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Formação do Leitor
2009
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
ISBN: 978-85-387-0801-8
CDD 028.9
Leitura e letramento................................................................. 23
Concepções de leitura e letramento................................................................................... 23
As funções da leitura................................................................ 39
A leitura de estudo..................................................................................................................... 39
Ler para aprender a estudar................................................................................................... 40
Estudar para aprender a ler.................................................................................................... 42
Os leitores enfrentam os textos............................................................................................ 43
A concepção freireana de leitura.......................................................................................... 44
O leitor e a leiturização............................................................ 51
O processo de desescolarização da leitura e a dialogicidade.................................... 51
A leitura e a pintura................................................................................................................... 53
A leitura e a literatura................................................................................................................ 54
A leitura e a música.................................................................................................................... 56
Os desafios da leiturização:
caminhos da intervenção.....................................................105
A responsabilidade compartilhada de leiturizar...........................................................105
A leitura como compromisso institucional.....................................................................106
Propostas de atividades de leitura e escrita...................................................................107
Últimas considerações sobre o papel do leitor e do formador de leitores.........108
Referências.................................................................................123
Anotações..................................................................................127
Para ajudá-lo a fazer frente a essa situação em seu dia a dia como profes-
sor, o presente material oferece uma problematização acerca das concepções de
leitura, texto, leitor, sempre considerando a perspectiva de Paulo Freire no que diz
respeito à educação para a emancipação, em que o sujeito participe na constru-
ção desse processo.
Para que a nossa temática seja apreciada tanto em sua formação histórica
como em seu panorama atual, dividimos o nosso conteúdo em oito unidades:
2) Leitura e letramento.
3) As funções da leitura.
4) O leitor e a leiturização.
A partir dessa discussão você estará mais bem orientado para iniciar uma
reflexão, rumo à ação, acerca das principais questões que envolvem a formação
de leitores, um desafio que se apresentará a cada início de ano letivo, a cada aula
e a cada contato com o texto.
Boa leitura!
Paulo Freire
Quando pensamos que tudo o que uma pessoa sabe a respeito do mundo
em que vive é capturado e expresso pelas palavras, faz todo o sentido pensar
também que o que vem antes da leitura da palavra deva ser mesmo a leitura
do mundo em que essa pessoa se move. Portanto, leitura, nesse sentido, sig-
nifica desvelamento dos valores implícitos que se dão nas relações entre as
pessoas do mundo em que nos movemos, e que essa mobilidade não se dá
sem força, sem a imposição do poder de uns sobre os outros. Entender como
isso se dá e como nos posicionamos em relação ao engendramento dessas
forças, nos leva em contato com a palavra escrita de modo significativamente
mais seguro para compreender como, por meio da palavra, a realidade pode
ser modificada, pois o modo como a palavra – falada ou escrita – é engenhosa-
mente trabalhada pode levar seu leitor, segundo os dizeres de Freire, à domes-
ticação ou à libertação. Logo, ensinar e aprender a ler está a serviço de uma
ou outra postura, não se ensina sem que sejam feitas escolhas – e as escolhas
implicam alteração de visões.
Esse leitor crítico, para cuja formação a escola deve se preparar mais eficaz e
eficientemente, também exige profissionais igualmente bem formados. Decorre
daí um outro inquietante questionamento:
Leitura e interdisciplinaridade
O que até aqui já se disse a respeito dos principais conceitos relativos à prática
formativa do leitor nos coloca em condição de refletir a respeito da necessidade
de adoção de uma postura interdisciplinar quanto ao ensino-aprendizagem da
leitura.
Texto e discurso
A importância acerca da distinção entre texto e discurso recai exatamente na
estreita relação que ambos os termos contraem, uma vez que todo texto contém
Texto complementar
Depois de ler cuidadosamente o nosso texto complementar, pense sobre
seu próprio processo de apropriação da leitura, tentando responder a algumas
perguntas:
Todos nós sabemos que é muito importante saber ler para ter melhores
oportunidades de trabalho, para tentar melhorar de vida e enfrentar as muitas
situações diferentes que encontramos no dia-a-dia. Mas por que é importante
ler também obras literárias como romances, contos e poemas? Durante todos
os dias de nossas vidas, fazemos e dizemos coisas muitas vezes sem pensar
muito, quase que automaticamente. Dessas coisas todas, passado algum
tempo, o que fica em nossa memória? O que faz diferença para nossa vida?
Pouca coisa. Daquilo que nos lembramos o que fica de mais marcante são
certos momentos especiais, em que enxergamos o mundo, nós mesmos ou
outras pessoas de uma outra maneira. São momentos em que vivemos a vida
mais intensamente – em que somos mais nós mesmos.
sensação diferente, boa ou ruim. Um sentimento que temos por uma outra
pessoa e que não conseguimos direito transformar em palavras. A saudade
de alguém, de um lugar, de uma época de nossa vida. No meio de centenas
de pedestres andando apressados no meio da rua, podemos às vezes parar e
perceber um detalhe, uma história que está acontecendo ali ao lado, mas que
ninguém está enxergando. Deixar de ser aquela pessoa que está sacolejando
dentro de um ônibus para se colocar por alguns momentos, em imaginação,
na pele de um aventureiro que esteve cruzando os mares numa caravela há
mais de 500 anos!
Dicas de estudo
ROSING, Tânia M. K. A Formação do Professor e a Questão da Leitura. Passo
Fundo: UPF, 1996.
<www.pnll.gov.br>
Este site pode oferecer informações bastante valiosas acerca das ações – nos
âmbitos público e privado – desencadeadas em prol da leitura no Brasil e no
mundo.
Atividades
1. Explique as concepções de leitura e leitor afirmadas nesta lição e argumente
sobre a contribuição que elas oferecem à ampliação da visão de mundo dos
indivíduos que delas se apropriam.
3. Para ampliar a compreensão do que nesta lição se afirma sobre o que seja tex-
to, explique os textos verbal, não verbal e sincrético, apresentando exemplos.
Daí considerarmos que diante do texto não ocorra, por parte dos leitores
(alunos e professores), um suave contato, mas um árduo enfrentamento.
Neste sentido é que letrar é mais do alfabetizar, é ensinar ler e escrever dentro
de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida
do aluno. Assim, ao olharmos historicamente para as últimas décadas, podere-
mos observar que o termo alfabetização, sempre entendido de uma forma restri-
ta como aprendizagem do sistema de escrita, foi ampliado. Não basta aprender
ler e escrever. É necessário mais que isso para ir além da alfabetização funcional
(denominação dada às pessoas que foram alfabetizadas, mas que não sabem
fazer uso da leitura e da escrita).
Assim, as condições dadas pela sociedade para esse tipo de leitura devem
ser anunciadas – ou talvez a sua ausência deva ser denunciada – pela escola
mediante uma ação igualmente compartilhada pelas disciplinas que compõem
o seu currículo.
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Embora louváveis, ações isoladas não garantem que se instaure uma cultu-
ra de consciência acerca da formação da identidade de leitor que coloque os
leitores em condições de acesso aos bens culturais e participação dos proces-
sos decisórios nos grupos sociais de que fazem parte como vozes efetivamente
audíveis.
Embora o ato da leitura seja individual, sem dúvida sua constituição é coleti-
va, assim como coletiva é a condição que é ou não dada ao indivíduo para o uso
e aproveitamento dessa leitura, seja ela ingênua ou crítica.
Por extensão, podemos entender, na esteira do autor que, para praticar a lei-
tura, o não-leitor deve se relacionar com os textos que leria se praticasse a leitu-
ra, para viver o que vive. O ambiente deve comportar-se com o não-leitor como
se ele já dominasse os saberes que deveria dinamizar.
Enfim, para aprender a ler é preciso estar envolvido pelos mais variados escri-
tos, encontrando-os, sendo testemunha de e se associando à utilização que os
outros fazem desses escritos – quer sejam os textos da escola, do ambiente, da
imprensa, dos documentários, da obras de ficção. Ou seja, é impossível tornar-se
leitor sem essa contínua interação com um lugar em que as razões para ler são
intensamente vividas – mas é possível ser alfabetizado sem isso.
Embora por um lado a mudança de uma lei por si só não seja suficiente para
promover a mudança de uma cultura, determinante de uma postura fortemente
cristalizada, por outro lado isso pode inaugurar a gênese de um pensamento
inovador que põe em questão um pensamento hegemônico.
Essa visão, que hoje não encontra consonância com o aparato tecnológico-
-comunicativo disponível a todos, mereceu revisão na medida em que o volume
e a velocidade da informação atingiram todas as camadas da sociedade, das mais
populares às mais elitizadas, fazendo com que as posturas didáticas também
sofressem modificações significativas no tocante ao ensino e ao aprendizado;
considerando que a palavra falada nunca tenha sido antes – no passado pré-
-globalização – valorizada e solicitada como nos dias correntes.
Texto complementar
Aproveite a leitura do texto para refletir acerca de seu próprio processo de al-
fabetização e letramento. Descreva uma situação que você tenha experienciado
acerca do letramento.
Constatou-se que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu
em No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (1986) por Mary A.
Kato [...].
Mas, afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?
mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto,
logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comu-
nicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades. Ele demons-
tra com isso que conhece, de alguma forma, as estruturas e funções da escrita.
O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou
texto que contém informações importantes para ele: seja uma notícia em um
jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este indivíduo
é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele
possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma
sociedade que é atravessada pela escrita, logo, este é letrado, porém não com
plenitude. [...]
Com tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e
níveis de letramento, e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma
sociedade e de cada indivíduo no seu meio social.
[...]
A partir disso, é que a autora conclui e propõe que não deve ser usado o
termo iletrado, para dizer que um indivíduo não está num estado pleno de
letramento. Afinal, não seria adequado a utilização do mesmo em uma socie-
dade considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, pois a
possibilidade de existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de
letramento é quase impossível. Por isso, acredita-se que é inconveniente afir-
mar que existe “nível zero” de letramento, não há veracidade nessa afirmação.
Então, o que se propõe é o uso de termos próprios, do tipo: níveis ou graus
de letramento. Levando, assim, em consideração o que Paulo Freire muitas
vezes insistiu em sua pedagogia “de que a leitura do mundo precede a leitura
da palavra”, e ainda, “o ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir
de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os
seres humanos fazem antes de ler a palavra”. Isso quer dizer que o indivíduo
não é um depósito vazio e zerado antes da alfabetização, e ali, nós, educa-
dores, estaremos enchendo-o com informações mecânicas e institucionais,
através de uma escolarização. Ele já possui sua peculiar capacidade de leitura
dentro do seu contexto social para sobreviver em meio ao grupo em que vive.
A alfabetização com a prática do letramento, trará ao indivíduo capacidades,
competências, habilidades diversas para que este se envolva com as variadas
demandas sociais de leitura e escrita.
Dicas de estudo
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.
Nessa obra, belamente tecida para abordar tema tão árido – a interdição –,
o autor discorre a respeito do que ele considera o mais severo mecanismo de
exclusão social: a interdição, isto é, a negação da palavra ao outro.
Obra de valor expressivo que nos faz refletir sobre a diversidade linguística,
como ela é e como pode ser ensinada na escola.
Atividades
1. Em que diferem as ações de alfabetizar e de letrar e em que o letramento
pode contribuir no processo educativo dos alunos?
4. Quanto aos textos escolares e a sua leitura, explique que gênero prevalecia
há até bem pouco tempo e o que determinou a mudança de seu uso nas
aulas de Língua Portuguesa.
A leitura de estudo
Muitas instituições, indiretamente, podem se tornar coparticipantes
ou corresponsáveis quanto à formação do leitor, uma vez que são várias
as finalidades do ato de ler empreendido por um indivíduo em sua vida
cotidiana. Contudo, indiscutivelmente, compete à escola tornar o indiví-
duo um leitor, não só para dar conta das demandas definidas pela própria
escola como também para dar conta da condução desse indivíduo ao merca-
do de trabalho. Daí, ler para estudar e ler para trabalhar se tornam ações im-
periosamente construídas na escola, mas igualmente desenvolvidas em outras
instituições – família, empresa, igreja, sindicatos, clubes, hospitais e associações
diversas.
Embora ler não seja trabalho dos mais fáceis – uma vez que da leitura se
exigem, anteriormente, disciplina intelectual e postura sistemática, que são al-
cançadas apenas com a prática metódica – é incontestavelmente possível que
se organizem práticas metodológicas de ensino de leitura para fins de estudo.
E por isso, em todas as disciplinas do currículo, sugerimos que – para fins tanto
de leitura quanto de escrita – um roteiro possa ser orientado pelos professores
em suas aulas, nos momentos pontuais de discussão do tema abordado, a fim
de que os conceitos trabalhados possam ser depreendidos pelos alunos sem
dificuldade.
Note-se que, sem qualquer dificuldade, tal roteiro pode ser aplicado por todos
os professores a partir de sua experiência leitora e sua maturidade intelectual na
condução dos procedimentos metodológicos que a leitura de estudos exige.
Se, como já foi dito, estudar um texto requer exercício, prática e reflexão, essas
atividades devem ser aprendidas na própria dinâmica da construção do conhe-
cimento, em contato com atividades variadas e com interlocutores de experi-
ências igualmente diversificadas, o que pode se dar tanto em ambiente escolar
como em ambiente não-escolar, mas sempre em situação concreta de aprendi-
zagem. Porém, a tradição escolar raramente incentiva a discussão acerca dos
processos que antecedem as práticas de estudo, isto é, a investigação acerca
da formação do estudante que é recebido pela escola parece irrelevante ou de
importância menor. Não se trata da investigação acerca de seu currículo, mas de
como essa pessoa foi se tornando o estudante que se depara com as exigências
que lhe são impostas.
Ao menos conosco isso ocorreu: foi a palavra escrita que nos convidou, que
nos seduziu, que nos levou à escola.
1
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera que são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade.
Texto complementar
Reflita a respeito das ideias contidas no texto abaixo tentando resgatar
as lembranças das leituras, feitas por você, de livros/textos em que se sentiu
criando um novo enredo a partir do oferecido pelo autor. Registre por escrito
essa experiência e compartilhe com seus colegas, para enriquecimento de seu
repertório.
Ler, reler, conhecer, reconhecer, criar. Nós criamos um texto quando lemos
um texto. Na verdade, o que lemos não é exatamente o que está escrito, mas
o que nos chama a atenção, o que nos aguça a sensibilidade, dentre um mar
de palavras. Escolhemos determinadas passagens, escolhemos determinados
sentidos possíveis num texto literário, por exemplo, e desta forma criamos um
livro dentro do livro.
Dica de estudo
CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de Estudo: ler para aprender a estu-
dar e estudar para aprender a ler. Campinas: Alínea, 2003.
Atividades
1. Que finalidades podem ter as leituras que realizamos cotidianamente na di-
nâmica de nossas atividades sociais?
2. Como o professor poderá manter em sala de aula, com os seus alunos, práti-
cas de leitura que os levem a refletir acerca das finalidades da leitura?
O processo de desescolarização
da leitura e a dialogicidade
Durante muito tempo, a tradição escolar insistiu, trabalhando nessa di-
reção, na crença de que a escola era o único lugar em que o processo de
formação do leitor ocorria, isoladamente de outros processos e contextos.
Todavia, a partir dos anos de 1990 essa crença começou a cair por terra
na medida em que, diante de um multifacetado universo de imagens, o
espaço escolar foi sendo “manhosamente” invadido por variadas lingua-
gens que lhe impuseram um diálogo, até então, evitado.
Nesse sentido, para além dos textos e dos códigos que constituem a própria
dinâmica da interação comunicativa, homens e mulheres se veem diante de
uma constante exigência para que reinventem, representem, ressignifiquem e
expressem de variadas formas a realidade que os circunda. Assim, pintura, lite-
ratura, música e paisagem urbana podem nos servir como modelos ou, antes,
exemplos de linguagens utilizadas por agrupamentos sociais em diferentes
épocas e contextos para exprimirem suas ideias, que são resultantes de aspira-
ções, sentimentos reprimidos, desejos, protestos etc. E isso significa que, dada
sua riqueza, a linguagem verbal humana empresta às demais linguagens possi-
bilidades de expressão do pensamento humano.
A leitura e a pintura
Tomemos, para fundamentação de nossa análise, a crítica à obra de arte,
assim como a considera Ferreira Gullar:
A crítica pode abordar a obra de arte de diversas maneiras: como manifestação estilística ou
como fato sociológico ou histórico, como expressão de tendências artísticas etc. No centro de
todos esses modos de apreender ou pensar a arte está a obra propriamente dita, como objeto
perceptivo: fenômeno do ver. E ver não é apenas a apreensão da materialidade da obra; é
também penetrar na tessitura de significados na qual cores, linhas, formas, transparências e
texturas são veículos. Esses elementos constituem uma totalidade semântica cuja significação
é intraduzível em qualquer outra linguagem. (GULLAR, 2003, p. 11)
O mesmo autor, nos leva a refletir acerca de um pintor e sua obra polêmica:
Leonardo da Vinci (1452-1519) e a Mona Lisa (1503-1507). Assim considera Gullar
a respeito da leitura e do efeito de sentido decorrente deste ato produzido nas
pessoas no decurso da existência dessa obra:
Mona Lisa é a obra de arte mais mistificada que se conhece. Ela atrai todos os anos dezenas de
milhares de pessoas que vão olhá-la dentro de sua caixa de vidro, no Louvre. Na verdade, essas
pessoas não a contemplam, não a veem; apenas lhe dão uma olhadela, espiando por cima dos
ombros umas das outras, e seguem em frente, orgulhosas por acharem que agora conhecem
o célebre quadro. (GULLAR, 2003, p. 44)
O que se pode depreender é que, apesar disso, Mona Lisa continua a ser uma
das mais belas criações da arte e raramente um pintor alcançou realizar uma obra
tão carregada de significações. E com Gullar somos convidados a concordar que
Essas significações – intraduzíveis em palavras e que perduram já por quase cinco séculos –
nascem pura e simplesmente dos elementos pictóricos e plásticos, de que se valeu Leonardo
para realizar o quadro. A figura de Mona Lisa, na sua pose natural, é majestosa e densa, plena
de uma expressividade que emana da própria forma: de seu desenho, volume e peso, de
alternâncias veludosas de sombra e luz. Nenhum artifício, nenhum recurso retórico; apenas
os elementos da linguagem pictural utilizados, com contido fervor, como veículos da visão do
artista – não só da visão que ele tinha como da visão que estava inventando ali, a cada traço, a
cada pincelada. (GULLAR, 2003, p. 44)
Tomar uma obra como essa, a ser relida na escola ou além dela, deve, por
meio do esquadrinhamento de seus elementos, propiciar acima de tudo o des-
velamento do próprio diálogo que o artista tentou travar entre a natureza e o
homem, de modo que capturar, pela semiótica utilizada, o pensamento de um
A leitura e a literatura
Outra possibilidade de leitura da realidade e da condição humana pode ser
oferecida pela literatura de uma forma geral, quando tomamos sua produção
como um tratado sobre a sociedade com um feitio lírico, e mais especificamente
pela poesia, ao recortar, pela criatividade no trato com as palavras e os recursos
linguísticos e estilísticos, a emoção de quem a produz. Não são poucos os exem-
plos disponíveis na antologia de que podemos lançar mão para este exercício de
ampliação da leitura da palavra para a leitura do mundo, ou antes, para o exer-
cício do que a leitura do mundo fornece para que dele se possa ler em gênero
literário.
O que estas duas obras nos mostram é o diálogo que pode ocorrer entre
comportamento humano e literatura, além da possibilidade de, em situação de
aprendizagem, tomarem-se como objetos de análise das dimensões humanas.
Outro exercício possível, agora na poesia, é, por exemplo, a leitura dos sím-
bolos, uma vez que a cultura é permeada de simbologia na medida em que so-
mente o ser humano é capaz de decifrar tais sinais, dada sua relação de arbitra-
riedade com a coisa representada, diferentemente dos índices e ícones, os quais
os animais irracionais também são capazes de decifrar.
Ao cair da noite
Eugênio de Castro
Na primeira estrofe, o poeta demonstra sua admiração pelo que vê a sua frente.
Na segunda, compara a situação que vislumbra com a sua existência atual para,
finalmente, tomar a grande decisão de passar de uma situação à outra. Na ter-
ceira estrofe, ao chegar na sua meta, rapidamente se decepciona ao, novamente,
comparar as situações e aí o arrependimento lhe sobrevém. Assim, na quarta
estrofe ele quer voltar à situação inicial, mas descobre que já não é possível.
A leitura e a música
O exercício de leitura pela música permite ampliar a visão de mundo pela
identificação com situações de um contexto social maior, em que um pronun-
ciamento se faz em debate de escala mais ampla.
É o que se pode depreender de uma canção que, composta por Chico Buar-
que em 1981, traz uma questão muito atual e, sem nenhuma dificuldade, faria
o leitor supor tratar-se de uma descrição da atualidade. Vejamos o que nos diz
esse compositor que, a despeito da temática real, oferece-nos uma belíssima
canção.
O meu guri
Chico Buarque
Que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega
Para a condução do exercício de leitura por essa letra, o que se propõe é uma
sequência de perguntas que nos permite interrogar o tema do modo mais geral.
Texto complementar
Aproveite a cuidadosa leitura do texto de Norval Baitello para exercitar o olhar
atento e refletir sobre a importância do corpo como primeira forma de expres-
são e comunicação, portanto a primeira mídia. Exercite seu olhar observando
pessoas em espaços diferentes e diversificados tais como filas, feiras, platafor-
mas do metrô ou até mesmo caminhando pelas ruas, no seu próprio percurso de
locomoção, tentando apreender o que elas podem querer significar pelo modo
como andam, vestem-se, gesticulam etc. Registre por escrito essa experiência e
reflita sobre o que apreendeu dela e o que aprendeu com ela.
Não resta dúvida que não são apenas corpos, mas também meios de comu-
nicação, aquilo que hoje se chama mídia. Harry Pross, em seu pioneiro e sur-
preendente livro de 1972, Medienforschung (“Investigação da mídia”) classifica
o corpo como a primeira mídia do homem, como “mídia primária”, aquela que
funde “em uma [única] pessoa conhecimentos especiais”. Esta pessoa torna-se
então a mídia.
Já a “mídia terciária” requer não apenas um aparato para quem emite, mas
também um aparato para quem recebe uma mensagem. Para que se possa al-
cançar alguém e enviar uma mensagem é preciso que os dois lados possuam
os respectivos aparelhos: telefone, rádio, fax, disco, vídeo, televisão, correio
eletrônico, são os exemplos evidentes.
Dica de estudo
FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
Atividades
1. A partir do conceito de desescolarização da leitura, explique a responsabili-
dade de ensinar a ler.
Os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759 e, como bem resume Ana Maria
Freire,
Quando expulsos, em 1759, os jesuítas nos legaram um ensino de caráter literário, verbalista,
retórico, livresco, memorístico, repetitivo, estimulando a emulação através de prêmios
e castigos, e que se qualificava como humanista-clássico. Enclausurando os alunos com
preceitos e preconceitos católicos, inibiu-os de uma leitura do mundo real, tornando-os
cidadãos discriminatórios, elites capazes de reproduzir “cristãmente” a sociedade perversa dos
contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e podem e dos que a tudo se submetem.
Inculcaram a ideologia do pecado e das interdições do corpo. “Inauguraram” o analfabetismo
no Brasil. (FREIRE, 1993, p. 46)
O ensino dos jesuítas era destinado a oferecer uma cultura geral básica,
sem se preocupar com a qualificação para o trabalho, não correspondendo,
portanto, às necessidades de transformações econômicas pelas quais se queria
instaurar o liberalismo no Brasil, entendendo liberalismo como o direito natu-
ral da sociedade civil e a liberdade econômica dos proprietários privados (bur-
guesia), que se consolidou na Revolução Francesa (1789-1792) e que derrubou
o Antigo Regime (teocrático, absolutista, feudal). Da constituição da política
do primeiro-ministro marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo,
1699-1782) e a consequente expulsão dos jesuítas de Portugal para a substi-
tuição dos educadores, passaram-se 13 anos sem escolas. A uniformização da
ação pedagógica em níveis escolares foi substituída, no período pombalino,
pelas disciplinas isoladas, avulsas, ministradas inclusive por leigos. Isso se re-
verteu em retrocesso para a educação no Brasil.
Vale lembrar que, mesmo na Europa, o que deveria ser uma reforma em favor
dos camponeses e trabalhadores pobres (ideário da Revolução Francesa) foi uma
perda para essa classe, que ficou sem condições para produzir de forma inde-
pendente, passando a trabalhar nas indústrias, vendendo sua força de trabalho,
vindo a formar a classe dos assalariados. A bem-sucedida burguesia procurava
impedir a ascensão sociopolítica e cultural dos trabalhadores braçais.
Analfabetismo pleno
A partir da segunda metade do século XIX, com as mudanças exigidas pela
nova sociedade industrial, nos países mais desenvolvidos, foram observadas
profundas modificações na forma de encarar a educação. Era necessário eliminar
o analfabetismo e dotar a população de um mínimo de qualificação para o tra-
balho, por exigência do processo de produção e pelas necessidades de consumo
ditadas por essa produção. Crescia a necessidade de leitura e de escrita, como
um pré-requisito para um melhor posicionamento frente à concorrência no mer-
cado de trabalho. Com isso, também crescia a demanda social da educação.
Com relação à educação no século XVIII, como afirma Patto, “Os sistemas de
ensino não são, portanto, uma realidade durante os 70 primeiros anos do século
retrasado” (PATTO, 1993, p. 26), quando o progresso visível não foi em relação ao
Ensino Fundamental. Apesar da vulgarização do livro, o número de analfabetos
permaneceu grande, pois o ensino primário era ministrado por professores pri-
vados e governantas e, portanto, era restrito às crianças burguesas.
Como não poderia deixar de ser, o Brasil também buscou adaptar-se a essa
mudança de paradigma por meio de reformas como a de Sampaio Dória, em
São Paulo (1920); a de Anísio Teixeira, na Bahia (1925); a de Fernando Azevedo,
no então Distrito Federal – a cidade do Rio de Janeiro (1928), entre outras. Todos
se basearam nos modelos europeu e norte-americano da Escola Nova, o que
também não resultou, nessa época, em mudanças significativas para a educação
brasileira, que não se firmou como educação popular. A ênfase no técnico e no
pedagógico deixou de lado uma característica fundamental da educação: de ser
uma prática eminentemente política.
Analfabetismo funcional
De acordo com o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf ),
temos atualmente 16 milhões de analfabetos absolutos com 15 anos de idade
ou mais (9% da população). Lendo a história do Brasil e particularmente a histó-
ria da educação no Brasil, encontramos os índices de analfabetismo, pobreza e
exclusão social apontando a urgente necessidade de uma revisão nas propostas
de abordagem da leitura em nossa sociedade. A falta de interesse pela leitura
denuncia a falta de interesse pela forma de constituição da nossa sociedade e
do entendimento de como mudar aquilo que para a maioria “é assim mesmo”, o
que significa dizer que a elevação das condições do ser humano deve preceder à
promoção da leitura em nosso país. Dito de outra forma, elevem-se as condições
de “ser mais” a que todo sujeito tem direito e consequentemente a leitura será
promovida, pois que antes promoveu-se a própria leitura de mundo do sujeito.
Chegamos, assim, em 2005, ainda com um grande déficit quanto aos núme-
ros da leitura em nosso país, mas na verdade não se trata de um déficit nos nú-
meros senão na própria condição da educação pensada e praticada em nossa
sociedade. Os números apontam para um expressivo problema no modo de se
conduzir a educação escolar, bem como no tratamento do currículo nela prati-
cado – o que, a nosso ver, mais uma vez justifica a importância dessa pesquisa
no âmbito da Educação Superior, pois o problema vai sendo arrastado ao longo
do trajeto escolar do estudante e acaba chegando à universidade. E é preciso,
no âmbito universitário, que haja espaço de discussão acerca do assunto, com as
necessárias medidas saneadoras para o enfrentamento da questão, consideran-
do a educação praticada na universidade e o aluno que se pretende formar.
Nesse sentido, assevera o autor que a leitura não existe fora da história, sendo
uma ação intelectiva por meio da qual – em função de sua experiência, seus
conhecimentos e valores prévios – os sujeitos processam informações codifica-
das em textos escritos. A leitura se faz sempre sobre textos que se dão a ler, que
trazem representações do mundo e com as quais o leitor vê-se obrigado a nego-
ciar. O mesmo autor assim explicita:
Deste modo, a leitura é uma ação cultural. O produto que resulta desta ação não é jamais
a simples acumulação de informações, não importa de que natureza sejam estas, mas a
representação da realidade presente no texto. Um valor, portanto. Um valor que não é criação
original do sujeito, mas algo que se articula com o conjunto de valores e saberes socialmente
dados. (BRITO, 2003, p. 99)
Texto complementar
Exercite sua capacidade de leitura crítica e observe durante um dia de pro-
gramação de TV os comerciais veiculados e registre quais os apelos mais em-
pregados pela publicidade para atrair a atenção do telespectador e levá-lo ao
consumo desenfreado. Aproveite para refletir acerca da condição de cegueira a
que é submetida uma parcela significativa da população brasileira graças à com-
binação de estratégias publicitárias para a valorização do consumo e descaso
das instituições competentes na formação de leitores críticos.
refere-se, claro, à identificação das estratégias usadas para criar o apelo ao con-
sumo. Peça a seus alunos que mencionem os comerciais de que mais gostam,
explicando os motivos que os atraem. É provável que você os ouça cantarolar
jingles e repetir slogans. Procure mostrar a eles como as frases publicitárias são
estruturadas; em seguida, proponha que eles criem material equivalente para
tentar convencer os colegas de classe de que outros produtos são “superiores”,
“melhores”. Ao tentar compor músicas e redigir slogans, eles vão perceber que
a publicidade em torno de um produto às vezes guarda pouca relação com
suas utilidades e qualidades. E que, portanto, produtos inferiores aos fabrica-
dos por concorrentes podem ser mais vendidos porque seus comerciais são
mais atraentes. O exercício permitirá também que eles identifiquem as peças
publicitárias mais honestas: são aquelas baseadas apenas em características
inquestionáveis dos produtos e serviços que promovem.
Dicas de estudo
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1989.
Nesta obra, escrita em linguagem informal e com beleza poética, Freire nos
relata como, nele, se deu o ato de ler, a partir da aproximação de seu mundo com
a palavra escrita.
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Atividades
1. Explique por que se pode dizer que o analfabetismo é uma das principais
causas da exclusão social.
Preocupado com a chamada crise da leitura, Silva (1983) relata que, em 1978,
buscou verificar até que ponto os pesquisadores obtinham respostas para essa
crise em seus trabalhos científicos. Para tanto, selecionou na literatura acadêmi-
ca as investigações sobre leitura já realizadas e em andamento no país e as anali-
sou. Em termos quantitativos, constatou que o volume de pesquisas na área era
ínfimo, considerando a dimensão do problema no país: “verifiquei que o volume
de trabalhos na área era irrisório: a produção de investigações se resumia a 27
estudos” (SILVA, 1983, p. 76). Analisando as pesquisas encontradas em termos
qualitativos, o autor mais uma vez mostra-se decepcionado, pois as pesquisas
possuíam várias falhas. Dentre as quais vale destacar:
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Alguns espaços
de fomento à formação do leitor
Nesse contexto, o ato de ler passa a ser percebido como uma prática social
essencial para o exercício da cidadania e para a constituição de uma nova so-
ciedade que se pretende mais justa e democrática. Sendo assim, não se almeja
mais a formação apenas de leitores (pessoas que saibam decifrar e decodificar o
escrito), mas a formação de leitores críticos (pessoas que assumam uma postura
crítica diante de um texto e da realidade social). Segundo Silva (1983), ler com
criticidade envolve uma constelação de atos complexos da consciência, aciona-
dos durante o processo da leitura – durante o encontro significativo do sujeito-
leitor com o texto. Tais atos envolvem o cotejo, a constatação e a transformação
do texto pelo leitor.
Se Silva (1983) relata ter encontrado, até 1980, apenas 27 pesquisas sobre
leitura, Ferreira (2001) inventaria 189 teses e dissertações defendidas de 1980 a
1995, sendo 108 pesquisas de 1980 a 1990 e 81 pesquisas no cinco anos seguin-
tes (de 1991 a 1995). Isso demonstra que, no Brasil, dentro dos programas de
pós-graduação, vem crescendo muito o interesse pelo estudo da leitura.
Esse catálogo disponível informa que as 408 pesquisas sobre leitura foram
organizadas em oito focos diferentes:
compreensão/desempenho em leitura;
concepção de leitura;
para deficientes visuais etc.). Isso demonstra que a formação de leitores foi es-
tendida para outros espaços além do escolar.
Onde se lê?
Quando se lê?
Porque se lê?
Texto complementar
É interessante notar que parece prevalecer um certo perfil leitor nas grandes
cidades, conforme informações do texto abaixo e declaração da Câmara Brasilei-
ra do Livro (CBL), segundo a qual mais da metade dos leitores pertence ao sexo
feminino. Tomando essa declaração como ponto de partida, aproveite para fazer
uma pesquisa, reconhecendo seu próprio entorno. Observe no seu trajeto diário
de casa para o trabalho, no Metrô ou ônibus, o perfil de leitores com que se
depara – sexo, idade presumida e, se possível, o tipo de leitura realizada. Anote
suas constatações e troque as informações com um ou dois colegas, mapeando
por região, e elaborando um relatório de análise dos dados coletados. Os resulta-
dos podem ser surpreendentes, além de você se iniciar na pesquisa, começando
assim mesmo: observando, investigando.
Dicas de estudo
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2000.
SILVA, Lílian Lopes Martin de (Org.). Entre Leitores: alunos, professores. Campi-
nas: Komedi: Arte Escrita, 1999.
Atividades
1. Pensando em termos de concorrência cultural, quando se observa o compor-
tamento de leitores brasileiros, a que se pode atribuir o contato cada vez me-
nos frequente do leitor com o texto escrito para aquisição de informações?
Em vista de uma série de fatores – dentre os quais o fato de a escola estar per-
dendo seu status de sagrado templo de transmissão da informação e produção
do conhecimento; a massificação dos veículos de informação; a representação
tão fortemente em nós impregnada da atitude do aprendiz diante do mestre; a
revisão do objeto de aprendizado; e tudo o que a escola, felizmente, vem dei-
xando de representar – instaurou-se em nós professores uma sensação de deslo-
camento, uma espécie sucção de nós mesmos, que rapidamente exige que nos
remontemos com aquilo mesmo que restou.
Essas três concepções coexistem na escola e não raro podem ser verifica-
das na ação de um mesmo professor. No caso de uma escola que pesquisamos,
foram constatadas nas posturas dos professores, claramente definidas, uma e
outras concepções.
Para outros, o que de fato importa é que o aluno trave contato com o texto e
dele extraia o sentido que for capaz de inteligir.
Segundo Castello-Pereira,
O ensino de leitura no curso superior não tem sido diferente, mesmo porque a grande
maioria dos professores normalmente parte do pressuposto de que o aluno chega a
esse grau de ensino com capital cultural necessário ao trabalho intelectual, dominando
os vários tipos de leituras, os mais variados gêneros discursivos, entre eles os teóricos,
necessários no dia-a-dia da universidade, bem como os demais procedimentos intelectuais
como a disciplina, a determinação, a organização, o investimento, necessários ao estudo,
à pesquisa e ao exercício do magistério. O próprio curso, com sua organização curricular,
pressupõe um aluno com essas características. Sabe-se que essa não é a realidade, tanto
o Ensino Fundamental como o Ensino Médio não possibilitam essa vivência, e a maioria
dos alunos provêm de classes sociais que não têm a vivência cultural do ler e do estudar
no seu cotidiano, portanto não podem adquirir os procedimentos intelectuais exigidos.
(CASTELLO-PEREIRA, 2003, p. 62)
leitura ainda não se constitui uma ação privilegiada –, também não é proveniente
de famílias cuja atividade predominante tenha sido a intelectiva. Assim, para ele,
o mundo da leitura parece ainda inexplorável, pois nele não habitam e nem se
reconhecem.
Desenvolvimento
do ensino da leitura de estudos
Castello-Pereira (2003) destaca que, normalmente, o ensino universitário não
é pensado de forma que possa introduzir os alunos no mundo da leitura. Ao
trabalharem com a leitura, os professores partem do pressuposto que o aluno
é autônomo, cobram a compreensão e o desenvolvimento dos trabalhos como
se todos tivessem a mesma capacidade de compreensão e de trabalho. Isso é
claramente verificável na atitude dos professores de diferentes escolas, em que
os procedimentos de ensino de leitura nem de longe levam em conta a necessi-
dade de um acompanhamento mais próximo do movimento que fazem aluno e
texto nesse ato que, no nível superior de ensino, não é uma leitura despretensio-
sa, desobrigada de um posicionamento ou de outros desdobramentos, mas uma
leitura de estudo, para aprender, e que tampouco se caracteriza como leitura
solitária, pois, ao propô-la, o professor já definiu escolhas prévias, posicionou-se,
e pretende compartilhar essas ideias e escolhas com os alunos. Daí que a leitu-
ra de estudo deva ser suficientemente compreendida antes pelo professor, ou
pelos professores.
Como a temática em torno do ensino de leitura ainda tem sido alvo de muitos
estudiosos e pesquisadores, muitas têm sido as sugestões de abordagem do
problema e as orientações didáticas acerca de como tratar a questão em sala de
aula. No entanto, conforme Castello-Pereira (2003), essas orientações podem ser
eficazes para quem já é bom leitor e só precisa adquirir uma disciplina de estudo,
mas quem não está habituado a ler textos teóricos terá grande dificuldade para
conseguir compreender e estudar somente seguindo essas instruções. E, como
O que se depreende, portanto, é que esses alunos não sabem ler para estu-
dar, não sabem ler para aprender, não sabem praticar a ação que eles acredi-
tam que seus professores sabem fazer.
Sendo assim, esses professores devem ensinar a seus alunos como ler para
estudar – cada professor em sua aula, mediante o objeto cognoscível que maneja
frequentemente.
Texto complementar
Depois de ler o trecho do belíssimo poema de Olavo Bilac, reflita acerca do
engenho ou, segundo Bilac, da peripécia que é escrever. Em seguida, tente brin-
car um pouco com as palavras, a título de experimentar o que o poeta descreve,
criando um verso ou uma poesia sobre a temática da leitura ou da escrita e com-
partilhe a experiência com seus colegas.
Profissão de fé (fragmento)
(BILAC, 2009)
Dica de estudo
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura: perspectivas interdis-
ciplinares. São Paulo: Ática, 2000.
Atividades
1. O que significa dizer que o ensino da leitura é um ato político?
2. Na sua opinião e com base na discussão oferecida nesta lição, qual deveria
ser o papel da escola no ensino da leitura?
A responsabilidade
compartilhada de leiturizar
Efetuamos registro do trajeto das observações e práticas curriculares
que vimos desenvolvendo ao longo de nossas atividades docentes, bem
como dos projetos pedagógicos das instituições por que passamos e que,
paulatinamente, vêm se alterando – em particular, em razão do entendi-
mento, pelas escolas, da identidade de seus alunos: quem são, de onde
vêm, como vêm, que sentido dão à sua própria existência, o que buscam e
que caminhos poderão seguir. As informações levantadas nos apontaram
o desconhecimento dos professores acerca de uma metodologia mais
eficaz no tratamento da leitura de estudos – mais exatamente, a leitura de
textos acadêmicos –, o que sugere a necessidade de um trabalho coopera-
tivo em que se busquem as medidas saneadoras para o enfrentamento da
questão, para além de uma disciplina, em uma perspectiva coletiva para
trabalho, pois, conforme Militão,
Se, na sociedade como um todo, a participação de cada um é condição essencial
para uma melhor qualidade de vida, na escola essa participação é o que caracteriza
um verdadeiro processo educativo. Na escola, quando não há participação, não há
educação. Poderão estar ocorrendo outras práticas sociais, mas, seguramente, não
estará ocorrendo verdadeira educação. (MILITÃO, 2003, p. 5)
O Problema
do que leem, ou até mesmo que isso não seja problema dos atuais professores,
pois problema de leitura é assunto que deveria ter sido resolvido anteriormente,
nos primeiros anos da Educação Básica. Ocorre que, se não foi resolvido antes,
o problema ainda se manifesta nos espaços da universidade, não se podendo
considerar como natural, que nada se possa fazer com vistas à sua superação.
Texto complementar
Aproveite para refletir sobre seu próprio processo de escolarização, tentando
lembrar-se das atividades significativas de aprendizado em que você aprendeu
algo a partir da intervenção mais pontual de seu professor em sala de aula. Re-
gistre esta experiência e tente construir ao menos uma, adaptada aos alunos de
hoje, que você proporia para o exercício de ensino da leitura, a partir das consi-
derações tecidas no excerto seguinte.
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 109
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Dicas de estudo
GERALDI, J. Wanderley. Linguagem e Ensino: exercício de militância e divulga-
ção. Campinas: Mercado das Letras/ALB, 1999.
Atividades
1. Explique o conceito de leiturização, cunhado pelo autor francês Jean
Foucambert.
Leitura e letramento
1. Letrar é mais do que alfabetizar: é ensinar a ler e a escrever dentro de um
contexto em que a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da
vida do aluno, enquanto alfabetizar limita-se à ação de mera decifração
do código. A ação de letrar pode contribuir significativamente para a for-
mação do leitor crítico, autônomo e independente.
As funções da leitura
1. Elas podem ter as mais diversas finalidades, desde orientar-nos, infor-
mar-nos, divertir-nos, passando por convencer-nos, ensinar-nos, até nos
levar a estudar, e todas guardam em si possibilidades de ampliar a visão
de mundo e alterar nossa realidade, desde que atendamos às suas espe-
cificidades.
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3. A leitura de estudo deve ter como finalidade extrair tudo que se possa:
como o texto se organiza, de que assunto trata e como trata tal assunto,
ou seja, a depreensão de seu arranjo estrutural e linguístico, do assunto
em si e de como o autor se posiciona em relação ao assunto.
O leitor e a leiturização
1. Sob a ideia da desescolarização da leitura, Jean Foucambert defende que
a escola é apenas um momento da formação do leitor e que uma verda-
deira política de leiturização exige a mobilização, a ativação e o desenvol-
vimento consciente dos meios existentes (estruturais, materiais e huma-
nos) como forma de redução do analfabetismo na população adulta. Na
escola e fora dela, isso impõe novas formas de se lidar com as disciplinas
– como se convencionou chamar as áreas do conhecimento –, estabele-
cendo entre elas e seus agentes profícuo diálogo, de modo a promover a
extinção de fronteiras que as isolem.
3. Para além dos textos e dos códigos que constituem a própria dinâmica
da interação comunicativa, homens e mulheres se veem na constante
exigência de terem de reinventar, representar, ressignificar e expressar a
realidade que os circunda de variadas formas. Assim, pintura, literatura,
música e paisagem urbana podem nos servir como modelos, ou, antes,
exemplos de linguagens de que vêm se servindo agrupamentos sociais
em diferentes épocas e contextos para exprimirem suas ideias, resultan-
tes de aspirações, sentimentos reprimidos, desejos, protestos etc.
1. O contato cada vez menos frequente do leitor com o texto escrito pode
ser atribuído às outras mídias, principalmente a televisão e a internet,
uma vez que a imagem parece acirrar a competitividade no que toca à
rapidez na aquisição de qualquer informação.
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