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GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 23, pp.

65 - 76, 2008

COMUNICAÇÃO GRÁFICA: BASES CONCEITUAIS PARA O


ENTENDIMENTO DA LINGUAGEM CARTOGRÁFICA
Sílvio Carlos Rodrigues*
Luiz Humberto de Freitas Souza**

RESUMO:
As preocupações que buscam a representação gráfica dos objetos que compõe o espaço geográfico
remetem para a Cartografia Temática a função de orientar e organizar a maneira mais correta de
se apresentar uma dada informação no “papel”. Um dos principais objetivos é facilitar o entendimento
da mensagem para o leitor. Sob esse aspecto, o documento cartográfico adquire grande
expressividade, pois, determina um conjunto de signos que traduzem uma linguagem, uma idéia e
uma comunicação por meio de um sistema de símbolos, objeto de estudo da Semiologia Gráfica.
Esta por sua vez, dá as diretrizes para avaliar as vantagens e os limites das chamadas variáveis
visuais, empregadas no processo de representação, além de articular as regras de utilização racional
da gramática da linguagem cartográfica. É nesse sentido, que o artigo em questão aborda a
comunicação gráfica, enfatizando as suas bases conceituais e a importância desses conceitos para
o entendimento da linguagem cartográfica.
PALAVRAS-CHAVE:
Comunicação gráfica; Cartografia; Cartografia temática; Semiologia gráfica.
ABSTRACT:
The concerns that search the representation graphical of the objects that composes the geographic
space sends for the Thematic Cartography the function to guide and to organize the way most
correct of if presenting one given information in the “paper”. One of the main objectives are facilitate
the undestanding of the subject to the people. Under this aspect, the cartographic document
acquires great expressivity, therefore, determines a set of signs that translate a language, an idea
and a communication by means of a system of symbols, object of study of the Graphic Semiology.
This in turn, gives the lines of direction to evaluate the advantages and the limits of the visual
variables, used in the representation process, beyond articulating the rules of rational use of the
grammar of the cartographic language. In this way, this paper wants to speech about the graphic
communication, with enfazis oin the conceptual basis and the importance of this concepts to
understand the cartographic language.
KEY WORDS:
Graphic communication; Cartography; Thematic cartography; Graphic semiology.

INTRODUÇÃO transmissão da realidade espacial. Eles ocupam


Dentre as modalidades de comunicação um importante lugar entre os recursos que a
gráfica que se tem conhecimento, pode-se civilização moderna pode lançar mão. Conforme
afi rm ar com se gurança q ue os mapas Oliveira (1993; p.17), há provas de mapas
compreendem um dos mais antigos meios de primitivos tais como os babilônicos egípcios,

*Professor Doutor do Instituto de Geografia da UFU - IGUFU. E-mail: silgel@ufu.br


**Mestre em Geografia. E-mail: luizhumb@triang.com.br
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chineses, etc. acumulando até os dias atuais, Ainda sobre as considerações de Harley,
resultados de estudos históricos, geográficos, este considera o mapa como uma “construção
etnológicos e arqueológicos. social” e dedica ao cartógrafo a função de
membro da sociedade num sentido amplo.
A história dos mapas é, portanto, tão
Considerar o mapa como uma “construção social
antiga que se confunde com a própria história da
do mundo” é afirmar que se pode tratar esses
humanidade, isto se pensarmos nesta a partir da
documentos mais que uma imagem da realidade,
documentação escrita sobre fatos passados.
mas sim, um texto que pode ser decodificado
Neste caso, sua elaboração precede a
da mesma forma que outros sistemas de signos
representação de palavras ou idéias por meio de
não verbais. A representação do mundo na
sinais. Fato comprovado por vários exploradores
Cartografia se constrói a partir de signos,
e estudiosos que constataram a presença de
convencionais ou não, símbolos ou metáforas e
representações por meio de desenhos e figuras
imagens retóricas (CAPDEVILA & HARLEY; 2002).
geométricas, realizadas nas paredes de rochas,
tetos e pisos de cavernas, objetos, artefatos, etc., Atualmente a definição de mapa agrega
entre os diversos povos primitivos. novos conceitos aliados às revoluções tecnológicas
do meio informacional. Com a rápida difusão dos
Dentro do contexto evolutivo da produção
documentos cartográficos, após o avanço da
de mapas, atribui-se aos gregos a atual base da
informática, as informações, antes representadas
linguagem cartográfica, pois, foram eles que
diretamente no papel, foram quase que totalmente,
admitiram a forma esférica da Terra, com seus
convertidas para o meio digital. Desta maneira, o
pólos, equador e trópicos. Desenvolveram o
mapa continuou se comportando como uma
sistema de coordenadas geográficas,
“expressão da leitura e de representação do mundo
desenharam as primeiras projeções e calcularam
real” porém, com a condição de reproduzir
o tamanho do nosso planeta (OLIVEIRA; 1993).
virtualmente o espaço geográfico.
Na obra “Cartografia Geral” de Raisz (1969;
O conteúdo informacional de um mapa é
p.2), o conceito elementar de um mapa é descrito
função de vários fatores inter-relacionados. A
como:
informação apresentada num mapa deve concordar
Uma representação convencional da superfície com as necessidades específicas de sua estrutura
terrestre, vista de cima, na qual se colocam e esta, com um conjunto de características
letreiros para sua identificação. geométricas e simbólicas. Um documento cartográfico
tem escala e uma organização espacial baseada
[...] um mapa representa melhor o que se conhece
numa projeção ortogonal da superfície terrestre
da Terra, do que o que se vê de uma certa altura.
sobre um plano. A representação da mensagem
H ar le y & Wood war d (1 98 7; p .1 ) por meio de signos, encontra-se diretamente
trabalhou um pouco mais sobre os conceitos que condicionada à característica do fenômeno e aos
regem os produtos da ciência cartográfica. Em dados disponíveis. Neste caso, são os signos
seus estudos, admitiu que esta é considerada projetados, modificados e agrupados
com o a li ng uag em uni ve rsal de t od as as individualmente, que refletem o propósito de um
civilizações, como meio de intercâmbio cultural determinado mapa, por meio de uma dada
e como forma de poder e saber, empregada para composição simbológica.
se fazer declarações ideológicas sobre o mundo.
Com essa preocupação constante em
É, pois, neste sentido que ao aceitarmos a
apreender o meio ambiente (físico, social, cultural)
Cartografia como forma de “poder e saber” dever-
e representá-lo por meio de uma simbologia
se- á tomar tod os os cuid ados quanto às
gráfica, nasce a Ciência Cartográfica, diretamente
cat eg or ias d e ob je t os m ost rados nos
ligada à metodologia de representação da
documentos cartográficos.
realidade espacial.
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A definição de Cartografia é concebida Ainda segundo Moura (1997, p.2), em


de forma diferenciada por vários órgãos de função da ênfase, dada pelas ciências, nas
estudos cartográficos, associações, escolas q ue st õe s esp aciais, o e xp re ssiv o
militares e, estudiosos do ramo tais como: JOLY, desenvolv iment o da i nformática aprese nta
MO RRISON, SANC HEZ E TAYLO R. Segundo vários recursos aplicados tanto na organização
Oliveira (1993; p.13), devem ser destacadas as e elaboração de bancos de dados cartográficos
definições da ONU (Organização das Nações e alfanuméricos, como nos recursos básicos de
Unidas) de 1949 que estabelece a Cartografia inter-relação entre estes dados.
como a ciência que se ocupa da elaboração de
mapas de toda espécie e abrange todas as fases Com o avanço da informática que se deu
dos trabalhos, desde os primeiros levantamentos a partir da década de 1970, foram incorporadas
até a impressão final dos mapas e, da ACI as idéias da Ciência Cartográfica, além da
(Associação Cartográfica Internacional) de 1966 própria linguagem dos computadores, novas
q ue e st ab e le ce o camp o das ati vi dade s definições tais como a Cartografia Digital, o
intimamente ligadas à Cartografia como um G eopr ocessam ento, os Si st em as de
conjunto de estudos e operações científicas, Informações Geográficas (SIGs) entre outros.
artísticas e técnicas, baseado nos resultados de Acerca das duas primeiras expressões,
obser vações di re tas ou d e análi se d e Rosa & Brito (1996, p.7-8) tecem as seguintes
docum ent ação, com vistas à elab oração e considerações:
preparação de cartas, projetos e outras formas de
expressão, assim como a sua utilização. O geoprocessamento pode ser definido como
sendo o conjunto de tecnologias destinadas à
A p ar ti r da inte rp re tação d ad a aos coleta e tratamento de informações espaciais,
documentos, a Cartografia é levada à posição assim como o desenvolvimento de novos
de disciplina profissional. O simples ato de sistemas e aplicações, com diferentes níveis de
confeccionar uma carta sobre uma base se sofisticação.
t or nou mais q ue um m er o ato t écni co ou
puramente científico e sim, um conjunto que Já a cartografia digital pode ser entendida como
com pr ee nd e t am bé m esse s com pone nt es, sendo a tecnologia destinada à captação,
porém, tendo por princípio a confecção de um org anização e de se nho de mapas
documento para leitura e interpretação, de um (MICROSTATION, MAXICAD, AUTOCAD, etc.),
d et er mi nad o espaço em f unção d e um a enquanto que os sistemas de informação
d et er mi nada soci ed ad e, e m um mome nt o geográfica são sistemas destinados à aquisição,
histórico específico, em uma posição social ou ar mazenam ent o, mani pul ação, anál ise e
ainda, d iant e um a e st rat ég ia p ol í ti ca ou apr esentação d e dad os r ef e re nciados
econômica. espacialmente (ARC-INFO, APIC, SGI, etc).

As de fi ni çõe s mais m ode rnas d a Em suma, um documento cartográfico,


Cartografia tendem para a incorporação de além do fruto de uma intenção é também um
novos métodos e novas tecnologias aliadas aos ato de interpretação de um dado espaço e das
seus conceitos. De acordo com Moura (1997, relações que ocorrem neste. É neste sentido
p.1), essa ciência é a forma de representar os que se faz necessária uma mensagem gráfica
fenômenos espaciais. Tal fato, nos dias atuais, semiológica direta e simples do mapa tanto
significa o ponto de partida para a tomada de neste com o e m qual quer outr o mome nt o
decisões e definições de estratégias de ação histórico, outro lugar, por outros povos, para
em várias esferas das denominadas “ciências outras funções.
espaciais”. Eis que assume um papel muito Sob este contexto Raisz (1969; p.94) faz
importante entre várias áreas do conhecimento a seguinte declaração:
científico.
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É importante na guerra e na paz que um soldado mural”, ou seja, um documento de orientação,


ou aviador americano seja capaz de ler um mapa com i nf or m açõe s mui to g ener ali zadas e
francês ou que um montanhês canadense seja insuficientes para determinadas necessidades.
capaz de escalar os Andes usando um mapa Tratando-se dos Mapas Especiais e Temáticos,
chileno. Apesar de cada levantamento publicar ele aborda os dois tipos como documentos
uma legenda de símbolos, isto geralmente não voltados para um público específico, mas não
se acha a mão. evidencia a distinção entre o que é “especial” e
o que é “temático”.
Tomando como base as variáveis visuais
utilizadas na representação das relações entre
obj et os g e og ráfi cos, o el ab or ador de um
Para Duarte (1991, p.18) a forma ideal
d ocum ento cart og ráf ico, d e ve seg ui r
seria a permanência do conceito de Cartografia
precisamente a sintaxe da linguagem gráfica,
Geral e a junção do Especial com o Temático:
tendo sempre como princípio a finalidade de um
mapa, diretamente ligada à informação na Se a tendência é dar à Cartografia Temática
busca do conhecimento. significado de algo especial, isto contrasta com
o que seja de uso geral, o que nos leva a
considerar que existem, pelo menos, dois
1) COMUNICAÇÃO CARTOGRÁFICA: grandes ramos nesta ciência: Cartografia Geral
Bases Conceituais e Temática. No primeiro, incluem-se os mapas
de uso geral; no segundo, os mapas destinados
A crescente evolução científica que se
a um público específico ou especial (DUARTE,
deu entre os séculos XVII e XVIII, solidificada
1991: p.18).
no sé culo XI X, seg ui ndo os im p ul sos das
necessidades da sociedade, atinge seu ponto Embora não haja um acordo, o que se
mais alto com a distinção entre duas de suas tem estabelecido é a característica dos mapas
principais características: a topografia e a específicos ou temáticos. O Mapa Temático
temática (JOLY apud MARTINELLI, 1991). reportaria certo número de conjuntos espaciais
resultantes da classificação dos fenômenos que
D uart e ( 19 91 , p.1 8) e xp õe que a
integram o objeto de estudo de determinados
discussão sobre o significado de Cartografia
grupos científicos (MARTINELLI, 1991).
Temática é muito antiga. Para alguns autores,
existem três ramos: Cartografia Geral, Temática Ao lado da visão da Cartografia como
e Especial enquanto para outros, os conceitos linguagem, pode-se considerar esta como um
d e Cart og raf ia Esp e ci al e Te máti ca se siste ma de com unicação (K OL ÁC NY,
confundem. De acordo com Oliveira (1993, p.32), SALICHTCHEV apud MARTINELLI, 1991). Nesse
adepto da divisão em três categorias, os Mapas sentido, ao elaborar um documento cartográfico,
Gerais atendem a diversos níveis de usuários é col ocad o e m pr át i ca o p r ocesso d e
comportando-se como uma espécie de “mapa comunicação (Fig. 1).
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O processo de comunicação proposto Nas outras etapas também ocorre um


por Sali chtche v e abord ad o por Mart inel li p r oce sso d e cog ni ção e nt r e as p ar t e s. O
(1991, p.37) é realizado em etapas e reúne contato entre quem elabora o mapa com a
a confecção e o uso do mapa. De acordo com realidade, até a representação cartográfica,
ele, a utili zação d os mapas estimula a induz a elaboração de um mapa mental. As
o p e r a ç ã o m e n t a l , oc o r r e n d o a s s i m u m a relações entre o mapa mental e o produto
interação entre o mapa e os processos cartográfico e nvolvem as operações de
m entais do usuár i o. Tal pr ocesso envolv e filtragem, seleção, cl assi ficação,
muito mais que a “percepção imediata dos simplificação e simbolização.
estímulos”. A memória bem como, a reflexão,
Com o um docum ento que visa dar
a motivação e a atenção são excitadas.
inf ormações ao le itor, o m apa d eve
constituir-se num conjunto harmonioso de
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símbolos, letras e cores, de modo que sua Num processo de comunicação


mensage m possa ser e ntend ida com convencional (Fi g. 2) , os comp onentes
facilidade (DUARTE, 1991). b ási cos, são o e mi ssor , a m ensage m e o
receptor. O primeiro é aquele que envia a
Segundo Bertin (apud MARTINELLI, 1991),
mensagem. As idéias enviadas por meio de
sendo a representação gráfica uma linguagem,
um ou mais estímulos físicos correspondem
criada para reter, compreender e comunicar
à m e n sag e m p r o p r i am e nt e d i t a. A i d é i a,
observações, deve por sua vez, ser bidimensional
conhecida também com o “significado”, é o
atemporal e destinada à vista. Tem supremacia sobre
pensamento a ser transmitido pelo emissor.
as demais, pois, demanda apenas um instante
O “ estímulo f í s i c o ”, chamado de
mínimo de percepção. Constitui um sistema
“si gnif icant e” se riam os sons, letr as,
semiológico monossêmico e expressa-se por meio
imagens, gest os, palav ras, etc. A idéia
da construção da imagem, isenta de ambigüidades
associada ao “estímulo físico” forma o que
como aquele proposto por Salichtchev que segue a
se entende por “signo” (DUARTE, 1991).
visão sistêmica da Cartografia e portanto
polissêmica.

No esquem a de comuni cação A seguinte frase exemplifica o conteúdo


representado, o sentido do signo, ocorre após acima: “o motorista parou o seu veículo ao ver
a observação do estímulo físico e a percepção o sinal”. O sig nificado que a palavra sinal
da idéia. A leitura se dá, portanto, pelo domínio (significante) fornece é ambíguo, pois, nos
dos códigos, ou seja, a leitura do significante e remete a uma série de deduções tais como: sinal
o entendimento do significado. Temos nesse de pare, sinal de pista interrompida, sinal de
caso a configuração da comunicação polissêmica. um agente de trânsito, sinal de rua sem saída,
e nt re t ant as out r as sit uaçõe s possí ve is,
Bertin apud Martinelli (1978, p.3)1 afirma
limitadas pelo contexto temporal, espacial e
que a situação informacional é polissêmica quando
conceitual no qual o receptor se insere para
o signo (visual ou sonoro) tem por objeto definir
decifrar o signo.
um conjunto ou conceito diante das infinitas
possibilidades. Sendo assim, o emissor tem que A representação gráfica propriamente
levar em conta o nível de conhecimento do dita, e, por conseguinte a Cartografia, não
r ecep tor para li mi tar a amb ig üi dade d a obedece a esse esquema de comunicação, mas
comunicação. sim ao da comunicação monossêmica (Fig. 3).
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O nd e “¹ ” sig ni fi ca r e lações d e 2) REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DOS


d iv er si dade /sim il ar id ad e e nt re obj et os d a DADOS
realidade a ser representada; “O” significa A representação gráfica é um sistema de
r el açõe s d e or de m e, “ Q” r e lações d e signos que permite a transcrição de relações
proporcionalidade. A representação gráfica tem de diferença, de ordem ou proporcionalidade
por ob jet ivo col ocar e m ev idê nci a as tr ês e xi st ente s ent re obj et os ex iste nt es na
r el açõe s f undame nt ais e nt re concei tos realidade. Este sistema estrutura a construção
previamente definidos, transcritos por relações das imagens a partir de uma gramática, com leis
v isuais d e m esma nat ure za, o q ue e xclui apoiadas da percepção visual: Semiologia Gráfica
qualquer ambigüidade possível (BERTIN, 1978). (BONIN, 1998).
Adotando-se a visão estruturalista da O ponto inicial do trabalho do francês J.
Cartografia, a Cartografia Temática baseia-se Bertin é a afirmação geral de que a comunicação
essencialmente na transcrição das três relações é f ei ta p or m e io d e marcas no p ap el . A
fund amentais sendo q ue, a r eprodução da apresentação de um dado ocorre através das
informação por meio da representação gráfica variações ou modulações das características
é que permite ao leitor o entendimento do mapa. dessas marcas, como sua forma, posição ou cor.
Nesse processo, portanto, não pode haver Deste raciocínio surge a proposta das variáveis
polissemia, para não incorrer na confusão do visuais: tamanho, valor (tons de cinza ou de uma
entendimento. mesma cor), granulação, cor (matiz), orientação
A representação gráfica se estrutura a e forma, além da posição no plano bidimensional.
partir da percepção visual organizada de três For ma-se assim , um conj unto d e
componentes sensíveis: a variação das manchas “convenções” que aplicadas isoladamente ou
visíveis e as duas dimensões do plano (X, Y). Um e m conj unt o são cap azes d e t ransmi ti r
retângulo pintado de preto em um papel, por visualmente qualquer tipo de dado, respeitando-
exemplo, está em um determinado lugar na se as limitações que o próprio Bertin se impôs –
folha, em relação às duas dimensões do plano bidimensionalidade e atemporalidade.
(X , Y). Esse objeto, além de ter uma localização,
pode assumir seis modulações visuais sensíveis,
constituindo as variáveis visuais (MARTINELLI, 2.1 – Análise dos dados
1998).
Cada parte de um conjunto de dados é
A imagem visual, portanto, se constrói chamada de componente, a qual apresenta as
com a modulação de “X” e “Y” do plano, variando seguintes características:
visualmente as manchas visíveis em terceira
dimensão visual (“Z”). Essa variação pode Comprimento - é o número de suas
assumir três significados distintos em relação subdivisões (classes);
ao plano: ponto, linha e área.
Extensão - é a relação entre o número
Em síntese, a linguagem gráfica como um m ai or e o me nor da sé ri e quant it at iv a
sistema de signos gráficos, é formada pelo considerada;
si gnif icad o (i dé ia) e si gnif icante ( im ag em
Nível de organização - é a característica
g ráfi ca) . As t rê s r el ações ( di ve r si dade /
mais importante da componente, trata-se do
sim il ar i dade , or d em e p r op or ci onali dade )
significado, que pode ser: quantitativo (ex.
consistem nos significados da representação
número de alunos, número de dias de chuva,
gráfica e são expressas por seis variáveis
etc.), ordenado (ex. dias da semana, meses do
visuais (tamanho, valor, textura, cor, orientação
ano, hierarquias militares, tonalidades, etc.), e
e forma) que são significantes (ARCHELA, 1999).
qualitativo (ex. indústrias, culturas, etc.).
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Há uma variedade ilimitada de dados do pressupõem ocupar uma dada extensão sobre
espaço que podem ser traçados através de uma determinada superfície Ex. densidade de
signos (ROBINSON, 1984). As informações p op ul ação, ge ologi a, p ed ologi a, b acias
transmitidas por uma componente podem se hidrográficas, florestas, cultivos, áreas urbanas,
referir a uma localização precisa, a um limite ou lagos, etc;
percurso, a uma superfície, ou ainda a um
d) Volume - é tridimensional e representa
volume.
o com pr im ento, a l ar gura e a al tura d e
Essas quatro maneiras de colocar a d et er mi nado comp onente t e máti co. Ex .
i nf or mação no pl ano d a folha d e pape l q uant id ad e d e pr eci pi tação, volume d e
representam os quatro modos de implantação produção, etc.
(ou elementos de representação do espaço), a
saber: em ponto, em linha, em área e em
volume. 2.3 – Escalas de Mensuração
As mensurações típicas efetuadas no
espaço geográfico referem-se a pontos, linhas,
2.2 – Elementos de Representação
áre as e v ol um es. A me nsur ação p od e se r
Geométrica do Espaço – Transcrição Gráfica
entendida como a atribuição de um número ao
Traduzir graficamente dados referentes atributo de um objeto ou fenômeno segundo
a um fenômeno significa transformar dados regras definidas. Esse processo forma a escala
descritivos ou tabulares em alguma forma de de mensuração (ROSA & BRITO, 1996).
r ep re se nt ação gr áf i ca. Ne sse caso, há
São estabelecidas quatro escalas de
necessidade de optar entre os tipos de signos
mensuração: nominal, ordinal, intervalo e razão.
e a melhor forma de dispô-los no documento,
É importante salientar que as análises estatísticas
levando-se em consideração também, o nível de
dependem da escala de mensuração. A maioria
conhe ci m ento a se r al cançado p el o l ei tor
das descrições qualitativas, isto é, verbais, podem
(DUARTE, 1991).
ser transformadas em quantitativas,
O s el em entos de re pr esentação particularmente para as escalas nominal e ordinal
g eomé tr ica d o espaço cor r espond em às (ROSA & BRITO, 1996).
m anei ras de se col ocar g r af icam ente , a
a) Escala Nominal - basicamente
i nf or mação e m um m apa d ur ant e o se u
qualitativa, usada na maioria das vezes como
planejamento.
simples processo classificatório na identificação
a) Ponto - não tem dimensão, representa das várias classes em que um determinado fato
apenas a posição (localidade ou localização). ou fenômeno possa ser decomposto. Ex.
Podem ser utilizados nesse caso os próprios categorias de uso do solo em um mapa temático;
pontos, figuras geométricas e evocativas. Ex.
b) Escala Ordinal – usada nos casos de
representação simbólica de cidades, casas,
organização de fenômenos ou observações
indústrias, animais, pessoas, portos, etc;
(expressões qualitativas) segundo uma ordem
b) Linha - é unidimensional, representa (grandeza ou preferência). Ex. escala de dureza
apenas direção. Refere-se àqueles elementos dos minerais;
cujo desenvolvimento requer um traçado. Ex. o
c) Escala de Intervalo – possui todas as
p er curso d e um r io, e le vaçõe s, l im it e
características de uma escala ordinal, porém, os
administrativo (fronteira), estradas, etc;
intervalos entre os valores associados são
c) Àrea - é bidimensional, representa a conhecidos e cada observação pode receber um
l ar gura e comp ri me nt o. Trat a- se da valor numérico. Ex. variações das altitudes em
representação de elementos que ocupam ou curvas de nível;
Comunicação gráfica: bases conceituais para o
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d) Escala de Razão – é a mais precisa de ( pe rcentage ns me nore s) ao e scur o


todas, referindo-se a um nível de mensuração ( pe rcentag ens maior es). Ex. faix as d e
em que a escala tem todas as características profundidade do mar, de altitude, etc;
de uma escala de intervalo, sendo o ponto zero
c) Granulação - usado para representar
uma origem verdadeira. Ex. escala métrica.
ocorrências diferenciadas, porém com precário
poder de seletividade. Consiste na variação da
r ep ar ti ção e nt re p re t o a br anco, ond e a
2.4 – As Variáveis da Retina ou Visuais
proporção permanece constante;
- Elementos Gráficos
d) C or - é usad a par a re p re sentar
A linguagem gráfica é construída pela
qualitativos (seletivos). Consiste na variação
modulação de variáveis da retina (ou visuais),
d as cor es do arco- ír i s, sem v ari ação d e
também chamadas de Elementos Gráficos. Por
t onal id ad e, te nd o as core s a me sm a
ser a retina o órgão sensível do olho, todas as
i nt ensi d ad e. Por ex em pl o: usar o azul , o
variações percebidas por ela são chamadas
vermelho e o verde, significa usar a variável da
v ar iáve is da r et ina, te nd o pr opr ie dade s
retina “cor”. O uso do azul claro, do azul médio
perceptivas específicas, a saber:
e do azul escuro, corresponde a variável da
a) Tamanho - é usado para representar retina “valor”;
dados quantitativos, traduzindo a cada uma
e) Orientação - também usada para
r el ação d e pr oporção e nt r e os d iv er sos
representar dados qualitativos (seletivos) em
e le me nt os cart og ráf icos. Par a a sua
substituição à cor, no caso de ocorrência em
representação, usam- se as formas básicas
pontos. A orientação corresponde às variações
(círculos, quadrados, retângulos, triângulos),
de posição entre o vertical, o oblíq uo e o
conferindo-lhe tamanhos proporcionais ao valor
horizontal;
dos dados. Varia do grande, médio e pequeno.
Ex. população total, segundo os municípios do Form a - usad a para re pr esentar
Estado de Minas Gerais; ocorrências qualitativas, seletivas em pontos.
Exp lora t od as as v ar iaçõe s de f or mas
b) Valor - é usado para representar
g eomé tr icas ou não. El as são múlt ip las e
ocorrências ordenadas, através da variação de
di versas, pod em ser g eom étri cas (cí rcul o,
tonalidade de determinada cor ou do branco ao
quadrado, triângulo, e tc.) ou pictóricas. A
preto, passando pelos tons cinza. O branco
seletividade é limitada, no máximo, a seis. Esses
r ep re se nt a ausênci a ( 0 %) e o pr et o a
mapas são de fácil representação e leitura. A
t ot al id ad e (1 0 0 %) , e os outr os nív ei s
f or ma é l ocali zada, e p or tant o i nd ica a
representam valores intermediários, do claro
localização (Fig. 4).
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FORMAS DE MANIFESTAÇÃO
VARIÁVEIS VISUAIS PROPRIEDADES PERCEPTIVAS
EM PONTO EM LINHA EM ÁREA
Da Imagem
2 8 1 2
14 1 2 14
As duas dimensões
do plano (x , y) 5
20 2 1 21 8 Q O  
8 16 3 11

Tamanho Q O  

Valor ''C'' O  

De Separação

Granulação ''C'' O  

Cor ''C'' ''C''  Pouco


Associativa
 - Dissociativa

Vermelho Azul Amarelo  - Associativa

 - Seletiva

Orientação ''C'' ''C''   O - Ordenada

Q - Quantitativa

''C'' - as transcrições
Forma ''C'' ''C'' ''C''  gráficas que resultam
nesta área destroem o
significado da imagem

Figura 4 – Variáveis Visuais adaptado de Bertin apud Martinelli (1991: p. 15)

CONSIDERAÇÕES FINAIS É justamente no intuito de diminuir os


problemas de representação gráfica, que os
Sendo um documento que visa transmitir mapas devem ser estudados sob a ótica geral
i nf or maçõe s ao l ei tor, um m ap a d ev e se r do processo de comunicação monossêmica,
representado da forma mais correta possível, estando enquadrados nos pressupostos de sua
respeitando as regras básicas da sintaxe da Semiologia.
linguagem da representação gráfica. O uso de
signos, de maneira inconveniente, gera uma A e volução d a Cart og raf ia ali ad a à
mensagem errônea, difícil de ser entendida e dinâmica do mundo moderno, tem colaborado
conseqüentemente, interpretada. p ar a a re de fi nição d e ce r tos concei tos
cartográficos. A chamada Cartografia Moderna
tem se caracterizado pela adoção de novas
Comunicação gráfica: bases conceituais para o
entendimento da linguagem cartográfica, pp. 65 - 76 75

técnicas com uma base apoiada nos dispositivos na legenda; a existência de itens do mapa que
informatizados. não se encontram relacionados na legenda e
principalmente, problemas com a utilização dos
N esse sent id o, not a-se que a
signos.
comunicação tem acompanhado o mesmo ritmo
da evolução gráfica, ou seja, uma produção e Conclui-se, portanto, que a comunicação
re-produção das informações espaciais em g ráfi ca d e ve ser uti l izad a ob ser vand o o
série, sem preocupar-se com a correção da tratamento dos dados e esse por sua vez, tem
linguagem e o nível de leitura da imagem visual. de ser realizado visando sua representação no
C om e ssa p ráti ca, p er de -se o p od er d e intuito de revelar o conteúdo da informação.
re ve lação d o conte údo d a inf or mação d os Sendo assi m, ao el aborar um docume nt o
mapas. A Semiologia gráfica passa a se restringir cartográfico, deve-se levar em consideração, a
somente ao conhecimento acadêmico e em raros condição do usuário, pois, a comunicação a partir
casos, a alguns cursos técnicos. da Cartografia deve ser visto como um processo
monossêmico de transmissão da informação
Atualmente, é muito comum nos mapas,
onde o emissor e o receptor, são os atores da
a presença de problemas de representação tais
ação e juntos devem visar o mesmo objetivo: a
como: a consistência dos dados; o modo como
compreensão das relações que se estabelecem
os componentes do mapa estão organizados
entre os signos.

Notas
1
Tradução de: Profº Dr. Marcello Martinelli – Texto básico para o curso de Cartografia Temática da Geografia,
FFLCH/USP.

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Trabalho enviado em fevereiro de 2008

Trabalho aceito em março de 2008

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