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Escola Nacional de Bombeiros

“Comportamento do incêndio florestal em vales


encaixados”

Centro de Formação Especializado em Incêndios


Florestais

Elaboração: Luís Paulo da Costa Pita;


Revisão: Verónica Vieira Catarino

Lousã, 2011
CFEIF – Lousã - 2011

Resumo
Este documento tem como objectivo fazer uma abordagem, com uma linguagem
operacional, aos principais factores que influenciam a ocorrência de “Efeito de
Chaminé”.

Descreve-se o modo de desenvolvimento do “Efeito de Chaminé” em resultado da


configuração do desfiladeiro, nomeadamente da inclinação da linha de água e das suas
encostas e dão-se indicações sobre procedimentos a adoptar numa situação de
incêndio num desfiladeiro, nomeadamente das tácticas a utilizar no sentido de evitar a
ocorrência de acidentes.

Palavras-chave: Combate a Incêndios Florestais; Segurança no Combate;


Comportamento Eruptivo; Desfiladeiros; Vales Encaixados;

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ÍNDICE

RESUMO ....................................................................................................................... 2

ÍNDICE .......................................................................................................................... 3

1. COMPORTAMENTO DO INCÊNDIO FLORESTAL EM VALES ENCAIXADOS


(DESFILADEIROS) .......................................................................................................... 4

1.1. Factores que afectam o comportamento do fogo em desfiladeiros .................. 4

1.2. Evolução do incêndio num vale encaixado (desfiladeiro) simétrico .................. 8

1.3. Abordagem a um incêndio num vale encaixado (desfiladeiro) ........................ 12

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 15

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1. COMPORTAMENTO DO INCÊNDIO FLORESTAL EM VALES ENCAIXADOS (DESFILADEIROS)


Nos últimos anos, tem-se observado durante os incêndios florestais, a ocorrência de
um elevado número de acidentes envolvendo civis e bombeiros (South Canyon – 1962;
La Gomera - 1984; Gualadajara – 2005; Famalicão da Serra – 2006; Kornati - 2007), e
dos quais têm resultado um elevado número de vítimas mortais.
No entanto, na grande maioria dos casos e ao contrário do que seria de esperar, estes
acidentes não ocorrem na cabeça dos incêndios ou nas suas partes mais activas, mas
sim em pequenos incêndios (ex. Mortágua – 2005) ou na retaguarda e partes menos
activas dos grandes incêndios. Um outro factor em comum nestes acidentes, tem
também a ver com o tipo de combustível no qual o incêndio evolui. Geralmente os
acidentes estão associados a zonas onde o coberto vegetal é constituído por herbáceas
e vegetação arbustiva e nas quais se observam elevadas velocidades de propagação
(NWCG, 1996).
Os vales encaixados ou desfiladeiros, são formas de relevo que muitas vezes estão
associados às condições descritas anteriormente, e nas quais ocorrem mais
frequentemente os acidentes. A agravar este facto, observa-se nestes locais um
fenómeno que potencia a ocorrência de comportamento extremo do fogo, também
designado como comportamento eruptivo, vulgarmente conhecido no meio
operacional como “efeito de chaminé”.
Este fenómeno caracteriza-se pela formação de uma convecção muito forte que
alimenta as chamas e faz com que a sua velocidade aumente exponencialmente,
podendo ter um efeito de surpresa para os operacionais, apanhando-os desprevenidos
durante as operações de combate, o que muitas vezes resulta em acidentes mortais
que poderiam ter sido evitados se o potencial desenvolvimento fosse conhecido e as
regras de segurança e os procedimentos de abordagem ao incêndio florestal nesta
forma de relevo tivessem sido respeitadas.

1.1. Factores que afectam o comportamento do fogo em desfiladeiros


Tendo presente a importância que o Comportamento Eruptivo tem nas condições de
segurança dos combatentes, é fundamental compreender muito bem quais os
principais factores que afectam o seu desenvolvimento.

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Combustível – O combustível afecta o período de tempo a partir do qual se observa


uma aceleração brusca do incêndio florestal. Em combustíveis mais finos o período de
tempo necessário para que se dê a aceleração é menor do que em combustíveis
grossos (ex. herbáceas <folhada <arbustos <resíduos de exploração) (Viegas, 2006). O
estado fisiológico da vegetação (se está viva ou morta) e o teor de humidade do
combustível têm também influência, no entanto um teor de humidade elevado não é
impeditivo da ocorrência de efeito chaminé, sendo que o incêndio levará mais tempo
para criar as condições necessárias e essa ocorrência (convecção) quando
comparativamente com uma situação em que o combustível tem um teor de
humidade mais baixo.

Figura 1. Tempo teórico necessário para a ocorrência de comportamento eruptivo


(Adaptado: Viegas, 2006)

Geometria do vale encaixado – O vale encaixado é constituído por duas encostas e


uma linha de água. Estes três componentes formam uma calha ou um canal natural, ao

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longo da qual toda a convecção gerada pelo incêndio é canalizada, ao contrário de


uma encosta com declive e superfície plana, na qual a convecção ocorre ao longo de
toda a superfície da encosta, no vale encaixado quanto mais inclinado e fechado for
este canal, mais intensas serão as correntes de convecção e consequentemente
existirá maior aceleração e velocidade de propagação.
Neste sentido, a inclinação das encostas e da linha de água determinam a maior ou
menor capacidade de aceleração da frente de chamas, as zonas onde se desenvolve a
cabeça do incêndio (ou frentes) e onde ocorrem as maiores velocidade e intensidade
de propagação.

Figura 2. Geometria de um Desfiladeiro (Fonte: Viegas & Pita, 2004).

O vale encaixado pode ser simétrico ou assimétrico. No simétrico a inclinação das suas
encostas é igual ou então muito próxima uma da outra, não sendo notória qualquer
diferença no comportamento do fogo em cada uma delas. Pelo contrário, no
desfiladeiro assimétrico, as encostas apresentam inclinações diferentes que poderão
originar comportamentos do fogo distintos em cada uma das encostas. No entanto,
uma vez que o comportamento do fogo em desfiladeiros assimétricos ainda está
pouco estudado e por uma questão de simplificação do problema, nesta análise irão
somente ser consideradas situações de desfiladeiros simétricos.

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Condições Meteorológicas – As condições meteorológicas podem favorecer, mas não


são determinantes na ocorrência deste fenómeno. Se é certo que o vento, a
temperatura e a humidade do ar têm uma influência significativa no comportamento
do fogo em situações de topografia “não complexa”, no caso particular do
comportamento eruptivo, este pode ocorrer mesmo em condições meteorológicas
desfavoráveis à propagação do incêndio (temperatura baixa, humidade relativa do ar
elevada [Mortágua, 2005] e vento contra [Freixo de Espada-à-Cinta, 2005]).

Forma de entrada do incêndio no vale encaixado – O incêndio florestal pode entrar no


vale encaixado de diversas formas, nomeadamente: a) em resultado de uma ou várias
projecções junto à linha de água; b) entrando de flanco na linha de água.
A situação na qual se constata uma aceleração mais brusca da frente de chamas é
aquela em que o incêndio entra de flanco na linha de água. Considerando que, no
mesmo local, existe um foco de incêndio pontual, a convecção gerada na sua fase
inicial é ainda “fraca”. No entanto, numa situação em que o incêndio entra de flanco
nessa mesma posição (onde tínhamos o foco pontual), a intensidade inicial do incêndio
é muito superior e todo o flanco está a gerar correntes de convecção que são
canalizadas pelo vale de forma ascendente e a aceleração acontece muito mais
rapidamente.

Entrada de Flanco Foco Pontual na


Linha de Água

Direcção
do Vento

Incêndio Principal

Incêndio Principal

Direcção
do Vento

Figura 3: Esquemas ilustrativos da entrada de um incêndio num Desfiladeiro.

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1.2. Evolução do incêndio num vale encaixado (desfiladeiro) simétrico


Existe uma grande variedade de configurações resultantes da conjugação entre a
inclinação da linha de água e das encostas do desfiladeiro, ao longo das quais o
comportamento do incêndio vai ser distinto. É no entanto, possível estabelecer um
padrão de comportamento dos incêndios florestais que, do ponto de vista operacional,
poderá ser mais fácil de interpretar. Assim:
Situação 1 – Declive da linha de água Nulo (0°) / Declive das Encostas [5-45°]: Nesta
configuração o comportamento do incêndio vai ser dominado pelo declive das
encostas e as frentes vão-se desenvolver ao longo destas, segundo uma direcção
perpendicular à linha de água, formando um ângulo médio de 90° com esta;

Figura 4. Declive da Linha de Água Nulo (0°)

Situação 2 – Declive da linha de água 10° / Declive das Encostas [5-45°]: Nesta
configuração observa-se a influência das correntes de convecção no comportamento
do incêndio, no entanto o declive tem influência na propagação e as frentes
desenvolvem-se principalmente ao longo das encostas, segundo uma direcção que
forma um ângulo médio de 60° com a linha de água;

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Figura 5. Declive da Linha de Água Suave (10°)

Situação 3 – Declive da linha de água 20° / Declive das Encostas [5-45°]: Nesta
configuração, observa-se a influência das correntes de convecção no comportamento
do incêndio, no entanto o declive das encostas ainda tem influência na propagação do
incêndio, sendo que se desenvolvem frentes ao longo das encostas segundo uma
direcção que forma um ângulo médio de 42° com a linha de água;

Figura 6. Declive da Linha de Água Moderado (20°)

Situação 4 – Declive da linha de água 30° / Declive das Encostas [5-45°]: Nesta
configuração o comportamento do incêndio é dominado pelas correntes de convecção
sendo que o declive das encostas já não tem influência directa na propagação do

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incêndio. A cabeça (ou as frentes) desenvolve-se segundo duas linhas de maior


propagação, numa direcção que forma um ângulo médio de 31° com a linha de água, e
que são resultantes das correntes de convecção originadas pelo incêndio ao longo das
encostas e da conjugação da inclinação da linha de água e das encostas;

Figura 7. Declive da Linha de Água Elevado (30°)

Situação 5 – Declive da linha de água 40° / Declive das Encostas [5-45°]: À


semelhança da situação 4, também nesta configuração se observa uma influência
significativa e muito demarcada das correntes de convecção no comportamento do
incêndio florestal, sendo completamente dominado por estas.

Figura 8. Declive da Linha de Água Acentuado (40°)


O declive das encostas já não tem influência directa na propagação do incêndio. A
cabeça do incêndio desenvolve-se em resultado da convecção forçada originada pelo
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incêndio, ao longo das encostas, segundo uma direcção que forma um ângulo médio
de 23° com a linha de água;

Situação 6 – Declive da linha de água [50-90°] / Declive das Encostas [5-45°]: Neste
intervalo de ângulos de inclinação da linha de água observa-se, à semelhança da
situação 4 e 5, uma influência muito significativa e demarcada das correntes de
convecção que dominam o comportamento do incêndio florestal. Neste intervalo, o
efeito do declive das encostas na definição da direcção de maior propagação é
praticamente nulo. A cabeça do incêndio é completamente dominada pelas correntes
de convecção originadas pelo incêndio, e a tendência é acontecer cada vez mais
próximo da linha de água à medida que o ângulo desta aumenta.
O ângulo médio formado entre a cabeça e a linha de água vai variando entre [16-0°] à
medida que a inclinação da linha de água vai aumentando no intervalo [50-90°].

Figura 9. Declive da Linha de Água Extremo (50-90°)

Pode referir-se que à medida que a inclinação da linha de água aumenta,


independentemente da inclinação das encostas, a tendência do incêndio é para
desenvolver a cabeça mais próxima da linha de água e com uma forma mais fechada. À
medida que esta evolução acontece, observa-se em simultâneo um aumento
exponencial da velocidade de propagação.

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1.3. Abordagem a um incêndio num vale encaixado (desfiladeiro)


Numa situação operacional, em que o incêndio se encontre na base ou numa das
encostas do desfiladeiro, é muito importante seguir um conjunto de regras de
segurança na abordagem ao incêndio, de modo a evitar a ocorrência de acidentes:
a) Nunca colocar os meios de combate numa posição superior à localização do
incêndio;
b) Tentar perceber há quanto tempo o incêndio se encontra no desfiladeiro e a
possibilidade de a aceleração da(s) frente(s) de chamas estar eminente (efeito
de chaminé).

Da análise dos acidentes ocorridos em vales encaixados, concluiu-se que o incêndio


poderá levar entre 10 a 25 minutos para ocorrer o efeito de chaminé, dependendo da
época em que ocorre o incêndio.

c) Nunca fazer a abordagem ao incêndio de cima para baixo, mesmo que a


situação pareça inofensiva;

Figura 10. Incêndio que entra de flanco no desfiladeiro junto à


linha de água

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Figura 11. Foco pontual junto à linha de água

d) Realizar o combate pelos flancos progredindo nas encostas de baixo para


cima, da retaguarda para a cabeça do incêndio, assegurando que, mesmo em
caso de ocorrer qualquer imprevisto (ex. projecção abaixo da posição da
equipa), as condições de segurança se mantêm;

Figura 12. Abordagem correcta a um incêndio num desfiladeiro.

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e) Quando não for possível a abordagem ao foco de incêndio de baixo para cima,
proceder ao combate com meios aéreos e/ou aguardar que o incêndio evolua
para uma posição onde seja possível combater em segurança.

Os acidentes ocorrem não só durante as operações de extinção como também


durante a deslocação de meios no terreno para diferentes posições.
Muitas vezes os acessos utilizados ficam localizados ao longo dos
desfiladeiros, sendo necessário 20, 30 minutos ou mais para transpor esse
obstáculo. Se o incêndio se encontrar no desfiladeiro e não for feita uma boa
avaliação da evolução, corre-se o risco de ser atingido pelo incêndio a meio do
desfiladeiro, com os caminhos de acesso às zonas de menor perigo ou de
segurança completamente cortados.

f) Nunca realizar manobras de fogo de supressão em vales encaixados, uma vez


que, quando se coloca uma nova ignição no vale, a montante do incêndio,
todo o processo de convecção sofre aceleração, encurtando o tempo para que
ocorra o efeito chaminé. Ao realizar a manobra de fogo de supressão, a
equipa está posicionada num local de elevado risco e, no caso de ocorrência
de efeito chaminé, a manobra de fogo táctico ou de contrafogo não garantirá
condições de segurança para equipa, uma vez que, ainda que as chamas não
passem e faixa negra criada, as temperaturas registadas nesse local serão
extremas e a probabilidade de sobrevivência praticamente nulas.

g) Assegurar em todo o momento o cumprimento das restantes regras de


segurança (ex. LACES).

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Bibliografia
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