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Eliana Ribeiro da Silva

Formação do Leitor

2009
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por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

S586 Silva, Eliana Ribeiro da. / Formação do Leitor. / Eliana


Ribeiro da Silva. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
128 p.

ISBN: 978-85-387-0801-8

1. Interesse na leitura. 2. Livros e Leitura. 3. Leitura – Estudo e


Ensino. I. Título.

CDD 028.9

Capa: IESDE Brasil S.A.


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Eliana Ribeiro da Silva

Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo


(PUC-SP), mestre em Linguística pela Universidade de São Paulo (USP), especia-
lista em Docência no Ensino Superior pela Universidade Cidade de São Paulo
(Unicid), especialista em Gramática da Língua Portuguesa pela Universidade São
Judas Tadeu, graduada em Letras Português-Inglês pela Unicid.

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Sumário
Concepções de leitura, texto e leitor................................. 11
Afinal, o que se pensa a respeito de leitura, texto e leitor?......................................... 11
Texto verbal, não verbal e sincrético................................................................................... 14
Distinções entre ledor e leitor................................................................................................ 14
Leitura e interdisciplinaridade............................................................................................... 16
Texto e discurso.......................................................................................................................... 16

Leitura e letramento................................................................. 23
Concepções de leitura e letramento................................................................................... 23

As funções da leitura................................................................ 39
A leitura de estudo..................................................................................................................... 39
Ler para aprender a estudar................................................................................................... 40
Estudar para aprender a ler.................................................................................................... 42
Os leitores enfrentam os textos............................................................................................ 43
A concepção freireana de leitura.......................................................................................... 44

O leitor e a leiturização............................................................ 51
O processo de desescolarização da leitura e a dialogicidade.................................... 51
A leitura e a pintura................................................................................................................... 53
A leitura e a literatura................................................................................................................ 54
A leitura e a música.................................................................................................................... 56

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A constituição histórica da leitura no Brasil..................... 65
Analfabetismo pleno................................................................................................................. 68
Analfabetismo funcional......................................................................................................... 70
As políticas de promoção da leitura.................................................................................... 70
Os impactos da promoção da alfabetização.................................................................... 72

As pesquisas sobre leitura no Brasil.................................... 79


O processo de formação do leitor........................................................................................ 79
A produção da pesquisa em leitura no Brasil................................................................... 80
Alguns espaços de fomento à formação do leitor......................................................... 83
A formação do pesquisador em leitura.............................................................................. 87

Ensino e aprendizagem de leitura na escola................... 93


O ensino da leitura como um ato político......................................................................... 93
A importância do ato de ler.................................................................................................... 96
Sobre as atividades de ensino da leitura........................................................................... 97
Desenvolvimento do ensino da leitura de estudos....................................................... 99

Os desafios da leiturização:
caminhos da intervenção.....................................................105
A responsabilidade compartilhada de leiturizar...........................................................105
A leitura como compromisso institucional.....................................................................106
Propostas de atividades de leitura e escrita...................................................................107
Últimas considerações sobre o papel do leitor e do formador de leitores.........108

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Gabarito......................................................................................115

Referências.................................................................................123

Anotações..................................................................................127

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Apresentação

A formação de leitores é um desafio em nosso país. Nem é o caso de lem-


brar, neste momento, os índices de analfabetismo pleno e funcional. Antes disso,
já podemos considerar os testemunhos do baixo índice de leitura e da falta de
intimidade com o texto escrito por parte dos estudantes universitários.

Para ajudá-lo a fazer frente a essa situação em seu dia a dia como profes-
sor, o presente material oferece uma problematização acerca das concepções de
leitura, texto, leitor, sempre considerando a perspectiva de Paulo Freire no que diz
respeito à educação para a emancipação, em que o sujeito participe na constru-
ção desse processo.

Os sujeitos que vamos encontrar em nosso trajeto são o estudante, o pro-


fessor e o autor, todos se articulando a partir de suas experiências e sua realida-
de com o texto – desde uma placa de rua até, notadamente, o texto acadêmico,
aquele com que os estudantes universitários precisam se defrontar no percurso
de sua formação.

Para que a nossa temática seja apreciada tanto em sua formação histórica
como em seu panorama atual, dividimos o nosso conteúdo em oito unidades:

1) Concepções de leitura, texto e leitor.

2) Leitura e letramento.

3) As funções da leitura.

4) O leitor e a leiturização.

5) A constituição histórica da leitura no Brasil.

6) As pesquisas sobre leitura no Brasil.

7) Ensino e aprendizagem de leitura na escola.

8) Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção.

A partir dessa discussão você estará mais bem orientado para iniciar uma
reflexão, rumo à ação, acerca das principais questões que envolvem a formação
de leitores, um desafio que se apresentará a cada início de ano letivo, a cada aula
e a cada contato com o texto.

Boa leitura!

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Concepções de leitura, texto e leitor

O primeiro tema de nossa disciplina – a saber: Concepções de leitura,


texto e leitor – interessa à abertura da discussão acerca da formação do
leitor exatamente pelas ideias um tanto equivocadas, e por isso limitadas,
veiculadas nos variados contextos sociais a respeito do que sejam tais
conceitos e do que efetivamente se deva entender sobre eles, a fim de
que se possam ampliar as possibilidades de recursos para a suficiente for-
mação do leitor que hoje a sociedade necessita e espera que os espaços
de aprendizagem formem. Daí, recuperar as representações culturalmen-
te construídas acerca de leitura, texto e leitor é o objetivo principal desta
lição, uma vez que trabalhar com as representações ajuda-nos a compre-
ender um processo e, na necessidade, reconduzi-lo.

Afinal, o que se pensa


a respeito de leitura, texto e leitor?
O que um grupo pensa a respeito de determinado assunto implica dire-
tamente a nossa postura docente, tanto do ponto de vista da metodologia
a ser empregada na condução do processo ensino-aprendizagem, quanto
do ponto de vista da possível intervenção acerca do entendimento sobre
o objeto de ensino. Assim, trazer as considerações mais correntes acerca
desses conceitos deverá nos ajudar no entendimento dessa que tem sido
uma questão bastante delicada, com reflexos que se fazem sentir em di-
ferentes situações da vida do brasileiro comum – mulheres e homens – e
que esbarra diretamente na ampliação da visão de mundo dessas pessoas
que, no dia-a-dia, se veem diante de pequenos problemas para cuja reso-
lução a leitura se impõe.

A experiência sensível com a realidade tem confirmado que tudo o que


se entende a respeito de leitura se resume na mera decifração do código
linguístico e que, portanto, ler é uma atividade que se limita à junção de
letras para formar sílabas, de sílabas para formar palavras – e estas sem o
alcance das ideias de que efetivamente estão revestidas.

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Formação do Leitor

Se tudo o que se entende a respeito de leitura limita-se a isso que acabamos


de expor, pode-se, facilmente, deduzir daí uma outra compreensão equivocada:
a de texto como sendo exclusivamente uma produção verbal escrita, o que põe
de fora qualquer possibilidade de se imaginar como texto, por exemplo, um
bailado, um espetáculo teatral, um desfile militar, um arranjo de flores.

A consequência dessas representações simplistas acerca de leitura e texto


é uma concepção de leitor igualmente simplista e superficial em que, nos di-
ferentes contextos de ensino-aprendizagem de leitura, exercita-se o sujeito
aprendente no contato exclusivo com a palavra escrita como objeto de leitura,
tirando-lhe, portanto, o contato com qualquer outra possibilidade de ampliação
de sua visão de mundo e a desejável compreensão crítica do mundo.

Feitas essas primeiras considerações sobre o que não é suficiente saber e


praticar relativamente à formação do leitor – portanto, o que negamos a res-
peito dessa formação –, é hora de expor o que afirmamos a respeito, ou seja,
aquilo que acreditamos potencializar essa formação.

Leitura de mundo e leitura da palavra


A leitura de mundo precede sempre a leitura da palavra,
e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele, daí a “palavramundo”.

Paulo Freire

Quando pensamos que tudo o que uma pessoa sabe a respeito do mundo
em que vive é capturado e expresso pelas palavras, faz todo o sentido pensar
também que o que vem antes da leitura da palavra deva ser mesmo a leitura
do mundo em que essa pessoa se move. Portanto, leitura, nesse sentido, sig-
nifica desvelamento dos valores implícitos que se dão nas relações entre as
pessoas do mundo em que nos movemos, e que essa mobilidade não se dá
sem força, sem a imposição do poder de uns sobre os outros. Entender como
isso se dá e como nos posicionamos em relação ao engendramento dessas
forças, nos leva em contato com a palavra escrita de modo significativamente
mais seguro para compreender como, por meio da palavra, a realidade pode
ser modificada, pois o modo como a palavra – falada ou escrita – é engenhosa-
mente trabalhada pode levar seu leitor, segundo os dizeres de Freire, à domes-
ticação ou à libertação. Logo, ensinar e aprender a ler está a serviço de uma
ou outra postura, não se ensina sem que sejam feitas escolhas – e as escolhas
implicam alteração de visões.

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Concepções de leitura, texto e leitor

Embora o foco de discussão deste trabalho seja a leitura, e não propriamente


a escrita, não seria possível tratar daquela sem se referir a esta. Assim, o que se
propõe neste momento é, antes, esclarecer o significado, inicialmente arqueológi-
co, da palavra ler, do latim legere < legin = “coletar, compreender”, do qual decorre a
leitura, esta entendida como atividade de apreensão do mundo, isto é, da realida-
de concreta vivencial do sujeito, leitor da palavra impressa, ou outro código, como
a atividade de apreensão deste mundo do qual o sujeito faz parte. Assim, a leitura
do texto escrito é um dos objetos de apreensão do mundo, não mais importante
que os outros “objetos do mundo”, pois sendo o conhecimento construção cole-
tiva, fruto do esforço comum entre homens e mulheres, ao ser o acesso ao co-
nhecimento negado ao sujeito, ou desigualmente distribuído, não reunindo este
condições nem ao menos de “ler” o seu entorno, de questionar sua situação de fra-
gilidade, a leitura da palavra impressa não poderá ser por ele buscada. O caminho
não se dá da leitura da palavra para a leitura do mundo, mas o contrário: da leitura
do mundo para a leitura da palavra, o que possibilita que se volte à leitura daquele
de modo ressignificado. Não nos parece que se trate de orientar os educandos a
lerem este ou aquele autor, esta ou aquela obra, sem que antes tenham olhado
para si e à sua volta e percebido os limites e as possibilidades de uma real e efetiva
mudança, bem como as relações de força-poder que cingem sua convivência com
outros sujeitos (os mais distantes e os mais próximos).

A segunda questão, e não menos importante, parece ser a de esclarecer que


a distribuição da escrita é socialmente diferenciada por questões econômicas e
culturais. Isso porque as camadas sociais ditas de prestígio, por exercerem ativi-
dades assim denominadas, têm acesso aos bens culturais de que as demais ca-
madas não dispõem. Assim, as crianças daquela camada social, supostamente,
já nascem “mergulhadas” na escrita. O mundo construído nos livros e os per-
sonagens que nele habitam já se dão a conhecer nesses casos, antes mesmo
da chegada dessas crianças à escola, por meio das histórias que os mais velhos
lhes contam e cantam. Além disso, a possibilidade de inserção no universo da
cultura de modo geral (teatros, museus, cinemas, exposições de arte, viagens) e
no mundo da escrita de modo particular (livros de todos os tamanhos e forma-
tos, revistas, jornais) já está, por assim dizer, garantida. Já para as famílias pro-
venientes das camadas populares da sociedade, o contato com esses mesmos
bens culturais somente poderá ser proporcionado, mais tarde, pela escola.

Daí que a apropriação da compreensão da realidade, socialmente construída


por homens e mulheres cujos interesses colocam em dúvida a igualdade das
condições de vida, orienta educadores e educandos na busca do efetivo exercí-
cio da cidadania, característica tão apregoada pela atual Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB).

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Texto verbal, não verbal e sincrético


Conforme a introdução desta lição, esclarecer os possíveis sentidos de texto
interessa muito de perto para a ampliação da compreensão de leitura e forma-
ção de leitor – objetivo central desta disciplina.

Na perspectiva da análise semiótica (entendida como ciência geral dos pro-


cessos de significação), pode-se tomar o texto como resultante da expressão de
ideias por meio de um código – conjunto de sinais sistematicamente organiza-
dos – que pode apresentar as seguintes características:

 presença da palavra – escrita ou falada  código verbal, ex.: no texto da


bula de remédio;

 ausência da palavra – escrita ou falada  código não verbal, ex.: em um


desenho ou pintura;
 combinação dos códigos verbal e não verbal  código sincrético, ex.: no
texto das histórias em quadrinhos.

O esclarecimento desses códigos deve nos auxiliar na adoção de uma postu-


ra mais abrangente, e por isso crítica – ora como professores, ora como alunos –,
diante dos objetos de leitura. E agora sabemos que esses objetos de leitura não
se limitam a um texto escrito pela simples, e ao mesmo tempo complexa, razão
de o mundo culturalmente construído dar-se a nós mediante diferentes modos
e por interesses diversos: somente a expressão verbal não daria conta de explicá-lo,
embora seja por meio dela que podemos compreender este mesmo mundo.

Distinções entre ledor e leitor


Se, nessa discussão que ora desenvolvemos, optamos pela ampliação da
visão de mundo como característica definidora da formação do leitor, torna-se
essencial que explicitemos a postura de leitor que se reconhece atualmente, no
mundo globalizado, um leitor que os espaços de formação deverão ter a respon-
sabilidade de formar, e da qual a escola não poderá se furtar.

Partindo de uma explicação inicialmente bastante superficial, mas didatica-


mente importante, deve-se – para a excelência do exercício de ensinar-aprender
– distinguir os tipos de leitor que interessa formar em vista dos objetos de leitura
a que esses leitores estão submetidos na dinâmica cotidiana de enfrentamento
das situações-problema nos variados campos de inserção social, seja no trabalho,
na igreja, passando pelo campo familiar, escolar, pessoal, entre muitos outros.

O exercício passivo do contato com o texto exclusivamente escrito, atividade


que ocorre fundamentalmente na escola, tem sido o principal incentivador da

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Concepções de leitura, texto e leitor

formação de leitores ingênuos ou simplesmente ledores: pessoas que não apren-


deram a ler, mas antes foram treinadas a correr os olhos pelas palavras que forram
a folha, acreditando que fazendo assim estariam exercitando a leitura.

Tentando explicitar a concepção de leitor, pode-se dizer, em uma abordagem


sociossemiótica, que ele é o sujeito codificador e decodificador das relações in-
tersubjetivo-espaço-temporais e cujo objeto de leitura constitui-se dos códigos
verbal, não-verbal e sincrético.

Prática inversamente oposta é a da formação do leitor crítico, cuja compreen-


são Ângela Kleiman nos ajuda a apreender:
Toda leitura crítica, aquela que desmascara os valores, saberes e práticas que são reproduzidos
no texto, principalmente naqueles dos meios de comunicação de massa, parte da recuperação
do sentido pretendido pelo autor. A leitura crítica tem um potencial emancipador contra a
fragmentação e alienação, mas o leitor crítico é, por definição, um leitor, nunca um decifrador.
(KLEIMAN, 1999, p. 123)

A ideia de leitor crítico como aquele que se posiciona ativamente, duvidando,


comparando, questionando aquilo que impositivamente a realidade lhe oferece
para a aceitação passiva, relaciona-se estreitamente com a ideia de conscientiza-
ção, sobre a qual Paulo Freire assim discorre:
A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais conscientização, mais
se “des-vela” a realidade, mais se penetra na essência fenomênica do objeto, frente ao qual
nos encontramos para analisá-lo. Por esta mesma razão, a conscientização não consiste em
“estar frente à realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização
não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação-reflexão. (FREIRE, 2001, p. 27)

Esse leitor crítico, para cuja formação a escola deve se preparar mais eficaz e
eficientemente, também exige profissionais igualmente bem formados. Decorre
daí um outro inquietante questionamento:

 Como formar professores com potencial crítico?

 Como formar professores aptos a construir um currículo crítico de leitura?

Certamente que isso não depende apenas do querer-fazer dos professores,


senão da necessária conscientização da necessidade de se criar políticas públicas
educacionais (de modo geral) e de leitura (de modo particular) nas instituições
ensinantes, políticas mais eficientes, mais includentes – inclusive para os profes-
sores e professoras, no sentido do investimento em sua formação continuada.

Também se sabe, entretanto, o quanto um trabalho localizado e eficiente


pode contribuir para a geração de leitores críticos, a começar por conhecer os
significados e as necessidades locais que dificultam e impedem a realização de
um trabalho mais pontual.

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Formação do Leitor

Importante também não perdermos de vista o sentido de nossas ações:


frequentemente, deveríamos fazer pausas para buscarmos respostas para algu-
mas perguntas:

 Para que estamos ensinando nossos alunos?

 Que sociedade estamos formando com a educação que estamos fazendo?

Isso também exige de professores e professoras um posicionamento crítico.

Leitura e interdisciplinaridade
O que até aqui já se disse a respeito dos principais conceitos relativos à prática
formativa do leitor nos coloca em condição de refletir a respeito da necessidade
de adoção de uma postura interdisciplinar quanto ao ensino-aprendizagem da
leitura.

Por postura interdisciplinar o que se quer dizer é a respeito da atividade de


leitura que ultrapasse o saber de um único sujeito para o compartilhamento de
todos os demais envolvidos, que transcenda uma área específica do conheci-
mento e ultrapasse fronteiras para a depreensão do todo, que mobilize diversos
olhares para que se enxergue o objeto por diferentes ângulos.

Com Bispo, entendemos que nossa prática docente é permanentemente cingi-


da de desafios, e o trabalho coletivo na busca da conscientização talvez seja o
maior deles:
Acreditamos estar aí o primeiro desafio à adoção de uma postura interdisciplinar: o desafio de
o professor mesmo reconhecer seus limites de atuação e dar a voz e a vez ao outro e junto com
ele realizar: chamando o outro a envolver-se, contextualizar-se, observar à sua volta, analisar
o seu universo, enfim perceber as relações que cingem toda a cadeia de conhecimentos, pois
este é sem dúvida relacional, e o homem, na ânsia de saber, deve perceber as relações que
engendram a convivência social. (BISPO, 2003, p. 79)

Já sabemos que um trabalho de intervenção, em que se promoverão altera-


ções na “ordem natural das coisas”, não se poderá realizar sem embates ou re-
sistências. Nesse sentido, o manejo da comunicação constitui-se em um outro
desafio a ser superado.

Texto e discurso
A importância acerca da distinção entre texto e discurso recai exatamente na
estreita relação que ambos os termos contraem, uma vez que todo texto contém

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Concepções de leitura, texto e leitor

um posicionamento dentro de um debate de escala mais ampla, o que equivale


a dizer que todo texto é intencional, e o desafio do leitor está em desvelar o dis-
curso subjacente ao código usado na produção desse texto.

Em Pais (1997), encontramos relevante contribuição no que concerne aos es-


clarecimentos acerca da distinção entre texto e discurso. Considera o autor que
os termos texto e discurso vêm sendo utilizados, com frequência considerável,
por escolas muito diversas, fato que terminou por atribuir-lhes caráter altamente
polissêmico – sem dúvida pouco compatível com a preocupação, própria à ciên-
cia, de procurar estabelecer definições precisas e operacionais. As noções que
estes termos recobrem – ou tentam recobrir – são no entanto fundamentais, in-
dispensáveis nos estudos semióticos e linguísticos contemporâneos, impondo,
pois, aos pesquisadores, a sua permanente rediscussão.

Ainda segundo o autor,


Para as correntes ditas estruturalistas, discurso designa, de modo geral, ou ato de fala (parole)
ou algo bastante próximo de texto, equivalente este a um enunciado ou à coisa enunciada,
com algumas nuanças, certamente, que contribuem para a perplexidade dos leitores não
iniciados. São, na verdade, parassinônimos. A concepção estática de sistema e estrutura, um
dos denominadores comuns daquelas correntes, exigia que assim fosse. (PAIS, 1978, p. 39-49)

Prossegue, o mesmo autor, elucidando que


[...] a noção de discurso, na Semiótica e na Linguística atuais, ultrapassa amplamente os limites
do texto como coisa enunciada. Desenvolve-se um discurso num contexto sociocultural que
o envolve e que se desloca no eixo do tempo, o tempo da História (com H maiúsculo). (PAIS,
1978, p. 39-49)

Pelas concepções de leitura e de texto aqui apontadas, emergem algumas


reflexões importantes. A primeira delas refere-se ao poder, ainda que simbólico,
que o falante ou escritor adquire ao fazer uso da palavra do outro – por exemplo,
quando apresenta uma citação. Aliás, pode-se até dizer que a citação é a publi-
cidade do intelectual ou, dizendo por outras palavras, “eu extraio a autoridade
pela palavra do outro”, ou, no dizer de Lacan, “o homem é o produtor de seu dis-
curso e o produto dele”. Decorre daí a urgência da ressignificação de se aprender
a leitura, não apenas nas aulas de Língua Portuguesa, nem somente tomando o
texto como objeto de leitura, como também o discurso com que este texto se
recobre.

Se o que se pretende aqui é a discussão acerca da busca da construção da


identidade do leitor, cabe assim o seguinte questionamento:

Que contribuição o currículo crítico pode oferecer à formação do leitor


crítico?

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Formação do Leitor

Texto complementar
Depois de ler cuidadosamente o nosso texto complementar, pense sobre
seu próprio processo de apropriação da leitura, tentando responder a algumas
perguntas:

 Do que você consegue se lembrar, o que ou quem mais fortemente in-


fluenciou sua formação como leitor ou leitora?

 O que você recomendaria a um professor sobre o uso de textos em sala


de aula?

 Você considera importante que os alunos saibam que leituras influencia-


ram a formação não só profissional como pessoal de seus professores?

Responda por escrito – a fim de reler e refletir a respeito – e justifique suas


respostas.

Literatura para quê?


(CADEMARTORI, 2006, p. 12-13)

Todos nós sabemos que é muito importante saber ler para ter melhores
oportunidades de trabalho, para tentar melhorar de vida e enfrentar as muitas
situações diferentes que encontramos no dia-a-dia. Mas por que é importante
ler também obras literárias como romances, contos e poemas? Durante todos
os dias de nossas vidas, fazemos e dizemos coisas muitas vezes sem pensar
muito, quase que automaticamente. Dessas coisas todas, passado algum
tempo, o que fica em nossa memória? O que faz diferença para nossa vida?
Pouca coisa. Daquilo que nos lembramos o que fica de mais marcante são
certos momentos especiais, em que enxergamos o mundo, nós mesmos ou
outras pessoas de uma outra maneira. São momentos em que vivemos a vida
mais intensamente – em que somos mais nós mesmos.

Uma angústia que sentimos no peito sem saber direito o porquê. Um


sonho que tivemos – dormindo ou acordados – e que nos deixou com uma

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Concepções de leitura, texto e leitor

sensação diferente, boa ou ruim. Um sentimento que temos por uma outra
pessoa e que não conseguimos direito transformar em palavras. A saudade
de alguém, de um lugar, de uma época de nossa vida. No meio de centenas
de pedestres andando apressados no meio da rua, podemos às vezes parar e
perceber um detalhe, uma história que está acontecendo ali ao lado, mas que
ninguém está enxergando. Deixar de ser aquela pessoa que está sacolejando
dentro de um ônibus para se colocar por alguns momentos, em imaginação,
na pele de um aventureiro que esteve cruzando os mares numa caravela há
mais de 500 anos!

Onde podemos ler e compartilhar esse tipo de experiência? Numa revista


sobre esportes? Na primeira página de um jornal? Num livro de receitas? Não,
só mesmo nas obras literárias. É nos romances, nos contos, nos poemas que a
imaginação, tanto do autor como do leitor, acabam se completando: um livro
só ganha vida no momento em que alguém o apanha e abre suas páginas
para descobrir o mundo que se esconde ali dentro. Abrir um livro é como
abrir os olhos e o coração tanto para o que está dentro de nós, como para o
mundo ao nosso redor. Despertar a imaginação para aprender a ver de outra
maneira a vida que temos hoje e a vida diferente que ainda podemos ter.

Dicas de estudo
ROSING, Tânia M. K. A Formação do Professor e a Questão da Leitura. Passo
Fundo: UPF, 1996.

Em linguagem clara, são oferecidas importantes contribuições acerca de como


uma pesquisa sobre leitura ocorreu em uma universidade, com professores de
cursos de licenciatura e no uso de textos acadêmicos.

<www.pnll.gov.br>

Este site pode oferecer informações bastante valiosas acerca das ações – nos
âmbitos público e privado – desencadeadas em prol da leitura no Brasil e no
mundo.

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Formação do Leitor

Atividades
1. Explique as concepções de leitura e leitor afirmadas nesta lição e argumente
sobre a contribuição que elas oferecem à ampliação da visão de mundo dos
indivíduos que delas se apropriam.

2. Explique a afirmação de Paulo Freire de que “a leitura do mundo precede


sempre a leitura da palavra e que a leitura desta implica a continuidade da
leitura daquele, daí ‘palavramundo’ ”.

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Concepções de leitura, texto e leitor

3. Para ampliar a compreensão do que nesta lição se afirma sobre o que seja tex-
to, explique os textos verbal, não verbal e sincrético, apresentando exemplos.

4. A quem cabe a responsabilidade por ensinar a ler os textos na escola? Justi-


fique sua resposta.

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Leitura e letramento

Concepções de leitura e letramento


O tema de nossa disciplina (leitura e letramento) interessa principal-
mente pela contribuição que o esclarecimento desses conceitos pode
oferecer aos professores no desenvolvimento de suas atividades docen-
tes, uma vez que a condição de utilizar o conhecimento de leitura nas ati-
vidades cotidianas nem sempre é assegurada pelo domínio daquilo que
o senso comum considera como leitura: decifração mecânica do código
linguístico. Não! Fazer uso da leitura, para a mobilização nos diversos do-
mínios de atuação, requer mais do que essa atividade e, por isso, se exige
dos professores, antes de mais nada, a distinção de tais conceitos.

Esse é o objetivo desta aula: possibilitar que, a partir do entendimento


que se deve ter acerca do que sejam leitura e letramento, os alunos dos
cursos de formação de professores possam se preparar para a organização
de práticas que identifiquem as necessidades cotidianas do uso social da
leitura a seus educandos, assegurando participação efetiva nos diversos
domínios em que essa competência comunicativa (a leitura) se faça pre-
sente. Sem essa participação, a educação para a cidadania não terá atin-
gido sua eficácia.

Afinal, o que se deve saber acerca de leitura e letramento?

Sobre as questões que envolvem tanto a alfabetização quanto o letra-


mento, o conceito de leitura é de fundamental presença, uma vez que a
leitura se constitui na base da alfabetização e do letramento.

A discussão acerca da formação da identidade de leitor não pode pres-


cindir de se considerarem as desigualdades, as diferenças e as disputas
tão fortemente impregnadas nos espaços de produção de poderes e cir-
culação de saberes – como a escola, por exemplo.

Daí que o conceito de letramento não pode equivaler ao conceito de


alfabetização, tomado meramente como movimento de codificação e
decodificação de sinais gráficos, senão associado a uma prática conscien-
tizadora, libertadora, porque está situado em uma dimensão coletiva dos
sujeitos nele implicados.
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Formação do Leitor

Nesse sentido, para Britto,


[...] para que o conceito de letramento possa contribuir para a reflexão e a prática educativa
– escolares e não-escolares –, é preciso enfrentar desde logo uma ameaça muito concreta:
nascido no interior dos estudos da linguagem (mesmo que, em muitos casos, associado
à educação), ele tende a ficar limitado à área dos estudos da linguagem, pouco sendo
consideradas as questões relativas à produção e à circulação do conhecimento. Em outras
palavras, o novo conceito incorporaria os conceitos de alfabetização e de ensino de língua,
limitando-se às questões de aquisição da escrita convencional. (BRITTO, 2003, p. 12)

Nossa concepção acerca da abrangência da ação em que a leitura está envol-


vida encontra ressonância nas considerações do autor:
O que postulo é que o letramento, estando diretamente relacionado com os modos de
escolarização e aos processos de produção e difusão da cultura escrita, não deve ser tomado
como específico da área da linguagem ou, no caso escolar, de Língua Portuguesa nem ser
substituto do conceito de alfabetização. (BRITTO, 2003, p. 13)

Assim, ao olharmos para a realidade escolar, tomando-se seus sujeitos lei-


tores (professores e alunos), constatamos que, a despeito de algumas bem in-
tencionadas ações de tratamento do problema que os envolve, tais ações estão
longe de se constituírem em medidas saneadoras ou de superação do proble-
ma, exatamente porque ainda se insiste em tratar a questão de modo isolado,
aprisionando-a em um componente curricular que em cada curso é de respon-
sabilidade de um único professor, o qual, em um ato heroico (e no entanto limi-
tado), frequentemente experimenta o sentimento de frustração diante de tantas
dificuldades que lhe apresentam os alunos, tornando-se – ele também – vítima
do mesmo sistema.

Daí considerarmos que diante do texto não ocorra, por parte dos leitores
(alunos e professores), um suave contato, mas um árduo enfrentamento.

Não se trata, portanto, de alfabetizar, no sentido de aproximar o analfabeto


do alfabeto; não se trata de “letrar”, no sentido de “treinar”a juntar as letras, nem
tampouco de “leiturizar“, no sentido de fazer ler, mecanicamente, um texto (isso
os alfabetizados funcionais já fazem), mas de fazer a leitura ser vivenciada em
uma dimensão mais importante, porque é vital para a compreensão das relações
interpessoais no mundo culturalmente construído e do qual nem todos pare-
cem fazer parte.

Neste sentido é que letrar é mais do alfabetizar, é ensinar ler e escrever dentro
de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida
do aluno. Assim, ao olharmos historicamente para as últimas décadas, podere-
mos observar que o termo alfabetização, sempre entendido de uma forma restri-
ta como aprendizagem do sistema de escrita, foi ampliado. Não basta aprender

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Leitura e letramento

ler e escrever. É necessário mais que isso para ir além da alfabetização funcional
(denominação dada às pessoas que foram alfabetizadas, mas que não sabem
fazer uso da leitura e da escrita).

Desse modo, o sentido ampliado da alfabetização, o letramento, designa prá-


ticas de leitura e escrita, sendo que a entrada da pessoa no mundo da escrita
se dá pela aprendizagem de toda a complexa tecnologia envolvida no apren-
dizado do ato de ler e escrever. Além disso, o aluno precisa saber fazer uso e
envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Ou seja, para entrar nesse uni-
verso do letramento, ele precisa apropriar-se do hábito e das condições de, por
exemplo, buscar um jornal, frequentar revistarias, livrarias, escrever um bilhete,
compreender um mapa e deslocar-se a partir dessa orientação e, com esse con-
vívio efetivo com a leitura, apropriar-se do sistema de escrita para mobilizar-se
nos diversos espaços em que essas competências lhe forem exigidas.

As condições sociais da leitura


A respeito das condições sociais da leitura, vale considerar uma reflexão
acerca da responsabilidade compartilhada entre a escola e as demais instituições
na formação do leitor no sentido de que, se é pela escola que o conhecimento é
legitimado, a escola deve, por meio da qualidade do ensino oferecido, produzir
as condições necessárias para o aprendizado das técnicas e a apropriação do
conhecimento relativo à dinâmica da leitura em situações cotidianas, tais como
o preenchimento de uma ficha cadastral, a leitura de um contrato de compra e
venda, a compreensão de um roteiro pela leitura de um mapa, o direcionamento
quanto à prescrição de um medicamento pela leitura da bula etc.

Para tanto, não basta ao indivíduo a leitura da palavra ou a alfabetização: esse


conhecimento sem dúvida importante deve pressupor antes a apreensão crítica
da realidade pela qual essas ações se engendram.

Por exemplo, ao preencher uma ficha cadastral, é imprescindível que o leitor


seja capaz de, antes, “ler a si mesmo” como um cliente, de modo a desvelar o que
subjaz a esse ato, quais as suas implicações, que valores se ocultam e a que interes-
ses esse ato atende. Essa mesma observação vale para a leitura de um mapa ou de
uma bula de remédio, e não deve ser diferente na leitura de uma obra arquitetôni-
ca, uma peça teatral ou até mesmo da disposição das carteiras na sala de aula.

Assim, as condições dadas pela sociedade para esse tipo de leitura devem
ser anunciadas – ou talvez a sua ausência deva ser denunciada – pela escola
mediante uma ação igualmente compartilhada pelas disciplinas que compõem
o seu currículo.
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Formação do Leitor

Embora louváveis, ações isoladas não garantem que se instaure uma cultu-
ra de consciência acerca da formação da identidade de leitor que coloque os
leitores em condições de acesso aos bens culturais e participação dos proces-
sos decisórios nos grupos sociais de que fazem parte como vozes efetivamente
audíveis.

A leitura ingênua e a leitura crítica


Ato que se dá individualmente, ainda assim, a leitura não faz de seu agente –
o leitor – um sujeito que tenha se constituído no isolamento, mas antes graças
à ação coletiva do grupo de que procede. Desse modo, sua formação identitária
como leitor construirá, igualmente, as bases para a qualidade de seu olhar, da
qual dependerá a qualidade da leitura – seja ela ingênua ou crítica.

Embora o ato da leitura seja individual, sem dúvida sua constituição é coleti-
va, assim como coletiva é a condição que é ou não dada ao indivíduo para o uso
e aproveitamento dessa leitura, seja ela ingênua ou crítica.

Formação do leitor crítico


Como leitura ingênua, considere-se a ação mecanicista de decifração de
um código (verbal ou não-verbal) diante do objeto observado, em que a ob-
servação se limita à depreensão daquilo que salta ao olhar, do que está na
superfície.

Sobre o conceito de leitura crítica, Ângela Kleiman nos ajuda a apreendê-lo:


Toda leitura crítica, aquela que desmascara os valores, saberes e práticas que são repro-
duzidos no texto, principalmente naqueles dos meios de comunicação de massa, parte
da recuperação do sentido pretendido pelo autor. A leitura crítica tem um potencial
emancipador contra a fragmentação e alienação, mas o leitor crítico é, por definição, um
leitor, nunca um decifrador. (KLEIMAN, 1999, p. 123)

Já sobre a formação do leitor crítico, observe-se que a passagem de um


estado ao outro – de leitor ingênuo para leitor crítico – não se dá senão por
meio da conscientização, por parte do sujeito-leitor, tanto de sua condição de
fragilidade ante as estruturas de poder como da necessidade de lutar para a
superação dessa condição.

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Leitura e letramento

A leitura como atividade escolar


Foucambert postula que os dois usos do sistema de escrita – a compreensão
do significante (dimensão alfabética) e a compreensão do significado (dimensão
léxica) – não têm a mesma eficácia, visto que o primeiro permite apenas encon-
tros ocasionais com a escrita, e o segundo estabelece apenas uma relação sem
intermediário, na qual não há nenhum obstáculo entre o projeto do leitor e sua
execução. Considera, ainda, que a leitura só é difícil ou cansativa quando não se
sabe ler, quando se deve traduzir a escrita para compreendê-la.

E o autor segue acrescentando que, como consequência, entre as populações


dos países industrializados, tais usos estão sendo distribuídos de modo muito
desigual, de tal forma que o projeto de alfabetização implantado no século pas-
sado visava dotar o conjunto dos trabalhadores com um mínimo que permitisse
estabelecer uma comunicação oral a distância e deixava a uma minoria a tarefa
de adquirir (fundamentalmente por meios não escolares) a possibilidade de in-
gressar no que a comunicação escrita tem de específico e, portanto, de insubsti-
tuível. Essa separação entre alfabetizados e leitores está sendo questionada hoje,
obrigando todos os sistemas educacionais de todos os países a reconsiderar o
ensino da leitura – ou, mais precisamente, a levá-lo em consideração, pois até os
últimos anos esse não foi diretamente o seu projeto.

Sobre o estatuto do leitor, Foucambert tece considerações bastante impor-


tantes – nas quais, particularmente neste trabalho, algumas ideias deverão ser
ancoradas. Por exemplo, o autor admite que existe um prévio e incondicional
estatuto do leitor a partir do qual cada um pode desenvolver as respostas técni-
cas que lhe permitirão exercer esse estatuto – e isso antecede o saber. Segundo
o autor, em tal estatuto “ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça de
outro, para compreender melhor o que se passa na nossa” (FOUCAMBERT, 1994),
atitude que, para o autor, implica a possibilidade de se distanciar do fato para ter
uma visão de cima acerca desse fato, com um aumento do poder sobre o mundo
e sobre si mesmo por meio desse esforço teórico.

Quanto às condições para aprender a ler, Foucambert considera que, assim


como para aprender a língua materna ou um idioma estrangeiro, esta ação exige
a integração em um grupo que de fato já utiliza a escrita para viver e não para
aprender a ler. A primeira condição, portanto, é a heterogeneidade, pois um
grupo de não-leitores dificilmente poderá oferecer a seus membros as condi-
ções de uso real da escrita.

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Formação do Leitor

Por extensão, podemos entender, na esteira do autor que, para praticar a lei-
tura, o não-leitor deve se relacionar com os textos que leria se praticasse a leitu-
ra, para viver o que vive. O ambiente deve comportar-se com o não-leitor como
se ele já dominasse os saberes que deveria dinamizar.

Enfim, para aprender a ler é preciso estar envolvido pelos mais variados escri-
tos, encontrando-os, sendo testemunha de e se associando à utilização que os
outros fazem desses escritos – quer sejam os textos da escola, do ambiente, da
imprensa, dos documentários, da obras de ficção. Ou seja, é impossível tornar-se
leitor sem essa contínua interação com um lugar em que as razões para ler são
intensamente vividas – mas é possível ser alfabetizado sem isso.

A leitura e os textos escolares


Até bem pouco tempo, os textos escolares se limitavam aos textos eminen-
temente literários; deixando de lado os textos sociais não-literários, aqueles cuja
função predominante é a informativa – por exemplo, a bula de remédio, a conta
de luz, o cardápio de restaurante, o editorial do jornal etc.

Esse quadro foi se alterando mais exatamente na segunda metade da década


de 1980, graças ao avanço dos estudos na área da linguagem e a reabertura do
processo democrático, que prepararam um campo fértil para a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96). Assim, por uma pressão ou orien-
tação das diretrizes curriculares definidas pelo Ministério da Educação (MEC), a
seleção dos textos de circulação na escola, em especial nas aulas de Língua Por-
tuguesa, passou por uma revisão, tanto no tocante ao aspecto do código (verbal
e não-verbal) quanto no tocante à função predominante dos textos verbais (lite-
rários e não-literários), chegando a afetar o texto também no tocante ao suporte
(do texto impresso ao texto eletrônico).

Embora por um lado a mudança de uma lei por si só não seja suficiente para
promover a mudança de uma cultura, determinante de uma postura fortemente
cristalizada, por outro lado isso pode inaugurar a gênese de um pensamento
inovador que põe em questão um pensamento hegemônico.

Assim, considerando suas fragilidades e limitações, a contribuição das po-


líticas públicas de educação é significativa na medida em que, resultantes de
estudos elaborados, tais políticas apresentam mais poder de alcance que as dis-
cussões feitas na academias, ainda que, normalmente, as propostas curriculares

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Leitura e letramento

sejam feitas no Ministério da Educação (MEC), em gabinetes isolados, sem a par-


ticipação daqueles que atuam diretamente com os alunos em sala de aula: os
professores.

Desse modo, todos os afetados pelas inovações tecnológicas também se


veem diante dos textos escolares, questionando as posturas até então verifica-
das diante desses textos. Logo, é urgente que cada comunidade escolar como
um todo seja capaz de criar e recriar suas possibilidades de lidar com os textos em
seu (limitado) espaço escolar, de modo que tais textos possam escapar da escola
e transcender aos demais espaços em que necessidades, interesses e curiosida-
des também circulam dinamicamente para a compreensão da realidade.

A leitura dos textos escrito e falado


Uma outra categoria igualmente importante que docentes e alunos devem
investir tempo é o texto falado – entendendo-se o texto falado como a comuni-
cação falada em diferentes situações: o diálogo entre professor e aluno, a intera-
ção entre professor e alunos, a interação entre os próprios alunos etc.

O que se nota em sala de aula é que o trabalho com as questões da oralidade


tem sido pouco explorado, o ato de os alunos falarem em sala de aula ainda não
vem sendo aproveitado pelos professores e, de modo geral, a conversa em sala de
aula ainda é tomada como sinônimo de mau comportamento ou indisciplina.

Essa visão, que hoje não encontra consonância com o aparato tecnológico-
-comunicativo disponível a todos, mereceu revisão na medida em que o volume
e a velocidade da informação atingiram todas as camadas da sociedade, das mais
populares às mais elitizadas, fazendo com que as posturas didáticas também
sofressem modificações significativas no tocante ao ensino e ao aprendizado;
considerando que a palavra falada nunca tenha sido antes – no passado pré-
-globalização – valorizada e solicitada como nos dias correntes.

Assim, planejar as aulas (de modo geral, em todos os componentes cur-


riculares e, de modo particular, em Língua Portuguesa) com vistas à formação
do leitor crítico não pode prescindir de se considerar a dimensão oral, uma vez
que, presente em algumas comunidades, a tradição oral vem perdendo força e
a recuperação dessa prática contribui significativamente para o resgate de
uma cultura às vezes perdida por mero desconhecimento de como lidar com uma
tecnologia tão experiente como a fala.

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Formação do Leitor

Texto complementar
Aproveite a leitura do texto para refletir acerca de seu próprio processo de al-
fabetização e letramento. Descreva uma situação que você tenha experienciado
acerca do letramento.

Letramento: você pratica?


(PEIXOTO et al., 2009)

Não é novidade que o Brasil ainda enfrenta insistentemente o problema do


analfabetismo, tanto de crianças que saem da escola e de outros que não tive-
ram a oportunidade de se apropriarem do saber da leitura e escrita. É fato que
o nosso país possui um número significativo de indivíduos que não adquiri-
ram o saber necessário para atender às exigências de uma sociedade letrada.
[...] É neste ponto que entra a grande questão da intervenção do educador e
a inclusão da prática geradora do letramento.

Letramento: onde, como e por que foi criado este termo?

O vocábulo é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais


da área da educação e, principalmente, para os acadêmicos desse setor. Há
alguns anos, pode-se dizer que menos de vinte, esse vocábulo surgiu entre os
linguistas e estudiosos da língua portuguesa, e então passou a ter veiculação
no setor educacional.

Constatou-se que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu
em No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística (1986) por Mary A.
Kato [...].

[...] O termo se originou de uma versão feita da palavra da língua inglesa


literacy, com a representação etimológica de estado, condição, ou qualidade
de ser literate, e literate é definido como educado, especialmente, para ler e
escrever.

Nos dicionários da língua portuguesa o termo alfabetizado diz respeito ao


indivíduo que somente aprendeu a ler e escrever, não se diz que é o que ad-
quiriu o estado ou condição de quem se apossou da leitura e da escrita, e que
responde de maneira satisfatória as demandas das práticas sociais. [...]

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Leitura e letramento

[...] fica subentendido, pelo aspecto sociointeracionista, que a alfabetiza-


ção do individuo, é algo que nunca será alcançado por completo, não há um
ponto final. A realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabeti-
zação no educando, no que diz respeito às práticas sociais que envolvem a
leitura e a escrita. Neste âmbito, muitos estudiosos discutem a necessidade de
se transpor os rígidos conceitos estabelecidos sobre a alfabetização, e assim,
considerá-la como a relação entre os educandos e o mundo, pois, este está em
constante processo de transformação. E o indivíduo para não ser atropelado
e marginalizado pelas mudanças sociais deverá acompanhar, através da atu-
alização individual, o processo que levará ao crescimento e desenvolvimento.
Não que o educando não tenha qualquer saber antes da alfabetização, pelo
contrário, sabemos que todo indivíduo possui, de alguma forma, níveis de co-
nhecimento. E, isto, foi muito bem discorrido por Paulo Freire [...].

Esse é um ponto de suma importância para aqueles que pretendem des-


pojar-se dos restritos, e incisivos, conceitos em que a alfabetização é estabele-
cida em termos mecânicos e funcionais.

Mas, afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?

Por todo o tempo em que já vivemos como uma sociedade grafocêntrica,


têm-se conhecimento sobre a problemática da falta do saber ler e escrever.
Com isso, gerou-se uma crescente preocupação em desenvolver um contro-
le sobre essa questão, através de muitos estudos e ações com o objetivo de
erradicar o problema, logo, foi preciso criar um termo e fazê-lo conhecido no
campo da pesquisa, surgindo o analfabetismo. Mas, observou-se que para o
estado/condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira
ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da
leitura e escrita, ainda não havia uma denominação. Mais tarde, isso se fez ne-
cessário devido à constatação de uma nova situação: de que não basta apenas
o saber ler e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber
responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz. Então, o
nome letramento surgiu mediante a esta nova constatação.

Quando fatos “novos” são constatados, ou surgem novas ideias a respeito


de fenômenos, depara-se com a necessidade de se criar novos vocábulos ou
nomes para se tratar com determinados assuntos [...]. Ou seja, frequentes mu-
danças sociais geram novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita,
logo, gerando novos termos específicos.

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Formação do Leitor

O letramento é um fenômeno de cunho social, e salienta as características


sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele
é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota
estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resulta-
do de ter-se “apoderado” de um sistema de grafia.

Letramento e alfabetização: onde está a diferença?

A alfabetização, como já mencionamos, se ocupa da aquisição da escri-


ta por um indivíduo, ou grupo. Enquanto o letramento “focaliza os aspec-
tos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade”
(TFOUNI), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e
escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. [...]

Ainda quanto às diferenças entre letramento e alfabetização é necessário


alertar que, estes dois processos estão diretamente ligados, contudo, deve-
mos separá-los quanto ao seu abarcamento, devido as suas distinções já men-
cionadas anteriormente. Há verificações de que a concepção de alfabetização
também reflete diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que
também se observa é que, com frequência, estes dois de maneira confusa têm
sido fundidos como um só processo. Essa confusão implica no exercício de um
e de outro. Pois, onde entra a alfabetização? E o letramento? Ou, se trabalham
os dois simultaneamente?

Se afirmamos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final,


então dizemos que ela tem um continuum, e ainda, poderíamos dizer que este
é o letramento. Com isto, acordamos que os dois processos andam de mãos
dadas. Não queremos estabelecer uma ordem, ou sequência, pois já defen-
demos que todo tipo de indivíduo possui algum grau de letramento, mesmo
que seja mínimo. O que pretendemos é incentivar o educador a fazer uso do
conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a
língua escrita, assim ele poderá alfabetizar letrando.

Ao saber de algumas distinções básicas destes dois termos poderíamos,


também, levantar questões sobre as desigualdades de alfabetizado para letra-
do. Uma nota no livro Letramento: um tema em três gêneros de Magda Soares
faz um apanhado sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto
exemplifica como um adulto pode até ser analfabeto, contudo, pode ser le-
trado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever, todavia, utiliza a escrita para
escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba,

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Leitura e letramento

mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto,
logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comu-
nicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades. Ele demons-
tra com isso que conhece, de alguma forma, as estruturas e funções da escrita.
O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou
texto que contém informações importantes para ele: seja uma notícia em um
jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este indivíduo
é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele
possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma
sociedade que é atravessada pela escrita, logo, este é letrado, porém não com
plenitude. [...]

Ainda na nota de Magda Soares eles também exemplificam o caso de uma


criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não
saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histó-
rias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escri-
ta, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação,
criando seus próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada.
E ainda, há casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfa-
betização que apresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase”
nenhum. Estes, são capazes de ler e escrever, contudo, não possuem habilida-
des para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não leem revistas, jornais,
informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas
de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos
lidos, como também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou
bilhete. Todavia, gostaríamos de destacar que nessa nota acima mencionada
diz também que esse tipo de indivíduo pode ser uma pessoa alfabetizada,
mas não é letrada; neste ponto divergimos, por acreditarmos que a possibili-
dade de uma pessoa possuir grau zero de letramento não exista, em se tratan-
do deste viver em uma sociedade grafocêntrica.

Com tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e
níveis de letramento, e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma
sociedade e de cada indivíduo no seu meio social.

Sociedade letrada/iletrada, indivíduo letrado/iletrado

[...]

Vimos, anteriormente, que devemos analisar bem antes de aplicar o termo


letrado, e principalmente, iletrado. No nosso ponto de vista, que necessaria-

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Formação do Leitor

mente, é o mesmo da autora, do livro Letramento e Alfabetização, de Leda Ver-


diani Tfouni, o termo iletrado, bem como iletramento é impraticável, no que
diz respeito às sociedades tecnologizadas. [...]

A partir disso, é que a autora conclui e propõe que não deve ser usado o
termo iletrado, para dizer que um indivíduo não está num estado pleno de
letramento. Afinal, não seria adequado a utilização do mesmo em uma socie-
dade considerada moderna e/ou industrializada, centrada na escrita, pois a
possibilidade de existir indivíduos que não possuem nem um grau sequer de
letramento é quase impossível. Por isso, acredita-se que é inconveniente afir-
mar que existe “nível zero” de letramento, não há veracidade nessa afirmação.
Então, o que se propõe é o uso de termos próprios, do tipo: níveis ou graus
de letramento. Levando, assim, em consideração o que Paulo Freire muitas
vezes insistiu em sua pedagogia “de que a leitura do mundo precede a leitura
da palavra”, e ainda, “o ato de aprender a ler e escrever deve começar a partir
de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os
seres humanos fazem antes de ler a palavra”. Isso quer dizer que o indivíduo
não é um depósito vazio e zerado antes da alfabetização, e ali, nós, educa-
dores, estaremos enchendo-o com informações mecânicas e institucionais,
através de uma escolarização. Ele já possui sua peculiar capacidade de leitura
dentro do seu contexto social para sobreviver em meio ao grupo em que vive.
A alfabetização com a prática do letramento, trará ao indivíduo capacidades,
competências, habilidades diversas para que este se envolva com as variadas
demandas sociais de leitura e escrita.

Dicas de estudo
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

Nessa obra, belamente tecida para abordar tema tão árido – a interdição –,
o autor discorre a respeito do que ele considera o mais severo mecanismo de
exclusão social: a interdição, isto é, a negação da palavra ao outro.

ILARI, Rodolfo; BASSO, Renato. O Português da Gente: a língua que estudamos,


a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.

Obra de valor expressivo que nos faz refletir sobre a diversidade linguística,
como ela é e como pode ser ensinada na escola.

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Leitura e letramento

KLEIMAN, Ângela; MORAES, Silvia. Leitura e Interdisciplinaridade: tecendo


redes nos projetos da escola. Campinas: Mercado das Letras, 1999.

As autoras trazem, nessa riquíssima obra, uma discussão importante acerca


da interligação dos saberes nas atividades de leitura e propõe variados exem-
plos de atividades e projetos para trabalhar a leitura na escola por diferentes
disciplinas e professores.

Atividades
1. Em que diferem as ações de alfabetizar e de letrar e em que o letramento
pode contribuir no processo educativo dos alunos?

2. Explique os conceitos de leitura ingênua e leitura crítica e explicite a ideia es-


sencial que sustenta este último conceito.

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Formação do Leitor

3. Quais são, segundo Jean Foucambert, as condições adequadas para apren-


der a ler na perspectiva crítica?

4. Quanto aos textos escolares e a sua leitura, explique que gênero prevalecia
há até bem pouco tempo e o que determinou a mudança de seu uso nas
aulas de Língua Portuguesa.

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Leitura e letramento

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As funções da leitura

Abrimos este momento de nosso trabalho apresentando uma questão


sobre a qual raramente nos detemos e que, por isso mesmo, quase sempre
deixamos de aproveitar em toda sua potencialidade.

Para que fim realizamos nossas leituras cotidianas na dinâmica de


nossas atividades sociais?

Antes de mais nada, importa esclarecer que, mesmo sem percebermos,


todas as vezes em que tomamos um texto para leitura o fazemos com ob-
jetivos específicos, o que nos coloca, agora, em condição de refletir acerca
desse ato presente em muitos momentos de nossas vidas.

O que nos interessa particularmente é a leitura de estudo, que exige


alguns procedimentos cognitivos, algumas bastante dinâmicas ações do
pensar, tais como relacionar, distinguir, destacar, comparar, dentre tantas
outras. Se não executamos essas ações com um mínimo de domínio, facil-
mente nosso ato mecânico de leitura se torna uma atividade exaustiva e
sem propósito.

Portanto, a principal contribuição que pretendemos oferecer neste


capítulo diz respeito a orientações acerca do ato de ler para aprender a
estudar e à atividade de estudar para aprender a ler, mediante duas foca-
lizações: o enfrentamento do texto por parte dos leitores e a concepção
freireana de leitura.

A leitura de estudo
Muitas instituições, indiretamente, podem se tornar coparticipantes
ou corresponsáveis quanto à formação do leitor, uma vez que são várias
as finalidades do ato de ler empreendido por um indivíduo em sua vida
cotidiana. Contudo, indiscutivelmente, compete à escola tornar o indiví-
duo um leitor, não só para dar conta das demandas definidas pela própria

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Formação do Leitor

escola como também para dar conta da condução desse indivíduo ao merca-
do de trabalho. Daí, ler para estudar e ler para trabalhar se tornam ações im-
periosamente construídas na escola, mas igualmente desenvolvidas em outras
instituições – família, empresa, igreja, sindicatos, clubes, hospitais e associações
diversas.

Considerando que, mediante a apropriação da leitura, o estudante poderá


constituir e transformar seu processo de desenvolvimento cognitivo e intelectual,
não poderá o ensino de tal habilidade, em todos os níveis da escolaridade, redu-
zir-se a uma prática tarefeira, descolada da reflexão acerca das implicações macro-
estruturais que os baixos índices de alfabetização e letramento apontam como
reveladores das condições de desenvolvimento social e de qualidade de vida.

Conforme Castello-Pereira (2003), em uma sociedade em que o trabalho in-


telectual está sendo cada vez mais importante e as novas tecnologias exigem
trabalhadores autônomos, independentes e capazes de tomar decisões, ler para
estudar ou para trabalhar se torna fundamental e necessário para todos.

Desse modo, a importância assumida pela leitura na atual sociedade do co-


nhecimento impõe a revisão do modo de ensino e aprendizado da leitura em
todas as etapas da vida do estudante, em todas as disciplinas do currículo e por
todos os professores.

Em recente pesquisa, realizada na universidade em que trabalhamos há mais


de vinte anos, descobriu-se, para estarrecimento do corpo docente, que seus
alunos não somente leem como gostam de ler, o que desloca a problemática da
dificuldade de leitura do aluno para o texto e os transmissores dos textos acadê-
micos – o transmissor direto é o autor e o indireto, o professor.

Portanto, parece-nos que, igualmente segundo Castello-Pereira, a dificuldade


de leitura no ensino universitário seria decorrente do desconhecimento do uni-
verso discursivo e da estrutura diferenciada que esses textos acadêmicos (filosó-
ficos, didáticos, técnicos, de divulgação científica e científicos) apresentam, uma
vez que o estudo desses textos não é feito ou é pouco explorado nas séries ante-
riores. Sendo assim, torna-se necessário que se ensine a estudar esses textos.

Ler para aprender a estudar


A leitura de estudo deve ter como finalidade a extração de tudo o que se
possa retirar do texto: como o texto se organiza, de que assunto trata e como

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As funções da leitura

trata tal assunto, ou seja, a depreensão de seu arranjo estrutural e linguístico, do


assunto em si e de como o autor se posiciona em relação a ele.

Embora ler não seja trabalho dos mais fáceis – uma vez que da leitura se
exigem, anteriormente, disciplina intelectual e postura sistemática, que são al-
cançadas apenas com a prática metódica – é incontestavelmente possível que
se organizem práticas metodológicas de ensino de leitura para fins de estudo.
E por isso, em todas as disciplinas do currículo, sugerimos que – para fins tanto
de leitura quanto de escrita – um roteiro possa ser orientado pelos professores
em suas aulas, nos momentos pontuais de discussão do tema abordado, a fim
de que os conceitos trabalhados possam ser depreendidos pelos alunos sem
dificuldade.

O roteiro que propomos significa um planejamento de leitura e escrita pre-


vendo as etapas a seguir.

 Introdução, com apresentação do tema e a colocação da tese.

 Desenvolvimento, com seleção das informações e apresentação dos argu-


mentos sustentadores da tese – observando não somente o encadeamen-
to entre os parágrafos como também a coerência interna, além da própria
natureza dos argumentos –, exemplos, depoimentos, dados estatísticos,
fatos históricos universalmente conhecidos etc., e a linguagem emprega-
da, tanto no que diz respeito ao vocabulário como no tocante ao arranjo
sintático, isto é, o modo como as palavras são distribuídas na frase, consi-
derando o efeito de sentido que tal arranjo produz.

 Conclusão, com a devida compatibilidade entre esta e a introdução, consi-


derando que em geral o tema se apresenta problematizado, de modo que
é oportuno que na conclusão se apresente a possibilidade de resolução
ou tratamento da questão.

Note-se que, sem qualquer dificuldade, tal roteiro pode ser aplicado por todos
os professores a partir de sua experiência leitora e sua maturidade intelectual na
condução dos procedimentos metodológicos que a leitura de estudos exige.

Assim, podemos afirmar que, tornados atividades habituais pelos estudan-


tes, tais procedimentos irão tanto facilitar a apreensão do assunto proposto para
estudo como auxiliar na produção de textos – isso na medida em que os alunos
estão sendo acompanhados por quem, supõe-se, domina a específica modalida-
de discursiva, tornando a leitura mais fluente (quem melhor que o professor de
filosofia para auxiliar a ler os textos filosóficos, por exemplo?).
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Formação do Leitor

Estudar para aprender a ler


Nas suas Considerações em torno do ato de estudar, Paulo Freire (2001, p. 10)
afirma que estudar é um trabalho difícil, pois exige disciplina intelectual e pos-
tura crítica, sistemática, só conseguidas com a prática, uma vez que, segundo
ele, essa é a postura fundamental de quem se propõe a estudar e tem como
objetivo apropriar-se da significação profunda de um texto. E as considerações
do autor atestam em que medida o significado do que seja estudar se distancia
daquele oferecido pelos dicionários e do que a escola insiste, em todos os níveis,
em praticar.

Se, como já foi dito, estudar um texto requer exercício, prática e reflexão, essas
atividades devem ser aprendidas na própria dinâmica da construção do conhe-
cimento, em contato com atividades variadas e com interlocutores de experi-
ências igualmente diversificadas, o que pode se dar tanto em ambiente escolar
como em ambiente não-escolar, mas sempre em situação concreta de aprendi-
zagem. Porém, a tradição escolar raramente incentiva a discussão acerca dos
processos que antecedem as práticas de estudo, isto é, a investigação acerca
da formação do estudante que é recebido pela escola parece irrelevante ou de
importância menor. Não se trata da investigação acerca de seu currículo, mas de
como essa pessoa foi se tornando o estudante que se depara com as exigências
que lhe são impostas.

Assim, algumas questões a respeito do ensino de leitura merecem ser consi-


deradas.

Tomamos o trabalho de Corrêa (2001), no qual são oferecidas três concep-


ções a respeito de leitura.

 De acordo com a primeira concepção, o texto é o centro dos sentidos e o


professor ensina a ler apenas pedindo que os alunos decodifiquem as pa-
lavras. A leitura é vista como sinônimo de recepção passiva de informação.
Como a preocupação é também com a fluência, passam-se aulas e aulas
lendo em voz alta para aprender a decodificar com rapidez e na entona-
ção adequada. O estudo é feito seguindo uma série de passos: a) leitura
silenciosa; b) leitura oral; c) procura das palavras difíceis no dicionário e d)
respostas a um questionário com perguntas literais, fechadas, prontamen-
te identificadas no texto. Segundo o autor, esses passos servem não para
ensinar a leitura, mas para testá-la. Para essa concepção, ler é reter o que é
explícito e portanto formar o leitor pressupõe treinar esse leitor.

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As funções da leitura

 Na segunda concepção, o texto é compreendido como objeto aberto,


com possibilidade de todo tipo de leitura. Essa corrente enfatiza a polis-
semia, a ênfase recaindo sobre o leitor, considerando-se toda e qualquer
interpretação como legítima. Nessa concepção, o professor é apenas o fa-
cilitador da aprendizagem, propiciando os momentos e os materiais, e o
aluno aprende interagindo com eles. Assim sendo, pouco ou nada se ensi-
na, pois importa que o aluno fale sobre o que a leitura lhe suscita. Pensa-se
que é preciso respeitar o aluno, suas opiniões, valorizar sua leitura e, em
nome disso, aceita-se tudo, não possibilitando que o aluno avance. Na re-
alidade, o aluno é deixado à própria sorte.

 Na terceira concepção, denominada interativa e, segundo Corrêa, surgida


com a constatação do fracasso e do avanço das pesquisas na área da lin-
guagem (análise do discurso, linguística textual, gêneros discursivos, pro-
cessos cognitivos da leitura), nas áreas tanto da leitura quanto da forma-
ção do professor, vê-se a leitura como resultado da interação entre autor,
texto e leitor: o texto é a unidade de análise e o leitor constrói os sentidos
possíveis e estabelecidos pelo escritor. Considera Corrêa que o papel do
professor é fundamental para o ensino, pois é ele, leitor mais experiente,
que será o mediador e ensinará a ler.

Os leitores enfrentam os textos


Sem pretendermos entrar em uma terminologia específica, mas tentando
destacar sua importância, chamamos a atenção de professores e/ou formado-
res de leitores para a contribuição que o cuidado com esta área pode oferecer
ao trabalho com o texto acadêmico – que é tecido em uma grande rede de
significações –, procurando que esse trabalho seja feito com mais segurança e
mais próximo da leitura crítica. E vale lembrar que o encontro dos leitores (tanto
alunos como professores) com os textos acadêmicos e redações se dá como um
confronto. De acordo com Severino
Qualquer que seja a modalidade de leitura, é preciso sempre tomar cautela em relação às
interferências de toda natureza, pessoais e culturais que cercam a subjetividade tanto do autor
como do leitor. É por isso que a leitura precisa ser crítica, vigilante, cuidadosamente preparada.
Igualmente, em qualquer circunstância, é preciso inserir o texto no contexto, situá-lo nas
suas circunstâncias de múltiplas configurações históricas, culturais e ideológicas. Só assim é
possível ir interpretando e construindo as significações do real. (apud CASTANHO; CASTANHO,
2001, p. 78-79)

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Formação do Leitor

A oportunidade de se trabalhar com diferentes modalidades de texto, diferen-


tes gêneros e tipologias, nas distintas disciplinas que compõem a matriz curricular
dos cursos, apresenta-se como possibilidade de ampliar a capacidade leitora de
mundo tanto dos alunos como do professor. Envolvidos na mesma rede de signifi-
cações, alunos e professor irão dispor de elementos para o encaminhamento mais
seguro e eficaz dessa atividade – a leitura – antes como prática potencializadora
da inserção e da mobilidade social na medida em que já foi praticada como exercí-
cio de desvelamento do real, tendente à ação conscientizadora.

Hoje, um novo leitor insinua-se na gigantesca trama da história contida no


livro mundo. Esse novo leitor se insere na verdadeira epopeia que o envolve em
variados, complicados e – por isso mesmo – ricos episódios para cujo “des/envol-
vimento” faz-se necessária a mediação de um professor atento, conhecedor das
implicações de como se opera o conhecimento e da medida em que o conheci-
mento é mediado pela linguagem.

A concepção freireana de leitura


A respeito da atividade que mais interessa neste estudo – a leitura –, Dussel
parafraseia Paulo Freire para afirmar que “Ler o mundo é um ato anterior à leitura
da palavra. O ensino da leitura e da escrita da palavra a que falte o exercício críti-
co [!] da leitura e da releitura do mundo é, científica, política e pedagogicamente,
capenga” (DUSSEL, 2000, p. 436).

Em geral proveniente de escola pública, o educando adulto universitário com


quem trabalhamos entra em contato com os textos acadêmicos que lhe são ofe-
recidos, em qualquer que seja a disciplina, em uma solitária relação de estranhe-
za, sem a necessária, desejável, devida e factível intervenção ética de seu educa-
dor. Cada vez mais, esse educando vai sendo vítima de uma pedagogia bancária
e, julgando que seus professores estão ensinando (afinal, “a matéria está sendo
dada”), ele vê reforçada a ideia de que realmente “não dá para os estudos”, que
“não gosta de português” ou “nunca foi bom em português”.

Logo, dessa reflexão depreendemos que, ao sugerir ao educando a leitura de


um texto com a máxima ética, o educador deve partir de uma cuidadosa leitura
de si. Todavia, essa leitura de si por parte do educador não deve se dar em um
sentido contemplativo, que só reforçaria sua imagem de poder diante de seu
saber e do saber de seus alunos, mas como uma leitura do propósito ético de sua
sugestão: se ela servirá para a opressão ou para a liberdade dos educandos.

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As funções da leitura

Freire postula que


Toda bibliografia deve refletir uma intenção fundamental de quem a elabora: a de atender
o desejo de aprofundar conhecimentos naqueles ou naquelas a quem é proposta. Se falta,
nos que a recebem, o ânimo de usá-la, ou se a bibliografia, em si mesma, não é capaz de
desafiá-los, se frustra, então, a intenção fundamental referida. (FREIRE, 2001, p. 9)

Tomando-se a abordagem da formação da identidade do leitor, considera-


se existir o problema do exercício do poder conferido a quem detém o sa-
ber-ler, como exercício de manipulação e dominação, e que cada vez mais se
legitima entre os que possuem este saber, em detrimento dos que são coloca-
dos à margem, ainda que lhes sejam oferecidas condições de aquisição deste
saber cujas fronteiras são cada vez mais rigidamente demarcadas, em especial
por parte de algumas instituições (família, escola, igreja, televisão) que en-
genhosamente concorrem para a formação, antes de ledores que de leitores.
Prova disso é o expressivo número de analfabetos funcionais1 existentes em
nosso país.

Nesse sentido, um dos objetivos deste estudo é analisar e discutir como o


saber é conduzido pelo caminho da leitura e como confere a alguns e subtrai
de muitos um poder tal que, ao instituir-se e legitimar-se no seio de um agrupa-
mento, adquire força para incluir e/ou excluir.

Analogamente ao pensamento de Paulo Freire de que “um homem com fome


não é um homem livre”, o mesmo se pode dizer a respeito de um homem que
não sabe ler: quem não lê se move com menos liberdade no mundo ditado pelos
códigos de comunicação – dentre os quais, no contexto pós-moderno, o linguís-
tico é por excelência o emblema de cultura escolarizada. Embora por meio de
seus desenhos, cores, dimensões, traçados, alegorias etc. os códigos imagéticos
já figurem entre os mais concorridos, a palavra escrita é a “língua de civilização”,
de modo que os analfabetos são marginalizados socialmente, sendo limitada a
sua capacidade de mover-se nessa sociedade.

A magia ante a possibilidade do domínio da palavra escrita se dá muito cedo em


ambientes letrados, decorrendo disso o expressivo interesse da maioria das crianças
por ingressarem logo na escola, ávidas por esse contato mágico com a palavra escri-
ta. A escola aparece diante das crianças como o lugar sagrado para esse contato.

Ao menos conosco isso ocorreu: foi a palavra escrita que nos convidou, que
nos seduziu, que nos levou à escola.

No entanto, ao longo dos anos, na escola, ocorre o que há de mais paradoxal:


é alto demais o ônus a se pagar por algo que tão magicamente vislumbrávamos
– o preço é o prazer, a alegria, a liberdade.

1
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) considera que são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro anos de escolaridade.

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Formação do Leitor

Texto complementar
Reflita a respeito das ideias contidas no texto abaixo tentando resgatar
as lembranças das leituras, feitas por você, de livros/textos em que se sentiu
criando um novo enredo a partir do oferecido pelo autor. Registre por escrito
essa experiência e compartilhe com seus colegas, para enriquecimento de seu
repertório.

Ler e escrever/escrever e ler


(BARBOSA, 1988, p. 31-32)

Em nossa vida cotidiana, acostumamo-nos a associar a leitura com aqui-


sição de informações, de conhecimentos sobre os mais variados assuntos.
Mas nós sabemos que um livro, um texto, também pode nos colocar como
personagens, como interlocutores de aventuras insuspeitas, de sentimentos e
vivências inusitadas, de reflexões a que não teríamos acesso sem conhecê-lo.

Nesse sentido, ler é interpretar, é alastrar-se humanamente em infinitas di-


reções, e é também incorporar à nossa experiência o sonho de outras pessoas,
conjugando-o com o nosso.

Um livro, assim, não nos propicia apenas a recepção de inúmeros aspectos


da vida, mas nos convida a fundir, a misturar a vida nele presente com a vida
presente em cada um de nós. O livro de que mais gostamos passa a ser, então,
aquele com o qual mais nos identificamos, aquele a partir do qual encontra-
mos a nós mesmos.

Ler, reler, conhecer, reconhecer, criar. Nós criamos um texto quando lemos
um texto. Na verdade, o que lemos não é exatamente o que está escrito, mas
o que nos chama a atenção, o que nos aguça a sensibilidade, dentre um mar
de palavras. Escolhemos determinadas passagens, escolhemos determinados
sentidos possíveis num texto literário, por exemplo, e desta forma criamos um
livro dentro do livro.

Dica de estudo
CASTELLO-PEREIRA, Leda Tessari. Leitura de Estudo: ler para aprender a estu-
dar e estudar para aprender a ler. Campinas: Alínea, 2003.

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As funções da leitura

Nesta importante obra, escrita em linguagem clara e acessível, a autora nos


convida a refletir acerca das funções da leitura, de modo geral, e acerca da
função específica da leitura de estudo, chamando a atenção do estudante sobre
uma questão tão candente e ao mesmo tempo controversa, a ser tratada com a
apropriação adequada do conhecimento.

Atividades
1. Que finalidades podem ter as leituras que realizamos cotidianamente na di-
nâmica de nossas atividades sociais?

2. Como o professor poderá manter em sala de aula, com os seus alunos, práti-
cas de leitura que os levem a refletir acerca das finalidades da leitura?

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Formação do Leitor

3. Qual a principal finalidade da leitura de estudo?

4. Quais as três concepções a respeito de leitura oferecidas por Carlos H. Corrêa?

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As funções da leitura

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O leitor e a leiturização

A questão central a ser tratada neste momento diz respeito à compre-


ensão dos conceitos de desescolarização da leitura e interdisciplinaridade.
Para tanto, interrogamos sobre o próprio tema: qual seria o melhor lugar
para o desenvolvimento da formação do leitor, bem como do processo
permanente de atenção à leitura?

O processo de desescolarização
da leitura e a dialogicidade
Durante muito tempo, a tradição escolar insistiu, trabalhando nessa di-
reção, na crença de que a escola era o único lugar em que o processo de
formação do leitor ocorria, isoladamente de outros processos e contextos.
Todavia, a partir dos anos de 1990 essa crença começou a cair por terra
na medida em que, diante de um multifacetado universo de imagens, o
espaço escolar foi sendo “manhosamente” invadido por variadas lingua-
gens que lhe impuseram um diálogo, até então, evitado.

Esse cenário nos ajuda a refletir acerca da permeabilidade do currícu-


lo escolar, sobre o fato de o currículo ser naturalmente vulnerável a de-
terminações externas à escola na medida em que a escola é uma réplica
da sociedade e tudo o que ocorrer nesta afeta aquela, que então devol-
ve para esta, em um constante movimento cíclico. É inegável a influência
que os diversos setores da sociedade – mídias, família, igreja, sindicatos,
economia, política, comércio, comunidade local, entre outros – exercem
sobre a instituição escolar, alterando significativamente a ação pedagó-
gica, em cujo cerne figura a comunicação como recurso vital, encontran-
do na expressão verbal e não-verbal o lugar privilegiado de expressão do
pensamento.

Indiscutivelmente, a interação de signos e saberes distintos enrique-


ce e dinamiza a competência linguística oral e escrita, fazendo a visão de
mundo ampliar-se, expandir-se para outros domínios, para além da pre-

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Formação do Leitor

sença do objeto referenciado. Uma vez que a imaginação é estimulada, a per-


cepção da realidade tende a se tornar mais sensível, permitindo que o sujeito
leitor-escritor-leitor tenha variadas experiências de leitura e escrita.

Sobre a desescolarização da leitura, Jean Foucambert (1994) defende a ideia


de que a escola é apenas um momento da formação do leitor e que uma ver-
dadeira política de leiturização exige a mobilização, a ativação e o desenvolvi-
mento consciente dos meios estruturais, materiais e humanos como forma de
redução do analfabetismo na população adulta. Dentro e fora da escola, essa
visão oferece novas alternativas para o trabalho com as disciplinas (como se con-
vencionou chamar as áreas do conhecimento), estabelecendo entre elas e seus
agentes um profícuo diálogo, de modo a promover a extinção de fronteiras que
as isolem, do que advém o conceito de interdisciplinaridade.

Relativamente à reflexão-ação ligada à interdisciplinaridade, importa con-


siderar o caráter fragmentário do conhecimento que, sob a égide da tradição
escolar, convencionou isolar as áreas em “caixinhas de ovos”, como se fosse su-
ficiente, para viver socialmente e resolver problemas decorrentes dessa experiên-
cia vivencial, acessar um ou outro conhecimento. Ou como se a origem desses
conhecimentos não derivasse da multiplicidade e do diálogo das necessidades
que o próprio ser humano foi “descobrindo” para dar conta de sua sobrevivência
e da posteridade, deparando-se com situações relacionais na busca de soluções
para os seus problemas.

Nesse sentido, para além dos textos e dos códigos que constituem a própria
dinâmica da interação comunicativa, homens e mulheres se veem diante de
uma constante exigência para que reinventem, representem, ressignifiquem e
expressem de variadas formas a realidade que os circunda. Assim, pintura, lite-
ratura, música e paisagem urbana podem nos servir como modelos ou, antes,
exemplos de linguagens utilizadas por agrupamentos sociais em diferentes
épocas e contextos para exprimirem suas ideias, que são resultantes de aspira-
ções, sentimentos reprimidos, desejos, protestos etc. E isso significa que, dada
sua riqueza, a linguagem verbal humana empresta às demais linguagens possi-
bilidades de expressão do pensamento humano.

Vejamos como isso pode ocorrer mediante a compreensão dos recursos de


que se valem essas expressões artísticas e de como tais expressões podem con-
tribuir para a ampliação da visão de mundo dos sujeitos-leitores, dentro e além
da escola.

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O leitor e a leiturização

A leitura e a pintura
Tomemos, para fundamentação de nossa análise, a crítica à obra de arte,
assim como a considera Ferreira Gullar:
A crítica pode abordar a obra de arte de diversas maneiras: como manifestação estilística ou
como fato sociológico ou histórico, como expressão de tendências artísticas etc. No centro de
todos esses modos de apreender ou pensar a arte está a obra propriamente dita, como objeto
perceptivo: fenômeno do ver. E ver não é apenas a apreensão da materialidade da obra; é
também penetrar na tessitura de significados na qual cores, linhas, formas, transparências e
texturas são veículos. Esses elementos constituem uma totalidade semântica cuja significação
é intraduzível em qualquer outra linguagem. (GULLAR, 2003, p. 11)

De acordo com o poeta, ver é penetrar na tessitura dos significados mediados


por elementos que constituem uma totalidade de significados que outra lingua-
gem não traduz. Assim, ler os códigos, cores, linhas, formas, transparências e tex-
turas permite o refinamento do olhar e nos permite descobrir quantas maneiras
tem a pintura, por exemplo, de nos revelar a beleza da vida.

O mesmo autor, nos leva a refletir acerca de um pintor e sua obra polêmica:
Leonardo da Vinci (1452-1519) e a Mona Lisa (1503-1507). Assim considera Gullar
a respeito da leitura e do efeito de sentido decorrente deste ato produzido nas
pessoas no decurso da existência dessa obra:
Mona Lisa é a obra de arte mais mistificada que se conhece. Ela atrai todos os anos dezenas de
milhares de pessoas que vão olhá-la dentro de sua caixa de vidro, no Louvre. Na verdade, essas
pessoas não a contemplam, não a veem; apenas lhe dão uma olhadela, espiando por cima dos
ombros umas das outras, e seguem em frente, orgulhosas por acharem que agora conhecem
o célebre quadro. (GULLAR, 2003, p. 44)

O que se pode depreender é que, apesar disso, Mona Lisa continua a ser uma
das mais belas criações da arte e raramente um pintor alcançou realizar uma obra
tão carregada de significações. E com Gullar somos convidados a concordar que
Essas significações – intraduzíveis em palavras e que perduram já por quase cinco séculos –
nascem pura e simplesmente dos elementos pictóricos e plásticos, de que se valeu Leonardo
para realizar o quadro. A figura de Mona Lisa, na sua pose natural, é majestosa e densa, plena
de uma expressividade que emana da própria forma: de seu desenho, volume e peso, de
alternâncias veludosas de sombra e luz. Nenhum artifício, nenhum recurso retórico; apenas
os elementos da linguagem pictural utilizados, com contido fervor, como veículos da visão do
artista – não só da visão que ele tinha como da visão que estava inventando ali, a cada traço, a
cada pincelada. (GULLAR, 2003, p. 44)

Tomar uma obra como essa, a ser relida na escola ou além dela, deve, por
meio do esquadrinhamento de seus elementos, propiciar acima de tudo o des-
velamento do próprio diálogo que o artista tentou travar entre a natureza e o
homem, de modo que capturar, pela semiótica utilizada, o pensamento de um

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Formação do Leitor

artista constitui-se na possibilidade de enxergar com as lentes do outro aquilo


que com nossas próprias não alcançamos. E Gullar assim completa sua análise:
Uma interação muda e mágica entre o homem e o mundo visível, de que resultou, sobre a
superfície material da tela, uma pele tênue de poesia, de expressão humana – a imagem que
penetrará a alma de quem a veja e lá se manterá para sempre, tal é a força dessa obra onde a
figura humana e a natureza, como num sonho, parecem revelar sua identidade profunda, a sua
origem insondável – o mistério da existência que, nos lábios de Mona Lisa, sorri. Sorri para nós?
Sorri de nós? Sorri conosco. (GULLAR, 2003, p. 44)

A leitura e a literatura
Outra possibilidade de leitura da realidade e da condição humana pode ser
oferecida pela literatura de uma forma geral, quando tomamos sua produção
como um tratado sobre a sociedade com um feitio lírico, e mais especificamente
pela poesia, ao recortar, pela criatividade no trato com as palavras e os recursos
linguísticos e estilísticos, a emoção de quem a produz. Não são poucos os exem-
plos disponíveis na antologia de que podemos lançar mão para este exercício de
ampliação da leitura da palavra para a leitura do mundo, ou antes, para o exer-
cício do que a leitura do mundo fornece para que dele se possa ler em gênero
literário.

Tomemos como ilustração, na prosa, dois romances de Graciliano Ramos


(1892-1953), Vidas Secas (1938) e São Bernardo (1934), em que os personagens
centrais, respectivamente Fabiano e Paulo Honório, padecem ao longo de toda
a narrativa de um mal a que se pode denominar de incompetência linguística –
que, aliás, antes se pode considerar uma limitação da capacidade de ambos em
significar pela palavra.

Em Vidas Secas, o narrador, como que a lamentar essa limitação do retirante,


assim se refere a ele: “tudo o que Fabiano queria era saber falar como o soldado
amarelo”. Ao não saber falar como o soldado amarelo, ou melhor, ao não saber
se expressar verbalmente, as outras semióticas que compõem a existência e as
expressões de Fabiano vão sendo apresentadas magistralmente pelo narrador
ao leitor, de modo que este, sem qualquer dificuldade, vá buscando em sua me-
mória outros tantos fabianos a que sua experiência vivencial autoriza identificar;
pois os perfis humanos se repetem e circulam, independentemente dos con-
textos sociais. Em outras palavras, em toda a história da humanidade vive-se e
morre-se pelas mesmas paixões – inveja, amor, ódio, frustração, desespero, tris-
teza, alegria etc.

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O leitor e a leiturização

É possível fazer a mesma análise com o personagem de Paulo Honório, em


São Bernardo. No desfecho dessa narrativa, Madalena, a esposa de Paulo Honó-
rio, não vê possibilidade de qualquer convivência com o marido e sua exacer-
bada ganância, sua falta de escrúpulos na empresa de intensificar sua riqueza
material. Assim, Madalena escolhe recolher-se, refugiar-se na palavra, registran-
do na escrita sua decepção, frustração e angústia, ou seja, sua impotência ante a
incompetência de Paulo Honório em traduzir sua sensibilidade.

O que estas duas obras nos mostram é o diálogo que pode ocorrer entre
comportamento humano e literatura, além da possibilidade de, em situação de
aprendizagem, tomarem-se como objetos de análise das dimensões humanas.

Outro exercício possível, agora na poesia, é, por exemplo, a leitura dos sím-
bolos, uma vez que a cultura é permeada de simbologia na medida em que so-
mente o ser humano é capaz de decifrar tais sinais, dada sua relação de arbitra-
riedade com a coisa representada, diferentemente dos índices e ícones, os quais
os animais irracionais também são capazes de decifrar.

Em um soneto de Eugênio de Castro (1869-1944), poeta simbolista da litera-


tura portuguesa, o que se tem é o recorte do sentimento de decepção, do qual
decorre o arrependimento. Vejamos como o eu lírico o exprime.

Ao cair da noite
Eugênio de Castro

Numa das margens do saudoso rio


Contemplo a outra que sorri defronte.
Lá, sob o sol que baixa no horizonte,
Verdes belezas, enlevado, espio.

Ali – digo eu – será menos sombrio


O viver que me põe rugas na fronte.
E erguendo-me atravesso, então, a ponte.
Com meu bordão, cheio de fome e frio.

Chego. Desilusão! Da margem verde,


Eis que o encanto, de súbito, se perde.
Bem mais bela era a margem que eu deixei.

Quero voltar atrás. Noite fechada.


E a ponte, pelas águas, destroçada,
Por mais que a procurasse não a achei.

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Formação do Leitor

Na primeira estrofe, o poeta demonstra sua admiração pelo que vê a sua frente.
Na segunda, compara a situação que vislumbra com a sua existência atual para,
finalmente, tomar a grande decisão de passar de uma situação à outra. Na ter-
ceira estrofe, ao chegar na sua meta, rapidamente se decepciona ao, novamente,
comparar as situações e aí o arrependimento lhe sobrevém. Assim, na quarta
estrofe ele quer voltar à situação inicial, mas descobre que já não é possível.

A riqueza da análise desse soneto está na decifração da sua simbologia. Aliás,


trata-se de uma obra alegórica, dada sua variada utilização de recursos expressi-
vamente metafóricos.

Esses dois exercícios de análise literária – prosa e poesia – trazem elementos


para a identificação dos perfis humanos neles retratados. E por meio da lingua-
gem eles podem oferecer recursos linguísticos como modelos de escrita me-
diante os quais significados existenciais são engendrados – mas exigindo leito-
res preparados para uma leitura crítica, comprometida com o desvelamento das
intenções e valores implícitos.

A leitura e a música
O exercício de leitura pela música permite ampliar a visão de mundo pela
identificação com situações de um contexto social maior, em que um pronun-
ciamento se faz em debate de escala mais ampla.

É o que se pode depreender de uma canção que, composta por Chico Buar-
que em 1981, traz uma questão muito atual e, sem nenhuma dificuldade, faria
o leitor supor tratar-se de uma descrição da atualidade. Vejamos o que nos diz
esse compositor que, a despeito da temática real, oferece-nos uma belíssima
canção.

O meu guri
Chico Buarque

Quando, seu moço, nasceu meu rebento


Não era o momento dele rebentar
Já foi nascendo com cara de fome
E eu não tinha nem nome pra lhe dar
Como fui levando, não sei lhe explicar
Fui assim levando ele a me levar
E na sua meninice ele um dia me disse

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O leitor e a leiturização

Que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega suado e veloz do batente


E traz sempre um presente pra me encabular
Tanta corrente de ouro, seu moço
Que haja pescoço pra enfiar
Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
Chave, caderneta, terço e patuá
Um lenço e uma penca de documentos
Pra finalmente eu me identificar, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri
E ele chega

Chega no morro com carregamento


Pulseira, cimento, relógio, pneu, gravador
Rezo até ele chegar cá no alto
Essa onda de assaltos tá um horror
Eu consolo ele, ele me consola
Boto ele no colo pra ele me ninar
De repente acordo, olho pro lado
E o danado já foi trabalhar, olha aí

Chega estampado, manchete, retrato


Com venda nos olhos, legenda e as iniciais
Eu não entendo essa gente, seu moço, fazendo alvoro-
ço demais
O guri no mato, acho que tá rindo
Acho que tá lindo de papo pro ar
Desde o começo, eu não disse, seu moço
Ele disse que chegava lá
Olha aí, olha aí
Olha aí, ai o meu guri, olha aí
Olha aí, é o meu guri

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Formação do Leitor

Para a condução do exercício de leitura por essa letra, o que se propõe é uma
sequência de perguntas que nos permite interrogar o tema do modo mais geral.

 Quem é o narrador-locutor e o que justifica a resposta desta pergunta?

 Quem é o interlocutor e quem ele representa?

 Quem é o guri para o locutor?

 Quem é o guri para o interlocutor?

 Quem é o guri para você leitor?

 A que espaço se referia o guri ao dizer que “chegava lá”?

 Qual o desfecho da história do guri?

 Que mensagem Chico Buarque tenta nos transmitir?

Exercitar a leitura pela música constitui-se como um recurso lúdico onde


razão e sensibilidade ajudam a localizar e a compreender fatos da realidade que
de outra maneira talvez não permitam o refinamento do olhar sobre a imagem
que se constrói de pessoas, fatos e instituições.

Texto complementar
Aproveite a cuidadosa leitura do texto de Norval Baitello para exercitar o olhar
atento e refletir sobre a importância do corpo como primeira forma de expres-
são e comunicação, portanto a primeira mídia. Exercite seu olhar observando
pessoas em espaços diferentes e diversificados tais como filas, feiras, platafor-
mas do metrô ou até mesmo caminhando pelas ruas, no seu próprio percurso de
locomoção, tentando apreender o que elas podem querer significar pelo modo
como andam, vestem-se, gesticulam etc. Registre por escrito essa experiência e
reflita sobre o que apreendeu dela e o que aprendeu com ela.

A mídia antes da máquina


(BAITELLO JUNIOR, 1999)

Como primeira mídia do homem, é preciso ver o corpo também como


texto capaz de comunicar. Belos e perfeitos corpos nus, também inteiramen-

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O leitor e a leiturização

te despidos de erotismo e sensualidade, propagam os ideais de um estado


e de uma política autoritários, mobilizando milhões de espíritos e mentes e
massacrando outros milhões de corpos. Corpos jovens, em multidões, cami-
nham juntos em espaço público, braços erguidos demonstrando discordância
e protesto, e conduzem a mudanças nos destinos da história. Corpos dilacera-
dos estampados na imprensa e veiculados pela televisão contam histórias de
violência e terror, de sangue e morte, reavivam no dia-a-dia as memórias e as
narrativas trágicas de tempos de destruição. Corpos esquálidos, projetos de
cadáveres, são retratos e relatos vivos de tempos de fome e miséria, retratos
do desequilíbrio que o planeta não consegue administrar. O que todos estes
e ainda muitos outros corpos têm em comum em sua imensa diversidade de
aparência?

Não resta dúvida que não são apenas corpos, mas também meios de comu-
nicação, aquilo que hoje se chama mídia. Harry Pross, em seu pioneiro e sur-
preendente livro de 1972, Medienforschung (“Investigação da mídia”) classifica
o corpo como a primeira mídia do homem, como “mídia primária”, aquela que
funde “em uma [única] pessoa conhecimentos especiais”. Esta pessoa torna-se
então a mídia.

É essa a comunicação que ocorre no flerte, na articulação e na leitura dos


gestos e da mímica facial, no movimento e deslocamento no espaço dos estu-
dantes, sindicalistas, movimentos populares e pequenos produtores da agri-
cultura que vão às ruas em passeata, demonstrando com o próprio corpo seu
descontentamento (quem conseguiria imaginar que um banqueiro ou um
grande industrial o fizesse de forma semelhante?).

Na diplomacia e no cerimonial, também é o corpo e seu portar-se que prio-


ritariamente deve ser regulamentado, quem se senta ao lado de quem, quem
cumprimenta quem, onde ficar, como andar, para que lado olhar, que gestos
são permitidos e quais são proibidos. Eis a mídia primária. Impensável qual-
quer interação de um indivíduo com outros indivíduos sem o corpo e suas
muitas e múltiplas linguagens, os sons, os movimentos, os odores, os sabores
e as imagens que se especializam em códigos, conjuntos de regras com seus
significados, “frases” e “vocábulos” corporais. O franzir do cenho, as rugas e os
vincos, o leve e sutil microgesto das sobrancelhas que acenam, o dançar das
mãos, o dar os ombros, os milhares de olhares, o muxoxo, o riso, o sorrir e o
gargalhar, o choro e o choramingo, a infinidade de nuances de movimentos
labiais, a voz e suas modulações, o sentar-se e o estar sentado, qualquer que
seja o movimento ou sua ausência, haverá sempre um sentido, uma mensa-
gem a ser lida por um corpo vivo diante de outro corpo.

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Formação do Leitor

Ocorre que o homem, em sua inquietude e criativa operosidade, procura


aumentar sua capacidade comunicativa, criando aparatos que amplifiquem o
raio de alcance de sua “mídia primária”. Inventa a máscara, que lhe acentue não
apenas traços faciais, mas também lhe amplifique a voz; as pinturas corporais,
as roupas, os adereços e depois os aparatos prolongadores e/ou substitutos
do próprio corpo inauguram um quadro de mediação mais complexo, o da
“mídia secundária”. Aí não podemos nos esquecer da escrita e todos os seus
desenvolvimentos, carta, imprensa, livro, jornal. Tampouco podem-se deixar
de fora as técnicas de reprodução da imagem. A “mídia secundária” requer
um transportador extracorpóreo para a mensagem, vale dizer, precisa de um
aparato que aumente o raio de ação temporal ou espacial do corpo que diz
algo, que transmite uma mensagem ou que deixa suas marcas para que outro
corpo, em outro espaço ou em outro tempo, receba os sinais.

Já a “mídia terciária” requer não apenas um aparato para quem emite, mas
também um aparato para quem recebe uma mensagem. Para que se possa al-
cançar alguém e enviar uma mensagem é preciso que os dois lados possuam
os respectivos aparelhos: telefone, rádio, fax, disco, vídeo, televisão, correio
eletrônico, são os exemplos evidentes.

A complexificação do sistema comunicativo de uma sociedade é decor-


rência e ao mesmo tempo pressuposto da complexificação da própria socie-
dade. E também o mais moderno não suprime o mais antigo, a televisão não
acaba com o rádio, nem com o jornal. A fotografia não acabou com a pintura.
O cinema não enterrou o teatro. Assim também, nem a mídia secundária nem
a mídia terciária ocasionaram a supressão do corpo e toda a mídia primária.
Eis aqui uma lei: a mídia secundária é a acumulação da primária mais um sis-
tema amplificador. E a mídia terciária é a primária mais dois sistemas amplifi-
cadores. Assim, por esta lei da cumulatividade, fica muito claro que qualquer
sistema de comunicação conterá necessariamente em seu âmago a interação
entre dois corpos.

Mas, se é inegável que o corpo está na base de toda comunicação, também


é inegável que o corpo enquanto mídia se altera a cada alteração da cultura e
da sociedade da qual faz parte. Porque falar em corpo é falar em uma comple-
xa interseção entre natureza biofísica, natureza social e cultura. Assim, muito
além de ser uma mídia, o corpo é também um texto que tem registrada em si
uma enorme quantidade de informações, desde a história da vida no universo
até a história cultural do homem, do homo faber, do homo sapiens, do homo
ludens e do homo demens.

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O leitor e a leiturização

Portanto torna-se imperioso também enxergar o corpo enquanto texto. E


todo texto é uma unidade que se complexifica, se altera e se transforma com
a história, porque é fruto de um diálogo com os outros textos, com os outros
tempos, com o passado e a sua memória, mas também com o futuro e seus
projetos, sonhos e utopias. Assim, o corpo é algo vivo, não apenas no sentido
biológico, mas também no sentido semiótico, enquanto texto. Evidentemen-
te a palavra texto não se restringe apenas ao universo das palavras e da escrita
verbal, mas se amplia para todo e qualquer código da comunicação humana
(há textos olfativos como há textos hápticos [táteis], há os visuais e os perfor-
máticos, há gustativos como também auditivos, e naturalmente há aqueles
que combinam muitas linguagens e códigos). Mas, se o texto não é só escrita,
ele também não se esquece do traço essencial da escrita: a vitória sobre a
morte. Num certo sentido, o corpo, ao tornar-se texto, torna-se também es-
crita e inscreve-se com isso em uma escala da imortalidade. Por esses cami-
nhos semióticos do corpo trilha o instigante livro de Cleide Campelo, Cal(e)
idoscorpos. Também o trilham Vicente Romano quando fala dos sentidos de
proximidade e sua perda. Pross analisa o uso político do corpo em Sociedade
do protesto. Ou ainda Dietmar Kamper em sua análise sobre as tentativas do
espírito humano de desmaterializar o corpo em favor de um ideal imagético
de corpo (v. Carvalho, Ensaios de complexidade, Ed. Sulina).

Enquanto ponto de confluência e chave do complexo processo da comu-


nicação, o corpo, em sua “historicidade caleidoscópica” deverá estar sendo
resgatado enquanto referência fundamental. Nas palavras de Harry Pross,
toda comunicação inicia no corpo e termina no corpo, por mais que o espírito
humano equivocado queira endeusar as máquinas.

Dica de estudo
FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

Nessa importante obra, o autor francês diagnostica o fim da era da alfabeti-


zação e o nascimento da era da leiturização – que, segundo ele, só ocorrerá se
a escola estabelecer condições reais de uso elaborado da escrita em sua prática
cotidiana e em sua reflexão.

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Formação do Leitor

Atividades
1. A partir do conceito de desescolarização da leitura, explique a responsabili-
dade de ensinar a ler.

2. Quanto ao conceito de interdisciplinaridade, o que se pode apontar como


dificuldade para a ampliação da visão global dos sujeitos em situação de
aprendizagem escolar, por exemplo, de leitura?

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O leitor e a leiturização

3. Como a leitura de outros códigos pode oferecer possibilidade de aprendiza-


gem da leitura e escrita do código verbal?

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A constituição histórica
da leitura no Brasil
Não se trata de fazer uma cronologia, mas situar alguns episódios rele-
vantes na constituição da leitura no Brasil. Para tanto, é importante abor-
dar a história do analfabetismo, que está estreitamente relacionado às
questões da exclusão social: o analfabetismo seria uma das possíveis con-
sequências da exclusão social, pois a privação do contato com a palavra
escrita revela uma anterior privação das condições básicas de existência
– saúde, alimentação, moradia, atenção, afeto, lazer.

A história do analfabetismo e o quadro da exclusão social se fundem na


história da colonização do Brasil. Em seu livro Analfabetismo no Brasil, Ana
Maria Freire apresenta um aprofundado estudo histórico (isto é, sociopo-
lítico e econômico) do analfabetismo no Brasil, referência para as conside-
rações tecidas a seguir.

O Período Jesuítico marcou o início do processo de educação formal no


Brasil. Fundada em 1534 por Inácio de Loyola (1491-1556) e reconhecida
como ordem religiosa pelo papa Paulo III (1468-1549), em 1540, a Compa-
nhia de Jesus chegou ao Brasil sob a chefia do padre Manoel da Nóbrega
(1517-1570) no ano de 1549, acompanhando Tomé de Sousa (1503-1579),
nosso primeiro governador geral.

Os inacianos (como também são chamados os jesuítas) tinham como


função manifesta a missão de converter os silvícolas à fé católica e, ao
mesmo tempo, dar apoio aos colonos que aqui viviam. Uma ação posta
em prática pela política colonial, como largamente se sabe, consistia na
sujeição dos índios de modo impositivo, firme e autoritário, na tentativa
de torná-los submissos aos interesses da Ordem. Entretanto, a coloniza-
ção não se figurou tarefa fácil. A resistência dos índios e o difícil acesso às
aldeias fizeram com que o sistema de catequese fosse revisto. O regime
de aldeamento, inicialmente adotado, foi substituído pela expansão mis-
sionária e pela fundação de colégios. O Colégio do Terreiro de Jesus (con-
fraria de meninos), primeiro colégio jesuíta no Brasil, foi fundado em 1568,
na Bahia, sede do Governo Geral. E em 1572 foi criado o Real Colégio da
Bahia.

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Formação do Leitor

Na tentativa de reverter a resistência dos índios, a alternativa foi investir


contra ações dos colonos que significavam tentativas de destruir os costumes
indígenas; abrir escolas de ler, escrever e contar e de ensino da doutrina cató-
lica (que constituía o curso elementar do Ratio Studiorum); e fazê-los cultivar as
terras junto com os índios. Essa atitude adotada no século XVI é considerada
por Azevedo (1958) como o primeiro plano da política colonial, sendo um eficaz
facilitador da colonização. Como estratégia política de colonização, os jesuítas
também aprenderam a língua tupi-guarani e colocaram juntos meninos brancos
(que eram órfãos trazidos de Lisboa, portanto crianças excluídas da sociedade) e
índios, para aprenderem suas respectivas línguas – o português e a língua indí-
gena do Brasil. Por sua atuação, os jesuítas conseguiram autoridade e prestígio
não só entre os índios como também entre os colonos.

Os estabelecimentos de ensino seguiam normas padronizadas segundo o


Ratio Studiorum, que era um código de ensino com normas de organização e
atividade para os colégios da Companhia de Jesus. Era baseado nas unidades do
professor, do método e da matéria, com o cultivo da disciplina, da atenção e da
perseverança nos estudos. O professor acompanhava os alunos no estudo das
matérias, do início ao fim.

O Ratio Studiorum foi publicado em janeiro de 1599, no período em que o


superior geral da Ordem era o padre Cláudio Aquaviva (1543-1615). Esse plano
de estudos da ordem foi promulgado após mais de meio século de experiên-
cias (1548-1599), em centenas de colégios disseminados na Europa. O trabalho
de redação levou 15 anos (1584-1599). Como afirma Franca, esse documento
“é filho de uma experiência comum, viva e ampla” em que “o alvo então visado
era universal, a formação do homem perfeito, do bom cristão” (FRANCA, 1952,
p. 44). O Ratio Studiorum permaneceu como documento oficial da Companhia
até a supressão da Ordem, em 1773, vigorando portanto por quase dois séculos,
sempre fiel aos seus ideais e métodos pedagógicos. Assim, não houve qualquer
adaptação do plano de estudos à nova realidade brasileira, à nova comunidade,
prevalecendo uma visão de mundo maniqueísta.

Os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759 e, como bem resume Ana Maria
Freire,
Quando expulsos, em 1759, os jesuítas nos legaram um ensino de caráter literário, verbalista,
retórico, livresco, memorístico, repetitivo, estimulando a emulação através de prêmios
e castigos, e que se qualificava como humanista-clássico. Enclausurando os alunos com
preceitos e preconceitos católicos, inibiu-os de uma leitura do mundo real, tornando-os
cidadãos discriminatórios, elites capazes de reproduzir “cristãmente” a sociedade perversa dos
contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e podem e dos que a tudo se submetem.
Inculcaram a ideologia do pecado e das interdições do corpo. “Inauguraram” o analfabetismo
no Brasil. (FREIRE, 1993, p. 46)

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A constituição histórica da leitura no Brasil

A expulsão dos jesuítas implicou a desarticulação do seu sistema educa-


cional e a consequente concepção de um programa cultural iluminista que se
constituía em “novo método”: o método dos oratorianos, pelo qual o ensino do
latim, do grego, da retórica etc. acontecia de forma diferente da usada pelos
jesuítas também havia novos conteúdos, como a física experimental. E o “novo
método” ainda trazia uma gramática facilitadora do aprendizado do latim, que
se apresentava a partir do vernáculo (a língua portuguesa) e com menos regras.
Essa atitude era necessária e, portanto, legitimada pela burguesia – que pre-
cisava de burocratas capazes de ler e escrever em português para, com isso,
ampliar suas relações.

O ensino dos jesuítas era destinado a oferecer uma cultura geral básica,
sem se preocupar com a qualificação para o trabalho, não correspondendo,
portanto, às necessidades de transformações econômicas pelas quais se queria
instaurar o liberalismo no Brasil, entendendo liberalismo como o direito natu-
ral da sociedade civil e a liberdade econômica dos proprietários privados (bur-
guesia), que se consolidou na Revolução Francesa (1789-1792) e que derrubou
o Antigo Regime (teocrático, absolutista, feudal). Da constituição da política
do primeiro-ministro marquês de Pombal (Sebastião José de Carvalho e Melo,
1699-1782) e a consequente expulsão dos jesuítas de Portugal para a substi-
tuição dos educadores, passaram-se 13 anos sem escolas. A uniformização da
ação pedagógica em níveis escolares foi substituída, no período pombalino,
pelas disciplinas isoladas, avulsas, ministradas inclusive por leigos. Isso se re-
verteu em retrocesso para a educação no Brasil.

A política pombalina foi inspirada no Iluminismo, que era o movimento in-


telectual e ideológico do século XVIII na Europa. Nesse continente, as ideias
liberais dos iluministas tinham como objetivo lutar contra as monarquias abso-
lutistas e instaurar o processo de modernização e hegemonia sobre a sociedade.
Nesse processo, a burguesia (a classe que detinha o poder econômico em ascen-
são, mas não detinha o poder político e social) era legitimada pela aquisição da
propriedade privada, constituída como direito natural, e passava a ter a possibili-
dade de exercer um poder político que, segundo os burgueses, era mais legítimo
e superior que o da realeza e da nobreza, pois os burgueses estabeleceram seus
bens materiais como fruto de seu próprio trabalho. O sucesso relacionado ao
esforço pessoal ganhava espaço, bem como o falso pensamento de que, se Deus
fez todos os homens iguais, o sucesso (ou não) era de responsabilidade e com-
petência dos homens, portanto, legítimo, cabendo ao Estado aceitá-lo.

Foi nesse contexto político que se constituiu a política pombalina no Brasil.


E para dar andamento às reformas necessárias para garantir essas mudanças

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Formação do Leitor

em Portugal, visto que o processo de modernização já havia ocorrido na econo-


micamente independente Inglaterra, fazia-se necessário o incentivo às manufa-
turas na metrópole, a acumulação de capital e a substituição da ideologia feudal
pela capitalista. Por isso os jesuítas eram perseguidos, para restringir a influência
exercida pela nobreza e pelas instituições que a apoiavam e a legitimavam.

Vale lembrar que, mesmo na Europa, o que deveria ser uma reforma em favor
dos camponeses e trabalhadores pobres (ideário da Revolução Francesa) foi uma
perda para essa classe, que ficou sem condições para produzir de forma inde-
pendente, passando a trabalhar nas indústrias, vendendo sua força de trabalho,
vindo a formar a classe dos assalariados. A bem-sucedida burguesia procurava
impedir a ascensão sociopolítica e cultural dos trabalhadores braçais.

Analfabetismo pleno
A partir da segunda metade do século XIX, com as mudanças exigidas pela
nova sociedade industrial, nos países mais desenvolvidos, foram observadas
profundas modificações na forma de encarar a educação. Era necessário eliminar
o analfabetismo e dotar a população de um mínimo de qualificação para o tra-
balho, por exigência do processo de produção e pelas necessidades de consumo
ditadas por essa produção. Crescia a necessidade de leitura e de escrita, como
um pré-requisito para um melhor posicionamento frente à concorrência no mer-
cado de trabalho. Com isso, também crescia a demanda social da educação.

No Brasil, as necessidades de instrução não eram evidentes. Predominava um


modelo econômico agrário-exportador e uma agricultura de subsistência, am-
parados por uma estrutura oligárquica, aliada a formas arcaicas de produção.
Somando-se a tudo isso uma baixa densidade demográfica e de urbanização,
explicava-se a escassa demanda social de educação no país.

Com relação à educação no século XVIII, como afirma Patto, “Os sistemas de
ensino não são, portanto, uma realidade durante os 70 primeiros anos do século
retrasado” (PATTO, 1993, p. 26), quando o progresso visível não foi em relação ao
Ensino Fundamental. Apesar da vulgarização do livro, o número de analfabetos
permaneceu grande, pois o ensino primário era ministrado por professores pri-
vados e governantas e, portanto, era restrito às crianças burguesas.

No século XX, a visão da escola pública obrigatória e gratuita, entrou em crise


juntamente com a escola tradicional de modelo liberal, que era fundamenta-

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A constituição histórica da leitura no Brasil

da na aprendizagem de conhecimentos acumulados pelo professor. Viu-se que


essa educação tradicional não era garantia de igualdade social, que não bas-
taria o conhecimento das letras para formar um indivíduo autônomo e crítico
da realidade, capaz de transformá-la. Começou a se fortalecer uma pedagogia
nova, com o objetivo de rever o sistema vigente e proporcionar uma educação
que realmente transformasse a escola em um local democrático para, enfim, ser
possível colocar os homens em seus lugares na sociedade por seus méritos pes-
soais. Esse era o pensamento humanista, no entanto considerado ingênuo pelos
educadores atuais.

Como não poderia deixar de ser, o Brasil também buscou adaptar-se a essa
mudança de paradigma por meio de reformas como a de Sampaio Dória, em
São Paulo (1920); a de Anísio Teixeira, na Bahia (1925); a de Fernando Azevedo,
no então Distrito Federal – a cidade do Rio de Janeiro (1928), entre outras. Todos
se basearam nos modelos europeu e norte-americano da Escola Nova, o que
também não resultou, nessa época, em mudanças significativas para a educação
brasileira, que não se firmou como educação popular. A ênfase no técnico e no
pedagógico deixou de lado uma característica fundamental da educação: de ser
uma prática eminentemente política.

Ainda segundo Ana Maria Freire, nesse período,


As taxas de analfabetismo continuam altas. A de 1920 era praticamente a mesma de 1900 –
64,94% e 65,34%, respectivamente, em pessoas de 15 anos e mais – e a de 1940 (desde que
faltam dados da de 1930, pois o Brasil realizou censos gerais apenas em 1900, 1920, 1940, 1950
e 1960), apenas tinha diminuído para 56,22%, também para a população de 15 anos e mais.
(FREIRE, 1993, p. 233)

Resultado de uma crise no monopólio do poder por parte das oligarquias, a


Revolução de 1930 propiciou o capitalismo industrial no Brasil, criando condi-
ções para que se modificassem as aspirações populares com relação à educação:
cresceu a demanda social da educação. Mas, assim como a expansão capitalista
não se fez de forma homogênea no Brasil, as demandas escolares só se desen-
volveram nos locais em que as relações capitalistas de produção se intensifica-
ram, criando uma das mais sérias contradições do sistema educacional brasilei-
ro. Assim, de acordo com Romanelli,
O que se verificou, a partir daí, foi o fato de a expansão do sistema escolar, inevitável,
ter-se processado de forma atropelada, improvisada, agindo o Estado mais com vistas ao
atendimento das pressões do momento do que propriamente com vistas a uma política
nacional de educação. É por isso que cresceu a distribuição de oportunidades educacionais,
mas esse crescimento não se fez de forma satisfatória, nem em relação à quantidade, nem em
relação à qualidade. (ROMANELLI, 1985, p. 61)

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Formação do Leitor

Analfabetismo funcional
De acordo com o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf ),
temos atualmente 16 milhões de analfabetos absolutos com 15 anos de idade
ou mais (9% da população). Lendo a história do Brasil e particularmente a histó-
ria da educação no Brasil, encontramos os índices de analfabetismo, pobreza e
exclusão social apontando a urgente necessidade de uma revisão nas propostas
de abordagem da leitura em nossa sociedade. A falta de interesse pela leitura
denuncia a falta de interesse pela forma de constituição da nossa sociedade e
do entendimento de como mudar aquilo que para a maioria “é assim mesmo”, o
que significa dizer que a elevação das condições do ser humano deve preceder à
promoção da leitura em nosso país. Dito de outra forma, elevem-se as condições
de “ser mais” a que todo sujeito tem direito e consequentemente a leitura será
promovida, pois que antes promoveu-se a própria leitura de mundo do sujeito.

Chegamos, assim, em 2005, ainda com um grande déficit quanto aos núme-
ros da leitura em nosso país, mas na verdade não se trata de um déficit nos nú-
meros senão na própria condição da educação pensada e praticada em nossa
sociedade. Os números apontam para um expressivo problema no modo de se
conduzir a educação escolar, bem como no tratamento do currículo nela prati-
cado – o que, a nosso ver, mais uma vez justifica a importância dessa pesquisa
no âmbito da Educação Superior, pois o problema vai sendo arrastado ao longo
do trajeto escolar do estudante e acaba chegando à universidade. E é preciso,
no âmbito universitário, que haja espaço de discussão acerca do assunto, com as
necessárias medidas saneadoras para o enfrentamento da questão, consideran-
do a educação praticada na universidade e o aluno que se pretende formar.

Entendemos, portanto, que em cada espaço educativo devem ser constituídos


grupos de discussão para que se elaborem e encaminhem medidas resolutivas
dos problemas mais agudos concernentes à realidade em questão. Não acredi-
tamos que a dificuldade de leitura seja um problema enfrentado por professores
e alunos apenas da universidade que pesquisamos. Contudo, nela encontramos
oportunidades de discussão e possibilidades de envolvimento de alunos e pro-
fessores e constatamos que as pesquisas sobre essa temática precisam ser mais
bem exploradas, apesar de que, em âmbito nacional, já se realizou.

As políticas de promoção da leitura


Abordar um tema tão complexo como a leitura, bem como pretender apresen-
tar uma proposta de leiturização na universidade, constituem-se importantes

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A constituição histórica da leitura no Brasil

desafios a serem transpostos em um momento em que as políticas de ensino


e de promoção de leitura não se apresentam suficientemente eficazes para o
enfrentamento do problema de fazer ler e compreender o objeto da leitura, que
ocupa lugar na vida do sujeito leitor que, por sua vez, passa boa parte da vida na
escola. Sobre as campanhas educativas e de promoção de leitura, Brito conside-
ra que elas insistem em divulgar o mundo maravilhoso do texto e que, em vez
de ser compreendida como prática social, a leitura “é imaginada como um ato
redentor, capaz de salvar o indivíduo da miséria e da ignorância” (BRITO, 2003).

Nesse sentido, assevera o autor que a leitura não existe fora da história, sendo
uma ação intelectiva por meio da qual – em função de sua experiência, seus
conhecimentos e valores prévios – os sujeitos processam informações codifica-
das em textos escritos. A leitura se faz sempre sobre textos que se dão a ler, que
trazem representações do mundo e com as quais o leitor vê-se obrigado a nego-
ciar. O mesmo autor assim explicita:
Deste modo, a leitura é uma ação cultural. O produto que resulta desta ação não é jamais
a simples acumulação de informações, não importa de que natureza sejam estas, mas a
representação da realidade presente no texto. Um valor, portanto. Um valor que não é criação
original do sujeito, mas algo que se articula com o conjunto de valores e saberes socialmente
dados. (BRITO, 2003, p. 99)

É, portanto, tomando o caráter de constituição social da leitura que esta deverá


ser entendida como um ato de posicionamento político diante do mundo, e seu
ensino também deve ser considerado dessa maneira. Sobre a questão, Brito
assim discorre:
E quanto mais consciência o sujeito tiver desse processo, mais independente será sua leitura,
já que não tomará o que se afirma no texto que lê como verdade ou como criação original,
mas sim como produto. A ignorância do caráter político do ato de ler, por sua vez, não anula
seu componente político, porque este é constitutivo do processo, mas conduz à mitificação da
leitura e dos textos impressos e ao não-reconhecimento dos interesses e compromissos dos
agentes produtores de textos. (BRITO, 2003, p. 100)

O mesmo autor considera que o mito do sujeito leitor resulta de um tipo de


discurso que ignora os modos de inserção do sujeito leitor para se estabelecer,
em torno da leitura, juízos de valor do tipo “bom” ou “mau”, vulgarizando noções
vagas sobre a importância de ler que produzem um consenso aparente.

Em síntese, segundo o autor, as bases do mito devem ser expostas e com-


preendidas a fim de que uma edificante promoção da leitura possa, de fato, ser
constituída como um trabalho em que o sujeito seja promovido a leitor e não a
mero decodificador ou apenas disseminador da linguagem cotidiana.

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Formação do Leitor

O entendimento das bases do mito deve esclarecer e pôr termo à ideia de


que a questão da leitura seja um problema pessoal, pois que não o é na medida
em que a atitude de ser leitor não prescinde do entendimento do próprio su-
jeito como tal e das relações que ele estabelece com o mundo que o circunda,
de modo que a compreensão do mecanismo que subjaz ao ato de ler deve ser
garantida em toda sua complexidade.

Segundo o autor, algumas razões da existência e da perpetuação do mito do


sujeito-leitor podem ser explicadas por dois fatores que fazem sobreviver com
tanta intensidade a concepção ingênua de leitura.

 O primeiro deles diz respeito ao mascaramento da dimensão política da


leitura.

 O segundo refere-se à desconsideração do objeto sobre o qual incide a


leitura.

Ora, ao se negar a dimensão política da leitura, afirma-se a ideia de que o


texto não é produto da intenção de quem o produziu e tampouco que esse texto
possa se relacionar com todos os textos anteriormente construídos, como se toda
a expressão do pensamento fosse absolutamente inédita, ou ainda, que todos os
textos produzidos se constituem em boas leituras, devendo, portanto, ser reco-
mendadas como indispensáveis à elevação intelectual e moral de quem o lê.

Os impactos da promoção da alfabetização


Como atesta Brito (2003, p. 100), pelo menos nos últimos 30 anos o debate em
torno da leitura, seus sentidos e possibilidades tem se pautado por uma espécie
de a priori de que o ato de ler é fundamental para o desenvolvimento intelec-
tual dos sujeitos, contribuindo de forma inequívoca para a construção de uma
sociedade mais equilibrada, em que haja justiça, produtividade e criatividade.

Assim, as campanhas educativas e de promoção da leitura insistem em divul-


gar o mundo maravilhoso do texto, deixando de compreender a leitura como
uma prática social para adotá-la como um ato redentor, capaz de salvar o indi-
víduo da miséria e da ignorância.

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A constituição histórica da leitura no Brasil

Texto complementar
Exercite sua capacidade de leitura crítica e observe durante um dia de pro-
gramação de TV os comerciais veiculados e registre quais os apelos mais em-
pregados pela publicidade para atrair a atenção do telespectador e levá-lo ao
consumo desenfreado. Aproveite para refletir acerca da condição de cegueira a
que é submetida uma parcela significativa da população brasileira graças à com-
binação de estratégias publicitárias para a valorização do consumo e descaso
das instituições competentes na formação de leitores críticos.

Publicidade: a força das imagens


a serviço do consumo
(RIZZO, 1998)

Comerciais exibidos na televisão recorrem a estereótipos para criar a sen-


sação de desejo no inconsciente do telespectador.

A linguagem da propaganda, em qualquer meio de comunicação, é sempre


a da sedução, a do convencimento. Na TV, seu discurso ganha um reforço con-
siderável: a força das imagens em movimento. Assim, fica muito difícil resis-
tir aos seus apelos: o sanduíche cujos ingredientes quase saltam da tela com
sua promessa de sabor, o último lançamento automobilístico – que nenhum
motorista inteligente pode deixar de comprar – deslizando em uma rodovia
perfeita como um tapete, a roupa de grife moldando o corpo esguio de jovens
modelos. A publicidade funciona assim nas revistas, nos jornais, no rádio e nos
outdoors, mas suas armas parecem mais poderosas na televisão. Se é verdade,
como dizem os críticos, que a propaganda tenta criar necessidades que não
temos, os comerciais de TV são os que mais perto chegam de nos fazer levan-
tar imediatamente do sofá para realizar algum desejo de consumo – e às vezes
conseguem, quando o objeto em questão pode ser encontrado na cozinha.

Aprender a “ler” as peças publicitárias veiculadas pela TV tem a mesma im-


portância, na formação de um telespectador crítico, que saber analisar os noti-
ciários e as telenovelas. A parte mais óbvia desse trabalho de conscientização

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Formação do Leitor

refere-se, claro, à identificação das estratégias usadas para criar o apelo ao con-
sumo. Peça a seus alunos que mencionem os comerciais de que mais gostam,
explicando os motivos que os atraem. É provável que você os ouça cantarolar
jingles e repetir slogans. Procure mostrar a eles como as frases publicitárias são
estruturadas; em seguida, proponha que eles criem material equivalente para
tentar convencer os colegas de classe de que outros produtos são “superiores”,
“melhores”. Ao tentar compor músicas e redigir slogans, eles vão perceber que
a publicidade em torno de um produto às vezes guarda pouca relação com
suas utilidades e qualidades. E que, portanto, produtos inferiores aos fabrica-
dos por concorrentes podem ser mais vendidos porque seus comerciais são
mais atraentes. O exercício permitirá também que eles identifiquem as peças
publicitárias mais honestas: são aquelas baseadas apenas em características
inquestionáveis dos produtos e serviços que promovem.

Independente do apelo ao consumo, os comerciais exibidos pela televisão


também se prestam a análises mais amplas de conteúdo. Ao difundir modelos
de comportamento, exercem tanta influência sobre os telespectadores quanto
os personagens de novelas. E, ao reforçar estereótipos associados a raças e
classes sociais, por exemplo, contribuem decisivamente para que imagens
distorcidas da sociedade continuem a ser propagadas. Você pode propor aos
seus alunos que analisem diferentes comerciais de um mesmo tipo de produ-
to, em busca de características que se repitam: desde o perfil sociocultural das
pessoas que o consomem até as situações em que isso ocorre. A “mensagem”
é clara: quem usa aquele serviço ou produto pertence àquele mundo, e quem
julga pertencer àquele mundo deve, por consequência, consumir o que se
anuncia. Esse exercício possibilita, por outro lado, que os alunos sejam capa-
zes de identificar os comerciais que evitam promover esse tipo de distorção.
Consumidores são, acima de tudo, cidadãos.

Dicas de estudo
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam.
São Paulo: Cortez, 1989.

Nesta obra, escrita em linguagem informal e com beleza poética, Freire nos
relata como, nele, se deu o ato de ler, a partir da aproximação de seu mundo com
a palavra escrita.
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A constituição histórica da leitura no Brasil

SILVA, Eliana Ribeiro da. Leitura da Palavra e Leitura do Mundo: os desafios da


leiturização na universidade. Tese de doutorado – PUC-SP, São Paulo, 2005.

O texto apresenta o resultado de uma pesquisa reveladora das dificuldades


com a leitura dos textos acadêmicos pelos alunos e da leitura dos textos dos
alunos pelos professores, com uma discussão que aponta caminhos de inter-
venção. O fato da observação ter sido realizada na universidade em que a autora
trabalha revela a autenticidade e a gravidade da questão, que deve ser assumida
por todos.

Atividades
1. Explique por que se pode dizer que o analfabetismo é uma das principais
causas da exclusão social.

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Formação do Leitor

2. Qual a relação do analfabetismo com a colonização do Brasil?

3. Em que o analfabetismo impacta na economia do país?

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A constituição histórica da leitura no Brasil

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

O processo de formação do leitor


Sabe-se que, no mundo inteiro, a leitura é a atividade relacionada à
aquisição de informações que menos ocupa o tempo das pessoas. A ten-
dência global é clara: a televisão consome 16,6 horas semanais, ganhan-
do longe do rádio (8 horas) e da leitura (6,5 horas) e, ainda, do computa-
dor/internet (8,9 horas). Não deveria constituir uma surpresa o fato de se
ler menos do que se vê televisão, mas ainda assim os números parecem
chocar. Uma pesquisa divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, em 03 de
julho de 2005, avaliou e comparou os hábitos em relação à mídia em 30
países, revelando que, mesmo entre aqueles que mais dedicam tempo
à leitura, os índices parecem reduzidos: os três primeiros colocados no
ranking de leitores leem, por dia, pouco mais de uma hora – indianos, com
10,7 horas semanais; tailandeses, com 9,4 horas; e chineses com 8 horas.

O que se verifica, portanto, é que, agindo silenciosamente sobre “lei-


tores abortados” (aqueles que mal se aproximam do texto escrito e já são
capturados por outras linguagens, sem sequer dominar o código verbal),
essa concorrência cultural encarrega-se da missão que parece lhe caber:
“fabricar seres em série – na forma e no conteúdo – que se comportem
com uma regularidade previsível, tanto na recepção quanto na emissão
dos impulsos”, ao passo que, com sua capacidade de fazer cada leitor
adentrar por veredas diversas e diferentes, a leitura não possibilita essa
regularidade previsível de seres fabricados em série.

Diante dessas reflexões em que os mecanismos da interdição e da vio-


lência simbólica se encontram retomados, vale ressaltar o quanto, na escola,
a intervenção do professor-leitor deveria assumir toda sua potencialidade
no sentido da construção de um currículo crítico de leiturização – a qual,
por sua vez, deveria ser precedida da necessária reflexão acerca do próprio
processo de formação de leitor e sobre a própria ação de leitor e formador
de leitores.

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Formação do Leitor

É inegável que o processo de formação do leitor está diretamente relaciona-


do ao próprio processo de formação da história de vida das pessoas, e isso equi-
vale a afirmar que as condições sociais, culturais e econômicas estão fortemente
relacionadas às condições da formação do leitor. E porque a história de vida é
construção cultural, o processo de formação do leitor depende dessa construção
e das condições de distribuição da cultura, o que faz aumentar o interesse dos
pesquisadores acerca do mapeamento das condições de leitura no país.

A produção da pesquisa em leitura no Brasil


No meio acadêmico, principalmente a partir das décadas de 1980 e 1990,
vem crescendo o número de pesquisas que tomam a leitura como tema de in-
vestigação, desvinculadas do processo de alfabetização escolar.

Na década de 1970, quando a universidade começou a se interessar por pes-


quisar a temática da leitura, ouvia-se, na academia e no senso comum, um dis-
curso que acenava para uma crise da leitura no país. Tal discurso estava ancorado
nos ideais democráticos da população, reforçados com o fim da ditadura. No final
dessa década, projetou-se no meio acadêmico um desejo de democratização da
sociedade e da escola. Sendo assim, vários pesquisadores buscaram investigar o
panorama da leitura, dos livros e dos leitores no Brasil. Tais pesquisas apontavam
para a existência de uma crise na leitura e no seu ensino. Em termos gerais, elas
constataram que no Brasil havia uma pequena quantidade de leitores (crianças,
jovens e adultos), grande parte deles pertencente à elite, sendo que o acesso
aos materiais de leitura também era restrito à classe dominante, a única com
poder aquisitivo para a compra desses materiais. No âmbito escolar, as pesquisas
verificaram que existiam poucos objetos e espaços de leitura (somente algumas
escolas possuíam biblioteca e as que existiam eram mal equipadas), poucos pro-
fessores eram leitores e o ensino da leitura era uma prática caótica.

Preocupado com a chamada crise da leitura, Silva (1983) relata que, em 1978,
buscou verificar até que ponto os pesquisadores obtinham respostas para essa
crise em seus trabalhos científicos. Para tanto, selecionou na literatura acadêmi-
ca as investigações sobre leitura já realizadas e em andamento no país e as anali-
sou. Em termos quantitativos, constatou que o volume de pesquisas na área era
ínfimo, considerando a dimensão do problema no país: “verifiquei que o volume
de trabalhos na área era irrisório: a produção de investigações se resumia a 27
estudos” (SILVA, 1983, p. 76). Analisando as pesquisas encontradas em termos
qualitativos, o autor mais uma vez mostra-se decepcionado, pois as pesquisas
possuíam várias falhas. Dentre as quais vale destacar:
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As pesquisas sobre leitura no Brasil

 falta de rigor teórico e metodológico;

 análise da leitura como um fenômeno escolar, isolado do contexto social;

 a centralidade da psicologia nesses estudos, enfatizando principalmente


as características dos leitores (gostos, hábitos e interesses pela leitura);

 restrição das pesquisas em descrever os dados, sem a preocupação de


propor soluções para a realidade encontrada.

Dessa maneira, além de escassas, as pesquisas até então realizadas pouco


ou quase nada contribuíam para a discussão da formação de leitores. Segundo
o autor,
Com exceção de uma meia dúzia de trabalhos sérios e elucidadores, a maioria das investigações
produzidas na área da leitura, nestes últimos vinte anos (1960/70), poderia ir direto para a lata
de lixo ou permanecer “lacrada” na estante de uma biblioteca. Trata-se de levantamentos [...]
superficiais, que constatam ou reproduzem o senso comum, em nada contribuindo para a
compreensão da essência concreta do fenômeno da leitura. (SILVA, 1983, p. 78)

A partir da década de 1980, verifica-se – quantitativa e qualitativamente – um


crescimento nas pesquisas em leitura por meio de ações dirigidas à formação de
leitores e à melhoria do ensino e da pesquisa em leitura. Os debates sobre os di-
ferentes aspectos da leitura ganharam força com o surgimento de um grupo de
pesquisadores que passaram a se preocupar em divulgar, socializar e intensificar
os conhecimentos na área da leitura, lançando mão de congressos, seminários,
palestras, orientações de pesquisas e publicações em periódicos e livros (FER-
REIRA, 1999). Dentre os espaços de debate e divulgação criados nessa época,
vale mencionar:

 realização bienal dos Congressos de Leitura (Cole), iniciados em 1978;

 criação da Associação de Leitura do Brasil (ALB), em 1981;

 publicação semestral da revista Leitura: Teoria e Prática, em 1982, pela


própria ALB (KLEIMAN; MORAES, 1999).

A consolidação e a ampliação dos cursos de pós-graduação no país também


contribuíram para os avanços na área, pois trouxeram outros referenciais teóri-
cos para as discussões sobre leitura – além dos positivistas, existentes até então
–, assim como o interesse de outras áreas do conhecimento para o fenômeno
da leitura. Nesse sentido, a leitura e toda a problemática que a envolvia deixou
de ser uma preocupação restrita ao campo da Psicologia e ganhou uma visão in-
terdisciplinar, incorporando o interesse e o estudo de outras áreas, como Letras,
Educação, Linguística, Comunicação, Sociologia, História, Biblioteconomia etc.
(SILVA, 1983).
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Formação do Leitor.indb 81 20/3/2009 10:10:54


Formação do Leitor

Nesse período pós-ditadura, apesar da reorganização política e social que


ocorria no país, alguns estudos sobre a leitura continuavam envolvidos com o
discurso da crise da leitura e ainda centravam esforços em mapear as dificulda-
des encontradas, principalmente pela escola, na formação de leitores. Por outro
lado, conforme Moraes, acompanhando o processo de democratização e aten-
dendo às necessidades sociais,
Emergia um outro conjunto de estudos que reivindicava a necessidade de adoção de novos
procedimentos de leitura, novas atitudes e habilidades capazes de fazer frente às demandas
sociais em relação à democratização da sociedade e produção da cidadania. Tais estudos
reivindicavam a vinculação do ato de ler aos atos de questionar, conscientizar-se e libertar-se.
(KLEIMAN; MORAES, 1994, p. 44)

A leitura passava a ser considerada também como um instrumento político,


que possibilita o conhecimento e a crítica da realidade social, um fator essencial
à transformação da sociedade e à libertação da classe desfavorecida. A educa-
ção e, mais especificamente, a aprendizagem e a prática da leitura e da escrita
adquiriam grande importância no contexto de abertura política em que o país
se encontrava.

O pensamento de Paulo Freire sobre a importância do ato de ler para a cons-


cientização das classes desfavorecidas e a busca da transformação social inva-
diram a academia. Nesse contexto, havia uma forte associação entre leitura e
exercício da cidadania, pois considerava-se que a classe desfavorecida só conse-
guiria se desvencilhar das amarras das injustiças sociais dominando os mesmos
instrumentos da classe dominante – no caso a leitura e a escrita. Dessa forma,
a aprendizagem e a prática da leitura começam a ser consideradas como uma
possibilidade de a classe desfavorecida ter acesso aos bens culturais da classe
dominante e ao seu modo de pensar, adquirindo, assim, fundamentos para pro-
mover a revolução social.

Para Freire (1980), é por meio do processo de conscientização – ação e refle-


xão – que a classe oprimida pode promover a transformação social e libertar-se.
A leitura é considerada, então, um instrumento de libertação e transformação
social, como uma atividade provocadora da consciência sobre os fatos sociais.

Saviani elucida a importância da leitura no projeto de democratização da so-


ciedade e da escola ao afirmar que
O domínio da cultura constitui instrumento indispensável para a participação política das
massas. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não
podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se
utilizam exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação.
[...] o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam.
(SAVIANI apud SILVA, 1983, p. 35)

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

Segundo Silva, a leitura é um dos instrumentos fundamentais nessa “briga”


pela democracia, sendo
Uma habilidade humana que permite o acesso do povo aos bens culturais já produzidos e
registrados pela escrita e, portanto, como um meio de conhecimento e crítica dos fatos
históricos, científicos, literários etc. e como um dos meios mais práticos, ao lado da palavra
oral, de que o povo pode lançar mão a fim de fazer valer as suas ideias, interesses e aspirações.
(SILVA, 1983, p. 36)

Alguns espaços
de fomento à formação do leitor
Nesse contexto, o ato de ler passa a ser percebido como uma prática social
essencial para o exercício da cidadania e para a constituição de uma nova so-
ciedade que se pretende mais justa e democrática. Sendo assim, não se almeja
mais a formação apenas de leitores (pessoas que saibam decifrar e decodificar o
escrito), mas a formação de leitores críticos (pessoas que assumam uma postura
crítica diante de um texto e da realidade social). Segundo Silva (1983), ler com
criticidade envolve uma constelação de atos complexos da consciência, aciona-
dos durante o processo da leitura – durante o encontro significativo do sujeito-
leitor com o texto. Tais atos envolvem o cotejo, a constatação e a transformação
do texto pelo leitor.

A constatação compreende a identificação e o desvelamento dos significados


do texto, das ideias veiculadas pelo autor. Em outras palavras, “a constatação do
significado do documento escrito nada mais é do que uma recuperação primeira
daquilo que o documento-fonte diz” (SILVA, 1983, p. 73).

Contudo, o leitor crítico não recebe passivamente as informações e ideias do


autor: ele reage, questiona, emite juízos, problematiza e aprecia com criticidade
– “A criticidade faz com que o leitor não só compreenda as ideias veiculadas por
um determinado autor, mas leva-o a posicionar-se diante delas, dando início ao
cotejo das ideias evidenciadas na constatação” (SILVA, 1998, p. 86).

Ao constatar (evidenciar) e cotejar (refletir), o leitor depara-se com outras al-


ternativas de explicação para a realidade, sua mente abre-se para novos horizon-
tes e conhecimentos.

Mas é somente na transformação, ou seja, na ação sobre o conteúdo do co-


nhecimento, por meio da contextualização e do confronto do texto com a rea-
lidade social, que novas alternativas são efetivamente estabelecidas pelo leitor.

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Formação do Leitor

Assim, a prática da leitura crítica constitui-se no confronto entre o ser do leitor


e do autor no texto. É nesse sentido que Ezequiel T. Silva (1991) afirma que, ao
ler, o sujeito-leitor sempre constrói um outro texto resultante de sua história, de
suas experiências, do seu potencial linguístico etc.

Alguns pesquisadores, como Válio (1986) e Silva (1983), são enfáticos em


afirmar que a formação desse novo leitor é uma responsabilidade da escola
(professor) em conjunto com a biblioteca (bibliotecário). Para esses autores, a
formação do leitor ocorre por meio da ação pedagógica dos professores e dos
bibliotecários. Cabe a eles proporcionar o acesso da população, principalmen-
te a desfavorecida, aos materiais de leitura, essencialmente o literário. Segundo
Válio (1986), também é importante que esses agentes de promoção de leitura
conheçam os interesses e gostos de leitura dos alunos e tenham familiaridade
com os livros infantis, adequando-os às experiências de vida e idade dos alunos;
que possibilitem a leitura recreativa em sala de aula e criem um ambiente agra-
dável de leitura – pois para esse autor, a satisfação é um elemento necessário ao
desenvolvimento do interesse e vice-versa.

Em síntese, pode-se afirmar, segundo Ferreira (2001), que as pesquisas sobre


leitura, ao longo da década de 1980, tendiam a investigar as condições de pro-
dução da leitura tanto na escola quanto na biblioteca, a sua atuação na forma-
ção de leitores e a qualidade literária dos textos que utilizavam para tal. Muitos
desses estudos buscavam identificar e criticar as falhas da escola e da biblioteca
em relação à formação de leitores e, em alguns deles, também se notava a preo-
cupação em apontar alternativas e/ou relatar experiências prático-pedagógicas
e programas de ensino bem-sucedidos.

Em coletânea de textos publicados em 1991, Silva amplia ainda mais essa


discussão sobre formação de leitor apontando-a como uma questão que não
envolve somente o trabalho das instituições escolares mas também o de todas as
instituições e órgãos culturais. Além disso, ressalta que, em nosso país, as causas
do fracasso na formação de leitores não podem ser localizadas dentro de quatro
paredes (escola e biblioteca), devendo ser buscados no contexto sociopolítico
mais amplo, visto que a organização escolar e bibliotecária reproduz muito dos
limites e preconceitos da sociedade como um todo.

Para esse mesmo autor, a efetiva promoção da leitura – formação de leitores –


depende de condições objetivas que devem estar presentes na sociedade como
um todo. Tais condições pressupõem:

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

 convivência com livros;

 acesso à educação formal;

 possibilidade de frequentar uma rede de bibliotecas bem equipada e que


atenda aos seus interesses e necessidades;

 poder aquisitivo para a compra regular de materiais escritos;

 tempo para o exercício da leitura;

 estímulos para valorizar a leitura como um meio de aquisição de conhe-


cimentos;

 projeto social orientado para despertar a consciência crítica por meio da


leitura;

 eficiente política nacional de incentivo ao hábito da leitura etc. (SILVA,


1991).

Durante a década de 1990, a crise da leitura continuou sendo abordada por


muitos pesquisadores – o que não poderia ser diferente, visto que o país ainda
possui milhões de analfabetos ou alfabetizados funcionais (pessoas que pouco
conhecem e pouco fazem uso social do código escrito – leitura e/ou escrita).

Se o país não possui uma efetiva política de alfabetização/escolarização, o


que se dirá de uma política de formação de leitores, que pressupõe, além do
domínio e prática social da linguagem escrita, sua percepção como um bem cul-
tural essencial para a tomada de consciência da realidade e busca de transfor-
mação sobre si. Freire, nos livros Pedagogia do Oprimido (1991) e Conscientização
(1980), bem como Silva (1983 e 1991), vêm alertando, desde as décadas de 1970
e 1980, para as questões políticas, sociais e econômicas que envolvem a educa-
ção e a alfabetização, no caso do primeiro, e a formação de leitores, no caso do
segundo.

Se Silva (1983) relata ter encontrado, até 1980, apenas 27 pesquisas sobre
leitura, Ferreira (2001) inventaria 189 teses e dissertações defendidas de 1980 a
1995, sendo 108 pesquisas de 1980 a 1990 e 81 pesquisas no cinco anos seguin-
tes (de 1991 a 1995). Isso demonstra que, no Brasil, dentro dos programas de
pós-graduação, vem crescendo muito o interesse pelo estudo da leitura.

É importante destacar o significativo salto na quantidade de pesquisas produ-


zidas sobre leitura no Brasil, nos diversos programas de pós-graduação, quando

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Formação do Leitor

se compara o número anteriormente levantado de 189 trabalhos em um perí-


odo de 15 anos (1980-1995) e o de 219 pesquisas, nos últimos anos cobertos
por este momento da pesquisa (1996-2000). A constatação do aumento dessa
produção que toma como objeto a leitura parece apontar para o fato de que as
questões que envolvem o tema não só permanecem atuais e necessárias como
também vêm apresentando maior complexidade e diversidade no decorrer do
tempo, acabando por exigir novas reflexões de um grupo de pesquisadores que
se estende significativamente por diferentes lugares de produção. Por outro
lado, essa constatação que revela mais do que o dobro de pesquisas em um re-
corte no tempo muito menor em relação ao anterior pode também ser atribuída
ao fortalecimento e o aumento dos programas de pós-graduação no país e à
implantação e atualização dos dados eletronicamente, permitindo, nos últimos
anos, o acesso às produções mais distantes e isoladas de alguns programas de
pós-graduação desenvolvidos no país.

Esse catálogo disponível informa que as 408 pesquisas sobre leitura foram
organizadas em oito focos diferentes:

 compreensão/desempenho em leitura;

 análise do ensino em leitura/proposta didática;

 leitores: preferências, gostos, hábitos, histórias e representações;

 professor/bibliotecário como leitor;

 texto de leitura usado na escola;

 memória de leitura, do leitor e do livro;

 concepção de leitura;

 historiografia da produção científica sobre leitura.

Em termos qualitativos, ou melhor, analisando o conteúdo da produção aca-


dêmica sobre leitura por meio dos resumos de teses de doutorado e dissertações
de mestrado defendidas entre 1980 e 1995, Ferreira (2001) identifica e descreve
vários deslocamentos da pesquisa sobre leitura dos anos 1980 para os anos 1990.
Segundo as análises dessa autora, a partir dos anos 1990 os trabalhos científicos
narram diferentes lugares e espaços em que a leitura é praticada: a leitura deixou
de ser realizada somente em casa e na biblioteca, ganhou espaço e tempo na
sala de aula de Língua Portuguesa, na sala de leitura, nos carros-biblioteca, em
clínicas e instituições não-escolares (comunidades populares, asilos, instituições

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

para deficientes visuais etc.). Isso demonstra que a formação de leitores foi es-
tendida para outros espaços além do escolar.

Pesquisas começam a vislumbrar outros papéis para o bibliotecário e outros


usos para o espaço da biblioteca pública e escolar, que deixa de ser algo restrito
ao estudo silencioso ou à busca de informações e começa a ser percebida como
um lugar essencial para cativar leitores, principalmente os pertencentes aos se-
tores desfavorecidos. O bibliotecário, por sua vez, deixa de ser um guardião de
livros e orientador de pesquisas escolares, assumindo o papel de contador de
histórias (FERREIRA, 2001).

As concepções de ler e de objeto de leitura são ampliadas e surgem pesquisas


voltadas ao trabalho com outros códigos/linguagens distintos do escrito.

No contexto escolar, nota-se a preocupação de vários pesquisadores em re-


lação à qualidade dos livros que são utilizados no processo de ensino e apren-
dizagem e na prática de leitura em sala de aula. Assim, analisam programas
do Estado de distribuição de livros e propõem outros textos, principalmente o
jornal, como uma alternativa de substituição ou de parceria com o livro didático
e o livro literário.

Na década de 1990, também apareceram estudos que não se baseavam me-


todologicamente em situações experimentais e na aplicação de questionários
ou de testes, mas em depoimentos, relatos, histórias de vida e de leitura que
visam estudar as imagens e as representações construídas pelo sujeito pesqui-
sado em suas relações com a leitura, com os livros e com os leitores.

A formação do pesquisador em leitura


Surge o interesse em estudar as práticas sociais de leitura, relacionadas não
só com o cotidiano escolar mas também com o de uma determinada comunida-
de e do leitor comum, como o professor e o bibliotecário em exercício. Cabe res-
saltar que há diferenças no modo de o pesquisador olhar e analisar a realidade
escolar. Alguns deles deixam de investigar essa realidade por meio da descrição,
da análise e da crítica à escola, aos cursos de formação ou à atuação dos profis-
sionais que nela trabalham e se lançam ao desafio de conhecer o profissional em
exercício e compreender seu processo de formação.

Dentre as teses e dissertações defendidas na década de 1990, Ferreira (2001)


apontou o surgimento de pesquisas vinculadas à linha de investigação historio-

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Formação do Leitor

gráfica, que busca resgatar livros, instituições de leitura, leitores e práticas de


leitura, enfocando diferentes lugares e tempos – décadas ou séculos. A partir
desse referencial teórico, as pesquisas encontradas pela autora tentam resgatar
as práticas de leitura desenvolvidas no Brasil em diferentes épocas de nossa cul-
tura, de nossa sociedade e de nosso sistema educacional, comparando-as com
as atuais práticas de leitura. Ou melhor,
O conjunto destas pesquisas se volta para a construção de uma História de leitura, do leitor
e do livro no Brasil, pelo mapeamento de práticas sociais e culturais, pelo conhecimento de
situações concretas de produção, recepção, circulação de livros e textos em certos períodos de
nossa história. (FERREIRA, 2001, p. 98)

De um modo geral, pode-se dizer que os movimentos identificados nas pes-


quisas acerca da leitura no Brasil são frutos de referenciais teóricos de diferentes
áreas que, na década de 1990, “invadiram” as investigações sobre a leitura. Dentre
esses movimentos estão a Análise do Discurso, proveniente da Sociolinguística,
e a História Cultural, com origem no campo da História.

Apesar da pesquisa em leitura ter crescido consideravelmente nestas duas


últimas décadas, várias questões relacionadas ao processo de formação do leitor
ainda não foram investigadas.

Como foi possível observar, as diversas pesquisas acerca da leitura que já


foram realizadas buscaram responder, de forma implícita ou explícita, ques-
tões como:

Onde se lê?

Quando se lê?

De que maneira se lê?

Porque se lê?

Para quê se lê?

Tais pesquisas criticam as atuais formas de ensinar e incentivar a leitura no


contexto de uma determinada instituição, ou apontam experiências bem-suce-
didas em ensinar a leitura e/ou despertar o interesse de leitores em formação, ou
ainda resgatam historicamente a prática da leitura de uma pessoa ou comunida-
de em um determinado espaço e tempo.

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

Dessa forma, o presente trabalho insere-se no contexto das pesquisas que,


sobretudo por meio da técnica da observação participante, visam a desvelar os
significados que os sujeitos pesquisados (professores e alunos) atribuem às suas
práticas leitoras e apontar os pontos vulneráveis que dificultam um trabalho
mais eficaz ao desenvolvimento tanto das habilidades comunicativas dos alunos
quanto das práticas docentes emancipadoras.

Texto complementar
É interessante notar que parece prevalecer um certo perfil leitor nas grandes
cidades, conforme informações do texto abaixo e declaração da Câmara Brasilei-
ra do Livro (CBL), segundo a qual mais da metade dos leitores pertence ao sexo
feminino. Tomando essa declaração como ponto de partida, aproveite para fazer
uma pesquisa, reconhecendo seu próprio entorno. Observe no seu trajeto diário
de casa para o trabalho, no Metrô ou ônibus, o perfil de leitores com que se
depara – sexo, idade presumida e, se possível, o tipo de leitura realizada. Anote
suas constatações e troque as informações com um ou dois colegas, mapeando
por região, e elaborando um relatório de análise dos dados coletados. Os resulta-
dos podem ser surpreendentes, além de você se iniciar na pesquisa, começando
assim mesmo: observando, investigando.

Bibliotecas do Metrô paulistano


registram mais de 33 mil associados
(BIBLIOTECAS DO METRÔ PAULISTANO, 2009)

As bibliotecas instaladas no Metrô de São Paulo registraram um aumento


de 37% no número de sócios, pulando de 24 692 para 33 899 inscritos. Com
um acervo de 19 mil livros, o número de empréstimos foi de 115 mil (em 2008),
totalizando mais de 300 mil empréstimos desde a inauguração da primeira
biblioteca, na Estação Paraíso, em 2004. De acordo com a CBL, “no Brasil, são
cerca de 44 mil sócios no total, na maioria mulheres (64%), que têm à disposi-
ção um acervo de 29 617 livros, distribuídos entre as nove bibliotecas – além
de São Paulo, há unidades no Rio de Janeiro (duas), Porto Alegre e Recife”.

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Formação do Leitor

Dicas de estudo
SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 2000.

Nesta obra, o autor trata, principalmente, do papel da escola na construção da


democracia no país.

SILVA, Lílian Lopes Martin de (Org.). Entre Leitores: alunos, professores. Campi-
nas: Komedi: Arte Escrita, 1999.

O que autora e obra oferecem ao leitor são importantes, diferentes e diversas


histórias de leitura que contribuem para a identificação da formação de leitores.
Merece destaque o ensaio “Histórias de leitura”, de Norma Sandra de Almeida
Ferreira que, em linguagem gostosamente tecida, apresenta experiências com a
leitura por parte de alunos e professores.

Atividades
1. Pensando em termos de concorrência cultural, quando se observa o compor-
tamento de leitores brasileiros, a que se pode atribuir o contato cada vez me-
nos frequente do leitor com o texto escrito para aquisição de informações?

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As pesquisas sobre leitura no Brasil

2. A partir dos anos 1980, o pensamento de Paulo Freire sobre a importância


do ato de ler para a conscientização das classes desfavorecidas e a busca
da transformação social invadem a academia. Quais os principais desdobra-
mentos desse novo olhar sobre a leitura?

3. Apesar da pesquisa em leitura ter crescido consideravelmente nas últimas


décadas, várias questões relacionadas ao processo de formação do leitor
ainda não foram investigadas. Sendo assim, o que você considera que, neste
campo, merece a atenção dos pesquisadores?

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Ensino e aprendizagem
de leitura na escola
Embora o foco de nossa discussão seja o ensino da leitura, e não pro-
priamente da escrita, não seria possível tratar daquela sem se referir a esta.

Considerando o significado etimológico da palavra ler – do latim legere


<legin = coletar, compreender>, do qual decorre a leitura, entendida como
atividade de apreensão do mundo, isto é, da realidade concreta vivencial
do sujeito, leitor da palavra impressa, ou outro código –, entende-se leitu-
ra como a atividade de apreensão deste mundo do qual o sujeito faz parte.
Assim, a leitura do texto escrito é um dos objetos de apreensão do mundo,
não mais importante que os outros “objetos do mundo”: sendo o conheci-
mento construção coletiva, fruto do esforço comum entre homens e mu-
lheres, se o acesso ao conhecimento é negado ao sujeito ou é desigual-
mente distribuído, a leitura da palavra impressa não poderá ser buscada
por esse sujeito. O caminho não se dá, portanto, da leitura da palavra para
a leitura do mundo, mas ao contrário: da leitura do mundo para a leitura
da palavra, o que possibilita que se volte à leitura do mundo de modo res-
significado. Não nos parece que se trate de orientar os educandos a lerem
este ou aquele autor, esta ou aquela obra, sem que antes tenham olhado
à sua volta e percebido os limites e as possibilidades de mudanças das
relações de força-poder que cingem sua convivência com outros sujeitos
(os mais distantes e os mais próximos).

O ensino da leitura como um ato político


Uma questão importante parece ser a de considerar que a distribuição
da escrita é socialmente diferenciada por questões econômicas e cultu-
rais. As camadas sociais ditas de prestígio, por exercerem atividades assim
denominadas, têm acesso aos bens culturais de que as demais camadas
não dispõem e, supostamente, suas crianças já nascem “mergulhadas” na
escrita. Nesses casos, o mundo construído nos livros e os personagens que
nele habitam já se dão a conhecer até muito antes de as crianças nasce-
rem, por meio das histórias que as mães contam e cantam a seus bebês
antes mesmo deles virem ao mundo. Além disso, a possibilidade de in-
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Formação do Leitor

serção, de um modo geral, no universo da cultura (teatros, museus, cinemas,


exposições de arte) e, de um modo particular, no mundo da escrita (livros de
todos os tamanhos e formatos, revistas, jornais) está, por assim dizer, garantida.
Já para as famílias provenientes das camadas populares da sociedade, o conta-
to com esses mesmos bens culturais poderá ser proporcionado somente mais
tarde, pela escola. Segundo Ferreiro (2001), latas de produtos que tenham es-
crita transformam-se em vasos ou em potes para guardar alimentos ou outros
utensílios. De acordo com Castello-Pereira,
Essas observações indicam que, na maioria dos casos, há uma relação entre o acesso ao
mundo da escrita e a situação socioeconômica da família. Geralmente as pessoas que nascem
em famílias em que a escrita é abundante adquirem um discurso e uma linguagem muito
próximos dos discursos escritos e da língua escolar (idealizada e impregnada da norma
gramatical). Desde que começa a falar, a criança vai sendo inserida numa forma de falar
referenciada pela escrita, a correção é feita baseada nos padrões normativos da escrita, o que
aumenta a consciência metalinguística dessas pessoas. (CASTELLO-PEREIRA, 2003)

O fato mais importante a ser destacado nesse momento é a distribuição dos


discursos de escrita na sociedade, sendo possível depreender a existência, na so-
ciedade letrada de que fazemos parte, de uma dinâmica que o tempo todo nos
persegue e nos cobra um comportamento linguístico conforme o que a própria
estrutura dessa sociedade nos devolve. Assim, o comportamento de leitor que a
escola cobra dos alunos é, segundo nos parece, a cobrança de uma postura dis-
tante da que a dinâmica social de que este aluno faz parte exercita. Nesse senti-
do, o ensino de leitura – que, ilusoriamente, a escola anuncia que pratica – ainda
é muito voltado à mera decodificação dos sinais gráficos em textos, cuja estrutu-
ra, gênero e tipologia nada têm a ver com a vivência do mundo em que o aluno
se move. Consideramos, contudo, que o prejuízo maior não está em o aluno ter
acesso a esses textos, mas em acessá-los e tentar apreendê-los solitariamente.

Sendo o mundo cultural de que fazemos parte construção coletiva e media-


tizado pela linguagem humana, a não-apreensão de uma das possibilidades de
modalização dessa linguagem – a palavra escrita, e portanto em uma conjuntura
desenvolvimentista em que tudo se dá por meio do código escrito – acaba por
limitar o sujeito aluno-hipotético-leitor como expectador passivo de uma cultu-
ra na qual ele não se reconhece e da qual incessantemente é cobrado. De acordo
com Bourdieu, as crianças chegam à escola com conhecimentos linguísticos e
culturais diferenciados, dependendo da classe social a que pertencem, e inclusi-
ve da classe social a que seus ascendentes pertenceram:
[...] cada família transmite a seus filhos, mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cul-
tural e um certo etos, sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que con-
tribui para definir, entre outras coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição escolar.
A herança cultural, que difere, sob dois aspectos, segundo as classes sociais, é a responsável
pela diferença inicial das crianças diante da experiência escolar e, consequentemente, pelas
taxas de êxito. (BOURDIEU, 1999)

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Ensino e aprendizagem de leitura na escola

Com relação ao comportamento linguístico com que nossos alunos chegam


à universidade, não somente no que diz respeito ao vocabulário mas também no
que toca ao repertório, à sintaxe e até mesmo ao trato com a língua, não é difícil
inferir, ainda que não se tivesse aplicado qualquer instrumento de pesquisa para
coleta de dados nesse sentido, o capital linguístico-cultural por eles herdado.
Decorre daí que a matriz filosófica com que chegam à escola, em todos os níveis
até à universidade, confronta-se fortemente com a matriz encontrada na escola
e por ela esperada. Assim, o meio linguístico familiar terá influência determinan-
te no êxito escolar do aluno-leitor, pois
[...] a influência do meio linguístico de origem não cessa jamais de se exercer, de um lado
porque a riqueza, a fineza e o estilo de expressão sempre serão considerados, implícita ou
explicitamente, consciente ou inconscientemente, em todos os níveis do cursus, e, ainda, que
em graus diversos, em todas as carreiras universitárias, até mesmo nas científicas. De outro
lado, porque a língua não é um simples instrumento mais ou menos eficaz, mais ou menos
adequado, do pensamento mas fornece – além de um vocabulário mais ou menos rico – uma
sintaxe, isto é, um sistema de categorias mais ou menos complexas, de maneira que a aptidão
para o deciframento e a manipulação de estruturas complexas, quer lógicas quer estéticas,
parece função direta da complexidade da estrutura da língua inicialmente falada no meio
familiar, que lega sempre uma parte de suas características à língua adquirida na escola.
(BOURDIEU, 1999)

Perseverando, ainda, na tese da teoria educacional crítico-reprodutivista de-


fendida por Bourdieu, segundo a qual a escola intensifica e perpetua os valores
enaltecidos pela classe dominante, podemos ver em Castello-Pereira (2003, p.
37) que a escola, por suas condições objetivas de escolarização, contribui para a
perpetuação das desigualdades culturais entre as crianças das diversas classes
sociais. Desse modo, as aspirações, desejos e necessidades de cada um ainda
esbarram na imagem que cada agente educacional constrói acerca do capital
cultural com que o aluno chega à instituição.

Refletindo a respeito de nossa formação como seres no mundo e do mundo,


o fato de já nascermos começados não deve ser entendido como uma condi-
ção imutável e nem deve significar que o nosso começo seja determinante no
nosso desenvolvimento, se assim não desejamos, mediante as apreensões do
mundo que tivemos condições de realizar. É exatamente porque nos sabemos
nascidos já começados que devemos refletir acerca dessa condição e da reper-
cussão desse fato para a imagem que de nós poderá ser feita ou que fazemos de
nossos alunos.

Nas diversas situações de trabalho com a leitura/escrita e na reflexão sobre


esse trabalho, pudemos perceber quanto poder e influência a instituição escolar
exerce sobre essas questões. Paradoxalmente, a sociedade de um modo geral
e as classes menos favorecidas de um modo particular esperam encontrar, na

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Formação do Leitor

escola, tratamento para alguns problemas que se sabem crônicos. A escola é,


certamente, a instituição social mais importante nos processos de letramento,
mas, principalmente para as classes menos favorecidas, ela não tem conseguido
cumprir o seu papel, não tem conseguido diminuir as diferenças sociais que de-
correm das heranças culturais (BOURDIEU, 1999).

Ao ler sobre as instituições e o poder em Bourdieu, Althusser, Foucault e em


tantos outros, ressignificamos a leitura das pessoas e das relações que entabu-
lamos com elas no exercício do encaminhamento da leitura que lhes tentamos
impor e não ensinar, e da leitura que em outros tempos tentaram nos impor. É
desse modo que atestamos que o ensino da leitura, que se dá mais como um
ato de violência do que como um ato de libertação, constitui-se por assim dizer
em um enfrentamento – de ambas as partes: os alunos enfrentando a leitura de
um texto inintelígível e o professor tendo de apreender o texto por ele julgado
indecifrável, pois não se reconhece no contexto de que este texto escrito pelo
aluno faz parte.

A importância do ato de ler


Como à escola também compete o desafio de ensinar a ler o mundo, sendo a
palavra escrita uma importante ferramenta a ser utilizada nesse espaço, no de-
senvolvimento deste trabalho não poderíamos deixar de dispensar a necessária
atenção às mais recentes questões tratadas no âmbito do processo de ensino
e aprendizagem, relativamente à formação docente continuada, e também
quanto ao ensino e aprendizagem da leitura e da palavra escrita.

De um lado, tal atenção se justifica principalmente pela contribuição que


as novas abordagens da educação linguística têm oferecido aos professores
de Língua Portuguesa, que até bem recentemente encontravam no ensino da
gramática teórica seu único porto de ancoragem. Com o desenvolvimento dos
estudos linguísticos e a sua chegada ao Brasil, nos anos 1960, abriram-se novas
perspectivas para o ensino de Língua Portuguesa mais voltado ao desenvolvi-
mento das habilidades linguísticas do aluno.

Por outro lado, dadas as demandas sociais – determinadas pelas pressões


econômicas, a internacionalização da cultura, a velocidade na divulgação da in-
formação e a nova dinâmica das relações interpessoais –, tiveram de ser repen-
sadas a educação de um modo geral e, particularmente, a educação linguística.

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Ensino e aprendizagem de leitura na escola

Em vista de uma série de fatores – dentre os quais o fato de a escola estar per-
dendo seu status de sagrado templo de transmissão da informação e produção
do conhecimento; a massificação dos veículos de informação; a representação
tão fortemente em nós impregnada da atitude do aprendiz diante do mestre; a
revisão do objeto de aprendizado; e tudo o que a escola, felizmente, vem dei-
xando de representar – instaurou-se em nós professores uma sensação de deslo-
camento, uma espécie sucção de nós mesmos, que rapidamente exige que nos
remontemos com aquilo mesmo que restou.

Sobre as atividades de ensino da leitura


Sobre a formação docente continuada e, particularmente, a formação do
professor-leitor e formador de leitores, se tornam indispensáveis alguns escla-
recimentos a fim de oferecer contribuição ao ensino de uma ação de ler que em
sua gênese já se dá coletivamente. Algumas questões a respeito do ensino de
leitura merecem ser consideradas. No trabalho de Corrêa (2001), são oferecidas
três concepções a respeito da leitura.

 De acordo com a primeira concepção, o texto é o centro dos sentidos e


o professor ensina a ler apenas pedindo que os alunos decodifiquem as
palavras. A leitura é vista como sinônimo de recepção passiva da informa-
ção. Como a preocupação é também com a fluência, passam-se aulas e
aulas lendo em voz alta para aprender a decodificar com rapidez e ento-
nação adequada. O estudo é feito seguindo uma série de passos: a) leitura
silenciosa; b) leitura oral; c) procura das palavras difíceis no dicionário;
d) respostas a um questionário com perguntas literais, fechadas, pronta-
mente identificadas no texto. Segundo o autor, esses passos não servem
para ensinar a leitura e sim para testá-la. Para essa concepção, ler é reter o
explícito e, portanto, formar o leitor pressupõe treinar.

 Na segunda concepção, o texto é compreendido como objeto aberto, com


possibilidade de todo tipo de leitura. Essa corrente enfatiza a polissemia
e, portanto, a multiplicidade de sentidos de um texto, a ênfase recaindo
sobre o leitor, considerando-se toda e qualquer interpretação como legíti-
ma. Nesta concepção, o professor é apenas o facilitador da aprendizagem,
propiciando os momentos e os materiais, enquanto o aluno aprende in-
teragindo com eles. Assim sendo, pouco ou nada se ensina, importando
que o aluno fale sobre o que a leitura lhe suscita. Pensa-se que é preciso

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Formação do Leitor

respeitar o aluno e suas opiniões, valorizar sua leitura e, em nome disso,


aceita-se tudo, não possibilitando que o aluno avance. Na realidade, o alu-
no é deixado à própria sorte.

 Na terceira concepção, denominada interativa e surgida com a constata-


ção, segundo o autor, do fracasso da concepção anterior e do avanço das
pesquisas em linguagem (análise do discurso, linguística textual, gêneros
discursivos, processos cognitivos da leitura), nas áreas tanto da leitura
quanto da formação do professor, vê-se a leitura como resultado da inte-
ração que envolve autor, texto e leitor: o texto é a unidade de análise e o
leitor constrói os sentidos possíveis estabelecidos pelo escritor. Considera
o autor que o papel do professor é fundamental para o ensino, pois ele,
leitor mais experiente, será o mediador e ensinará a ler.

Essas três concepções coexistem na escola e não raro podem ser verifica-
das na ação de um mesmo professor. No caso de uma escola que pesquisamos,
foram constatadas nas posturas dos professores, claramente definidas, uma e
outras concepções.

Localizamos aqueles para quem a leitura se dá como que em um ato mágico,


bastando para tanto o encontro do leitor – no caso, o aluno – com o texto.

Para outros, o que de fato importa é que o aluno trave contato com o texto e
dele extraia o sentido que for capaz de inteligir.

Para outros ainda, detecta-se a preocupação em acompanhar cada passo


dado pelo aluno na ação de ler, não importando a disciplina ministrada.

Segundo Castello-Pereira,
O ensino de leitura no curso superior não tem sido diferente, mesmo porque a grande
maioria dos professores normalmente parte do pressuposto de que o aluno chega a
esse grau de ensino com capital cultural necessário ao trabalho intelectual, dominando
os vários tipos de leituras, os mais variados gêneros discursivos, entre eles os teóricos,
necessários no dia-a-dia da universidade, bem como os demais procedimentos intelectuais
como a disciplina, a determinação, a organização, o investimento, necessários ao estudo,
à pesquisa e ao exercício do magistério. O próprio curso, com sua organização curricular,
pressupõe um aluno com essas características. Sabe-se que essa não é a realidade, tanto
o Ensino Fundamental como o Ensino Médio não possibilitam essa vivência, e a maioria
dos alunos provêm de classes sociais que não têm a vivência cultural do ler e do estudar
no seu cotidiano, portanto não podem adquirir os procedimentos intelectuais exigidos.
(CASTELLO-PEREIRA, 2003, p. 62)

Entendemos que mesmo os alunos do ensino universitário apresentam difi-


culdades quantos aos procedimentos referidos pela autora porque não tiveram
condições de adquiri-los ao longo de sua formação acadêmica, uma vez que a
maioria, além de ser oriunda de escola pública – onde a atenção ao ensino da

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Ensino e aprendizagem de leitura na escola

leitura ainda não se constitui uma ação privilegiada –, também não é proveniente
de famílias cuja atividade predominante tenha sido a intelectiva. Assim, para ele,
o mundo da leitura parece ainda inexplorável, pois nele não habitam e nem se
reconhecem.

Desenvolvimento
do ensino da leitura de estudos
Castello-Pereira (2003) destaca que, normalmente, o ensino universitário não
é pensado de forma que possa introduzir os alunos no mundo da leitura. Ao
trabalharem com a leitura, os professores partem do pressuposto que o aluno
é autônomo, cobram a compreensão e o desenvolvimento dos trabalhos como
se todos tivessem a mesma capacidade de compreensão e de trabalho. Isso é
claramente verificável na atitude dos professores de diferentes escolas, em que
os procedimentos de ensino de leitura nem de longe levam em conta a necessi-
dade de um acompanhamento mais próximo do movimento que fazem aluno e
texto nesse ato que, no nível superior de ensino, não é uma leitura despretensio-
sa, desobrigada de um posicionamento ou de outros desdobramentos, mas uma
leitura de estudo, para aprender, e que tampouco se caracteriza como leitura
solitária, pois, ao propô-la, o professor já definiu escolhas prévias, posicionou-se,
e pretende compartilhar essas ideias e escolhas com os alunos. Daí que a leitu-
ra de estudo deva ser suficientemente compreendida antes pelo professor, ou
pelos professores.

O ensino da leitura fica sempre a cargo do professor de Língua Portugue-


sa, que no primeiro ano tem de dar conta de ensinar os alunos a ler e escrever
(como se fosse possível), ou ainda do professor de Metodologia Científica, o qual
acredita que ensinando o que é um resumo, o que é uma resenha, como se faz
uma ficha de leitura, apresentando os mais variados tipos de fichas e resumos,
ensinando os passos para se fazer uma leitura eficiente, estará ensinando a ler.

Como a temática em torno do ensino de leitura ainda tem sido alvo de muitos
estudiosos e pesquisadores, muitas têm sido as sugestões de abordagem do
problema e as orientações didáticas acerca de como tratar a questão em sala de
aula. No entanto, conforme Castello-Pereira (2003), essas orientações podem ser
eficazes para quem já é bom leitor e só precisa adquirir uma disciplina de estudo,
mas quem não está habituado a ler textos teóricos terá grande dificuldade para
conseguir compreender e estudar somente seguindo essas instruções. E, como

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Formação do Leitor

já dissemos, a escola e os professores atribuem exclusivamente ao empenho


pessoal do aluno o sucesso no estudo. Talvez um dia isso já tenha sido dessa
forma, em um tempo em que o aluno necessitava ir à escola para obter algum
tipo de informação, qualquer que fosse, sobre determinado assunto, e somente
o professor dispunha de informação. Hoje, estamos muito além disso, pois onde
estiver, o aluno pode obter a informação que quiser sobre o assunto que lhe
interessa, de modo que ele busca na escola – ainda que conscientemente não
saiba – a intermediação segura de um professor que competentemente o auxilie
a mover informações a serem transformadas em conhecimento. E se os profes-
sores tanto se ressentem de seus alunos não saberem ler, na verdade o que estão
dizendo é que seus alunos não sabem aprender por meio da leitura, porque essa
leitura eles não sabem fazer.

O que se depreende, portanto, é que esses alunos não sabem ler para estu-
dar, não sabem ler para aprender, não sabem praticar a ação que eles acredi-
tam que seus professores sabem fazer.

Sendo assim, esses professores devem ensinar a seus alunos como ler para
estudar – cada professor em sua aula, mediante o objeto cognoscível que maneja
frequentemente.

Texto complementar
Depois de ler o trecho do belíssimo poema de Olavo Bilac, reflita acerca do
engenho ou, segundo Bilac, da peripécia que é escrever. Em seguida, tente brin-
car um pouco com as palavras, a título de experimentar o que o poeta descreve,
criando um verso ou uma poesia sobre a temática da leitura ou da escrita e com-
partilhe a experiência com seus colegas.

Profissão de fé (fragmento)
(BILAC, 2009)

Mais que esse vulto extraordinário,


Que assombra a vista,
Seduz-me um leve relicário
De fino artista.

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Ensino e aprendizagem de leitura na escola

Invejo o ourives quando escrevo:


Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.
Imito-o e, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão sutil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
E horas sem conta passo, mudo,
O olhar atento,
A trabalhar, longe de tudo
O pensamento.
Porque o escrever – tanta perícia,
Tanta requer,
Que ofício tal... nem há notícia
De outro qualquer.

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Formação do Leitor

Dica de estudo
ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura: perspectivas interdis-
ciplinares. São Paulo: Ática, 2000.

Nesse livro, o que se encontra são propostas sobre práticas pedagógicas,


tendo em vista o encaminhamento da leitura em sala de aula, fenômeno a ser
estudado sempre em uma perspectiva interdisciplinar.

Atividades
1. O que significa dizer que o ensino da leitura é um ato político?

2. Na sua opinião e com base na discussão oferecida nesta lição, qual deveria
ser o papel da escola no ensino da leitura?

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Ensino e aprendizagem de leitura na escola

3. Relativamente ao papel da escola, qual é a tese defendida pelo autor francês


Pierre Bourdieu?

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Os desafios da leiturização:
caminhos da intervenção
Conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB
9.394/96), desde as diretrizes para a Educação Básica até as que norteiam
o Ensino Superior, na perspectiva da formação cidadã da pessoa capaz
de interagir com autonomia em seu meio social, a formação integral do
estudante dá ênfase à formação do sujeito relativamente ao pleno de-
senvolvimento da competência linguística de ouvir, falar, ler e escrever.
Assim, na perspectiva do desafio da leiturização e da criação de caminhos
de intervenção, vamos apontar algumas ações que até já vêm ocorrendo
com êxito nas escolas, de modo geral, mas ainda são muito pontuais, não
obstante partirem de reflexões e debates acerca da qualidade do ensino e
da formação docente.

A responsabilidade
compartilhada de leiturizar
Efetuamos registro do trajeto das observações e práticas curriculares
que vimos desenvolvendo ao longo de nossas atividades docentes, bem
como dos projetos pedagógicos das instituições por que passamos e que,
paulatinamente, vêm se alterando – em particular, em razão do entendi-
mento, pelas escolas, da identidade de seus alunos: quem são, de onde
vêm, como vêm, que sentido dão à sua própria existência, o que buscam e
que caminhos poderão seguir. As informações levantadas nos apontaram
o desconhecimento dos professores acerca de uma metodologia mais
eficaz no tratamento da leitura de estudos – mais exatamente, a leitura de
textos acadêmicos –, o que sugere a necessidade de um trabalho coopera-
tivo em que se busquem as medidas saneadoras para o enfrentamento da
questão, para além de uma disciplina, em uma perspectiva coletiva para
trabalho, pois, conforme Militão,
Se, na sociedade como um todo, a participação de cada um é condição essencial
para uma melhor qualidade de vida, na escola essa participação é o que caracteriza
um verdadeiro processo educativo. Na escola, quando não há participação, não há
educação. Poderão estar ocorrendo outras práticas sociais, mas, seguramente, não
estará ocorrendo verdadeira educação. (MILITÃO, 2003, p. 5)

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Formação do Leitor

Com Bispo, entendemos que nossa prática docente é permanentemente cin-


gida de desafios – e o maior deles talvez seja o trabalho coletivo na busca da
conscientização:
Acreditamos estar aí o primeiro desafio à adoção de uma postura interdisciplinar: o desafio de
o professor mesmo reconhecer seus limites de atuação e dar a voz e a vez ao outro e junto com
ele realizar: chamando o outro a envolver-se, contextualizar-se, observar à sua volta, analisar
o seu universo, enfim perceber as relações que cingem toda a cadeia de conhecimentos, pois
este é sem dúvida relacional, e o homem, na ânsia de saber, deve perceber as relações que
engendram a convivência social. (BISPO, 2003, p. 79)

Já sabemos que um trabalho de intervenção, promovendo alterações na


“ordem natural das coisas”, não poderá ser realizado sem embates ou resistên-
cias e, nesse sentido, o manejo da comunicação constitui um outro desafio a ser
superado.

A leitura como compromisso institucional


Considerando a fragilidade do tema leitura no que toca à dificuldade dos
alunos diante da leitura de textos acadêmicos e dos professores diante das me-
todologias adequadas ao enfrentamento da questão, algumas ações nos pare-
cem importantes a fim de que, inicialmente, crie-se a cultura de debater este
assunto objetivando um trabalho que:

 em uma primeira etapa, promova dessensibilização e sensibilização para a


responsabilidade de cada um quanto à formação da identidade do leitor;

 em uma etapa posterior, proponha a construção de um currículo crítico


de leiturização.

Historicamente, já se sabe que o rompimento com o convencional – sobre-


tudo no âmbito educacional, em um espaço escolar marcado por concepções
tão fortemente assentadas – não ocorrerá sem contestações ou resistências,
tanto por alunos quanto por professores. Contudo, até mesmo pelas falas desses
sujeitos, entendemos o quanto urge um trabalho coletivo nessa direção. Nossa
participação nos diferentes espaços de discussão acerca da formação de leito-
res e de formadores de leitores não nos deixa dúvidas sobre a importância
e a necessidade da abordagem do tema, com o cuidado devido, a fim de que
esta questão, ainda tão delicada em nosso país, não se reduza, nos diferentes
espaços, a uma discussão simplista, ausente de debate e reflexão, que impeça a
modificação de práticas já tão saturadas. Tal modificação só poderá ocorrer me-
diante o estabelecimento de parcerias com professores de disciplinas e cursos
diversificados.

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Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção

A delicadeza na condução e inserção do tema deve-se principalmente à visão


preconceituosa, porém limitada, dos professores universitários de modo geral:
desconhecedores das reais condições de ensino e aprendizagem do sistema ofi-
cial de ensino, ainda acreditam que a educação básica esteja formando leitores
proficientes e que, portanto, trabalhar a formação do leitor no Ensino Superior
seja algo absolutamente desnecessário – até que, de fato, começam a se deparar
com o problema.

A respeito da centralização do ensino da leitura no professor de Língua Por-


tuguesa, entendemos ser uma visão ainda corrente nas escolas, haja vista os
relatos dos docentes sobre suas tentativas de intervenção, bem como as quei-
xas dos alunos ao se referirem à ação de seus professores antes como uma in-
tromissão do que propriamente uma intervenção, o que sugere a realização de
um trabalho mais compartilhado e planejado coletivamente, de modo que os
alunos possam ver e sentir, nas atitudes de seus professores, para além da rea-
lização de uma tarefa, o compromisso com a formação da identidade do leitor.
Daí que uma ação anterior com os professores, tentando resgatar seu próprio
percurso de formação de leitor, possa primeiramente sensibilizá-los para essa
ação junto a seus alunos e, em uma etapa posterior em que já estão na posse
dos saberes necessários, torná-los capazes de promover a tão esperada ação
transformadora.

Propostas de atividades de leitura e escrita


Dada a delicadeza com que a questão deva ser tratada, antevendo as críticas,
contestações e resistências, consideramos que a construção de um currículo crí-
tico de leiturização é um trabalho fortemente desafiador. No entanto, entende-
mos serem estes comportamentos parte integrante de seres em formação que
trabalham a formação do outro, e porque estão em formação necessitam da re-
flexão de sua prática para a retomada do processo.

O Problema

Os leitores enfrentam os textos:

 os alunos diante do texto acadêmico;

 os professores diante dos textos de seus alunos.

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Formação do Leitor

Sugestões didáticas para o exercício de leitura e escrita:


 varredura (exploração das informações extratextuais);
 leitura de contato e leitura de apreensão (reconhecimento e extração das
informações);
 fichamento (em função dos objetivos definidos previamente);
 elaboração do glossário (relação das palavras e termos da área);
 recomendação de leitura dos textos não-literários (acadêmicos) e dos tex-
tos literários (que ajudaram a formar o repertório);
 consulta habitual ao dicionário.

Recomendações quanto à escrita:


 observar a escolha e o emprego das palavras;
 observar a ortografia e a caligrafia;
 cuidar da clareza do pensamento;
 na dúvida sobre como começar a escrever, fazer primeiramente um es-
quema das ideias a serem apresentadas;
 preferir frases menos longas, pois evita a perda do foco;
 não passar o texto adiante sem uma releitura cuidadosa para detectar
possíveis erros;
 trazer para a escrita as observações da leitura (exercitar o olhar não so-
mente para as informações ou mensagens a serem extraídas do texto
como também para os termos desconhecidos, a grafia das palavras e o
estilo do autor).

Tais propostas não se pretendem receitas, mas sugestões didáticas de que os


professores podem lançar mão com vistas ao melhor aproveitamento das ativi-
dades que já vêm propondo a partir dos textos que oferecem a seus alunos.

Últimas considerações sobre


o papel do leitor e do formador de leitores
Ao comentar as dificuldades de leitura de seus alunos, muitas vezes os pro-
fessores revelam falsos pressupostos a respeito do ato de ler ao declararem, por
exemplo, que seus alunos não gostam de ler, pouco ou quase nada entendem

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Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção

do que leem, ou até mesmo que isso não seja problema dos atuais professores,
pois problema de leitura é assunto que deveria ter sido resolvido anteriormente,
nos primeiros anos da Educação Básica. Ocorre que, se não foi resolvido antes,
o problema ainda se manifesta nos espaços da universidade, não se podendo
considerar como natural, que nada se possa fazer com vistas à sua superação.

Carvalho e Silva (1999) afirmam que a capacidade comunicativa que permite


ao usuário de uma língua compreender e produzir textos surge na infância, mas
pode, deve e tem de ser alargada ao longo da vida. Segundo os autores, consi-
derar que tudo o que se pode aprender em leitura se esgota no Ensino Funda-
mental é pensar que ler é operação destinada a – simplesmente – decodificar os
signos linguísticos e depreender um sentido único para o texto.

E a respeito do papel do compromisso dos professores que formam de lei-


tores, não cabe ao professor de Língua Portuguesa, solitariamente, a tarefa de
ensinar a ler e escrever: a ele cabe, antes, ensinar de modo sistematizado a estru-
tura da língua – a mesma língua com que o aluno chega à escola com no mínimo
seis anos de experiência como falante e um pouco mais como ouvinte – a fim de
que a esse aluno seja possível empregar, conscientemente, esse instrumento de
comunicação e expressão.

Esse trabalho – cujos destinatários são alunos e professores e cujas conside-


rações se dão como uma proposta de intervenção para ampliar a compreensão
da leitura no Ensino Superior – já se iniciou oferecendo contribuição à própria
pesquisadora que, no percurso de suas ações educativas e práticas curriculares,
viu-se refletindo acerca de seu processo de formação e as implicações na for-
mação de seus alunos, bem como na possibilidade de seus colegas professores
revisarem seus conceitos sobre a questão aqui estudada e suas práticas frente a
ela. Vale, ainda, ressaltar a própria oportunidade que se nos foi abrindo para o
trânsito em outros espaços de discussão na instituição, o que significa podermos
acompanhar mais proximamente algumas ações e sermos ouvidos a respeito da
organização de outras.

Texto complementar
Aproveite para refletir sobre seu próprio processo de escolarização, tentando
lembrar-se das atividades significativas de aprendizado em que você aprendeu
algo a partir da intervenção mais pontual de seu professor em sala de aula. Re-
gistre esta experiência e tente construir ao menos uma, adaptada aos alunos de
hoje, que você proporia para o exercício de ensino da leitura, a partir das consi-
derações tecidas no excerto seguinte.
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Formação do Leitor

Educação de Jovens e Adultos


(ORENSZTEJN, 2009)

Sabemos que durante muito tempo os profissionais da Educação de Jovens


e Adultos eram em grande parte leigos, sua principal tarefa era a de ensinar a
decifração do código escrito e, portanto, o papel da escola se restringia a esse
aspecto. Por volta dos anos 1960, a percepção do aluno jovem e adulto como
sujeito de sua aprendizagem, problematizando a realidade na qual se inseria,
deu origem a uma proposta de alfabetização conscientizadora. O contexto
político pós-64 refreou essas iniciativas, retomando o assistencialismo e as
práticas mecanicistas. Mas grupos dedicados à educação popular deram con-
tinuidade a experiências críticas no âmbito de Educação de Jovens e Adultos.
Hoje, também sabemos que o desafio dos profissionais que atuam nessa área
está relacionado a oportunizar a esses alunos o acesso à cultura letrada que
lhes possibilite participar ativamente da esfera política, cultural e do trabalho.
Isso implica necessariamente a revisão do papel da escola, do professor, nas
novas concepções de ensino e aprendizagem, dos conteúdos a serem abor-
dados nesses processos.

Dicas de estudo
GERALDI, J. Wanderley. Linguagem e Ensino: exercício de militância e divulga-
ção. Campinas: Mercado das Letras/ALB, 1999.

Nessa obra, o leitor encontrará uma importante contribuição acerca de lingua-


gem a partir de experiências de ensino, ao mesmo tempo em que divulga uma
concepção inovadora de interação pedagógica.

FOUCAMBERT, Jean. A Leitura em Questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

Nessa importante obra, o autor francês diagnostica o fim da Era da Alfabetização


e o nascimento da Era da Leiturização – que, segundo ele, só ocorrerá se a escola
estabelecer condições reais de uso elaborado da escrita em sua prática cotidiana
e em sua reflexão.

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Formação do Leitor.indb 110 20/3/2009 10:10:55


Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção

Atividades
1. Explique o conceito de leiturização, cunhado pelo autor francês Jean
Foucambert.

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Formação do Leitor.indb 111 20/3/2009 10:10:55


Formação do Leitor

2. Explique como outras instituições, além da família e da escola, podem con-


tribuir para a formação do leitor.

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Formação do Leitor.indb 112 20/3/2009 10:10:55


Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção

3. O que define a LDB 9.394/96 quanto à educação de modo geral e quais os


impactos desta concepção para o ensino da leitura na escola?

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Gabarito

Concepções de leitura, texto e leitor


1. Leitura, que do latim legere quer dizer “coletar”, e cujo significado
social se amplia como sendo apreensão crítica da realidade, para
muito além da decifração mecânica do código escrito, ação dinâ-
mica de os indivíduos lerem a realidade e nela se lerem.
Leitor como sendo o sujeito que avança da decifração do código
linguístico para a leitura das intenções, valores e interesses subja-
centes aos textos de qualquer natureza. A apropriação dessas con-
cepções pelos indivíduos deverá contribuir para eles serem capa-
zes de se localizar como sujeitos nos espaços em que se movem e
de alterar, conscientemente, o estado das coisas que os oprimem.
E isto poderá favorecer o fortalecimento do projeto de emancipa-
ção das pessoas rumo à condição de cidadãs.

2. De acordo com Freire, as possibilidades de o sujeito ler o mundo e


ler a si mesmo no mundo, apreendendo criticamente as relações
de poder e interesse entre os indivíduos, é que permitem um me-
lhor aproveitamento da leitura – sendo, portanto, o movimento do
mundo para a leitura e desta para a realidade em que se movem
os indivíduos.

3. Texto verbal é aquele em que predomina a palavra escrita, como


a bula de remédio.
Texto não-verbal é aquele em que predominam cores, imagens,
traçados, para a expressão de uma ideia em que a palavra não
prevaleça sobre esses códigos, como em mapas, pinturas, escul-
turas etc.
Texto sincrético é aquele em que se combinam os dois anteriores
– verbal e não-verbal – isto é, palavra mais imagem. Por exemplo,
é o que se pode reconhecer nas histórias em quadrinhos, no cine-
ma, no teatro, ou em um desfile de carnaval.

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Formação do Leitor

4. A responsabilidade pelo ensino da leitura na escola deve ser assumida


como uma postura política e docente por todos os professores, uma vez
que a língua escrita é amplamente empregada na escola e os professores
de cada disciplina detêm os conceitos das áreas de conhecimento que
ministram a seus alunos – logo, eles devem estar preparados para ensinar
tais conceitos, também os ensinando a ler.

Leitura e letramento
1. Letrar é mais do que alfabetizar: é ensinar a ler e a escrever dentro de um
contexto em que a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da
vida do aluno, enquanto alfabetizar limita-se à ação de mera decifração
do código. A ação de letrar pode contribuir significativamente para a for-
mação do leitor crítico, autônomo e independente.

2. Sobre o conceito de leitura ingênua, considere-se a ação mecanicista de


decifração do código verbal, enquanto a leitura crítica extrapola essa ação
para o desvelamento da intenção comunicativa do autor do texto.

3. Quanto às condições para aprender a ler, Foucambert considera que, as-


sim como para aprender a língua materna ou um idioma estrangeiro, esta
ação exige integração em um grupo que de fato já utiliza a escrita para
viver e não para aprender a ler. A primeira condição, portanto, é a hetero-
geneidade, pois um grupo de não-leitores dificilmente poderá oferecer a
seus membros as condições de uso real da escrita.

4. O gênero literário prevalecia e a mudança foi determinada pelo avanço


dos estudos na área da linguagem e a reabertura do processo democrá-
tico, mais exatamente na segunda metade da década de 1980, prepa-
rando um campo fértil para a LDB 9.394/96.

As funções da leitura
1. Elas podem ter as mais diversas finalidades, desde orientar-nos, infor-
mar-nos, divertir-nos, passando por convencer-nos, ensinar-nos, até nos
levar a estudar, e todas guardam em si possibilidades de ampliar a visão
de mundo e alterar nossa realidade, desde que atendamos às suas espe-
cificidades.
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Gabarito

2. Oferecendo-lhes textos que circulam em âmbito social mais amplo (pan-


fletos distribuídos por várias instituições – metrô, posto de saúde, res-
taurantes, aeroportos, igrejas, comércio etc.), mostrando-lhes o jogo de
estratégias que ocultam a verdadeira intenção desses materiais, a fim de
que possam ler, antes, a que interesses essas mensagens atendem.

3. A leitura de estudo deve ter como finalidade extrair tudo que se possa:
como o texto se organiza, de que assunto trata e como trata tal assunto,
ou seja, a depreensão de seu arranjo estrutural e linguístico, do assunto
em si e de como o autor se posiciona em relação ao assunto.

4. De acordo com a primeira concepção, o texto é o centro dos sentidos, e


o professor ensina a ler apenas pedindo que os alunos decodifiquem as
palavras. Aqui a leitura é vista como sinônimo de recepção passiva de
informação.
Na segunda, o texto é compreendido como objeto aberto, com possibili-
dade de todo tipo de leitura. Essa corrente enfatiza a polissemia, a ênfase
recaindo sobre o leitor, considerando-se toda e qualquer interpretação
como legítima.
Na terceira concepção, denominada interativa e surgida com a constata-
ção, segundo o autor, do fracasso e do avanço das pesquisas na área da
linguagem (análise do discurso, linguística textual, gêneros discursivos,
processos cognitivos da leitura), tanto na área da leitura, quanto na da
formação do professor, vê-se a leitura como resultado da interação entre
autor, texto e leitor.

O leitor e a leiturização
1. Sob a ideia da desescolarização da leitura, Jean Foucambert defende que
a escola é apenas um momento da formação do leitor e que uma verda-
deira política de leiturização exige a mobilização, a ativação e o desenvol-
vimento consciente dos meios existentes (estruturais, materiais e huma-
nos) como forma de redução do analfabetismo na população adulta. Na
escola e fora dela, isso impõe novas formas de se lidar com as disciplinas
– como se convencionou chamar as áreas do conhecimento –, estabele-
cendo entre elas e seus agentes profícuo diálogo, de modo a promover a
extinção de fronteiras que as isolem.

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Formação do Leitor

2. Relativamente à interdisciplinaridade, importa considerar, para reflexão-


-ação, o caráter fragmentário do conhecimento que, sob a égide da tradi-
ção escolar, convencionou isolar as áreas em “caixinhas de ovos”, como se
fosse suficiente, para viver socialmente e resolver problemas decorrentes
dessa experiência vivencial, acessar um ou outro conhecimento, como se
a própria origem desses conhecimentos não derivasse da multiplicidade
e do diálogo das necessidades que o próprio ser humano foi “descobrin-
do” para dar conta de sua sobrevivência e da posteridade, tendo proble-
mas de enfrentar situações relacionais em busca de soluções.

3. Para além dos textos e dos códigos que constituem a própria dinâmica
da interação comunicativa, homens e mulheres se veem na constante
exigência de terem de reinventar, representar, ressignificar e expressar a
realidade que os circunda de variadas formas. Assim, pintura, literatura,
música e paisagem urbana podem nos servir como modelos, ou, antes,
exemplos de linguagens de que vêm se servindo agrupamentos sociais
em diferentes épocas e contextos para exprimirem suas ideias, resultan-
tes de aspirações, sentimentos reprimidos, desejos, protestos etc.

A constituição histórica da leitura no Brasil


1. Porque a falta de acesso à leitura e à escrita – e tudo o que estas práticas
propiciam – impede ao indivíduo viver experiências sociais, políticas e
culturais que podem contribuir para o exercício da cidadania plena.

2. Quando da colonização do país, os jesuítas vieram com a missão de “edu-


car a população indígena e os trabalhadores portugueses que estavam
no Brasil; ao saírem, estes ‘professores’ nos legaram um ensino de caráter
literário, verbalista, retórico, livresco, memorístico, repetitivo, estimulan-
do a emulação através de prêmios e castigos e que se qualificava como
humanista-clássico. Enclausurando os alunos com preceitos e precon-
ceitos católicos, inibiu-os de uma leitura do mundo real, tornando-os
cidadãos discriminatórios, elites capazes de reproduzir ‘cristãmente’ a so-
ciedade perversa dos contrastes e discrepâncias, dos que tudo sabem e
podem, e dos que a tudo se submetem”.

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Gabarito

3. O principal impacto de analfabetismo na economia do país diz respeito


à produção da mão-de-obra desqualificada, consequentemente barata
e desvalorizada, concorrendo para a exploração daqueles desprovidos
de conhecimento teórico e técnico, tanto no que toca à intensificação do
esforço físico, quanto ao consumo desmedido, que trazem como conse-
quência a necessidade de outros gastos por parte dos setores públicos.

As pesquisas sobre leitura no Brasil

1. O contato cada vez menos frequente do leitor com o texto escrito pode
ser atribuído às outras mídias, principalmente a televisão e a internet,
uma vez que a imagem parece acirrar a competitividade no que toca à
rapidez na aquisição de qualquer informação.

2. Nesse contexto, há uma forte associação entre leitura e exercício de cida-


dania, pois considera-se que as classes desfavorecidas só conseguiriam
se desvencilhar das amarras das injustiças sociais, dominando os mes-
mos instrumentos da classe dominante – no caso, a leitura e a escrita.

3. Uma pesquisa ainda importante seria investigar acerca das preferências


dos leitores adolescentes frente ao contato que eles mantêm com a inter-
net e o telefone celular, por exemplo, mapeando a situação de fragilidade
em que se encontram aqueles que, já desprovidos da língua escrita, ain-
da não dispõem desses aparatos tecnológicos, e o impacto disso em suas
vidas pessoal e profissional em determinado lugar. A investigação pode
oferecer resultados surpreendentes.

Ensino e aprendizagem de leitura na escola


1. Significa assumir somente uma das duas posturas possíveis – para a do-
minação dos indivíduos ou para a sua libertação –, uma vez que, ao ensi-
nar, o professor contribui ou para o fracasso de quem já vai para a escola
desacreditado de si mesmo ou para ampliar a visão de mundo das pes-
soas implicadas no processo de ensino e aprendizagem, principalmente
quando se trata de ensinar a ler em qualquer nível de escolaridade.

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2. À escola deveria caber o papel de defensora e promotora de ações co-


letivas e coordenadas de eficaz ensino da leitura em todos os níveis do
percurso escolar de seus alunos, e assumida por toda a equipe escolar,
desde serventes e inspetores, passando pelos professores de todas as
disciplinas, até a direção e seguindo ainda pelas demais autoridades
educacionais que atuam fora da escola, de modo tal que se explicitasse
o verdadeiro interesse em preparar mulheres e homens para o legítimo
exercício da cidadania.

3. Bourdieu defende a tese de que a escola intensifica e dissemina os valo-


res enaltecidos pela classe dominante, contribuindo, para a perpetuação
das desigualdades culturais entre as crianças das diversas classes sociais.

Os desafios da leiturização: caminhos da intervenção


1. O conceito de leiturização consiste em algo muito mais amplo que a
alfabetização: diz respeito a uma movimentação permanente de aten-
ção à leitura por parte de todos, pois, segundo o autor, ler é realmente
simples quando a tarefa é de todos. Significa muito mais do que simples-
mente ensinar a decifrar o código verbal: é ensinar a dominá-lo para o
uso social das atividades em que a leitura e a escrita se fazem importan-
tes e exigem do indivíduo conhecimentos linguísticos para se mobilizar
com prontidão e segurança, alterando sua realidade quando a situação
assim exigir.

2. As demais instituições (Igreja, sindicatos, hospitais, clubes, centros cul-


turais e de lazer etc.) podem contribuir para a formação do leitor apro-
ximando-o, o máximo possível, dos textos, ao mesmo tempo em que se
convence esse leitor da importância dessa aproximação para que sejam
apropriadas as condições que o farão sentir-se detentor dos bens cultu-
rais e participante dos processos decisórios, uma vez que em todos esses
espaços a linguagem escrita constitui-se documento comprobatório das
discussões ali travadas.

3. A formação integral do estudante, desde as diretrizes que norteiam a


Educação Básica até as norteadoras do Ensino Superior, na perspectiva
da formação cidadã da pessoa capaz de interagir com autonomia em seu
meio social, dá ênfase à formação do sujeito, garantindo o pleno desen-
volvimento da competência linguística de ouvir, falar, ler e escrever.
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