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Ed u
Prática ortuguesa
Língua P ntil
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Prática Educativa da na Edu c
Daniela Guimarães
Patrícia Corsino
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
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Daniela Guimarães
Patrícia Corsino
Edição revisada
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
G976p
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3078-1
Referências............................................................................................................................109
E
sta publicação tem como objetivo apresentar e aprofundar questões que envolvem a prática
educativa da Língua Portuguesa na Educação Infantil. Considerando que as crianças estão
mergulhadas na linguagem desde que nascem, é importante focalizarmos como se apropriam
das palavras e seus sentidos, comunicando-se e se organizando no mundo simbólico ao qual per-
tencem. Ao mesmo tempo, é importante focarmos qual o papel da prática educacional no campo da
linguagem, ou seja, como ela pode favorecer a experiência da criança com a língua.
Atualmente, no terreno da Educação Infantil, há um debate intenso a respeito das peculiari-
dades da Alfabetização: a Educação Infantil é espaço para alfabetizar as crianças? Por quê? Como?
Esse é um tema fundamental desta publicação. Vamos discorrer sobre a importância de considerar-
mos, no trabalho educacional, as várias formas de linguagem que compõem o nosso mundo social,
e não apenas a escrita. Além disso, vamos dar relevo às especificidades das práticas de leitura e
escrita como práticas socioculturais e não somente como codificação e decodificação da língua.
Aprender a ler e escrever é aprender a construir significados com a escrita, de modo semelhante ao
que a criança faz com outras formas de expressão (no desenho, na dramatização etc.).
Inicialmente, vamos apresentar o conceito de linguagem que vai atravessar todo o nosso tra-
balho. Nesse movimento, dialogaremos com os autores que nos acompanharão ao longo de todas as
aulas, particularmente o filósofo alemão Walter Benjamin, o filósofo da linguagem russo Mikhail
Bakhtin e o psicólogo russo Lev S. Vygotsky. Com eles, compreenderemos a linguagem como pro-
dução de sentidos. Para além da dimensão formal e arbitrária da língua, o que lhe confere vida é a
possibilidade de comunicar e construir significados.
Seguiremos explicitando como acontece a formação e o desenvolvimento da linguagem na
criança desde o nascimento, evidenciando o entrelaçamento dos gestos, expressões faciais e palavras
no desenvolvimento da expressividade. Na sequência, focalizaremos a brincadeira e o desenho como
importantes movimentos de construção de significados pelas crianças, abordando o que Vygotsky
define como a pré-história da linguagem escrita.
Trataremos, então, de alguns conceitos de Bakhtin, especialmente os conceitos de dialogismo
e gênero discursivo. Vamos enfocar a Educação Infantil como espaço de interação social mediada
pela linguagem em seus diversos suportes e gêneros. Nesse contexto, apresentaremos o conceito de
letramento como prática social com a língua e como prática escolar.
Ao longo de todo este material vamos discutir as controvérsias que envolvem as práticas de
letramento e alfabetização. Enfatizaremos a importância de construirmos um contato significativo
com a língua, mediado por textos e suportes presentes no mundo social mais amplo, sem deixarmos
de lado a reflexão sobre as intervenções do professor, constituídas no processo de interação com as
crianças.
O terreno da Literatura será apresentado como catalisador do contato criativo das crianças com
a linguagem. Temas tais como a pertinência temática dos livros de literatura infantil e a adequação
da ilustração e do projeto gráfico nesses livros serão abordados de modo aprofundado. Por fim, foca-
N
o contexto das relações que estabelecemos nas nossas experiências coti-
dianas, especialmente no interior das escolas, é a presença da linguagem
que pode garantir a vida, a troca de experiências, construção de uma his-
tória coletiva, comunicação, criação de novos sentidos sobre as coisas e sobre o
mundo.
A linguagem não é simplesmente algo sobre o que nos debruçamos para
apreender suas regras; não é “meio de” contato social, como um veículo, estático e
instrumental. Ela é criada pelo homem, ao mesmo tempo em que o cria; modifica-
-se nas interações humanas, permite que o homem vá além do imediato e dado no
mundo, concretizando seu potencial criador de si mesmo e da realidade.
É com a linguagem que as crianças têm contato com a cultura do meio so-
cial a que pertencem, à medida que estabelecem contato com os adultos e com os
objetos culturais próprios desse universo (textos escritos, imagens, objetos, dan-
ças, músicas etc.). Interagir com os adultos e o mundo na linguagem implica que
ao lado desse contato haja espaço para que a criança possa criar novas formas de
interação, novos objetos culturais.
O que é linguagem?
Mas, afinal de contas: o que é a linguagem? A resposta pode seguir muitos
caminhos, percorrer inúmeras teorias, ciências e momentos históricos, mas, indepen-
dentemente do ponto de vista que se aborde, a linguagem, como capacidade de simbo-
lizar, de dizer o mundo, de se expressar e de se comunicar, é o que há de mais humano
no homem. A linguagem, seja verbal (pela palavra) ou não verbal (pelo corpo, imagem
etc.), encontra-se em todas as esferas da atividade humana, interiormente, em nosso Doutoranda em Educação
pela PUC-Rio. Mestra em
pensamento, na forma como nos organizamos no mundo por meio dos símbolos e ex- Educação pela PUC-Rio. Pro-
teriormente, em nossas relações com os outros, possibilitando a comunicação. fessora do curso de Especia-
lização em Educação Infantil
Pela sua diversidade de formas e manifestações e por pertencer ao domínio - Perspectivas de trabalho em
creches e pré-escola – PUC-
individual e social, tem um caráter multidisciplinar, sendo estudada por várias -Rio.
ciências como: a Semiologia, a Linguística, a Psicologia, a Antropologia, a Socio-
Doutora em Educação
logia, a Filosofia, entre outras e sob diferentes enfoques. pela PUC-Rio. Professora
da Faculdade de Educação
No diálogo com Benjamin (1993), Bakhtin (1992) e Vygotsky (1989), nos UFRJ. Professora do curso de
domínios da Filosofia, Filosofia da Linguagem e Psicologia, respectivamente, en- Especialização em Educação
Infantil - Perspectivas de tra-
tendemos a linguagem como capacidade propriamente humana de criação de sig- balho em creches e pré-escola
nificados, construção de uma história social, expressão de singularidade. – PUC-Rio.
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Linguagem e interações humanas
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Linguagem e interações humanas
Fica bastante claro que o sentido ocupa o lugar principal em qualquer enun-
ciado, em qualquer diálogo. A análise da correção ortográfica, sintática e grama-
tical não dá conta da vida presente no enunciado humano. O humor, a emoção, o
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Linguagem e interações humanas
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Linguagem e interações humanas
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Linguagem e interações humanas
Linguagem e cotidiano na
Educação Infantil
As perspectivas acerca da linguagem sobre as quais discorremos possibili-
tam que pensemos a respeito da importância dos diálogos e da qualidade de sen-
tido que as palavras e movimentos assumem em nosso dia a dia com as crianças
no contexto da Educação Infantil.
Tanto nas falas das crianças como nos seus desenhos e dramatizações torna-
-se fundamental abrirmos espaço para a troca de experiências, a continuidade das
histórias e das propostas, a construção de sentidos por parte das crianças. Isso
caminha na contramão de um trabalho fragmentado, alienado, no qual a cada dia
fala-se de um assunto diferente e as crianças envolvem-se em sequências de ativi-
dades que não se relacionam umas com as outras.
Por exemplo, as rodas de conversa: podem ser oportunidades de as crianças
falarem de si ou partilharem suas impressões sobre algo vivido coletivamente, ou
tornam-se momentos burocráticos somente, excessivamente marcados por exigên-
cias tais como confecção do calendário, da chamada, da janela do tempo, nos quais só
constatamos o que todos já sabemos (como está o dia? quem veio e quem faltou?).
O espaço da narrativa pode ser potencializado com fotografias das experiências
particulares de cada um e das experiências do grupo, com imagens sobre as quais
podemos construir sentidos, com leituras sobre as quais podemos conversar etc.
As falas e as produções das crianças precisam ser entendidas como elos numa
cadeia discursiva mais ampla. Elas se referem a experiências já vividas por elas e
apontam possibilidades de futuro, inclusive possibilidades de transformação.
Os autores com quem dialogamos permitem-nos afirmar que as crianças são
produzidas na história e na cultura e, ao mesmo tempo, produzem história e cultu-
ra. Isso quer dizer que elas carregam marcas do contexto social que participam e,
paralelamente, podem transformá-lo, recriando-o com suas ações. Essa perspec-
tiva criadora é muito importante nas nossas práticas cotidianas com as crianças,
pois permite a aposta em cada uma delas como seres da expressão, da construção
do novo, da emancipação.
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Linguagem e interações humanas
1. Você pode trazer para seu grupo de estudos fotografias de alguma viagem ou evento de sua vida
pessoal, produzindo narrativas com as fotos, contando histórias a partir delas. Assim, perceberá
a produção de significados possível a partir de uma linguagem não verbal.
2. Pesquise diversos recursos simbólicos de sua cultura (calendários, placas etc.), analisando para
que servem e como mobilizam a vida social.
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A formação e o
desenvolvimento da
linguagem na criança
Daniela Guimarães
P
rimeiramente, é fundamental que consideremos que as crianças constroem a linguagem na
interação com os adultos e com as outras crianças de seu meio social, e também na interação
com os objetos da cultura na qual elas estão imersas (livros, brinquedos, utensílios da vida
prática, imagens etc.). Linguagem é a apropriação e produção de significados que vão sendo social-
mente partilhados, possibilitando comunicação, organização da realidade e criação. Portanto, é no
coletivo que a linguagem se constitui na experiência da criança.
A princípio, o adulto produz sentido às expressões corporais e sonoras do bebê, constituindo
padrões relacionais. Então, o bebê vai experimentando suas possibilidades de afetar o outro agindo
com seu corpo no mundo e “observando” os resultados comunicativos de suas reações (como o
adulto nomeia o mundo para ele). É olhando o bebê no olho, respondendo às suas ações, povoando
seu universo com a nossa fala que incentivamos suas possibilidades de comunicar-se.
Bondioli e Mantovani (1998) desenvolvem pesquisas no interior das creches na Itália, des-
tacando comportamentos comunicativos dos bebês, tais como oferta de objetos, troca de sorrisos,
conversação frente a frente (o adulto fala e a criança responde com balbucios, olhares e expressões
faciais). Conforme o adulto vai atribuindo significado e intencionalidade às expressões infantis,
as crianças vão mergulhando num universo relacional, sendo pouco a pouco capazes de prever e
guiar o comportamento adulto por meio de suas reações corporais. Esse movimento permite que a
criança se experimente num lugar ativo e criador de possibilidades de interação.
Wallon (2005) propõe que as primeiras interações dos bebês com o universo social que os
rodeia são caracterizadas pelo que ele chama de um diálogo tônico, no qual a afetividade marca
os contatos dos bebês com os adultos que deles cuidam, construindo sentidos pelo tato, pelo olhar,
pela disponibilidade à escuta e interação.
Vygotsky (1989) expõe o processo de construção de significados sobre mundo nas interações
sociais, mostrando como se constitui o gesto de apontar na história da criança pequena. Primeira-
mente, a criança apresenta o gesto de pegar um objeto que está fora do seu alcance, estendendo o
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A formação e o desenvolvimento da linguagem na criança
braço em direção a ele. É o adulto quem diz “você quer aquilo?”, nomeando
o objeto. Num momento posterior, provavelmente, a criança vai simplesmente
apontar para o objeto, olhando para o adulto. Surgiu o gesto de apontar na inte-
ração adulto-criança. É assim que muitas formas e significados relacionais são
produzidos.
As crianças mergulham no universo de significados que compõe nossa vida
coletiva, à medida que participam de relacionamentos significativos e afetivos que
vão permitindo-lhes compreender os sentidos da vida comum. A compreensão é
sempre ativa (não se trata de um processo passivo de absorção do meio), isto é,
supõe que as crianças respondam, coloquem-se, expondo suas apropriações desta
realidade, isto é, a forma como tornam seus os significados da cultura mais ampla.
As palavras do filósofo da linguagem Bakhtin (1992, p. 67) são elucidativas:
Tudo quanto a determina em primeiro lugar, a ela e a seu corpo, a criança o recebe da boca
da mãe e dos próximos. É nos lábios e no tom amoroso deles que a criança ouve e começa
a reconhecer seu nome, ouve denominar seu corpo, suas emoções, seus estados internos.
[...] A criança começa a ver-se, pela primeira vez, pelos olhos da mãe, é no seu tom que ela
começa também a falar de si mesma; assim ela emprega, para falar de sua vida, as palavras
que lhe vêm da mãe. [...] Sua forma parece ter a marca do abraço materno.
Significado
(por volta dos dois anos)
Fala egocêntrica:
fala para si ou fala para o outro?
Quando começam a falar, as crianças falam enquanto agem e agem enquan-
to falam. Se observarmos as crianças pequenas em suas tarefas práticas (empi-
lhando cubos, colocando objetos numa caixa, dando comidinha para um boneco
etc.) veremos que as suas ações são impulsionadas por palavras. Elas falam como
que para si mesmas. Vygotsky (1989) afirma que a fala funciona como um auxílio
para a ação. Trata-se da fala egocêntrica.
Esse fenômeno foi inicialmente observado por Piaget, que percebia as crian-
ças falando enquanto agiam. Esse autor propunha que a fala somente acompa-
nhava a ação e, com o desenvolvimento, desaparecia. Vygotsky, pelo contrário,
propunha que a fala egocêntrica ou o monólogo coletivo (várias crianças falando
ao mesmo tempo num ambiente coletivo, sem estarem necessariamente falando
umas com as outras) é um fenômeno social, fruto da indistinção entre fala para si e
fala para o outro. Com o desenvolvimento ela não desaparece, mas transforma-se
em pensamento (interiorizado).
Ao falarem, é como se as crianças buscassem ajuda para solucionar o que
estão resolvendo, é como se estivessem controlando o fazer com a palavra; mais
tarde, elas compreendem que não precisam falar para irem se organizando nas
suas experiências, o que gera o pensamento (fala interiorizada).
Vygotsky (1989) fez vários experimentos nos quais provocou nas crianças a
impressão de que não estavam sendo escutadas (colocando som alto, diminuindo a
presença de outras pessoas no ambiente). Nessas situações, o potencial de fala ego-
cêntrica diminuiu. De outro modo, quando ele intensificou a impressão de que eram
ouvidas, ou quando dificultou a tarefa a ser realizada, as crianças falavam mais en-
quanto agiam. Isso significa que a quantidade de fala egocêntrica relaciona-se com a
dificuldade das tarefas e com a impressão de que podem ser ajudadas.
Ao usarem as palavras, as crianças realizam um número maior de ativida-
des, utilizando como instrumentos não somente os objetos à mão, mas procurando
e preparando tais objetos de forma a torná-los úteis para a solução da questão e
para o planejamento de ações futuras. A palavra sofistica a ação.
Na perspectiva de Vygotsky (2000), ao longo do desenvolvimento, a palavra
vai assumindo funções diferentes à medida que se relaciona de modo diferente
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A formação e o desenvolvimento da linguagem na criança
com a ação. Primeiro, ela acontece junto com a ação, organizando-a e controlan-
do-a, como o que foi descrito anteriormente; depois, desloca-se para o início da
ação, servindo para planejá-la. A função planejadora da fala vai se articulando
com a função comunicativa, permitindo que a fala não só modele a experiência,
mas também a transforme.
É importante acrescentar que Vygotsky (2000) propõe que a fala egocêntri-
ca concretiza a indistinção na criança pequena entre a fala para si e a fala para o
outro. Quando a criança se vê diante de uma tarefa difícil num ambiente onde há
a presença do adulto, ela fala como que se dirigindo a ele, mesmo sem que isso
fique explicitado. Se ele sai do ambiente, ela continua a falar, no sentido de buscar
auxílio/organização da sua ação com a fala. Com o desenvolvimento, essa fala
organizadora interioriza-se, transformando-se em pensamento.
A criança compreende com a experiência que a externalização ou vocaliza-
ção da fala é imprescindível à comunicação e que para se organizar ou controlar a
ação não precisa necessariamente verbalizar.
Com o desenvolvimento:
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A formação e o desenvolvimento da linguagem na criança
Como vimos, aos poucos a fala desloca-se do curso da ação para o seu iní-
cio, planejando o que vai acontecer. Geralmente, a criança pequena vai falando
o que está desenhando e enquanto o faz, dá significado a um objeto enquanto o
explora, faz com o corpo o que quer representar. Somente com o desenvolvimento
é capaz de planejar o que vai desenhar, ou combinar papéis de um teatro antes
de dramatizá-lo. Em nossas interações cotidianas com as crianças, é importante
acompanharmos e desafiarmos as diferentes relações entre fala e ação. É fun-
damental que haja espaço tanto para a fala que organiza e planeja a experiência
(geralmente mais presente), quanto para a fala enquanto fazemos algo, que abre
espaço para a criação, para a diferença, para o não previamente elaborado.
À medida que entendemos a centralidade da significação na produção de
linguagem das crianças, é importante valorizarmos a expressão de significado
nos seus desenhos, falas e todas as expressões, dialogando com o que produzem,
escutando-as, perguntando e dando relevo ao que quiseram manifestar.
Ao mesmo tempo, é na participação em diálogos com seus pares e adultos
do seu contexto sociocultural que as crianças vão vivendo a função comunicativa
da linguagem. Portanto, é muito importante o envolvimento em conversas nas
quais se abra espaço para a colocação particular de cada criança em interação com
os sentidos socialmente partilhados.
1. Observe um bebê, antes de começar a falar. Como se manifesta a linguagem em suas interações
com os adultos ao redor dele (observe e registre as vocalizações, sorrisos, trocas não verbais, o
que Vygotsky denomina de linguagem pré-intelectual)?
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A formação e o desenvolvimento da linguagem na criança
2. Observe uma criança entre dois e três anos enquanto brinca sozinha: ela fala enquanto faz isso?
Se fala, como se caracterizam essas expressões? Perceba a forma e a função da fala egocêntrica.
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A brincadeira e o desenho da
criança: a pré-história da
linguagem escrita
Daniela Guimarães
D
e início, ao refletirmos sobre a construção da linguagem escrita pela criança e sobre o ensino
da escrita, torna-se importante dizer que esse tipo de linguagem não se esgota no desenho de
letras. O ensino da linguagem escrita implica no ingresso por parte da criança em um universo
de códigos arbitrários (relação entre sons e grafias das letras; conquista de habilidades motoras etc.),
mas isso não configura o que é fundamental na formação da criança como escritora.
De acordo com Vygotsky, a escrita não é somente um conjunto complexo de técnicas que
devem ser impostas à criança, mas “um sistema particular de signos e símbolos cuja dominação
prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural da criança” (1989, p. 120).
Portanto, é importante que a criança possa tomar contato com ela nessa dimensão simbólica,
ou seja, como uma forma possível de representação do mundo, de seus desejos, emoções e ideias. A
escrita é um ato cognitivo, um espaço de construção de significados, expressão e criação.
Vygotsky (1989) afirma que essa perspectiva simbólica da escrita acontece em íntima relação
com outras ações simbólicas que acompanham a vida da criança, como brincar e desenhar. É im-
portante, então, analisarmos a pré-história da linguagem escrita, ou seja, como a qualidade simbó-
lica e criativa que a constitui é prenunciada na brincadeira e no desenho da criança.
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
próprias coisas, pelas condições nas quais as atividades ocorrem, ou seja, uma
porta é para abrir, uma bola para jogar etc.
As necessidades imediatas e a inteligência prática (coordenação de meios
concretos para atingir certas finalidades) dominam a relação da criança pequena
com o mundo. A exploração física dos objetos permite-lhe “compreendê-los” por
meio do uso. O imediato marca a ação da criança.
Aos poucos, surgem tendências, necessidades e desejos não realizáveis de
forma imediata, o que gera o movimento de realizá-los de alguma forma (na brin-
cadeira). De acordo com Vygotsky (1989), quando aparecem as necessidades que
não podem ser realizadas de modo imediato e, ao mesmo tempo, a tendência a
realizá-las imediatamente, surge a brincadeira, como espaço imaginário de reali-
zação dos desejos. A criação de uma situação imaginária é um aspecto definidor
do que se pode chamar de brincadeira.
Na brincadeira, as crianças agem sobre os objetos numa “esfera cognitiva”
em vez de numa “esfera visual externa”, somente. Isso significa que em vez de os
objetos terem uma força motivadora e determinadora como no início do desenvolvi-
mento (uma escada é para subir, uma campainha para tocar etc.), eles perdem essa
força e a ação da criança passa a ser guiada pelo significado que ela dá aos objetos.
A criança vê um objeto mas age de maneira diferente em relação ao que vê. [...] A ação
numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela
percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas pelo signifi-
cado dessa situação. (VYGOTSKY, 1989, p. 110)
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
A construção de significados
no desenho e na escrita
Na reflexão a respeito do que leva as crianças a escrever, é fundamental
pensarmos no papel do gesto. Nas palavras de Vygotsky: “os gestos são a escrita
no ar e signos escritos são gestos que foram fixados” (1989, p. 121).
Os gestos podem ser entendidos como origem dos signos escritos por várias
razões. Primeiramente, constatamos que as primeiras escritas pictográficas (ins-
crições gráficas dos homens primitivos no interior das cavernas) eram indicações
dos objetos ou movimentos a serem representados. Por exemplo, o desenho de um
dedo indicador em posição, para indicar o gesto de indicação. Além disso, como
já vimos, a utilização dos objetos como brinquedos, inicialmente, está ligada aos
gestos e movimentos que são possíveis com esses objetos (por exemplo, para
transformar algo em um bebê que será ninado, é importante que o objeto possa
ser colocado no colo e balançado, como uma trouxa de roupa ou uma almofada).
Por fim, é nos rabiscos das crianças que podemos observar uma importante
ligação entre os gestos, os movimentos corporais e os primeiros atos represen-
tativos no papel. As crianças pequenas marcam na superfície onde desenham os
movimentos que desejam representar. Geralmente, apoiam o lápis sobre o papel e
vão falando e fazendo com o corpo uma história que vai sendo ao mesmo tempo
marcada. Por exemplo, podem ir dizendo “a borboleta subiu, subiu” (enquanto fa-
zem linhas espirais em direção ao alto do papel) e “depois caiu lá do alto” (fazendo
um forte risco para baixo). O traço indica o movimento.
No desenho (da mesma maneira que no brinquedo, como já vimos), o sig-
nificado está colado no gesto, a princípio. Está ligado ao imediato, ao presente,
ao que se produz no curso de uma ação. O significado independente do gesto, só
acontece mais tarde, quando a criança diz o que vai desenhar, nomeia o que vai
fazer, e só depois desenha. Ela planeja e antecipa o que vai produzir. O desenho,
então, ganha status de representação. Esse momento é parecido com o que aconte-
ce com a escrita, na qual a criança vai pouco a pouco se deslocando da designação
das coisas para a representação da fala.
Quando desenha, a criança não representa o que vê, mas o que conhece do
mundo. Isso fica evidente na forma de raio X que seus desenhos apresentam. Se
quer desenhar alguém em um carro, a criança pode desenhá-lo com as pernas
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
As cem existem!
Loris Malaguzzi
A criança é feita de cem.
A criança tem
cem mãos
cem pensamentos
cem modos de pensar
de jogar e de falar.
Cem sempre cem
modos de escutar,
as maravilhas de amar.
Cem alegrias
para cantar e compreender.
Cem mundos
para descobrir.
Cem mundos
para inventar.
Cem mundos
para sonhar.
A criança tem
cem linguagens
(e depois cem cem cem),
mas roubaram-lhe noventa e nove.
A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo.
Dizem-lhe:
De descobrir o mundo que já existe
E de cem
Roubaram-lhe noventa e nove
Dizem-lhe:
Que o jogo e o trabalho,
A realidade e a fantasia,
A ciência e a imaginação,
O céu e a terra,
A razão e o sonho,
são coisas
que não andam juntas.
Dizem-lhe que as cem não existem
A criança diz:
Ao contrário, as cem existem.
Observe e registre um grupo de crianças de quatro ou cinco anos, brincando e/ou desenhando,
procure responder à seguinte questão: qual a relação entre regra e imaginação nessas atividades
das crianças?
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A brincadeira e o desenho da criança: a pré-história da linguagem escrita
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Linguagem e gêneros
discursivos: questões para a
Educação Infantil
Patrícia Corsino
A língua penetra na vida através dos enunciados
concretos que a realizam, e é também através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua.
Mikail Bakhtin
Considerações iniciais
E
ste texto parte da relação recíproca entre linguagem e vida anunciada por Bakhtin e das conse-
quências desse pressuposto para a ação pedagógica na Educação Infantil. Em outras palavras, a
compreensão da linguagem enquanto espaço de enunciação que se realiza numa situação comu-
nicativa concreta – portanto inserida num território comum de pessoas em interação, o qual engloba
os ditos e também os não ditos, o verbal e o extraverbal – tem consequências para o trabalho pedagó-
gico pelo entendimento de que qualquer atividade de e com a linguagem não pode ser descontextua-
lizada. Linguagem e vida se atravessam mutuamente. As esferas da vida são espaços de produção de
linguagem, e cada enunciação atualiza-se num determinado tempo e espaço em que a vida circula.
Inicialmente, discuto a concepção de linguagem e de gêneros do discurso a partir de algumas
questões levantadas pelo linguista e filósofo da linguagem Mikail Bakhtin (1992a, 1992b), e depois
trago algumas reflexões para se pensar a leitura e a escrita na Educação Infantil.
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Linguagem e gêneros discursivos: questões para a Educação Infantil
pensável que esses dois indivíduos estejam integrados na unicidade da situação social
imediata, quer dizer, que tenham uma relação de pessoa para pessoa num terreno bem
definido. (BAKHTIN, 1992, p. 70)
Para Bakhtin, a polissemia da palavra vai para além dos significados dicio-
narizáveis, que dão uma unicidade à palavra e permitem que falantes de uma mes-
ma língua partilhem uma comunidade linguística. São os contextos de enunciação
que abrem a palavra à produção de sentido. Uma mesma palavra pronunciada em
contextos diferentes ganha sentido diferente dependendo da situação, dos interlo-
cutores, do acento apreciativo, do tom de voz, do gestual etc.
Locutor e ouvinte articulam seus discursos conforme os desejos, as inten-
ções, o conteúdo, o interlocutor, as situações. As relações interativas produzem
discursos. Bakhtin, analisando a polifonia e o dialogismo no romance, dá uma
outra versão ao quadro tipológico das criações literárias introduzindo o conceito
de gênero discursivo que será abordado a seguir.
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Linguagem e gêneros discursivos: questões para a Educação Infantil
Gêneros do discurso
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacio-
nadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os modos dessa
utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana. [...] Qualquer
enunciado considerado isoladamente é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da
língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denomina-
mos gêneros do discurso. [...]
A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual
da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório
de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria
esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1992, p. 278-279)
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Linguagem e gêneros discursivos: questões para a Educação Infantil
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Linguagem e gêneros discursivos: questões para a Educação Infantil
Observe, durante alguns dias, os diferentes discursos, orais e escritos, que circulam nas esfe-
ras sociais em que você participa: família, escola, faculdade etc., levando em consideração as
seguintes questões: quem se dirige a quem? O que ou sobre o quê falam? Com qual finalidade?
Como se dirige, ou seja, quais recursos linguísticos utilizam para chegar aos objetivos ou inten-
ções comunicativas? Não se esqueça de observar não só as palavras como também o contexto
da enunciação (situação e clima do que estava acontecendo), os gestos, as entonações, as expres-
sões faciais, os olhares etc. Anote e procure agrupar o que observou em categorias. A mesma
atividade anterior pode ser feita, especificamente, em relação às crianças. Isto é, observá-las em
diferentes situações e espaços da escola. Propor situações em que as crianças tenham que fazer
uso de discursos, orais e escritos, de diferentes naturezas e para fins também diversos: expor
um trabalho em público (ficar em pé em frete da turma para falar), contar uma piada, relatar um
fato que aconteceu de verdade, inventar uma situação colocando-se no lugar de um determinado
personagem, entre muitas outras. Ditar diferentes tipos de textos para o professor escrever – re-
lato de uma visita, história inventada, nota sobre uma observação etc.
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Linguagem e gêneros discursivos: questões para a Educação Infantil
Sugiro a leitura das obras: Estética da Criação Verbal, de Mikhail Bakhtin e do artigo.
Gêneros Discursivos, de Irena Machado, que faz parte da obra Bakhtin: Conceitos-Chave, or-
ganizada por Beth Brait.
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Letramento na Educação
Infantil: questões para pensar
a prática pedagógica
Patrícia Corsino
Certa palavra dorme na sombra
de um livro raro.
Como desencantá-la?
É a senha da vida
a senha do mundo
vou procurá-la.
Considerações iniciais
A
linguagem como manifestação, presente em todas as esferas da atividade humana, apresenta-
-se de muitas formas e, entre elas, a linguagem escrita tem ocupado um lugar relevante no
mundo contemporâneo. Saber ler e escrever é condição básica de inserção social. Além de
apresentar uma grande diversidade de gêneros do discurso, ter diversos usos e exercer várias funções
na sociedade, a linguagem escrita é uma ferramenta simbólica que permite uma série de ações sobre
ela mesma e do próprio pensamento do sujeito.
Todo processo de escolarização das crianças, desde a modernidade, teve como objetivo central
a alfabetização. Entrar para a escola significava aprender a ler e a escrever, ou seja, ser introduzido
ao mundo letrado. Atualmente, porém, esse pressuposto perde a sua força. Primeiro, pelas discus-
sões que se colocam hoje sobre o processo de apropriação de conhecimento das crianças que, por
participarem ativamente da cultura em que estão imersas, estabelecem desde muito cedo inúmeras
relações com tudo que está a sua volta, o que inclui os textos presentes no seu cotidiano, iniciando o
seu processo de inserção no mundo letrado informalmente. Segundo, porque a educação das crianças
em espaços institucionalizados pode ter início desde os primeiros meses de vida e a sua entrada na
Educação Infantil não tem como objetivo inicial aprender a ler e a escrever.
Por outro lado, as questões que envolvem os processos individuais e sociais de construção da
linguagem escrita pela criança, bem como as práticas de leitura e de escrita que acontecem nas cre-
ches e pré-escolas, há muito tempo suscitam indagações para a Educação Infantil como: quais textos
precisam fazer parte desses espaços? Como possibilitar o acesso das crianças aos textos escritos? O
que as crianças podem ler e escrever? A partir de que idade elas podem aprender a ler e a escrever?
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
Existem requisitos para que se aprenda essas coisas? Se existem, quais são? Como
a Educação Infantil pode favorecer o processo de alfabetização?
Se até por volta das décadas de 1960 e 1970 a Educação Infantil era concebida
como um espaço de cuidados e recreação, não visando à aquisição da escrita, pois
se entendia que esse processo deveria ter início com a entrada da criança na escola
aos sete anos, a partir de então a Educação Infantil passou a ser pensada de forma
a contribuir para a redução do fracasso escolar, devendo compensar carências e
déficits linguísticos, perceptivos, motores etc. das crianças “despreparadas”. Além
da utilização de exercícios gráficos chamados de prontidão, que eram aplicados
antes de a criança iniciar-se na alfabetização, algumas pré-escolas tinham como
objetivo um progressivo contato dos alunos com as letras e seus traçados. Assim,
propunham exercícios psicomotores corporais, seguidos da identificação oral das
letras e, posteriormente, da cópia repetitiva. Como o próprio nome – pré-escola –
indica, a função desse espaço era preparar as crianças para o Ensino Fundamental,
basicamente para serem alfabetizadas. Não havia a preocupação intencional com
as situações reais de letramento das crianças dentro e fora da escola.
Nesse momento em que, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal (LDB) de 1996, creches e pré-escolas tornam-se instituições educativas e que,
portanto, estão sendo impelidas a pensar a sua função educativa que nem sempre
está clara – já que, historicamente, essa função, especialmente para as crianças
entre quatro e seis anos, se identificou à função preparatória1 – as questões relati-
vas à leitura e à escrita na Educação Infantil continuam em pauta. Embora o texto
legal traga como finalidade da Educação Infantil o desenvolvimento integral da
criança, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectuais e sociais, e proponha
a integração entre as atividades educativas e os cuidados necessários a essa faixa
etária, buscando objetivos mais específicos para esse nível de ensino, nenhum
desses pressupostos excluem, necessariamente, a ideia de “preparo”. Essa ideia
permeia as concepções de infância, de desenvolvimento infantil e de linguagem,
ganhando nuances e contornos conforme o ponto de vista que se adote. É no tra-
balho diário, nas práticas educativas e nas relações entre adultos e crianças que se
pode observar se a criança é ou não vista e tratada pela óptica da falta, da carência,
do que precisa ser suprido etc.
Paulo Freire (1996) considera que a educação é simultaneamente uma certa
teoria do conhecimento entrando na prática, um ato político e um ato estético, em
que há simultâneos momentos entre teoria e prática, arte e política. Essa forma de
pensar a educação deixa claro que separar esses momentos é desconsiderar como
se dá a própria ação educativa. Mesmo que o professor desconheça a teoria que
está fundamentando a sua prática, suas ações a explicitam. Na prática, a estética
dos espaços, dos materiais, dos gestos e das vozes dá visibilidade ao que e como
1 Para as crianças de clas-
ses populares ao preparo se propõe à criança e, ainda, do que o adulto pensa sobre ela e sobre a educação
se somou a ideia de uma edu-
cação compensatória.
que se dirige a ela. O político permeia tudo isso pelas vozes que podem ser ouvi-
das ou caladas, ou seja, pela possibilidade dos sujeitos da linguagem se dizerem.
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
Letramento e infância
O letramento é um processo que tem início nos primeiros contatos da crian-
ça com a cultura letrada e tende a se estender ao longo da vida. Muito antes de
levantar hipóteses sobre como se escreve, ao participar de eventos de letramento,
interagindo com diferentes textos, a criança começa a entender o que, por que,
para que se escreve.
Crianças de meios letrados vivenciam situações de letramento de uma for-
ma mais ativa e intensa (ROJO, 1995). Desde os primeiros anos de vida, os pais
leem livros de histórias, conversam sobre os personagens, comentam uma notícia
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
Considerações finais
Ao trazer as diferentes dimensões do letramento, foi meu objetivo traçar
um panorama das possibilidades de inserção das crianças, desde muito pequenas,
no mundo letrado. Trabalhar na Educação Infantil na perspectiva do letramento
é mais do que levar alguns tipos de textos para serem lidos para as crianças na
rodinha ou expor outros na parede. É envolvê-las em práticas discursivas em que
o texto lido tenha de fato uma função enunciativa.
A curiosidade das crianças pelos elementos e fatos da natureza e da socie-
dade, por exemplo, pode ser respondida ouvindo a leitura de textos informativos,
folheando enciclopédias, vendo imagens e documentários, fazendo visitas, entre-
vistas e passeios. Tudo isso registrado com dramatizações, desenhos para compor
cartazes, folhetos, livros, álbuns de fotografia legendados, relatórios ditados para
a professora escriba e tantas outras formas de dizer o que foi visto e aprendido. A
linguagem escrita, integrada à própria inserção cultural.
O imaginário infantil pode ser embalado por cantigas, cirandas, versos e
parlendas que acompanham brincadeiras e muitas histórias contadas com fanto-
ches, objetos, com o próprio corpo, e também lidas após uma seleção criteriosa
da professora. Histórias que provocam outras, que fazem rir e chorar, que apare-
cem em diferentes versões de textos falados e escritos, em ilustrações, imagens e
filmes. Histórias que participam de brincadeiras. Brincadeiras que narram outras
histórias vividas e imaginadas.
Por exemplo, em uma casinha de boneca, quantas possibilidades de circula-
ção de textos podem suscitar? Teclado de computador, livros, jornal, caderninho
de telefone, bloquinho de anotações, embalagens de alimentos na cozinha, de lim-
peza num armário, dinheiro “de mentirinha” numa carteira de verdade, livro de
receita na cozinha, bilhete na porta da geladeira, aparelho de som na sala, enfim,
portadores variados de muitos textos que participam das brincadeiras sem pedir
licença.
Os espaços de Educação Infantil são sobretudo ambientes de relações em
que as crianças devem ser o centro. Cabe aos professores mediar as relações e
ampliar as possibilidades das crianças, desencantando as palavras que moram em
muitos livros. É a senha da vida, a senha do mundo, vou procurá-la.
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
1. Desde que você acordou hoje quantas coisas já leu? Procure se lembrar de cada tipo de texto que
passou pelos seus olhos e registre na tabela a seguir, como no exemplo:
Onde estava Em que situação você Como você leu? Com que objetivo você
Tipo de texto. impresso? leu? (postura, gestos, leu?
portador/suporte (contexto) práticas) (finalidade, intenção)
3. Refletir sobre: que tipos de textos circulam na escola? Quais os que as crianças da Educação In-
fantil têm acesso? Quais os que podem ter a partir de situações reais e significativas para elas?
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Letramento na Educação Infantil: questões para pensar a prática pedagógica
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A Literatura Infantil e as
crianças de zero a seis anos
Patrícia Corsino
“O que queres que eu te leia querido? As Fadas?”
Perguntei incrédulo: “as fadas estão aí dentro?” [...]
Jean-Paul Sartre
F
oi com surpresa que o menino Jean-Paul descobriu que as fadas – conhecidas das histórias conta-
das oralmente pela mãe – estavam nos livros. Foi observando a mãe emprestando sua voz ao texto
que ele não reconheceu mais a sua linguagem e compreendeu que o livro falava. E foi no processo
de ouvir o livro que o menino se deixou seduzir pelo texto literário, que tem como uma de suas caracte-
rísticas reapresentar as coisas e os fatos corriqueiros de forma inusitada. Todo esse universo de encanta-
mento pelo texto literário levou o menino à leitura. Ele aprendeu a ler querendo descobrir a história que
estava por trás das marcas impressas.
A descoberta de que as marcas impressas produzem linguagem é o primeiro passo na trajetória
de leitura de qualquer leitor. Mas todos que desenvolvem não são o desejo de tomar para si os livros e
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
querer penetrar no texto impresso para encontrar algo que possa saciar a curiosi-
dade ou dar asas à imaginação, isto é, o gosto pela leitura literária.
Esse texto tem como objetivo discutir a literatura infantil e as crianças de
zero a seis anos de idade. Inicialmente, vamos discutir questões que dizem respei-
to ao livro destinado ao público infantil, da sua produção à recepção da criança.
Vamos abordar a qualidade do livro e pensar em critérios para a escolha do que
oferecer às crianças. Depois vamos pensar a narrativa enquanto possibilidade de
intercambiar experiências e de estabelecer elos de coletividade e os contos de fa-
das como os primeiros narradores da infância, como afirma o filósofo e crítico da
modernidade Walter Benjamin (1993).
Desde muito nova, a criança deseja e escolhe o que lhe é oferecido. Mas
cabe aos adultos que lidam com ela um olhar mais apurado sobre essas produções
culturais para que possam não só perceber os alcances e os limites da colonização
da criança por essa cultura de massa restrita, como também oferecer opções al-
ternativas capazes de ampliar o universo cultural infantil. É importante ressaltar
que essa indústria cultural, embora tenha a mídia como veículo e as massas como
alvo, é dirigida às classes favorecidas (média e alta, e urbana) que têm condições
de consumir. Num país como o Brasil, de grandes contrastes e concentração de
riquezas, essas produções acabam sendo também elementos de estigmatização e
exclusão, já que provocam uma cisão entre os que podem e os que não podem, os
que têm e os que não têm acesso a elas.
Pesquisas revelam que a expansão do mercado editorial brasileiro não sig-
nifica, necessariamente, um aumento do número de leitores, porque o livro é um
produto caro e de difícil distribuição. Dos quase 6 mil municípios brasileiros, ape-
nas 600 possuem livrarias, que hoje somam 1 200 lojas. Considerando a recomen-
dação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura
(Unesco) de se ter uma livraria para cada 10 mil pessoas, esses números deixam
descobertos 90% do território nacional, já que somos cerca de 170 milhões de bra-
sileiros. Portanto, mesmo os que poderiam consumir têm dificuldades de acesso
a alguns títulos1. A restrição de acesso ao livro (e aos outros produtos culturais)
se agrava na medida em que no Brasil não há políticas culturais amplas e demo-
cráticas. As bibliotecas escolares e públicas são escassas e as que existem têm um
acervo pouco diversificado e renovado. Creches e pré-escolas dificilmente têm
bibliotecas e os livros nem sempre estão organizados em estantes de fácil acesso
aos professores e às crianças. A dispersão do acervo dificulta a troca e o controle.
Como fazer chegar o livro até as crianças se pais e professores têm dificuldades
de toda ordem para obtê-lo?
Em segundo lugar, temos a questão da qualidade dessas produções cultu-
rais. Infelizmente, o que chega mais facilmente à criança é fruto dessa cultura de
massa, muitas vezes de qualidade duvidosa. Temos excelentes escritores e ilustra-
dores de livros infantojuvenis, nacionais e internacionais, mas o mercado também
produz o descartável que, por ser mais barato e acessível, é mais facilmente con-
sumível. Pais e professores têm poucas opções de escolha e, por outro lado, são
poucos os que têm condições de avaliar a qualidade das produções.
Não é simples, nem de consenso, definir critérios de qualidade para o livro
destinado aos pequenos. Porém, o primeiro passo para se pensar a qualidade do
1 Observando algumas
livrarias da zona sul do
Rio de Janeiro, sem com-
promisso de pesquisa, ape-
livro infantil é analisar forma e conteúdo simultaneamente, ou seja, a relação entre nas com o objetivo pessoal
o projeto gráfico como um todo (ilustração, tamanho de letra, cores, diagramação) de adquirir algumas obras
de autores brasileiros como:
e o texto. Mesmo que o livro seja de imagens, as ilustrações devem possibilitar Bartolomeu Campos de
Queirós, Sylvia Orthof, José
uma narrativa, devem se abrir a leituras. Não basta ser bonito, resistente, colorido Paulo Paes, entre outros, tive
dificuldades em achar alguns
e atraente; é preciso também ter um texto em que a literariedade e a textualidade títulos. As seções de litera-
sejam observadas e o tema seja abordado de forma interessante, trazendo o novo tura infantil dessas livrarias
tinham basicamente dois ti-
e o surpreendente. pos de livros: os cartonados,
cheios de ilustrações e pouco
texto, geralmente traduzidos,
Por outro lado, toda obra contém uma concepção de infância e de lingua- e alguns títulos de editoras
gem que determinam as relações entre forma e conteúdo do objeto livro. Este, que também atendem ao mer-
cado de adultos.
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
tipos de textos e suas práticas sociais diferenciadas, nem a qualidade das suas
ilustrações –, ora se torna um pretexto para se ensinar conteúdos e valores.
A qualidade do livro para as crianças pequenas, especialmente para as que
não sabem ler, não parece ser relevante nem um critério de escolha dos educado-
res. Muitas creches e pré-escolas não têm opção, recebem sobras ou doações do
que não serve para as crianças maiores; com isso, desde que seja livro, aceita-se
qualquer coisa porque seu uso depende da oscilação do pêndulo, uma vez que cabe
ao adulto a mediação entre esse objeto e a criança.
E ainda há a interação da criança com o livro, ou melhor, a qualidade das
inúmeras inter-relações que podem ser estabelecidas entre a criança, o texto, as
ilustrações e o contexto. O livro, enquanto espaço de interlocução e intertextuali-
dade, também segue a mesma lógica pendular que perpassa a concepção de infân-
cia e educação: deixar a criança espontaneamente estabelecer essas inter-relações
ou intervir para ensiná-la alguma coisa? No primeiro caso, o livro tem que falar
por si mesmo para criança e, com isso, corre o risco de tornar-se mudo; no outro,
que tem sido o mais frequente pela própria imagem que o adulto tem sobre o livro,
ele tem sido um pretexto para se ensinar alguma coisa ou para fazer alguma ativi-
dade durante ou depois da leitura. A relação da criança com o livro – nos espaços
educativos, até mesmo nas creches e pré-escolas – tem se restringido, quase que
exclusivamente, à aprendizagem e ao trabalho. Livros informativos e literários re-
cebem tratamento didático semelhante, pois dificilmente a escola diversifica suas
práticas.
Os livros destinados às crianças pequenas geralmente têm pouco texto, mui-
tas vezes uma palavra ou uma pequena frase por página. As ilustrações seguem o
mesmo padrão de simplificação e descontextualização: elementos soltos com pou-
cos detalhes de traços, de cores e de perspectiva. Texto e ilustração se sobrepõem,
em vez de se completarem alargando os espaços de interpretação e diálogo. Os
temas se repetem trazendo objetos, bichos ou situações cotidianas de forma óbvia
e também pouco elaborada.
O objeto livro, destinado às crianças pequenas, já fala pouco e passa a falar
menos ainda quando fica restrito às repetições e às atividades de mero reconheci-
mento e identificação de elementos. Poucos são os textos que contam uma história
e poucas são as histórias que podem ser narradas, por professores ou crianças, a
partir das imagens e dos fragmentos de texto. Um grande número de livros infan-
tis parece não falar nem por si mesmo, nem pelas vozes do leitor narrador e do
leitor ouvinte porque a questão da falta de narrativa não se limita ao livro, assim
como a sua presença também não depende exclusivamente dele.
Especialmente nos espaços e tempos da infância, o corpo, os gestos, os ob-
jetos, as situações, as imagens, tudo isso pode virar um grande jogo da, na, com
e pela linguagem, porque ela atravessa todas as instâncias da vida. Nas brinca-
deiras e jogos infantis, os objetos falam e as palavras brincam no jogo poético das
cantigas e versos recitados. Mas é preciso abrir espaço para que as vozes possam
ser pronunciadas e ampliadas. Passar o turno para a criança não é apenas deixá-la
falar, mas também abandonar o “adultocentrismo” da relação educador-criança.
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
Dar a voz, ouvir a voz, só é realmente possível quando a relação não se impõe ver-
ticalmente. Portanto, exige do adulto uma descentração de si mesmo para poder
deixar aflorar a criança que habita o seu interior e ver a criança que o cerca nas
suas especificidades e não nas incompletudes, pequenezes, fragilidades ou faltas.
E, por último, a questão que atravessa as anteriores: a ideia de infância e de
Literatura Infantil. As histórias de ambas se entrelaçam, deixando rastros, resquí-
cios de diferentes épocas sobrepostas, que se presentificam tanto no interior das
próprias obras quanto nas práticas que delas se apoderam. Literatura, infância e
educação são três conceitos distintos que se aproximam na ideia de formação, no
sentido estrito do termo – colocar na forma. A literatura para a infância ainda
não conseguiu dispensar totalmente a ideia que educar e ensinar, inerente à pró-
pria condição posta pelos adultos, à infância, como período de ser moldado. E
a educação fortemente associada à formalização de conteúdos, de conceitos, de
competências e de habilidades escolariza inadequadamente a literatura, desde as
creches e pré-escolas; ao ganhar exclusivamente a função educativa, a literatura
perde o seu estatuto de arte.
Os filtros que atravessam o livro até a recepção da criança são de todas as
ordens. Darnton traça um ciclo de vida dos livros impressos, permitindo a visibi-
lidade da ordem de grandeza desses filtros:
Mas, de um modo geral, os livros impressos passam aproximadamente pelo mesmo ciclo
de vida. Este pode ser descrito como um circuito de comunicação que vai do autor ao
editor (se não é o livreiro que assume esse papel), ao impressor, ao distribuidor, ao vende-
dor, e chega ao leitor. O leitor encerra o circuito porque ele influencia o autor tanto antes
quanto depois do ato de composição. Os próprios autores são leitores. Lendo e se asso-
ciando a outros leitores e escritores, eles formam noções de gênero e estilo, além de uma
ideia geral do empreendimento literário, que afetam seus textos, quer estejam escrevendo
sonetos shakespearianos ou instruções para montar um “kit” de rádio. Um escritor, em
seu texto, pode responder a críticas a seu trabalho anterior ou antecipar reações que serão
provocadas por esse texto. Ele se dirige a leitores implícitos e ouve a resposta de rese-
nhistas explícitos. Assim o circuito percorre um ciclo completo. Ele transmite mensagens
transformando-as durante o percurso, conforme passam do pensamento para o texto, para
a letra impressa e de novo para o pensamento. (1995, p. 112)
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
Embora Walter Benjamim (1992) afirme que a arte de narrar esteja em ex-
tinção, porque cada vez temos menos tempo para esse intercâmbio de experi-
ências e até mesmo para viver a experiência, pela vida que corre em sucessivas
vivências sem deixar marcas, buscando na memória, certamente encontraremos
histórias construídas ou ouvidas em diferentes momentos, com vozes polifônicas,
justapostas, sobrepostas e até impostas. O próprio pensar a existência, nossa his-
tória de vida, não seria uma soma de narrativas que fazemos de nós mesmos e/ou
que recebemos dos outros? Usando as palavras de Larrosa:
É possível que não sejamos mais que uma imperiosa necessidade de palavras, pronunciadas
ou escritas, ouvidas ou lidas, para cauterizar a ferida. Cada um tem a sua lista [...]. E cada um
dispõe, também, de uma série de tramas nas quais as entrelaça de um modo mais ou menos
coerente. E cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se como um ser de pala-
vras a partir de palavras e dos vínculos narrativos que recebeu. (1999, p. 22-23)
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João e Maria
Chico Buarque
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
Em roda, leia um conto de tradição oral para a turma (Sugestão: Nariz de prata, A terra onde
não se morre nunca ou Joãozinho sem medo, encontradas no livro Fábulas Italianas de Ítalo Calvino
(Cia. das Letras, 1992).
Após a leitura, pergunte quem lembra de histórias que ouviram na infância e que fazem parte
das tradições locais. Abra espaço para a narração de histórias, e depois de quatro ou cinco histórias
serem contadas, separe a turma em duplas.
O objetivo é formar um livro de histórias da turma:
cada dupla será responsável pela escrita, digitação e ilustração de uma história;
o primeiro passo é incentivar as duplas a escreverem as histórias;
uma vez escritas, é importante fazer uma revisão do texto;
depois digitar as histórias;
observar vários livros e suas partes – professor e alunos vão descobrindo e caracterizando:
capa, folha de rosto, contracapa, orelha etc.;
observar o projeto gráfico como um todo – relação mancha de texto e ilustração – pensar em
possibilidades de organização do livro;
cada dupla escolhe uma forma de ilustrar a sua história;
fazer uma pequena comissão para finalizar o trabalho.
Cada dupla pensa numa forma de apresentar a história que escreveu para a turma: narração,
narração com recursos (fantasias, adereços, som), dramatização, utilização de fantoches, bonecos de
vara, teatro de sombra, organização dos ensaios etc.
Feche o trabalho com a apresentação das histórias e lançamento do livro.
BENJAMIN, Walter. O narrador. In: BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas I: magia e técnica, arte
e política. São Paulo: Brasiliense, 1993.
PAULINO, Graça (Org.). O Jogo do Livro Infantil. Belo Horizonte: Dimensão, 1997.
PAIVA, Aparecida; EVANGELISTA, Aracy; PAULINO, Graça; VERSIANI, Maria Zélia (Orgs.). No
Fim do Século: a diversidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
Sugiro a leitura do texto O narrador, encontrado no livro Obras escolhidas I: magia e técnica, arte e
política, autoria de Walter Benjamin, e dos livros O jogo do livro infantil, de Graça Paulino e No fim
do século: a diversidade, Aparecida Paiva, Aracy Evangelista e Maria Zélia Versiani.
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A Literatura Infantil e as crianças de zero a seis anos
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Literatura Infantil:
da produção à recepção
Patrícia Corsino
Por que motivo as crianças, de modo geral, são
poetas e, com o tempo, deixam de sê-lo? Será a
poesia um estado de infância relacionado com a
necessidade de jogo, a ausência de conhecimento
livresco, a despreocupação com os mandamentos
práticos do viver, estado de pureza da mente em
suma? [...] Mas se o adulto, na maioria dos casos,
perde essa comunhão com a poesia, não estará na
escola, mais do que em qualquer outra instituição
social, o elemento corrosivo do instinto poético da
infância, que vai fenecendo à proporção que o estudo
sistemático se desenvolve, até desaparecer no homem
feito e preparado supostamente para a vida? – Receio
que sim. A escola enche o menino de matemática, de
geografia, da linguagem. A escola não repara em seu
ser poético, não o entende em sua capacidade de viver
poeticamente o conhecimento do mundo.
D
rummond pergunta por que as crianças com o tempo vão deixando de ser poetas, e ele mesmo
responde responsabilizando a escola, o ensino sistemático, por essa corrosão do ser poético.
Desde a Educação Infantil, a preocupação com a sistematização dos conhecimentos vai abre-
viando o tempo do jogo, da brincadeira, da experimentação. Há uma pressa por introduzir as crianças
no mundo produtivo e ordenado pelos adultos. A disciplina imposta às crianças vai desde a contenção
dos movimentos às formas de agir e de pensar. Muitos recursos são usados na escola para disciplinar
as crianças: filas de espera e de deslocamentos, exercícios repetitivos e também músicas e histórias.
Há séculos, o livro destinado ao público infantil carrega a ideia de passar informações e preceitos
morais e/ou religiosos. O interesse que as crianças têm pelas histórias faz com que elas sejam pretex-
tos para se ensinar desde bons comportamentos até hábitos de saúde e higiene. O livro infantil, assim
como o destinado aos adultos, abarca uma infinidade de gêneros e, por isso mesmo, exerce várias
funções e têm diferentes finalidades.
Este texto tem como objetivo discutir o livro de literatura infantil, suas características e seu
“ciclo de vida” da produção à recepção das crianças.
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Literatura Infantil: da produção à recepção
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O texto é organizado de maneira que cada parte da frase fique numa página,
logo abaixo da ilustração do bicho a que ela se refere:
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Sylvia Orthof é uma dessas autoras que soube levar para os seus textos o
olhar índio do menino caçador dos espíritos. Mesmo quando traz uma “mensa-
gem” ou um “conteúdo” quebra o discurso pedagógico, trazendo a surpresa e
revertendo o óbvio.
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Pomba Colomba
(ORTHOF, 1997)
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Literatura Infantil: da produção à recepção
Não há dúvida de que a boa literatura não tem idade, interessa a crianças,
adolescentes e adultos pela elaboração da linguagem e pelo tratamento dado ao
tema. Drummond tem razão ao afirmar que nem todos os temas interessam à
criança e nem toda linguagem é por ela compreensível. Mais do que a adequação
ou inadequação do tema, é o tratamento dado a ele que o torna pertinente ou não,
interessante ou não. A maneira complexa, dialógica, provocadora e aberta com
que o tema é tratado no texto, deixando os pontos de indeterminação para serem
preenchidos pelo leitor, é o que favorece ou não as aproximações. Uma criança
pode se afastar de um texto tanto pela complexidade quanto pelo excesso de sim-
plificação. Cabe ressaltar que não se trata da não pertinência de uma abordagem
de temas religiosos, políticos, morais ou informativos, mas sim da forma com que
estes são apresentados em detrimento de um trabalho literário provocativo, capaz
de instigar o conhecimento de outros mundos e de remeter às questões de diver-
sidade cultural. Num texto de literatura infantil, quanto mais polifônicos forem
o tratamento do tema, a complexidade do enredo, o desenvolvimento do conflito,
a construção dos personagens, a possibilidade de fruição estética e o distancia-
mento do senso comum, melhor pode ser considerada a obra literária (CORSINO;
ANDRADE, 2006).
A Literatura Infantil, como outras produções culturais para a infância, reflete
os paradoxos que envolvem a infância e que podem ser sintetizados nos binômios:
autonomia/tutela, liberdade/disciplina, brincadeira/trabalho, fruição/aprendizagem,
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Prosa e poesia
Além dos textos narrativos, organizados em frases e parágrafos, que têm a
sua origem nas histórias de tradição oral, os textos poéticos também habitam o
imaginário da infância. O contato das crianças com os textos poéticos tem iní-
cio nas primeiras cantigas de ninar que embalaram os seus sonos. A partir daí,
brincos, parlendas, versos e quadrinhas que acompanham as mais diversas brin-
cadeiras e jogos infantis, desafios, adivinhas, cantigas de roda etc., como numa
grande ciranda vão compondo e partilhando o repertório de textos, tanto indi-
vidual quanto coletivo. Se na prosa a sequência da narrativa exige elementos de
coerência e de coesão explicitados na superfície do texto, na poesia o ritmo dado
pelo significante, com rimas, aliterações etc., faz com que o jogo com as palavras
incitem o imaginário a buscar a coerência indo e voltando ao texto numa leitura
não linear. José Paulo Paes explica as diferenças entre poesia e prosa nas formas
que a criança lê/recebe o texto:
A prosa e a poesia atuam de maneira diferente na sensibilidade infantil. As narrativas em
prosa, com personagens, peripécias e desfechos, estimulam os mecanismos de identificação
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imaginativa. Durante a leitura de uma história desse tipo, a criança se enfia na pele dos heróis
e vive com eles e por eles as aventuras narradas. Com isso, o mundo da simulação literária se
torna indistinguível, durante o tempo da leitura, do mundo da realidade cotidiana. Já a poesia
tende a chamar a atenção da criança para as surpresas que podem estar escondidas na língua
que ela fala todos os dias sem se dar conta delas. Por exemplo, a rima, ou seja, a semelhança
dos sons finais entre duas palavras sucessivas, obriga o leitor a voltar atrás na leitura. Essa
passa então a ser feita não linha após linha, sempre para frente, como na prosa, e sim num ir e
vir entre o que está adiante e o que ficou atrás. Com isso, desautoriza-se a leitura e se direciona
a atenção para o conjunto de significados do texto, não apenas para a sequência deles. (1996,
p. 24-25)
Convite
José Paulo Paes
Poesia
é brincar com palavras
como se brinca
com bola, papagaio, pião.
Só que
bola, papagaio, pião
de tanto brincar
se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca
com elas
mais novas ficam.
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Literatura Infantil: da produção à recepção
Selecione dez ou mais livros infantis para cada grupo de quatro a cinco integrantes. Nesses gru-
pos, cada livro deverá ser lido atentamente e depois algumas atividades poderão ser propostas.
Separe os livros conforme a proposta de interação predominante no texto, a saber:
proposta pragmática – a intenção é a mudança de comportamento dos leitores. É um tipo de
narrativa condutora de comportamentos;
proposta informativa – a intenção é envolver intelectualmente o leitor. É uma narrativa para
que o outro fique sabendo, conheça algo;
proposta ficcional – a intenção é agenciar o imaginário. “É uma narrativa detonadora do jogo
de significações que excita o imaginário a participar de possibilidades de composição de
outros mundos” (PAULINO, 2000, p. 44).
Com os livros do grupo, analisar:
construção da linguagem – avaliar nos livros em prosa se o texto tem coerência, coesão, pro-
gressão etc. e se no livro de poesia como se apresentam ritmo, repetições (rimas, aliterações,
repetição de palavras e expressões etc.), ludismo, jogo de significações com as palavras;
tratamento do tema – observar se o tema é tratado de forma criativa, sem didatismo, morali-
zação ou preconceitos;
ilustração – analisar as possibilidades de ampliar a margem de significação do texto verbal,
do não verbal e ir além do que está escrito; criatividade, equilíbrio e harmonia na técnica, no
traço, nas cores, no conjunto da composição;
projeto gráfico – olhar o produto livro como um objeto atrativo à faixa etária a que se destina
e observar: textura do papel (miolo e capa), tamanho da letra, relação da mancha do texto e
ilustração, cores, informações complementares: bibliografia de autores e ilustradores etc.
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Leitura e escrita: questões para
a Educação Infantil
Patrícia Corsino
Todo acontecimento da cidade, da casa, da casa do
vizinho, meu avô escrevia nas paredes. Quem casou,
morreu, fugiu, caiu, matou, traiu, comprou, juntou,
chegou, partiu. Coisas simples como a agulha perdida
no buraco do assoalho, ele escrevia. A história do
açúcar sumido durante a guerra, estava anotado. Eu
não sabia por que os soldados tinham tanta coisa a
adoçar. Também desenhava tesouras desaparecidas,
serrotes sem dentes, facas perdidas. E a casa, de
corredor comprido, ia ficando bordada, estampada de
cima a baixo. As paredes eram o caderno do meu avô.
Cada quarto, cada sala, cada cômodo uma página.
Ele subia em cadeira, trepava em escada, ajoelhava na
mesa. Para cada notícia escolhia um canto. Conversa
mais indecente, ele escrevia bem no alto. Era preciso
ser grande para ler, ou aproveitar quando não tinha
ninguém em casa. Caso de visitas, ele anotava o dia,
a hora, o assunto ou a falta de assunto. Nada ficava no
esquecimento, em vaga lembrança [...] Enquanto ele
escrevia, eu inventava histórias sobre cada pedaço da
parede. A casa do meu avô foi o meu primeiro livro.
U
ma casa cujas paredes eram páginas a serem preenchidas com notícias, acontecimentos e
histórias de um avô. Um livro aberto à imaginação do menino que inventava histórias sobre
cada pedaço estampado na parede. Histórias e mais histórias registradas e dadas a ler. Que
conhecimentos aquele primeiro livro trouxe para o menino Bartolomeu? Que elaborações pesso-
ais ele pôde fazer a partir dos traços impressos e das histórias guardadas na parede? Tomo esse
depoimento de Bartolomeu Campos de Queirós para abrir as discussões sobre leitura e escrita na
Educação Infantil.
No primeiro momento do texto, teço breves considerações sobre questões que dizem respeito
a teorias do conhecimento para em seguida trazer dois estudos construtivistas sobre os processos de
apropriação da linguagem escrita pelas crianças pequenas, antes de serem submetidas à formaliza-
ção da alfabetização pela escola: Psicogênese da língua escrita, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky
(1979) e A pré-história da linguagem escrita, de Lev Vygotsky e Alexander Luria (1929). Concluo o
texto trazendo alguns princípios para se pensar a área da linguagem, leitura e a escrita na Educação
Infantil.
Inatismo
A visão inatista enfatiza a importância dos fatores endógenos para o desen-
volvimento do sujeito. Embora tenha uma vertente teológica, esse ponto de vista
também se ancora em diferentes áreas da ciência que buscam entender o desen-
volvimento humano nas suas características físicas e comportamentais, por via do
funcionamento interno do organismo, por dons inatos ou pela própria genética.
Nessa visão, são as aptidões e dons de cada sujeito os responsáveis pelas suas
competências e capacidades de aprender. O desenvolvimento depende da matu-
ração orgânica, emocional, cognitiva etc. Sob esse olhar, o trabalho do professor
seria deixar as crianças se desenvolverem naturalmente. O aprendizado da lingua-
gem escrita, como dos outros conhecimentos, seria uma questão de maturidade da
criança. Com o tempo, os indivíduos bem dotados chegariam aos objetivos.
Ambientalismo
O Ambientalismo, por sua vez, enfatiza a importância dos fatores exógenos
para o desenvolvimento do sujeito. O mais importante no processo de aprendiza-
gem é o ambiente; é ele, com todos os seus estímulos, que garantiria a aquisição
de conhecimentos. Suas vertentes mais conhecidas são o associacionismo, com
destaque na reflexiologia de Pavlov e no condicionamento operante de Skinner, e
o empirismo, que concebe a experiência sensorial como fonte do conhecimento.
Nessa perspectiva, são enfatizados os processos de “colocar para dentro” do su-
jeito o que está fora dele. É o ensino que garantiria a aprendizagem. Desse pres-
suposto decorre a valorização dos métodos educacionais. Situações de ensino or-
ganizadas e bem estruturadas, somadas ao reforço positivo com prêmios e elogios
aos alunos, levariam diretamente à aprendizagem. Em relação à alfabetização, o
foco no método, com procedimentos preestabelecidos, pensados e organizados
em etapas a serem seguidas, ao mesmo tempo por todas as crianças, desconsidera
as conquistas e processos individuais, além de atribuir ao aluno as falhas no pro-
cesso. Ter um método de alfabetização como horizonte traz consequências para o
trabalho de leitura e escrita na Educação Infantil, que acaba voltado para os pré-
-requisitos estabelecidos pelo método, reduzindo esse nível de ensino à ideia de
preparo. Embora os métodos variem, é comum observar brincadeiras e exercícios
voltados para o trabalho de psicomotricidade fina, percepções auditiva e visual,
relações letra-som, fonema-grafema, soletrações etc., vistos como preparatórios.
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Leitura e escrita: questões para a Educação Infantil
Interacionismo
Na visão interacionista, o peso nos fatores endógenos e exógenos é idêntico,
ou seja, o conhecimento acontece a partir do sujeito, mas o sujeito é conhecedor
em um determinado ambiente cultural. Nessa visão se situa o Construtivismo de
Jean Piaget e o Interacionismo sócio-histórico de Lev Vygotsky. Piaget, a partir
do método clínico de investigação, elaborou a sua teoria – Epistemologia Genética
– na qual o conhecimento se constrói pela ação do sujeito no meio em que vive,
desde as rudimentares estruturas mentais do recém-nascido até o pensamento
lógico-formal do adolescente. Na sua concepção construtivista de aprendizagem,
o sujeito só pode aprender aquilo que estiver ao alcance do seu esforço cognitivo.
Num extenso e criterioso trabalho de pesquisa, Piaget e colaboradores abordam
diversas áreas do desenvolvimento infantil, tais como: o nascimento da inteli-
gência, a construção do real, a construção do símbolo, a construção do número,
a construção da moral, entre outras. Em relação à construção da língua escrita, a
visão construtivista piagetiana ganhou destaque nos estudos de Ana Teberosky e
Emília Ferreiro, com a Psicogênese da língua escrita, que veremos mais à frente.
Na visão sociointeracionista de Vygotsky, o conhecimento é visto como um
processo sócio-histórico. A construção do conhecimento é um processo de intera-
ção entre o sujeito e o meio, que se dá do interpsíquico – ou seja, dos vários outros
que fazem parte do mundo social em que o indivíduo se insere – para o intrapsíqui-
co, para o interior do sujeito onde cognição, desejo, afeto e memória se entrelaçam.
A linguagem, como um sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, in-
termedia essas interações, exercendo um papel fundamental na comunicação entre
os indivíduos, no pensamento e no estabelecimento de significados compartilhados,
que permitem interpretações dos objetos, eventos e situações. Para o autor, esse
processo inclui também a Educação, pois compreende que o processo educativo
possibilita avanços qualitativos no desenvolvimento do sujeito. O contato com adul-
tos ou crianças mais experientes mobiliza áreas de desenvolvimento que estão ainda
amadurecendo (zona de desenvolvimento proximal), possibilitando a sua consoli-
dação. Ou seja, o aprendizado impulsiona o desenvolvimento, funcionando como
um motor para novas conquistas psicológicas. Em relação à aquisição da linguagem
escrita, Vygotsky e Luria formularam um trabalho intitulado A pré-história da lin-
guagem escrita, que também veremos à frente.
Mesmo que não tenhamos muito conhecimento sobre cada um desses pon-
tos de vista, no cotidiano, nos nossos discursos e ações essas correntes se entre-
laçam muitas vezes de forma contraditória. O Inatismo – condensado no ditado
popular “filho de peixe, peixinho é” – é muito comum nas falas ligeiras, quando
nos referimos aos dons que as crianças têm ou não, quando acreditamos que pes-
soas nascem para fazerem determinadas coisas, quando naturalizamos a ideia de
que uns têm e outros não têm alguma competência. Tudo isso interfere nas formas
de agir e encorajar as crianças com mais ou menos facilidade em alguma área. O
ambientalismo empirista, exemplificado com ditos como “é de pequeno que se
torce o pepino”, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” etc., tem lugar
cativo em muitos bancos escolares. Desde a Educação Infantil, a ideia de “prepa-
ro” tira o foco da aprendizagem da criança, enfatizando tudo que está fora dela
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Leitura e escrita: questões para a Educação Infantil
textos devem exercer funções reais, que façam parte do cotidiano da escola
e que ampliem as práticas vividas pelas crianças. Cabe ao professor apro-
veitar as discussões e fatos relevantes para o grupo e usar a imaginação
para registrar em álbuns, cartazes, cartas, receitas, livros, avisos.
É muito importante o trabalho com o nome das crianças, a presença di-
ária de um momento de se contar histórias e fatos que aconteceram, o
registro coletivo de experiências, observações, passeios etc., que sirvam
de referência para as crianças refletirem sobre a língua escrita.
Na relação entre linguagem oral e linguagem escrita, algumas caracterís-
ticas se aproximam e outras se afastam. É importante as crianças perce-
berem as várias diferenças que existem entre a oralidade e a escrita como,
por exemplo, as funções que exercem e a maneira como cada gênero se
estrutura – e verem o modo como a escrita se organiza no papel, como se
fala de um jeito e se escreve do outro.
Existem características da língua escrita que a criança constrói e outras que
ela precisa das informações de um usuário mais competente. O professor deve estar
atento ao que é construção e ao que é informação. Não negar informações às crian-
ças, mas também não exagerar querendo atropelar o processo. É importante saber o
que a criança pode e deve construir sozinha (ou com os seus pares mais experientes)
e o que vai precisar ser informada. Como exemplos de informações que a criança
precisa saber podemos citar: o sentido e a direção da escrita (da esquerda para direi-
ta e de cima para baixo). Não se trata de dar a regra pronta, mas criar condições para
que elas sejam descobertas e compreendidas. Informar não é dar uma aula sobre um
determinado assunto, é ir explicando na medida em que a própria criança vai per-
guntando. Cabendo, também, perguntas, desafios, reflexões individuais e coletivas
sobre as produções, situações criadas para a criança pensar e estabelecer relações
entre as informações que você está dando e as que ela já tem.
Na Educação Infantil não cabem sistematizações. A não ser as que as
próprias crianças solicitem. Tudo deve ser feito de forma lúdica a partir
da curiosidade das crianças.
Brincar com músicas, cantigas de roda, quadrinhas, versos, parlendas,
trava-línguas. Inventar e descobrir palavras que rimam ou que apresen-
tam sons semelhantes.
Contar muitas histórias, sem compromisso com o que fazer depois, com o
único objetivo de deixar as crianças viajarem na imaginação, devolvendo
da linguagem o seu lado expressivo, é uma das grandes maneiras de se
formar sujeitos criativos e autônomos. A formação de um leitor ativo e de
um competente autor de textos também depende de você, do seu envolvi-
mento com a leitura e com a escrita. Leia para a turma histórias que você
goste, recite poemas, descubra autores, estilos e gêneros literários. Quando
você empresta sua voz ao texto, há que ser por inteiro, fazendo as crianças
entrarem no mundo ficcional e no jogo dos ritmos, sons e significados,
descobrindo o lado expressivo, sensível e artístico da língua escrita.
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Leitura e escrita: questões para a Educação Infantil
A mãe disse
Que carregar água na peneira
Era o mesmo que roubar um vento e sair
Correndo com ele para mostrar aos irmãos.
[...]
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
[...]
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda
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Leitura e escrita: questões para a Educação Infantil
1. Separar a turma em grupos para analisar produções escritas das crianças. Analisar a proposta
que foi feita às crianças – o contexto de produção – e as próprias produções.
2. Escolher uma criança para relatar por escrito suas conquistas na área da linguagem escrita. Ler
o registro em grupo.
FERREIRO, Emília; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da Língua Escrita. Porto Alegre: Artmed,
1990.
SMOLKA, Ana Luiza. A Criança na Fase Inicial da Escrita. Campinas: Cortez, 1993.
VYGOTSKY, Lev. A pré-história da linguagem escrita. In: _____. Formação Social da Mente. São
Paulo: Martins Fontes, 1991.
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Leitura e escrita: questões para a Educação Infantil
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O letramento no cotidiano
da Educação Infantil:
perspectivas para a prática
Daniela Guimarães
Seja como for, para cada pessoa há coisas que lhe
despertam hábitos mais duradouros que todos os
demais. Nelas são formadas as aptidões que se
tornam decisivas em sua existência. E, porque, no
que me diz respeito, elas foram a leitura e a escrita
de todas as coisas com que me envolvi em meus
primeiros anos de vida, nada desperta em mim
mais saudade do que o jogo das letras. Continha
em pequenas placas as letras do alfabeto gótico, no
qual pareciam mais joviais e femininas do que os
caracteres gráficos [...] A saudade que desperta em
mim o jogo das letras prova como foi parte integrante
da minha infância. O que busco nele, na verdade,
é ela mesma: a infância por inteiro, tal qual sabia
manipular a mão que empurrava as letras no filete,
onde se ordenavam como uma palavra
Walter Benjamin
A
s palavras do filósofo Walter Benjamin evidenciam a importância da leitura e da escrita inte-
gradas na vida cotidiana do leitor e do escritor, como experiências de envolvimento, aventura,
descoberta e deslumbramento. Se, por um lado, há um conjunto de regras e convenções a
serem compreendidas por quem aprende a escrever e a ler, exigindo um trabalho específico e que pre-
cisa ser focalizado, por outro lado há a produção de sentidos sobre o mundo, a expressão e o registro
de emoções e ideias nas palavras escritas, dimensões fundamentais da leitura e da escrita.
Portanto, aprender a ler e a escrever possibilita a combinação de elementos arbitrários na
concretização das fantasias e histórias das crianças, tornando-se exercício de prazer e potência. Ao
mesmo tempo que permite à criança sonhar, abre portas para que conquiste recursos mais amplos
de atuação no mundo, à medida que lhe permite participar da vida letrada da sua comunidade.
Aprender a ler e a escrever modifica o olhar da criança para o mundo, permitindo que possa
“ver mais”, à medida que obtém uma nova qualidade de instrumentos para penetrar na realidade e
interpretá-la.
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
rebelião, afirmação de identidade etc.). O nome próprio é uma das únicas palavras
soltas, despregadas de outras, que tem um sentido garantido em si mesma. Enfim, se
entendemos que ler e escrever envolvem a produção de sentido e este se concretiza no
texto, a unidade a partir da qual precisamos trabalhar com as crianças é o texto.
Outro ponto a ser destacado é que o texto expõe sempre uma situação comu-
nicativa específica que também está sendo apropriada pela criança. Por exemplo, a
informação sobre castelos que encontraremos em livros de História será diferente
da abordagem do castelo num livro de Literatura. Cada tipo de texto contém uma
forma própria que comunica de modo diferente, sentidos diferentes; isso também
está sendo aprendido pelas crianças. Portanto, é fundamental a diversidade de
tipos e formas textuais experimentada de modo vivo e significativo no cotidiano.
É indispensável que o professor conheça cada uma de suas crianças (quais
suas hipóteses sobre a leitura e a escrita, quais suas dificuldades), acolhendo-as
em suas conquistas, dando relevo a elas, ajudando-as a avançar em seus impasses;
assim como é essencial que ele esteja fomentando sempre experiências ricas e sig-
nificativas de contato com a língua, desafiando as crianças nesse contato.
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
exemplo, para escrever dedo, pode fazer eo). Pouco a pouco, de acordo com os
desafios que for enfrentando, no contato com outros escritos e no contexto social,
essa hipótese é desequilibrada e a criança começa a compreender que a cada fone-
ma correspondem dois ou três sinais gráficos. Do ponto de vista formal e arbitrá-
rio, a compreensão gradativa de que a escrita representa a fala e não as qualidades
dos objetos é uma das mais importantes no processo de construção da escrita.
Essa compreensão constitui-se paulatinamente, na medida que as crianças
convivem com diversos textos. Uma perspectiva muito importante nesse caminho
é a escrita do nome próprio. A identidade da criança e sua inscrição no mundo
passam pelo modo como seu nome é dito e reconhecido no contexto social mais
próximo (na família, na escola etc.). Escrever o próprio nome, reconhecê-lo em
vários lugares, mostrá-lo aos colegas são conquistas ímpares no desenvolvimento
da autoestima e do pertencimento a um grupo. Para além de um desafio no domí-
nio do código (capacidade de representar fonemas nas grafias), a escrita do próprio
nome possibilita um domínio do sentido, numa prática de intenso valor afetivo.
Assim, os nomes das crianças podem estar escritos em fichas e expostos na
sala, possibilitando que o professor convide o grupo a utilizá-los como referência
na escrita de seus nomes nos trabalhos, em um bilhete coletivo etc. Aos poucos,
conforme vão se apropriando da escrita de seus nomes, eles acabam servindo como
referências (ou paradigmas) na escrita de outras palavras. Por exemplo, se a Beatriz
quer escrever a palavra bebê, pode usar o início do seu nome para ajudá-la.
Além do nome próprio, a escrita de listas de bichos que gostamos, lugares
que queremos visitar, amigos de nossa sala, nome das mães dos elementos do
grupo são conjuntos de palavras repletas de sentido para as crianças. De fato, são
repletas de sentido se forem produzidas em situações significativas, permitindo
tanto a organização coletiva (se queremos organizar uma festa para as mães, ou se
queremos escolher um bicho para fazer uma pesquisa etc.), quanto a reflexão sobre
as diferentes formas gráficas e seus respectivos sons. À medida que as palavras
surgem como possibilidades de escrita significativa, é possível que se possa falá-
-las de modo lento, pensando sobre quais letras utilizar para escrevê-las, é possível
sugerir duplas ou trios para escrevê-las, usando os diferentes saberes do coletivo
como molas propulsoras na conquista do saber por parte de cada um.
Nessas práticas, inicialmente, o professor pode ser o escriba, aquele que
vai registrar as ideias que vêm do grupo, especialmente quando as crianças ainda
estão vivendo o processo de construção do valor sonoro das letras. Ele escreve
uma palavra embaixo da outra e dirige perguntas à turma, favorecendo o acom-
panhamento, pelas crianças, do que está sendo produzido (qual letra vem agora,
onde paramos?). Esse momento, no qual o professor escreve, é sempre momento
de diálogo sobre como a escrita está sendo produzida. Para tal, é necessário que
o conteúdo do que vai ser escrito tenha sido conversado e garantido antes com o
grupo (o que vamos falar e registrar?). Então, na hora do registro, vamos pesqui-
sando “qual letra usar agora? Parece com o nome de qual amigo?”. De qualquer
modo, não podemos deixar de ficar sensíveis ao excesso de perguntas e desafios
quanto à estruturação do código, que podem acabar por esmaecer o prazer e en-
volvimento das crianças com o texto.
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
Ler com elas implica permitir que acompanhem a leitura que fazemos, apontando
o texto, perguntando de vez em quando o que acham que está escrito. Possibilitar
que se experimentem como leitoras, mesmo antes de dominarem o código escrito,
envolve a abertura de espaços para leitura de imagens, histórias com ilustrações,
fotografias etc. Uma prática motivadora é a “cadeira do contador de histórias”, em
que uma criança de cada vez pode sentar, tornando-se a narradora de uma história
imaginada por ela ou contada a partir de um livro e suas ilustrações.
Quando o professor possibilita que as crianças “leiam” seus desenhos para
os companheiros, que contem as histórias que esses desenhos apresentam, valori-
zam a dimensão comunicadora e expressiva dos recursos simbólicos criados por
elas. Se as crianças produzem significados que podem ser compartilhados nos
desenhos, vão abrindo espaço para fazer o mesmo pela via da escrita.
Por outro lado, quando se aventuram a dizer o que está escrito em algum
lugar, as crianças utilizam uma série de estratégias que precisam ser consideradas
com atenção, porque vão além da decifração do código. Elas levam em conta o
contexto do texto (forma do portador – jornal, revista etc.), consideram indícios
como as ilustrações, reconhecem palavras ou parte delas, levantando hipóteses
induzidas pelo sentido.
A predição e a inferência são estratégias valiosas no curso da conquista da
leitura e da escrita, particularmente porque são ações de produção de sentido que
se relacionam com o contexto do texto. É preciso valorizar a criança que as utiliza,
mostrando que compreendemos sua lógica, mesmo que o “produto” da leitura ou da
escrita não sejam os “corretos” (por exemplo, quando perguntamos a uma criança
qual o título do livro A vida no zoológico, em que há um leão desenhado na capa, ela
poderá dizer “leão”, o que se justifica plenamente pela estratégia da inferência).
Num outro foco, nas situações de leitura, é pertinente que o professor desa-
fie as crianças tanto no sentido do conhecimento do mundo para a decodificação
(exemplo: o que pode estar escrito nesta placa ou neste jornal?), quanto no sentido
do conhecimento do código na direção de outros elementos (exemplo: de quem
pode ser esse nome se começa com a letra D?). O caminho da pergunta à criança
é sempre instigador, desde que não seja excessivo. Muitas vezes, é válido que o
professor somente leia para a criança. Nesses casos, ela estará aprendendo muito
sobre a postura do leitor e as possibilidades da leitura.
Outra perspectiva sempre interessante é a conversa a respeito das histórias
lidas. Trocar ideias sobre algo que foi lido impulsiona o desenvolvimento de ha-
bilidades linguísticas que se relacionam com a compreensão da leitura, à medida
que se pode apreender o tema e a estrutura do texto, reconstruir relações lógicas e
temporais, reter ideias principais e averiguar a intenção do autor.
Também no plano da leitura, o trabalho com o nome próprio é um foco im-
portante. Há várias formas de sugerir que a criança leia seu nome: embaralhado
com outros nomes, expondo só parte dele e pedindo que digam o que falta, entre
outros. À medida que vai reconhecendo seu nome, nomes de amigos, de familia-
res, entre outras palavras significativas no grupo, constrói paradigmas, ou seja,
referências estáveis, a partir das quais poderá ler outras palavras.
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática
O trabalho com pequenos textos conhecidos como parlendas, letras de música, cantigas de roda
também é promissor no sentido de propiciar na criança a sensação de “poder ler”. Como já conhece
o conteúdo desses textos de cor, a criança antecipa o que vai estar escrito, sentindo-se potente nesse
movimento. Nesse contexto, ampliar esses textos e colocá-los na parede, assim como recriá-los, mu-
dando palavras (e sentidos) com as crianças, promove a aproximação significativa da leitura.
Ler é interpretar. O leitor participa ativamente da produção de sentidos, na relação com qual-
quer obra. Portanto, promover a leitura no contexto da Educação Infantil é oportunizar às crianças o
exercício da criação e do enlace íntimo entre realidade e fantasia.
1. Você pode observar uma criança entre quatro e cinco anos em situação de leitura e escrita (ten-
tando ler e escrever), anotando quais hipóteses ela apresenta sobre como se lê e como se escreve.
Depois, discuta com seu grupo quais tipos de estratégias de leitura e escrita poderiam levar essa
criança a avançar em suas hipóteses.
Recomendamos a leitura da obra de Sonia Kramer, Por entre as Pedras: Arma e Sonho na Escola,
da Editora Ática, 1993.
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O letramento no cotidiano
da Educação Infantil:
perspectivas para a prática
(poesia e quadrinhos)
Daniela Guimarães
Todas as palavras evocam uma profissão, um gênero,
uma tendência, um partido, uma obra determinada,
uma pessoa definida, uma geração. [...] Cada palavra
evoca um contexto ou contextos nos quais ela viveu
sua vida socialmente tensa; todas as palavras e
formas são povoadas de intenções. [...] A linguagem
não é um meio neutro que se torne fácil e livremente
a propriedade intencional do falante, ela está povoada
ou superpovoada pelas intenções de outrem. Dominá-la
e submetê-la às próprias intenções e acentos é um
processo difícil e complexo.
Mikhail Bakhtin
N
o trabalho cotidiano com as crianças no contexto da Educação Infantil é fundamental perce-
bermos a forma como as crianças vão se apropriando das palavras que a circulam. Bakhtin
(1998) chama nossa atenção para o processo pelo qual as crianças vão se descolando da for-
ma discursiva do seu meio, formando o que lhes é singular. Tomam o discurso do outro “com aspas”
e vão perdendo as aspas e ganhando um jeito próprio de expressar-se.
Nesse movimento, a qualidade intencional dos discursos, seus tons afetivos, seus universos de
significação são aspectos que marcam a apropriação que a criança faz deles. O mesmo ocorre com
os textos escritos. Eles nascem de situações reais dialógicas ou de iniciativas de explicitação de sen-
timentos e afetos pessoais e vão marcando os textos. Todo o texto lido com as crianças carrega uma
intenção, um sentido que vai sendo recriado também na leitura. Essa qualidade viva da linguagem
não pode ser esquecida!
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática (poesia e quadrinhos)
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O letramento no cotidiano da Educação Infantil: perspectivas para a prática (poesia e quadrinhos)
De acordo com Rushkoff (1999), nas histórias em quadrinhos podemos perceber que a escrita
e o desenho ganham características peculiares. Para muitos adultos, os quadrinhos parecem simpli-
ficados e primitivos, mas são essas características que permitem a participação ativa dos leitores e a
manipulação intencional de tempo e espaço pelos autores-artistas. Essa nova composição do registro,
essa forma de contar histórias, em quadros, produz novos modos de expressão, novas relações entre
pensamento e registro.
Nos quadrinhos é importante ressaltar as mudanças na história, as emoções e locações dos aconte-
cimentos. Paralelamente, em vez dos traços descritivos, a representação icônica é preponderante, ou seja,
são mais constantes imagens que condensam a informação, permitindo que ela possa ser rapidamente
vista e entendida. As representações icônicas libertam os quadrinhos da forma linear de contar histórias,
possibilitando o contato com novas formas de compreender o mundo.
Temos situações em que, num mesmo quadro, alguém pensa e outro fala, ou dois personagens fa-
lam, ou seja, um tempo extenso que se passa num único espaço. Ou ainda, podemos ter um quadro em que
um personagem tem uma ideia e só no outro quadro haverá a ação, isto é, o tempo se estendeu. Na verda-
de, os quadrinhos permitem novas e maleáveis relações entre espaço e tempo, pensamento e registro.
Portanto, em um projeto de produção de quadrinhos, é fundamental que possamos viver vários
momentos de produção: o mergulho com as crianças em histórias em quadrinhos já existentes; a in-
venção de personagens próprios, cenas e histórias desses “seres” (faladas e desenhadas); a produção
de textos escritos e narrativos sobre suas histórias; a invenção de diálogos e, por fim, o desafio de
produzir o formato quadrinhos com as crianças. Isso significa que passamos por diversos modos de
relação entre pensamento e palavra, forma e conteúdo, tempo e espaço, permitindo que as crianças
possam lidar proximamente com eles na produção de seus significados.
1. Reúna histórias em quadrinhos, lendo-as coletivamente. Depois, discuta com seu grupo quais
suas peculiaridades e o que caracteriza esse gênero discursivo: por que ele é interessante de ser
trabalhado com quem está aprendendo a ler e escrever?
2. Reúna poesias de Cecília Meireles ou José Paulo Paes: como é caracterizada a forma do texto?
E o conteúdo? O que seria interessante de trabalhar com quem está começando a ler e escrever?
Como? Por quê?
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Ed u
Prática ortuguesa
Língua P ntil
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Prática Educativa da na Edu c
Daniela Guimarães
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