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ª edição
2009
lingÜística III
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C872L
v.3
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0778-3
Conceitos fundamentais
para a Análise da Conversação............................................. 35
A especificidade da conversação.......................................................................................... 35
Os turnos de fala......................................................................................................................... 36
Tópico conversacional.............................................................................................................. 40
Pares adjacentes......................................................................................................................... 43
A hesitação................................................................................................................................... 47
Conclusão...................................................................................................................................... 48
Teoria da informação.............................................................133
Informação X redundância...................................................................................................133
Contribuições da teoria da informação para o estudo das línguas.......................136
A informatividade como fator de textualidade.............................................................138
Fontes de expectativa para a avaliação da informatividade....................................142
Conclusão....................................................................................................................................143
As máximas conversacionais...............................................169
As relações entre a lógica e a conversação segundo J.P. Grice................................169
Princípios organizadores da conversação.......................................................................171
Implicatura conversacional...................................................................................................178
Conclusão....................................................................................................................................179
Referências.................................................................................247
A Lingüística – ciência que tem como objeto o estudo da linguagem – foi criada
e se consolidou a partir da obra genial de Ferdinand de Saussure, especialmente do
seu Curso de Lingüística Geral, publicado em 1916. Alguns pressupostos assumidos
por ele foram fundamentais para a delimitação do objeto de estudo da Lingüística
e do método adotado para a análise das questões incluídas no campo de estudo
circunscrito para a nova ciência. Para o estruturalismo, que caracteriza a Lingüística
da primeira metade do século XX, a língua é concebida como um sistema de signos,
e analisada a partir das relações de semelhança e diferença entre os elementos nos
diversos níveis desse sistema: na fonologia, na morfologia, na sintaxe.
A especificidade da conversação
A propriedade mais evidente da conversação é que os interlocutores
alternam-se nos papéis de falante e ouvinte. Assim, o estudo do texto con-
versacional deve necessariamente contemplar o estudo das formas de al-
ternância dos papéis no diálogo e da atuação conjunta dos interlocutores
para a construção de um texto coerente. Deve levar em conta também que
a conversação, ao contrário de outros textos, é produzida sem um planeja-
mento prévio. Mesmo que um dos interlocutores defina antecipadamente
o que pretende falar, há sempre a necessidade de rever seu planejamento
a cada intervenção dos demais participantes, para que suas intervenções
constituam uma seqüência adequada às falas anteriores.
Koch (2006, p. 46) usa também a metáfora do quadro e do filme para compa-
rar a recepção do texto oral ou escrito:
Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe, estampado numa página –
por trás dele vê-se um quadro. Já no caso do ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica,
coreográfica: ele acontece, viajando através do ar – por trás dele é como se existisse não um
quadro, mas um filme.
Os turnos de fala
Uma das formas de compreender como a conversação é organizada é ob-
servar como se dá a alternância entre os participantes. Para isso, a Análise da
Conversação incorporou e adaptou o conceito de turno, usado em diversas situ-
ações: num jogo de xadrez, nos plantões de profissionais da saúde, em corridas
de revezamento, enfim, qualquer situação em que o indivíduo disponha de um
tempo, cuja duração pode ser ou não predeterminada para a realização de de-
terminada tarefa.
1
Dados do projeto Nurc de São Paulo. As entrevistas do projeto foram realizadas na década de 1970.
mas você está pegando uma coisin::nha assim, sabe? um cara que esteja
desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num num
sentido contrário... o cara que está desempregado porque não con-
L2 segue se empregar né? na verdade não quer ou um outro que:: assim...
Turno 2
muito bem empregado executivo-chefe de empresa e tal mas cheio das
neuroses dele eu não sei qual está melhor...
então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter am-
L1 bos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto Turno 3
particular...
L2 É. Turno 2
É? Por que que uma família é bom pra pessoa? Diga aí o que é que você
L1 acha assim por que que ter família é bom pra pessoa?
Turno 3
L2 É... Turno 4
L2 [silêncio] Turno 6
Não tem importância da forma como você fale, o que você achar você
L1 diz.
Turno 7
L2 [silêncio] Turno 8
Você acha que um garoto como você, uma menina da tua idade, mais
L1 velho, mais novo, pra essas pessoas, pra gente, é importante ter famí- Turno 9
lia?
L2 [gesto] Turno 10
L2 [silêncio] Turno 12
2
Dados de Machado (2003, p. 66-7). A transcrição adotada nesse estudo – e mantida na citação – é diferente da utilizada nos estudos do Nurc.
L2 [silêncio] Turno 14
O que é uma família? É pai, mãe, né isso – você não tem pai que seu pai
L1 morreu, sua mãe tá viva – irmãos, como é que os irmãos, a mãe podem Turno 15
ajudar a gente?
L2 [silêncio] Turno 18
Tópico conversacional
Imagine uma situação trivial: um grupo de amigos seus está conversando,
você se aproxima e quer participar do bate-papo do grupo. Para conseguir se
integrar rapidamente, sua estratégia é perguntar: “Sobre o que vocês estão
conversando?” A resposta a essa questão será o tópico conversacional, ou seja,
o assunto sobre o qual o grupo fala naquele momento. Mesmo que você não
dirija ao grupo uma pergunta direta, que leve algum dos participantes a explici-
tar o tópico, basta escutar a conversa durante alguns minutos para identificar o
tópico, pois a percepção do tema da conversação é uma condição para que cada
um possa se engajar na conversação e fazer intervenções adequadas.
Favero (1995, p. 39) afirma que o conceito de tópico conversacional (ou dis-
cursivo) é nuclear para compreensão de como os participantes de um evento
interativo organizam, gerenciam suas intervenções no diálogo:
O tópico é, assim, uma atividade construída cooperativamente, isto é, há uma correspondência
– pelo menos parcial – de objetivos entre os interlocutores.
L2 e a do marido?
L2 ahn ahn
quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ acho que::... dado esse fator
L1 nos acostumamos a:: muita gente
L2 ahn ahn
L1 e::
L2 ()
é e:: mas... depois diante da dificuldade de conseguir quem me ajudasse... nó::s para-
L1 mos no sexto filho
L2 ahn ahn
A: o aniversário de W;
Mas pode haver entre esses tópicos uma relação de descontinuidade. Pode
acontecer, por exemplo, que um tópico seja anunciado na conversação, mas inter-
rompido por alguma razão. Esse tópico pode retornar depois ou não. Pode ocor-
rer também que um tópico seja interrompido pelo surgimento de outro e depois
os interlocutores o retomem para continuar falando sobre ele até esgotá-lo.
Pares adjacentes
Ficou suficientemente claro, a partir do exposto até aqui, que a conversação
é construída de forma colaborativa. Essa característica do texto conversacional
tem várias conseqüências na sua organização. Uma delas é a presença de se-
qüências de turnos altamente padronizadas quanto à sua estruturação. Todas
as línguas apresentam pares de turnos, que aparecem juntos (um segue imedi-
atamente o outro) e que são fundamentais na organização local da conversação.
A produção do primeiro elemento do par por um dos falantes desencadeia a
produção do segundo elemento por outro falante, como uma regra social de
conversação praticamente obrigatória. Schegloff (1972, p. 346-348) denominou
se um dos falantes fizer uma pergunta, o turno seguinte deve conter uma
resposta;
B tudo bem!
R bom dia!
V bom dia!
F alô!
J alô!
H até logo!
Y até logo!
O par pergunta/resposta
As seqüências de perguntas e respostas estão entre as formas mais comuns
de fazer progredir uma conversação. A pergunta seleciona o responsável pelo
turno seguinte, marca o final de um turno e define o tema e a forma do turno
seguinte. A pergunta pode ser:
Direta ou indireta
Reconhecemos como perguntas tanto as formulações feitas sob forma inter-
rogativa quanto aquelas que usam uma forma indireta:
Perguntas indiretas: “Não sei se você sabe o nome do livro que o professor
recomendou.”, “Quem sabe você me diz onde guardou a chave.”
Aberta ou fechada
As perguntas abertas em geral solicitam alguma informação, levam o inter-
locutor a falar sobre um tema específico. É comum conterem expressões como:
Quem? Qual? Como? Por quê? Onde? Quando?
ah essa refeição demora... normalmente leva meia hora mais ou menos... porque eles
L comem bastante coisa realmente... quer dizer que então:: é demorado... depois ainda
tem que escovar dente pra sair...
B Já.
P Gostou muito.
A hesitação
Ao observarmos um evento conversacional, podemos perceber a presença
de várias hesitações, que se distribuem de maneira diferenciada entre os partici-
pantes. Há aqueles que falam pausadamente, com várias hesitações na formula-
ção, e há também os que revelam um grande controle sobre seu ritmo de fala e
apresentam poucas hesitações. A questão que surge inicialmente é: a presença
de hesitações na conversação seria um indício de um problema cognitivo ou
interativo do falante?
tinha o vidro pra... pra... pra... pra... iluminação do... do... do... do recinto... não é? mui-
tas vezes vidros coloridos... que dava um ar assim de... de... de cafonice altamente
A simpática... né? lá... o sol batia ali... tinha um vidro colorido... não é? ((riso)) e essa casa
era assim... no fundo da casa tinha um... um galinheiro...
Tinha o vidro pra iluminação do recinto, muitas vezes vidros coloridos, que dava um
A ar assim de cafonice altamente simpático. O sol batia ali, tinha um vidro colorido e
essa casa era assim. No fundo da casa tinha um galinheiro.
Conclusão
Procuramos mostrar neste capítulo como o uso de alguns conceitos desen-
volvidos especialmente para a Análise da Conversação permite que se perceba
como se dá a construção do texto conversacional. A análise dos turnos e dos
tópicos coloca em evidência o caráter de construção colaborativa típico da con-
versação. Os pares adjacentes revelam a importância das normas sociais que
regem a participação dos falantes na conversação. A hesitação nos dá indícios
importantes sobre o processamento da conversação, sobre a simultaneidade
entre o planejamento e a produção da fala.
Texto complementar
adjacentes;
3
Trecho inicial do capítulo “O par dialógico pergunta–resposta” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2006).
formados de duas partes; cada primeira parte tem uma segunda es-
pecífica;
(1)4
L1 – mas qual é o tempo que tem que se falar sobre esse ass... assunto? (P)
No exemplo (1), (S) é uma reação dos interlocutores L1 e L2 à R dada pelo Doc.
Já no (2), (S) é uma manifestação de polidez de L1, diante do ato de R de L2.
(2)
L2 – dez (R)
L1 – obrigado (S)
4
A exemplificação, nesse item 1, serve-se ora de exemplos criados, ora de exemplos retirados do corpus do Nurc estabelecido como mínimo para
o Projeto da Gramática do Português Falado, ora de exemplos indicados por Marcuschi (1986, 1991). São criados os exemplos que não apresentam
identificação da fonte.
Identificação de Ps e Rs
Para que um enunciado possa ser identificado como uma P, o fator de-
terminante é a sua atualização num contexto particular em que as marcas
lexicais, a entonação e a forma sintática, em geral, apresentam-se como car-
acterísticas funcionais.
(3)
– agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta to-
L1 dinha
L2 – sei lá
(4)
(5)
Doc. – agora uma viagem... assim de um grande navio fi... fizeram alguma vez?
L2 – eu fiz...
– eu fiz uma pequena... certa vez entre Recife e Salvador... no antigo Vera Cruz...
L1 que era aquele navio da... português... mas como viagem assim... mesmo que... re-
almente uma beleza o Vera Cruz
L1 – extraordinário
– eu fiz num navio de mais categoria do que Esse... fui daqui a São Paulo... Santos...
L2 no D. Pedro II ((risos)) que era irmão gêmeo do Almirante Jaceguay... uma beleza
de navio...
Estudos lingüísticos
1. Reflita sobre a interação estabelecida em cada uma das situações descritas
a seguir. Em cada caso, indique se os turnos tendem a ser simétricos ou as-
simétricos.
dos turnos?
3. Imagine uma conversa entre um grupo de amigos que falem dos seguintes
tópicos: