sem dormir, muitas vezes a depressão pós-parto, a recuperação.
O mercado de trabalho é implacável e a humanidade deixa a de-
sejar. A necessidade de uma mulher 100% produtiva faz com
que esse retorno seja angustiante e responsável, muitas vezes,
pelo abandono do lado profissional.
A incidência de empresas que evitam a contratação de
mulheres em idade fértil e que ainda não possuem filhos é
grande, para evitar o transtorno da funcionária ter sua produtivi-
dade reduzida, entre em licença e quando volte, ainda não de-
sempenhe as funções com a mesma proeficiência que antes da
gravidez. Não há um incentivo governamental ou até mesmo so-
cial para amparar a mulher nessa questão de gerar filhos e dar
continuidade à família.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________987_

A autonomia da mulher é tolhida e o sentimento de jus-


tiça se extingue em qualquer das escolhas. A liberdade da mu-
lher ter sua capacidade de existência plena é colocada em jogo
por parâmetros sociais impostos e cada vez mais exigentes.

3. A TECNOLOGIA COMO FACILITADOR DOS ME-


CANISMOS DE EXPOSIÇÃO DA VIOLÊNCIA

Recentemente, tornou-se praxe nos depararmos com no-


tícias relacionadas à tecnologia e termos que antes eram famili-
ares apenas à profissionais das áreas de Tecnologia da Informa-
ção (TI) e, que agora, povoam o cotidiano das pessoas.
A ex-funcionária da rede social Facebook, Frances Hau-
gen18 vazou documentos confidenciais em que afirma que a big
tech da área de tecnologia, através de uma mudança realizada
em 2018 em seu algoritimo, promovia e se aproveitava de alu-
sões ao ódio e ao medo para impulsionar o tempo dos usuários
nas redes sociais, bem como seu faturamento baseado nessas
premissas. Tal algoritmo poderia ter sido modificado, em obser-
vância à segurança dos usuários das redes sociais, porém se-
gundo a reportagem, isso faria com que o tempo dos usuários
nas redes diminuíssem, assim como o número de cliques nos
anúncios, fazendo dessa forma, com que a empresa perdesse fi-
nanceiramente.
O algoritimo de engajamento é um mecanismo tecnoló-
gico proveniente da inteligência artificial (IA) que, de acordo
com os interesses do usuário, vai promover ou sugerir postagens
do mesmo conteúdo ou assunto. Por exemplo: Quantas vezes,
estamos conversando sobre um assunto com uma pessoa e ao
acessar as redes sociais, vemos produtos patrocinados ou ofere-
cidos sobre o mesmo tema?

18
Disponível para consulta em: Ex-funcionária do Facebook afirma que empresa in-
centiva discurso de ódio e “prefere lucro à segurança” ⋆ Portal N+ (portalnego-
ciosja.com.br). Acesso em 06/10/2021.
_988________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

Essa inteligência artificial (IA) desenvolvida, estimula os


usuários a se interessarem cada vez mais pelos conteúdos que
visualizam, fazendo com que passem muitas horas por dia on-
line, acessando e consumindo produtos e enriquecendo a níveis
bilionários as grandes empresas detentoras das redes.
Ocorre que a IA, através de avançados estudos, concluiu
que o engajamento relacionado ao medo e ao ódio prendem mais
a atenção de seus usuários. É importante, nesse ponto, retornar-
mos ao início de nossa exposição para confrontar o inatismo e o
ambientalismo. A agressividade é latente a todos, mas o meio, o
“ambientalismo” também pode desencadear um fator agravante
no desenvolvimento de um ser propício a cometer mais atitudes
violêntas dependendo de suas vivências.
Se tal IA promove, ainda que mecanicamente uma “su-
gestão” ao comportamento, ela pode resultar no aumento ou na
diminuição dos níveis das vias de fato? Lembrando que o algo-
ritimo foi desenvolvido por seres humanos. Ainda que a IA seja,
de fato, uma tecnologia que compila dados de forma que bene-
ficie o uso dos aplicativos através do gadgets, ele foi desenvol-
vido pela mente humana e seu comportamento, direta ou indire-
tamente tendenciona as vivências de quem as desenvolveu e
quem as consome.
SANTANA19, em seu artigo “Um papo descomplicado
sobre algoritimos de redes sociais”, nos mostra claramente a re-
lação dos algorítimos tecnológicos com a insidência da violên-
cia. Trazendo um paralelo com os filmes que vemos desde a in-
fância sobre robos, IA e obras científicas, ela faz a análise men-
cionando o aclamado “1984”, de George Orwell (1949) da
mesma forma que supramencionamos a máquina fotográfica e a
captura de almas e o celular. A facilidade que os aplicativos de
consumo proporcionaram, evidencia o quanto a tecnologia é im-
portante para cada vez mais interagir e prever os desejos de seus

19
Disponível em: Um papo descomplicado sobre algoritmos de redes sociais (midi-
aninja.org). Acesso em 06/10/2021.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________989_

usuários facilitando o dia a dia das pessoas. Entretanto, com o


mesmo empenho tecnológico de trazer facilidades para os usuá-
rios, veio à tona a velocidade de propagação de informações fal-
sas, incorretas e, muitas vezes, até criminosas, as chamadas fake
news.
SANTANA também correlaciona a experiência social
vivenciada “offline” e levada aos mecanismos tecnológicos. A
dificuldade de profissionais latinos, negros ou mulheres da área
de TI ingressarem no mercado de trabalho ou galgarem altos
graus de carreira ou salários é gigantesca, com manifestações no
Vale do Silício, região na Califórnia, Estados Unidos onde estão
reunidas grandes empresas da área de alta tecnologia.
Passando dos desenvolvedores para os usuários, SAN-
TANA nos traz uma reflexão acerca da forma encontrada por
mulheres empreendedoras se valerem dos algoritimos para ex-
pandir seus produtos utilizando, muitas vezes, palavras-chaves
contrárias à intenção para contornar o chamado “shadow-
banning”.
O shadow-banning é o algoritimo desenvolvido para di-
ficultar ou derrubar o acesso a conteúdos que infringem às leis.
Apesar do shadow-banning restringir o acesso pelo uso
das palavras-chaves à visualização de conteúdos inapropriados,
isso se reverteu de forma que o acesso tornou-se mais “interes-
sante” e, por isso, quando transpõe a barreira do bloqueio, facil-
mente contornada atualmente, torna-se mais acessado que os
conteúdos de uma forma geral.
Em suas conclusões, SANTANA relaciona a prospecção
das desigualdades sociais nas ferramentas dos algoritimos, de-
mosntrando como uma sociedade que ainda não aprendeu a lidar
com as desigualdades influência no desenvolvimento das tecno-
logias levando para era digital os problemas que já ocorrem fora
dela.
É necessário discutir os parâmetros de comportamento e,
desenvolver métodos eficazes de combate à violência. As
_990________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

violências discutidas atualmente, em sua maioria, fala das vias


de fato, das agressões físícas, sexuais, patrimoniais. É um
avanço importantíssimo a consciência de que a violência contra
as mulheres, ainda que nas vias de fato, precisa ser regulamen-
tada e combatida, mas a discussão acerca da violência trazida
pelo comportamento humano de milênios ainda é negligênciada,
inclusive pelas próprias mulheres. Por se tratar de algo tão sub-
jetivo, tal comportamento gera essa postura. Por isso, a grande
importância do debate acerca de tais assuntos e do estímulo ao
desenvolvimento de padrões pensados por mulheres. O compor-
tamento patriarcal, por pertencer desde o nascimento das mulhe-
res, precisa ser tema das rodas das catedráticas que promovem
um pensamento independente. Os comportamentos agressivos
estão nas últimas escalas da violência. Uma mulher física ou se-
xualmente agredida, que chega ao ponto de procurar ajuda, seja
na saúde, seja em delegacias ou programas de apoio, já vem de
situações violêntas. Já vivienciam esse aspecto, muitas vezes,
essa supressão de direitos, trabalhar fora, fazer um curso supe-
rior ou uma especialização. Isso nos mais leves dos casos a se
pensar. Quanto mais pobre, periférica e com menos acesso a sa-
úde, saneamento e educação a comunidade tem, mais graves são
as atitudes agressivas, mais direitos suprimidos essa mulher terá
que confrontar e muito mais difícil será a quebra do vínculo
mental e material que cerca sua vivência e sobrevivência.

4. A VIOLÊNCIA MODERNA, SUAS FACETAS E OS


MOVIMENTOS DE COMBATE

BARROS20, em seu artigo “Estudo doutrinário do Stal-


king (crime de perseguição persistente, novo artigo 147-A do
Código Penal)”, diz que o Stakling é um termo proveniente do
inglês que “designa uma forma de violência na qual o sujeito ou

20
Disponível para consulta em: Estudo doutrinário do stalking (crime de perseguição
persistente, novo artigo 147-A do Código Penal) - AMMA. Acesso em 10/10/2021.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________991_

os sujeitos ativos invadem repetidamente a esfera de privacidade


da vítima, empregando táticas de perseguição e meios diversos,
tais como ligações telefônicas, envio de mensagens pelo SMS
ou por correio eletrônico, publicação de fatos ou boatos em sites
da internet (cyberstalking), remessa de presentes, espera de sua
passagem nos lugares que frequenta, prática de constrangimen-
tos públicos e coletivos direcionados, tratamento de menoscabo,
desprezo e inferioridade, xingamentos e gritarias sem razão,
apontar defeitos imaginários, menosprezar as suas conquistas e
planos, culpar a vítima pelos abusos sofridos, ameaçar, divulga-
ção de boatos mentirosos, divulgação de que a vítima está louca
para a sociedade e perdeu a razão, destratar as opiniões da ví-
tima, perseguir e apontar a vítima para terceiros turbarem publi-
camente, etc.”
O Stalking, nada mais é do que uma roupagem moderna
que abrange as novas formas de comunicação na sociedade, mas
que se trata de assuntos discutidos há milênios.
Se trouxéssemos a Medusa referida no início desse tra-
balho aos dias atuais, notaríamos que seu sofrimento em ser per-
seguida por sua beleza, das vivências que passou após o estupro
sendo condenada a tornar-se uma górdona monstruosa e reclusa
e ter sua cabeça cobiçada como arma de guerra, até sua morte
por Perseu, trata-se de uma perfeita alegoria da forma mais vil
do stakling.
Em março de 2021, foi promulgada no Brasil, a lei
14.132 conhecida como a lei do stalking. Tal lei, atualiza o Có-
digo Penal Brasileiro para o aumento da pena nos casos de per-
seguição e abrange tal perseguição aos meios de tecnologia.
Elenca, também, o aumento de metade da pena se o crime for
cometido contra crianças, adolescentes ou idosos, contra mulher,
por razão da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do
art. 121 do mesmo código.
É comprovado que a discussão acerca da violência contra
as mulheres, pode resultar, ainda que de forma contemporânea e
_992________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

com denominações novas para uma roupagem moderna, mas na


aplicação concreta de direitos que vêm sendo usurpados das mu-
lheres desde os tempos remotos. A necessidade de trazer os as-
pectos agressivos, comportamentais que violam a integridade fí-
sica, emocional, patrimonial, sexual ou moral das mulheres é la-
tente e com tal pauta colocada em discussão, cada vez mais po-
demos desenvolver pensamentos independentes do machismo
estrutural que fazem parte do crescimento social. A Lei do Stal-
king, assim como a Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012), que
dispõe sobre a invasão de dispositivos informáticos e vazamen-
tos ou controle de conteúdos ou até mesmo da Lei Maria da Pe-
nha (11.340/06), que trouxe um notável avanço em proteção e
defesa das mulheres acerca de sua integridade física, emocional,
sexual, moral e patrimonial.
Essas alterações legislativas mostram que a violência
contras as mulheres, em contrapartida com o avanço tecnoló-
gico, o avanço da saúde, dos tratamentos, das criações, ainda nos
permeia de formas primitivas, o que exige uma elaboração e pro-
mulgação de leis para reprimir atividades e atos obviamente in-
corretos. A invasão da privacidade, referida na Lei Carolina Di-
eckmann, a perseguição persistente apontada na Lei do Stalking
que causa danos emocionais traumáticos e, muitas vezes físicos,
como no famoso e internacional caso da morte da Princesa Di-
ana, a proteção a direitos óbvios a vida contidas na Lei Maria da
Penha, direito, à autonomia, à segurança. Essas leis são recentes
e trazem à baila o quanto nossas Medusas do cotidiano, nossas
Maria da Penhas, Carolinas, Joanas, Mirians, Cristinas, Grazie-
las estão vulneráveis a um comportamento que não evoluiu junto
com os outros vieses. A Pandemia do Covid-19 destacou um au-
mento significativo do número de casos de violência contra às
mulheres, devido ao isolamento social. O Governo brasileiro pu-
blicou, inclusive, uma cartilha21 com orientações em casos de

21
Disponível para consulta em: MulheresCOVID19.pdf (www.gov.br). Acesso em
15/10/2021.
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________993_

violências. Estamos em um ponto da evolução humana que sa-


bemos clonar uma pessoa, construir órgãos em impressoras 3D
e, ao mesmo tempo, precisamos ser ensinados que uma mulher
não pode ser morta por ciúmes e/ou possessividade?
Em alguns páises, segundo entrevista de GLORIA22 com
a professora Marlise Matos, o aumento dos casos de violência
fizeram com que a procura por serviços de apoio e proteção do-
brassem durante o período do isolamento, confirmado pelos ca-
nais da ONU.
A discussão acerca de formas para evitar que tais resul-
tados se tornem tão marcantes é vital e a bioética está direta-
mente relacionada em todos os rumos discutidos dentro da ques-
tão. O aumento dos casos das vias de fato, noticiados pelo
mundo, demonstra que o comportamento agressivo está longe de
ser moldado para evitar que a violência atinja níveis elevados de
danos, muitos deles irreversíveis e que retém um problema es-
trutural de difícil resolução mundial.

CONCLUSÃO

Como vimos, a bioética ainda é um assunto muito recente


e de estudos que devem se extender e abranger nos próximos
anos. Ainda existe uma discussão acerca da limitação da bioética
sobre tal abrangência. A evolução humana, a tecnologia dentro
da área da saúde é, sem dúvidas, o pólo central das dicussões
acerca dos ramos bioéticos. Mas as questões sociais demandam
ainda um grande esforço de combate a particularidades inerentes
aos seres humanos.
Se pudéssemos colocar em pauta a evolução dos meca-
nismos de tecnologia em comparação com os últimos séculos,
poderíamos facilmente perceber que evoluímos mais nesse úl-
timo século que se juntarmos todos os outros.

22
Disponível para consulta em: UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais - Vi-
olência contra a mulher cresce durante a pandemia. Acesso em 16/10/2021.
_994________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

É necessário estebelecer critérios e limitações para res-


tringir esse avanço, principlamente nos campos da saúde para
tentar evitar que a intenção da evolução tecnológica de melhorar
e facilitar a vida humana, transforme-se no oposto, escravizando
e até extinguindo a raça humana.
Ainda que seja necessária essa discussão e limitação
acerca dessas evoluções, temos questões que remontam há milê-
nios e persistem sem solução evoluindo junto com a tecnologia,
certas vezes para o bem e outras tantas para o mal e o desserviço
social.
A bioética surgiu para aplicar discussões éticas na quali-
dade da saúde, da vida, da humanidade e até dos animais. Mas
as questões “esquecidas” não podem deixar de ter espaço,
mesmo porque, elas também refletem na saúde física e mental
da sociedade.
Quando pensamos em violência contra a mulher, as vias
de fato estão grudadas em nossos pensamentos, mas a discussão
acerca do que causa essas “vias de fato”, qual o cerne disso tudo
é que o tentou-se demonstrar nesse trabalho.
Concluir um assunto tão extenso, com tantos debates e
tanto material disponível é demasiadamente complexo, então, a
intensão aqui, talvez não seja apresentar uma solução ao tema,
mas promover, como a boa bioética manda, uma reflexão sobre
a pouca visibilidade que a estrutura social machista e patriarcal
precisa para ser discutida. Claro que os debates acerca da vio-
lência física, mental, sexual, patrimonial e moral são relevantes
e, inclusive, fazem com que desenvolvamos a autonomia e o
pensamento para a raiz do problema, mas a presença de pensa-
mentos advindos de milênios nos mostra que ainda temos muito
trabalho pela frente.
A bioética entrelaça em seus princípios base essa discus-
são. A autonomia, beneficência e não maleficência precisa ser
estimulada. Precisamos, através de pensamentos contemporâ-
neos e desenvolvimento de rodas de conversa e acesso a todos
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________995_

com atos, campanhas e acolhimento da mulher resultando na jus-


tiça.
A liberdade da mulher não pode mais ser somente poder
realizar as atividades que deseja ou não ser atacada por simples-
mente viver. É preciso garantir que os pensamentos sejam livres
e aceitos, que o desenvolvimento desse pensamento seja inde-
pendente. A construção evolutiva vem avançando a passos lar-
gos, mas a violência acerca da mulher em seu âmago ainda re-
monta aos tempos primitivos.
Conforme mostramos, as Medusas dos tempos modernos
ainda sofrem em todos os campos. A violência subjetiva é algo
presente no crescimento. As violências estão até de mulher para
mulher. Não podemos fechar os olhos para um padrão de com-
portamento que segrega e resulta em perda de liberdade, perda
de direitos básicos, perda de vida.
Precisamos da bioética para falar sobre as mulheres!

W
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

LUQUIARI, Graziela Aparecida: “Agressividade: A origem dos


conflitos?” – Rio Claro, 2013.
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_996________RJLB, Ano 8 (2022), nº 2

ÍNDICE DE WEBGRAFIA

A última consulta de todas as páginas de internet que se


seguem infra foi realizada em 28 de Outubro de 2021:
 Conheça a história da Medusa, um dos monstros mais terrí-
veis da mitologia grega - HiperCultura
 Medusa: uma história de tragédia, traição e feminismo na
mitologia grega (r7.com)
 https://brasilescola.uol.com.br/historiag/o-cotidiano-mu-
lher-na-pre-historia.htm
 Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos
(saude.gov.br)
 A história da educação feminina (multirio.rj.gov.br)
 Redução no número de filhos por família é maior entre os
20% mais pobres do país | Agência Brasil (ebc.com.br)
 Porque as mulheres sofrem mais de doenças mentais? - Sa-
úde e Medicina - SAPO Lifestyle
 https://www.dgs.pt/estatisticas-de-saude/estatisticas-de-
saude/publicacoes/portugal-saude-mental-em-numeros-
2014-pdf.aspx
 | de estatísticas Fundação de Saúde Mental (mentalhe-
alth.org.uk)
 O | Sexual Estressado Psicologia Hoje (psychologyto-
day.com)
 Quase 40% das mulheres em idade fértil no Brasil não tive-
ram filhos - 28/11/2012 - UOL Notícias
 Ex-funcionária do Facebook afirma que empresa incentiva
discurso de ódio e “prefere lucro à segurança” ⋆ Portal N+
(portalnegociosja.com.br)
 Um papo descomplicado sobre algoritmos de redes sociais
(midianinja.org)
 Estudo doutrinário do stalking (crime de perseguição persis-
tente, novo artigo 147-A do Código Penal) - AMMA
RJLB, Ano 8 (2022), nº 2________997_

 MulheresCOVID19.pdf (www.gov.br)
 UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais - Violência
contra a mulher cresce durante a pandemia

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