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2.

ª edição
2009

IARA BEMQUERER COSTA

lingÜística III
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ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

C872L
v.3

Costa, Iara Bemquerer.


Lingüística III. / Iara Bemquerer Costa. – Curitiba, PR: IESDE, 2009.
256 p.

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-0778-3

1. Socioingüística. 2. Fala. 3. Conversação. I. Inteligência Educacional e Siste-


mas de Ensino. II. Título.

09-4215. CDD: 401.9


CDU: 81’42

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Júpiter Images / DPI Images

Todos os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A.


Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
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Iara Bemquerer Costa

Doutora em Ciências (Lingüística) pela Universidade Estadual de Campinas (Uni-


camp). Mestre em Lingüística pela Unicamp. Graduada em Letras-Português pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

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Sumário
Análise da fala e da conversação......................................... 15
A conversação como objeto de estudo.............................................................................. 15
Propriedades definidoras da conversação........................................................................ 16
Algumas modalidades de conversação............................................................................. 19
Transcrição da fala..................................................................................................................... 22
Conclusão...................................................................................................................................... 27

Conceitos fundamentais
para a Análise da Conversação............................................. 35
A especificidade da conversação.......................................................................................... 35
Os turnos de fala......................................................................................................................... 36
Tópico conversacional.............................................................................................................. 40
Pares adjacentes......................................................................................................................... 43
A hesitação................................................................................................................................... 47
Conclusão...................................................................................................................................... 48

Estratégias de organização do diálogo............................. 57


A paráfrase.................................................................................................................................... 57
A correção..................................................................................................................................... 60
A repetição.................................................................................................................................... 62
Os marcadores conversacionais............................................................................................ 63
Conclusão...................................................................................................................................... 68

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A aquisição da linguagem...................................................... 75
Teorias de aquisição da linguagem..................................................................................... 76
A aquisição da fonologia......................................................................................................... 83
Observações sobre a aquisição da escrita......................................................................... 86
Conclusão...................................................................................................................................... 87

Análise retórica da argumentação...................................... 95


A Retórica Clássica e sua revitalização na Nova Retórica............................................. 95
Conceitos fundamentais da Nova Retórica.....................................................................100
O ethos: imagem do autor projetada no discurso........................................................107
Conclusão....................................................................................................................................108

A teoria da argumentação na língua................................117


A contribuição de Oswald Ducrot para o estudo da argumentação.....................117
A pressuposição........................................................................................................................120
O subentendido........................................................................................................................122
Os operadores argumentativos..........................................................................................123
Conclusão....................................................................................................................................127

Teoria da informação.............................................................133
Informação X redundância...................................................................................................133
Contribuições da teoria da informação para o estudo das línguas.......................136
A informatividade como fator de textualidade.............................................................138
Fontes de expectativa para a avaliação da informatividade....................................142
Conclusão....................................................................................................................................143

Teoria dos atos de fala...........................................................151


O conceito de atos de fala:
origem, contribuições para a Lingüística e limites.......................................................152

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As enunciações performativas............................................................................................155
Tipos de atos de fala................................................................................................................156
Conclusão....................................................................................................................................159

As máximas conversacionais...............................................169
As relações entre a lógica e a conversação segundo J.P. Grice................................169
Princípios organizadores da conversação.......................................................................171
Implicatura conversacional...................................................................................................178
Conclusão....................................................................................................................................179

Conceitos básicos da Análise do Discurso.....................187


Surgimento e consolidação da Análise do Discurso...................................................188
Formação ideológica e formação discursiva..................................................................191
O conceito de discurso...........................................................................................................192
Discurso e interdiscurso.........................................................................................................194
Conclusão....................................................................................................................................196

O sujeito na Análise do Discurso.......................................203


Condições de produção e jogo de imagens...................................................................203
O conceito de sujeito na Análise do Discurso................................................................208
Sentido e efeito de sentido...................................................................................................210
Conclusão....................................................................................................................................211

Exemplos de Análises do Discurso....................................221


Exemplo 1: A linguagem politicamente correta e a Análise do Discurso............221
Exemplo 2: O mito de informatividade, imparcialidade
e objetividade em funcionamento nos comentários telejornalísticos.................226
Conclusão....................................................................................................................................229

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Gabarito......................................................................................237

Referências.................................................................................247

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Apresentação

A Lingüística – ciência que tem como objeto o estudo da linguagem – foi criada
e se consolidou a partir da obra genial de Ferdinand de Saussure, especialmente do
seu Curso de Lingüística Geral, publicado em 1916. Alguns pressupostos assumidos
por ele foram fundamentais para a delimitação do objeto de estudo da Lingüística
e do método adotado para a análise das questões incluídas no campo de estudo
circunscrito para a nova ciência. Para o estruturalismo, que caracteriza a Lingüística
da primeira metade do século XX, a língua é concebida como um sistema de signos,
e analisada a partir das relações de semelhança e diferença entre os elementos nos
diversos níveis desse sistema: na fonologia, na morfologia, na sintaxe.

A definição do objeto e do método de análise formulados pelo estruturalismo


alavancou os estudos da linguagem e permitiu avanços consideráveis na análise
tanto das línguas já estudadas há séculos – as européias, por exemplo – como de
numerosas línguas americanas e africanas, que não contavam com descrições pré-
vias nem dispunham de sistemas de escrita. No entanto, a definição do objeto pela
Lingüística estrutural deixa fora do campo de estudo uma série de questões rele-
vantes sobre a organização e funcionamento das línguas naturais. O estruturalismo
parte da oposição entre língua (sistema de signos) e fala (uso da língua) e define a
primeira como seu objeto de estudo. Conseqüentemente, ficam de fora todas as
questões que envolvem a relação do falante com a linguagem, a ligação entre os
fatos sociais e o uso da língua, as unidades lingüísticas maiores que a sentença.

Este livro focaliza uma série de formulações teóricas e metodológicas poste-


riores ao estruturalismo e que têm em comum a revisão dos limites do estudo da
linguagem estabelecidos por uma concepção formalista. Algumas dessas refor-
mulações são motivadas pela observação de propriedades das línguas naturais
que uma abordagem formalista não capta. Exemplos dessas reformulações são:
os estudos da argumentação na língua, que mostram que as expressões lingüísti-
cas têm intrinsecamente uma carga argumentativa; a teoria dos atos de fala, que
coloca em evidência a existência de ações que são realizadas pela produção de
enunciados lingüísticos.

Outras reformulações são motivadas pela incorporação de questões relevantes


antes excluídas dos estudos lingüísticos, como o funcionamento da fala. A Análise
da Conversação procura desenvolver uma metodologia adequada para a identifi-
cação dos princípios que regem a interação entre os falantes quando fazem o uso
mais trivial de sua língua: conversam no dia-a-dia sobre qualquer tema.

Há também ampliações significativas dos estudos da linguagem motivadas


pelo diálogo entre a Lingüística e outras áreas do conhecimento que também
tratam de questões que têm reflexos no uso da linguagem. O diálogo com a Psi-
cologia e as teorias de aquisição da linguagem formuladas por psicólogos como

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Jean Piaget foi fundamental para o desenvolvimento da Psicolingüística. A revita-
lização da Retórica – a partir da releitura da Retórica Clássica – produziu uma série
de estudos da argumentação. As contribuições da Sociologia, a partir dos estudos
da ideologia, e da Psicanálise, que fornece elementos para uma compreensão do
sujeito, alavancam o surgimento de uma área dos estudos lingüísticos muito pro-
dutiva atualmente, a Análise do Discurso. A teoria da informação contribuiu para
a compreensão do funcionamento dos textos.

Nas 12 unidades deste volume, são apresentados os conceitos mais relevan-


tes de cada uma dessas áreas, com o uso de exemplos que possam facilitar o seu
entendimento e indicações de fontes às quais o estudante pode recorrer para o
aprofundamento do estudo nas áreas que lhe despertarem maior interesse.

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Conceitos fundamentais para a Análise
da Conversação

A primeira questão que surge quando anunciamos a apresentação de


conceitos fundamentais para a Análise da Conversação é se haveria real-
mente a necessidade de conceitos específicos para o estudo dessa moda-
lidade de uso da língua. A conversação não poderia ser estudada com o
uso dos mesmos conceitos teóricos e metodologias de análise desenvolvi-
dos pela Lingüística Textual para a análise de textos orais ou escritos?

Para justificar a necessidade de formulações teóricas e metodológicas


específicas para o estudo da conversação, é interessante chamar a aten-
ção para algumas propriedades do texto conversacional que o distinguem
de outros tipos de texto.

A especificidade da conversação
A propriedade mais evidente da conversação é que os interlocutores
alternam-se nos papéis de falante e ouvinte. Assim, o estudo do texto con-
versacional deve necessariamente contemplar o estudo das formas de al-
ternância dos papéis no diálogo e da atuação conjunta dos interlocutores
para a construção de um texto coerente. Deve levar em conta também que
a conversação, ao contrário de outros textos, é produzida sem um planeja-
mento prévio. Mesmo que um dos interlocutores defina antecipadamente
o que pretende falar, há sempre a necessidade de rever seu planejamento
a cada intervenção dos demais participantes, para que suas intervenções
constituam uma seqüência adequada às falas anteriores.

O texto falado deixa transparecer o processo de sua construção, como


explica Koch (2006, p. 45):
[...] ao contrário do que acontece com o texto escrito, em cuja elaboração o produtor
tem maior tempo de planejamento, podendo fazer rascunhos, proceder a revisões e
correções, modificar o plano previamente traçado, no texto falado planejamento e
verbalização ocorrem simultaneamente, porque ele emerge no próprio momento da
interação: ele é o seu próprio rascunho.

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Lingüística III

Koch (2006, p. 46) usa também a metáfora do quadro e do filme para compa-
rar a recepção do texto oral ou escrito:
Para o leitor, o texto se apresenta de forma sinóptica: ele existe, estampado numa página –
por trás dele vê-se um quadro. Já no caso do ouvinte, o texto o atinge de forma dinâmica,
coreográfica: ele acontece, viajando através do ar – por trás dele é como se existisse não um
quadro, mas um filme.

As várias peculiaridades da conversação justificam a adoção de conceitos


específicos que ajudam a compreender tanto os princípios que organizam a al-
ternância de papéis entre os interlocutores quanto as formas de planejamento/
construção textual na conversação. Estas distinguem-se das formas de planifica-
ção e produção de outros textos:

 pela simultaneidade entre planejar e executar – na conversação, os par-


ticipantes não têm tempo para elaborar esquemas prévios.

 pelo caráter coletivo da construção textual – ao contrário da maioria dos


gêneros textuais, em que o texto é produzido por um autor único, a con-
versação resulta das contribuições de pelo menos dois autores.

 pelo fato de a conversação ser resultado de um planejamento coletivo –


cada pessoa, ao tomar a palavra, tem de levar em conta as contribuições
anteriores dos demais participantes da conversa.

Para dar conta do estudo dessas especificidades, a Análise da Conversação


formulou um conjunto de conceitos que permitem a análise de eventos con-
versacionais. Neste capítulo, vamos apresentar quatro conceitos que são instru-
mentos importantes para esse estudo: os turnos de fala, o tópico conversacional,
os pares adjacentes e a hesitação.

Os turnos de fala
Uma das formas de compreender como a conversação é organizada é ob-
servar como se dá a alternância entre os participantes. Para isso, a Análise da
Conversação incorporou e adaptou o conceito de turno, usado em diversas situ-
ações: num jogo de xadrez, nos plantões de profissionais da saúde, em corridas
de revezamento, enfim, qualquer situação em que o indivíduo disponha de um
tempo, cuja duração pode ser ou não predeterminada para a realização de de-
terminada tarefa.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Na conversação, entende-se por turno qualquer intervenção dos interlocu-


tores, independente de sua extensão. Segundo Galembeck (1995, p. 60):
O conceito de turno [...] valoriza todas as intervenções dos interlocutores, tanto aquelas que
possuem valor referencial ou informativo (ou seja, que desenvolvem o assunto tratado num
fragmento de diálogo), como aquelas intervenções breves, sinais de que um dos interlocutores
está “seguindo” ou “acompanhando” as palavras do seu parceiro conversacional.

Os turnos resultam da aplicação de um princípio válido em todas as cultu-


ras: fala um de cada vez. O turno de fala é, portanto, aquilo que cada falante diz
enquanto está com a palavra, havendo mesmo a possibilidade de que a pessoa
fique em silêncio em alguns turnos. Estamos acostumados a assistir reportagens
na TV em que os repórteres “bombardeiam” as pessoas com perguntas inconve-
nientes e não recebem resposta alguma. Dirigir uma pergunta ao interlocutor é
uma forma de indicar que ele deve assumir o turno de fala em seguida. Em casos
específicos, a pessoa que deveria fazer uso do turno conversacional prefere ficar
em silêncio.

A alternância de papéis entre os participantes não se dá de maneira caótica.


Em qualquer cultura há normas que organizam o diálogo. A mudança de turno
(passagem de um participante a outro) ocorre basicamente de duas formas, que
são relevantes especialmente em conversas de que participam mais de duas
pessoas. O falante pode escolher quem deve assumir a palavra em seguida e
encerrar seu turno por meio de alguma indicação de que tem a expectativa de
que o outro assuma o papel de falante (uma pergunta dirigida especificamente
a um dos participantes; a menção do nome do interlocutor escolhido) ou pode
concluir sua participação e esperar que alguém tome a palavra. Nesse caso, se
houver mais de dois participantes na conversação, há um processo de auto-es-
colha, ou seja, fala quem quiser tomar a palavra no momento. Se a conversação
se der entre duas pessoas apenas, quando um interrompe a sua participação,
o outro está automaticamente convidado a assumir o turno. A forma mais evi-
dente de indicação do responsável pelo turno seguinte é fazer uma pergunta.
Segundo as regras de interação, a pergunta cria a obrigação de uma resposta.

Vejamos um exemplo de identificação dos turnos em um trecho de


conversação1:

então o desen/ o desenvolvimento é bom porque ele dá chance de em-


L1 prego para mais gente...
Turno 1

1
Dados do projeto Nurc de São Paulo. As entrevistas do projeto foram realizadas na década de 1970.

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Lingüística III

mas você está pegando uma coisin::nha assim, sabe? um cara que esteja
desempregado também eu posso... usar o mesmo exemplo num num
sentido contrário... o cara que está desempregado porque não con-
L2 segue se empregar né? na verdade não quer ou um outro que:: assim...
Turno 2
muito bem empregado executivo-chefe de empresa e tal mas cheio das
neuroses dele eu não sei qual está melhor...

então você tem que abstrair desse aspecto porque você pode ter am-
L1 bos os ca::sos... você tem que pegar na média esquecendo esse aspecto Turno 3
particular...

Nesse trecho de conversa entre L1 e L2 observa-se uma participação equili-


brada entre os falantes. Os dois se alternam e cada um espera que o outro con-
clua sua intervenção para assumir a palavra e apresentar sua contribuição para
o tema da conversa – a relação entre desenvolvimento e nível de emprego. No
turno 1, o primeiro participante apresenta sua opinião sobre o tópico tratado e
afirma que o desenvolvimento abre possibilidade de emprego para mais gente;
no turno 2, o segundo participante contrapõe-se ao primeiro, apontando casos
particulares que enfraquecem a argumentação apresentada no primeiro turno;
no terceiro turno, o primeiro participante contesta a observação do seu inter-
locutor, e insiste para que ele observe a média, não os casos particulares. Os
três turnos trazem contribuições para o conteúdo informacional que está sendo
desenvolvido. Além disso, não há superposições entre as falas dos dois inter-
locutores: as trocas de turno se dão em momentos em que cada um conclui seu
raciocínio e faz uma pausa.

Casos de conversação como esse, em que os participantes contribuem efe-


tivamente para o desenvolvimento do tema, são chamados de conversação
simétrica. Os turnos conversacionais podem também indicar uma interação
assimétrica. Nas conversações assimétricas, um dos participantes apresenta
as contribuições efetivas para o assunto tratado, os demais simplesmente dão
sinais de que estão acompanhando a conversa, mediante o uso de intervenções
curtas de assentimento, de estímulo para o falante continuar sua exposição.
Galembeck (1995, p. 60) apresenta o seguinte esquema para caracterizar as con-
figurações básicas dos turnos nos eventos conversacionais:

Simetria – ambos os interlocutores contribuem para o desenvolvimento do


tópico conversacional.

Assimetria – um dos interlocutores desenvolve o tópico; o outro “vigia” ou


“segue” o seu parceiro.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Galembeck reconhece dois tipos de turnos: turnos nucleares e turnos inseri-


dos. Nos nucleares observa-se uma contribuição informacional clara do falante.
Já nos turnos inseridos, a participação do falante não traz contribuição informa-
cional para o tópico da conversação, mas apenas indica que o participante está
acompanhando o raciocínio do seu interlocutor. É o que acontece em geral com
o uso de expressões curtas como: tá, certo, sei, é, hum hum, ahn ahn ou com a
repetição de palavras usadas pelo interlocutor

Mas há também casos em que um participante, mesmo diante de sinais


claros de que tem o direito (e o dever) de falar, mantém-se em silêncio e, quando
muito, faz algum gesto indicando que não vai fazer uso do turno que lhe é pro-
posto pelo interlocutor. Nesses casos, a análise das motivações para o silêncio é
também muito interessante. Veja, por exemplo, o trecho de uma entrevista real-
izada em Salvador entre uma professora universitária (L1) e um menino morador
de rua (L2)2:

L1 É bom uma pessoa ter família? Turno 1

L2 É. Turno 2

É? Por que que uma família é bom pra pessoa? Diga aí o que é que você
L1 acha assim por que que ter família é bom pra pessoa?
Turno 3

L2 É... Turno 4

L1 Que é que você acha? Turno 5

L2 [silêncio] Turno 6

Não tem importância da forma como você fale, o que você achar você
L1 diz.
Turno 7

L2 [silêncio] Turno 8

Você acha que um garoto como você, uma menina da tua idade, mais
L1 velho, mais novo, pra essas pessoas, pra gente, é importante ter famí- Turno 9
lia?

L2 [gesto] Turno 10

L1 É. Por quê? O que que a família faz pra gente? Turno 11

L2 [silêncio] Turno 12

2
Dados de Machado (2003, p. 66-7). A transcrição adotada nesse estudo – e mantida na citação – é diferente da utilizada nos estudos do Nurc.

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Lingüística III

L1 Você não sabe? Não tá querendo falar? Turno 13

L2 [silêncio] Turno 14

O que é uma família? É pai, mãe, né isso – você não tem pai que seu pai
L1 morreu, sua mãe tá viva – irmãos, como é que os irmãos, a mãe podem Turno 15
ajudar a gente?

L2 [pausa] Trabaiando [voz fraca] Turno 16

L1 Trabalhando? E aí? Turno 17

L2 [silêncio] Turno 18

L1 Quem trabalhando? A gente ou eles? Turno 19

L2 Eles e a gente. Turno 20

Esse trecho de conversação mostra uma interação assimétrica entre os par-


ticipantes. L1 é adulta, com escolaridade alta, professora universitária. L2 é cri-
ança, morador de rua atendido por um programa assistencial, o Projeto Axé.
Na interação entre essas duas pessoas observa-se que todos os turnos de fala
de L1 são encerrados por perguntas, que são uma forma de passar o turno ao
interlocutor, de indicar explicitamente que ele tem a obrigação de dar uma res-
posta. No entanto, L2 recusa-se a fazer uso dos turnos que lhe são concedidos,
certamente porque não quer falar sobre o tema proposto – a importância da
família para a criança. É um menino que tem uma experiência de convívio fa-
miliar muito diferente do modelo divulgado pela sociedade, tanto que trocou a
casa da família pela rua.

Tópico conversacional
Imagine uma situação trivial: um grupo de amigos seus está conversando,
você se aproxima e quer participar do bate-papo do grupo. Para conseguir se
integrar rapidamente, sua estratégia é perguntar: “Sobre o que vocês estão
conversando?” A resposta a essa questão será o tópico conversacional, ou seja,
o assunto sobre o qual o grupo fala naquele momento. Mesmo que você não
dirija ao grupo uma pergunta direta, que leve algum dos participantes a explici-
tar o tópico, basta escutar a conversa durante alguns minutos para identificar o
tópico, pois a percepção do tema da conversação é uma condição para que cada
um possa se engajar na conversação e fazer intervenções adequadas.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Favero (1995, p. 39) afirma que o conceito de tópico conversacional (ou dis-
cursivo) é nuclear para compreensão de como os participantes de um evento
interativo organizam, gerenciam suas intervenções no diálogo:
O tópico é, assim, uma atividade construída cooperativamente, isto é, há uma correspondência
– pelo menos parcial – de objetivos entre os interlocutores.

A noção de tópico é de fundamental importância para o entendimento da organização


conversacional e é consenso entre os estudiosos que os usuários da língua têm noção
de quando estão discorrendo sobre o mesmo tópico, de quando mudam, cortam, criam
digressões, retomam etc.

Identificar o tópico de uma conversação é uma tarefa simples, basta re-


conhecer e sintetizar o assun­to sobre o qual os participantes falam. Observe o
seguinte trecho de uma conversa:

L2 a sua família é grande?

L1 nós somos:: seis filhos

L2 e a do marido?

L1 e a do marido... eram doze agora são nove

L2 ahn ahn

quer dizer somos de famílias GRANdes e::... então ach/ acho que::... dado esse fator
L1 nos acostumamos a:: muita gente

L2 ahn ahn

L1 e::

L2 e daí o entusiasmo para NOve filhos

L1 exatamente nove ou dez

L2 ()

é e:: mas... depois diante da dificuldade de conseguir quem me ajudasse... nó::s para-
L1 mos no sexto filho

L2 ahn ahn

L1 não é?... e estamos muito contentes e...

Nesse trecho de conversa, o tópico conversacional é o tamanho da família. O


desenvolvimento desse tópico se faz principalmente nos turnos ocupados por
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Lingüística III

L1: é ela quem dá informações sobre a composição de sua família, da família do


marido, sobre o projeto do casal de ter nove ou dez filhos, sobre as razões que a le-
varam a ter menos filhos do que o planejado. As intervenções de L2 também estão
centradas no mesmo tópico: ela incentiva L1 a continuar falando sobre o tema e,
com suas perguntas e comentários, direciona a interlocutora para a apresentação
de novas informações, fazendo progredir a conversa em torno do tópico.

O tópico é fundamental na organização da seqüência de turnos da conversa-


ção. Jubran (2006, p. 89-90) destaca:
[...] importa salientar inicialmente que a quase simultaneidade entre a elaboração e a
manifestação verbal, característica das interações face a face, particularmente da conversação,
não afasta o teor de organização do texto falado, então processado. Desenvolvida com base
em troca de turnos entre pelo menos duas pessoas, a conversação implica uma construção
colaborativa, pela qual um turno não é simples sucessor temporal do outro, mas é produzido,
de algu­ma forma, por referência ao anterior. Há, portanto, uma projeção de possibilidades que
um elemento no turno antecedente desencadeia no turno seguinte.

A organização seqüencial dos tópicos ao longo de um evento conversacional


pode assumir configurações diversas, relacionadas a dois fenômenos básicos: a
continuidade e a descontinuidade. Observa-se a continuidade quando os tópicos
na conversação se organizam em uma seqüência linear: cada tópico é iniciado,
desenvolvido e concluído antes da introdução do tópico seguinte.

Imagine uma conversa entre amigos em que tenham sido tratados os


seguintes tópicos:

A: o aniversário de W;

B: o início do namoro entre V e Y;

C: a ida de W ao shopping para fazer a troca de dois presentes;

D: o show musical anunciado para o fim de semana seguinte.

Haverá relação de continuidade entre esses quatro tópicos se os interlocu-


tores encerrarem o tratamento de cada um antes de darem início ao seguinte.
Ou seja, se um tópico como A (o aniversário de W) não voltar a ser abordado
a partir do momento em que os interlocutores passarem a conversar sobre o
tópico B (o início do namoro entre V e Y). Cada tópico é concluído antes da in-
trodução do tópico seguinte. Podemos representar a relação de continuidade
entre os quatro tópicos pelo seguinte esquema, em que a abertura dos parênte-
ses indica o início de um tópico, o fechamento dos parênteses seu encerramento
e a seta a seqüência linear entre os temas.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

(A) → (B) → (C) → (D)

Mas pode haver entre esses tópicos uma relação de descontinuidade. Pode
acontecer, por exemplo, que um tópico seja anunciado na conversação, mas inter-
rompido por alguma razão. Esse tópico pode retornar depois ou não. Pode ocor-
rer também que um tópico seja interrompido pelo surgimento de outro e depois
os interlocutores o retomem para continuar falando sobre ele até esgotá-lo.

Os mesmos quatro tópicos apresentados acima poderiam surgir na conver-


sação em uma relação de descontinuidade. Imagine o seguinte: o grupo inicia a
conversa falando sobre o aniversário de W, mas interrompe o tratamento desse
tema para falar sobre o início do namoro entre V e Y. O tema A (o aniversário)
volta à conversa, mas é interrompido novamente pela inserção da narrativa
sobre a ida de W ao shopping para fazer a troca dos presentes. A conversa sobre
o aniversário retorna e, depois de encerrado o tratamento desse tema, o grupo
passa a falar sobre o show musical do fim de semana. Teríamos aí o seguinte
esquema, em que foram introduzidas as reticências para indicar a interrupção
de um tópico:

(A... → (B) → ...A... →(C) → ...A) → (D)

A descontinuidade entre o tratamento dos tópicos pode assumir várias


formas. Uma forma comum de realização da descontinuidade é a inserção de
uma digressão, ou seja, a introdução no meio do tratamento de um tópico de
uma conversa não relacionada com o tópico em andamento. Terminada a di-
gressão, o tema da conversa é retomado. O esquema da digressão seria:

(A... → (B) → ...A)

Pares adjacentes
Ficou suficientemente claro, a partir do exposto até aqui, que a conversação
é construída de forma colaborativa. Essa característica do texto conversacional
tem várias conseqüências na sua organização. Uma delas é a presença de se-
qüências de turnos altamente padronizadas quanto à sua estruturação. Todas
as línguas apresentam pares de turnos, que aparecem juntos (um segue imedi-
atamente o outro) e que são fundamentais na organização local da conversação.
A produção do primeiro elemento do par por um dos falantes desencadeia a
produção do segundo elemento por outro falante, como uma regra social de
conversação praticamente obrigatória. Schegloff (1972, p. 346-348) denominou

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Lingüística III

essas seqüências de turnos de pares adjacentes, expressão incorporada aos estu-


dos da conversação.

Veja alguns exemplos de pares adjacentes:

 a produção de um cumprimento por um dos falantes conduz a um cumpri-


mento do interlocutor;

 o uso de uma expressão de despedida desencadeia outra expressão de


despedida;

 se um dos falantes fizer uma pergunta, o turno seguinte deve conter uma
resposta;

 se um interlocutor der uma ordem, o interlocutor deve em seguida apre-


sentar uma indicação de execução;

 se fizer um pedido, a seqüência deve indicar o atendimento do que foi so-


licitado ou uma desculpa pelo não-atendimento;

 se fizer um convite, deve vir em seguida a aceitação ou a recusa;

 um xingamento tem como resposta uma defesa (ou outro xingamento);

 uma acusação leva a uma defesa ou a uma justificativa;

 um pedido de desculpas é normalmente seguido do perdão.

Os turnos que constituem pares adjacentes têm algumas características que


justificam o seu estudo como um fenômeno especial na organização da con-
versação. Trata-se de seqüências de dois turnos produzidos por falantes difer-
entes. As duas partes dos pares adjacentes têm uma ordenação predeterminada
(o perdão não pode vir antes do pedido de desculpas, nem a defesa antes da
acusação, por exemplo). A primeira parte do par adjacente seleciona o próximo
falante e determina sua ação.

Entre os pares adjacentes mais estudados e mais relevantes para a construção


conversacional estão o cumprimento–cumprimento, despedida–despedida e a
pergunta–resposta.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Seqüências fáticas de abertura e fechamento:


pares adjacentes de cumprimento e despedida
Se pensarmos sobre as formas de que o português dispõe para os falantes
iniciarem e encerrarem uma conversa, veremos que há uma diversidade bem
grande: bom dia, boa tarde, boa noite, oi, olá, alô, tchau, até logo. O falante que dá
início à interação escolhe, entre as possibilidades que a língua lhe oferece, uma
forma de assinalar sua disposição para o diálogo. Mas sua liberdade de escolha
é muito restrita. A seleção da forma do cumprimento tem uma função fática na
conversação, ou seja, serve para assinalar que os interlocutores estão em con-
tato e marcar o início ou o fim do diálogo. A escolha dessas formas é regida por
regras sociais.

Um dos critérios para a escolha é a formalidade da situação: iniciar uma ent-


revista na televisão cumprimentando o entrevistado com um “oi” é inadequado,
considerado uma falta de polidez. Mas em situações informais (num bar, numa
festa, numa academia de ginástica, num salão de beleza) essa forma de cumpri-
mento é aceita e esperada.

Outro critério é a simetria ou assimetria da relação entre os interlocutores.


Na interação entre pessoas da mesma faixa etária ou do mesmo grupo social, os
cumprimentos e despedidas mais informais são esperados.

Quando o falante escolhe a forma de cumprimentar seu interlocutor, ele de-


termina, de certa forma, o turno seguinte:

A oi, tudo bem?

B tudo bem!

R bom dia!

V bom dia!

F alô!

J alô!

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Lingüística III

H até logo!

Y até logo!

Os pares adjacentes de cumprimento–cumprimento ou despedida–despedi-


da tendem a ser selecionados de forma espelhada. Quando o falante dá início à
conversação, ele seleciona uma maneira de cumprimento a partir de sua avalia-
ção do grau de formalidade daquela situação e de sua relação de simetria ou as-
simetria com o interlocutor. A seleção feita determina a forma a ser usada pelos
demais participantes da conversação. O segundo turno de um par adjacente de
cumprimento ou despedida é determinado pelo turno anterior, ao qual faz eco.

O par pergunta/resposta
As seqüências de perguntas e respostas estão entre as formas mais comuns
de fazer progredir uma conversação. A pergunta seleciona o responsável pelo
turno seguinte, marca o final de um turno e define o tema e a forma do turno
seguinte. A pergunta pode ser:

Direta ou indireta
Reconhecemos como perguntas tanto as formulações feitas sob forma inter-
rogativa quanto aquelas que usam uma forma indireta:

Perguntas diretas: “Você encontrou o Carlos ontem?”, “O professor já chegou?”,


“Ainda está chovendo?”

Perguntas indiretas: “Não sei se você sabe o nome do livro que o professor
recomendou.”, “Quem sabe você me diz onde guardou a chave.”

Aberta ou fechada
As perguntas abertas em geral solicitam alguma informação, levam o inter-
locutor a falar sobre um tema específico. É comum conterem expressões como:
Quem? Qual? Como? Por quê? Onde? Quando?

D quanto tempo demora... essa refeição?

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

ah essa refeição demora... normalmente leva meia hora mais ou menos... porque eles
L comem bastante coisa realmente... quer dizer que então:: é demorado... depois ainda
tem que escovar dente pra sair...

Já as perguntas fechadas podem ser respondidas com “sim” ou “não”. Em por-


tuguês, é mais comum que a resposta afirmativa seja formulada com a repetição
do verbo ou de outra expressão importante contida na pergunta. Em várias
outras línguas, a resposta típica é um sim.

A Você já leu o livro?

B Já.

R Sua irmã gostou do vestido?

P Gostou muito.

A hesitação
Ao observarmos um evento conversacional, podemos perceber a presença
de várias hesitações, que se distribuem de maneira diferenciada entre os partici-
pantes. Há aqueles que falam pausadamente, com várias hesitações na formula-
ção, e há também os que revelam um grande controle sobre seu ritmo de fala e
apresentam poucas hesitações. A questão que surge inicialmente é: a presença
de hesitações na conversação seria um indício de um problema cognitivo ou
interativo do falante?

A Análise da Conversação dedica-se ao estudo dessa questão e conclui,


conforme mostra Marcuschi (2006, p. 48), que “a hesitação é intrínseca à com-
petência comunicativa em contextos interativos de natureza oral e não uma
disfunção do falante.” A hesitação tem um papel importante no processamen-
to da conversação: como o planejamento das intervenções do falante se dá de
forma simultânea a sua produção, as tomadas de decisão do falante resultam,
muitas vezes, em hesitações na fala. São decisões relativas, por exemplo, à es-
colha das palavras mais adequadas para fazer uma afirmação naquele momen-
to; ou sobre a seqüência em que as afirmações serão organizadas; ou a escolha
do modo mais adequado de comunicar algo aos interlocutores que participam
da conversação.

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Lingüística III

Pode-se dizer que a hesitação tem um papel importante no processamento


textual. Ela funciona como um indicador de que o falante está organizando seu
texto ao mesmo tempo em que o produz, é uma pista para o processo de plane-
jamento que possibilita a organização do tópico conversacional.

A hesitação se manifesta no texto através das pausas, dos alongamentos


vocálicos, de expressões típicas de hesitação (é..., ah..., ahn...), de repetição de
palavras. Veja um exemplo de formulação textual repleta de hesitações:

tinha o vidro pra... pra... pra... pra... iluminação do... do... do... do recinto... não é? mui-
tas vezes vidros coloridos... que dava um ar assim de... de... de cafonice altamente
A simpática... né? lá... o sol batia ali... tinha um vidro colorido... não é? ((riso)) e essa casa
era assim... no fundo da casa tinha um... um galinheiro...

As hesitações não interferem na organização do texto, apenas em sua apre-


sentação, na maneira como cada falante apresenta-se no evento comunicativo.
São elementos que podem ser apagados do texto, pois não interferem na sua
estruturação, apenas na sua apresentação. O texto anterior teria o mesmo efeito
se as hesitações não fossem consideradas, se ao fazer a transcrição, as marcas da
hesitação do falante não fossem registradas, como se pode ver abaixo:

Tinha o vidro pra iluminação do recinto, muitas vezes vidros coloridos, que dava um
A ar assim de cafonice altamente simpático. O sol batia ali, tinha um vidro colorido e
essa casa era assim. No fundo da casa tinha um galinheiro.

Conclusão
Procuramos mostrar neste capítulo como o uso de alguns conceitos desen-
volvidos especialmen­te para a Análise da Conversação permite que se perceba
como se dá a construção do texto conversacional. A análise dos turnos e dos
tópicos coloca em evidência o caráter de construção colaborativa típico da con-
versação. Os pares adjacentes revelam a importância das normas sociais que
regem a participação dos falantes na conversação. A hesitação nos dá indícios
importantes sobre o processamento da conversação, sobre a simultaneidade
entre o planejamento e a produção da fala.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Texto complementar

O par dialógico pergunta–resposta


(FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2006, p. 133-136)
Preliminares

Partindo-se do pressuposto de que a linguagem não é só uma atividade


verbal, mas também social, este capítulo3 privilegia o estudo da língua falada
numa perspectiva interacional, em que se evidencia a maneira pela qual os
falantes utilizam sua competência tanto lingüística quanto comunicativa,
em situações concretas de interação.

A necessidade de se proceder a uma descrição do par dialógico pergunta


e resposta (P–R) no português falado deve-se ao fato de serem elementos
cruciais na interação humana. Na verdade, é difícil imaginar uma conversa-
ção sem elas (STESNTRÖM, 1984, p. 295).

A partir do exame desse par dialógico, básico para a instauração da co-


erência textual, é estabelecida uma tipologia de P–R, quanto à sua função na
organização tópica do texto falado, quanto à sua natureza e à estrutura de Ps
e Rs. Torna-se necessário ressaltar que, no estabelecimento dessa tipologia,
as funções textual-interativas do par P-R serão privilegiadas em relação à sua
forma. É ainda abordada a questão da adequação da R à P, levando-se em
conta não só a perspectiva do falante, mas também a do ouvinte.
Par dialógico

Schegloff e Sacks (1973, p. 295) denominam par adjacente essa unidade


dialógica mínima de P-R. Para alguns, trata-se da unidade fundamental de
organização conversacional.

Segundo Levinson (1983), os enunciados pares devem ser:

 adjacentes;

 produzidos por falantes diferentes;

3
Trecho inicial do capítulo “O par dialógico pergunta–resposta” (FÁVERO; ANDRADE; AQUINO, 2006).

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Lingüística III

 ordenados, isto é, uma primeira parte é seguida de uma segunda


parte;

 formados de duas partes; cada primeira parte tem uma segunda es-
pecífica;

 governados por uma regra conversacional: tendo produzido a primei-


ra parte do par, o falante corrente pára de falar e o próximo falante
deve produzir, naquele instante, a segunda parte do mesmo par.

Essas propriedades configuram a estrutura básica do par dialógico P–R: P


R (S), em que P é a primeira parte proferida por um dos falantes, R é a segunda
parte produzida pelo interlocutor, contígua à primeira, e (S) é um segmento
opcional que pode seguir a R como uma reação a esta última:

(1)4

L1 – mas qual é o tempo que tem que se falar sobre esse ass... assunto? (P)

Doc. – uma hora e vinte minutos (R)

L1 – NÃ:::O ((risos)) (S)

L2 – NÃ:::O ((risos)) (S)

No exemplo (1), (S) é uma reação dos interlocutores L1 e L2 à R dada pelo Doc.
Já no (2), (S) é uma manifestação de polidez de L1, diante do ato de R de L2.

(2)

L1 – você sabe que horas são? (P)

L2 – dez (R)

L1 – obrigado (S)

Os pares dialógicos são – no aspecto semântico-pragmático – tomados


como indícios de existência de compreensão, na medida em que a segunda
parte do par só pode ser produzida se a primeira foi, de alguma forma, com-
preendida (DITMAN, 1979, p. 10).

4
A exemplificação, nesse item 1, serve-se ora de exemplos criados, ora de exemplos retirados do corpus do Nurc estabelecido como mínimo para
o Projeto da Gramática do Português Falado, ora de exemplos indicados por Marcuschi (1986, 1991). São criados os exemplos que não apresentam
identificação da fonte.

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

Identificação de Ps e Rs
Para que um enunciado possa ser identificado como uma P, o fator de-
terminante é a sua atualização num contexto particular em que as marcas
lexicais, a entonação e a forma sintática, em geral, apresentam-se como car-
acterísticas funcionais.

As marcas lexicais e as características de entonação podem-se colocar


como desambigüizadoras. A entonação ascendente, quase sempre aponta-
da como um critério que determina a função de um certo enunciado como
P, é considerada uma marca possível de reconhecimento de uma P, já que
se podem encontrar Ps com entonação ascendente/descendente ou com
entonação descendente. Evidências de Ps que não apresentam entonação
ascendente, visto tratar-se de um ato indireto de fala, podem ser observados
no exemplo a seguir:

(3)

– agora eu só queria saber pra que é que elas querem essa conversa besta to-
L1 dinha

L2 – sei lá

Há casos em que um enunciado pode funcionar como R, apesar de apre-


sentar traços que normalmente identificariam uma P, como seu contorno en-
tonacional ascendente e sua forma sintática (pronome interrogativo-sujeito),
que não evidenciam com clareza as marcas que identificam uma R:

(4)

Doc. – você gosta de literatura de cordel? (P)

L1 – e quem não gosta... quem não gosta? (R)

L2 – é todo mundo gosta (S)

L1 – quem não gosta? (R)

L2 – é uma beleza (S)

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Lingüística III

Segundo Stubbs (1987), as Ps podem fazer restrições sintáticas às Rs,


mas essas restrições não são absolutas, sendo fundamentais as de caráter
proposicional. Ao serem formuladas, as Ps acionam um frame do que se supõe
comum ou normal a uma P. Observa ainda que, embora as restrições princi-
pais sejam de caráter semântico, intervêm fatores de ordem pragmática.

No exemplo (5), há uma P fechada, feita pelo Documentador. A P fecha-


da deveria restringir sintática e semanticamente sua R correspondente, que
seria sim ou não, ou alguma formulação equivalente a sim ou não. Mas as
Rs, tanto de L1 quanto a de L2 são de outro tipo, que preenche as condições
de uma P aberta (sobre algo). Cabe lembrar que o fator que permite esse
tipo de ocorrência é de ordem pragmática, já que não é comum que se de-
senvolva uma conversação apenas com respostas afirmativas ou negativas
simplesmente.

(5)

Doc. – agora uma viagem... assim de um grande navio fi... fizeram alguma vez?

L2 – eu fiz...

– eu fiz uma pequena... certa vez entre Recife e Salvador... no antigo Vera Cruz...
L1 que era aquele navio da... português... mas como viagem assim... mesmo que... re-
almente uma beleza o Vera Cruz

L2 – bom... eu fiz... eu fiz...

L1 – extraordinário

– eu fiz num navio de mais categoria do que Esse... fui daqui a São Paulo... Santos...
L2 no D. Pedro II ((risos)) que era irmão gêmeo do Almirante Jaceguay... uma beleza
de navio...

Estudos lingüísticos
1. Reflita sobre a interação estabelecida em cada uma das situações descritas
a seguir. Em cada caso, indique se os turnos tendem a ser simétricos ou as-
simétricos.

a) O repórter R. V. faz uma entrevista na televisão com um candidato que


acabou de ser eleito para o cargo de prefeito do município.
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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

b) P. e A. trabalham na mesma empresa. Diante do computador, A. explica a


P. como fazer o controle de estoque.

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Lingüística III

c) Em uma reunião geral com os empregados, o gerente de um supermer-


cado apresenta e discute propostas de mudanças na estrutura da em-
presa.

2. As perguntas são elementos importantes na organização da conversação.


Qual é o papel da pergunta na organização:

 dos turnos?

 dos tópicos conversacionais?

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Conceitos fundamentais para a Análise da Conversação

3. Imagine uma conversa entre um grupo de amigos que falem dos seguintes
tópicos:

A: Férias e planos de viagens.

B: Roubo ocorrido na casa de praia de M.

C: Tratamento médico previsto por D. para o período de férias.

Mostre como esses tópicos podem ser organizados em relação de continui-


dade ou descontinuidade.

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Gabarito

Conceitos fundamentais para a


Análise da Conversação
1.

a) Os turnos devem apresentar assimetria. Os participantes apresen-


tam diferença na posição social. Além disso, a situação define os
papéis do jornalista e do político: cabe ao jornalista fazer pergun-
tas supostamente de interesse público e compete ao candidato
respondê-las.

b) Os turnos devem apresentar simetria. Os interlocutores têm posi-


ção social semelhante e a situação dá condições para que partici-
pem da conversação em condições de igualdade.

c) Os turnos devem apresentar assimetria. O gerente está em posição


hierarquicamente superior aos demais funcionários e, pelo tema
da reunião, cabe a ele definir os tópicos e fazer uso preferencial da
palavra.

2. Uma pergunta assinala normalmente o encerramento de um turno


conversacional e, ao mesmo tempo, indica quem deve assumir o turno
seguinte. Ao mesmo tempo, a pergunta determina o tópico do turno
seguinte, seja indicando a continuidade do que já foi falado antes, seja
introduzindo um tópico novo.

3. Há várias possibilidades de resposta. Os alunos podem se valer do es-


quema usado no texto da aula para mostrar a organização dos tópi-
cos.

O fundamental na relação de continuidade é que cada tema seja en-


cerrado antes de dar início ao outro. Exemplos:

(B) → (A) →(C)

(A) → (C) → (B)

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Lingüística III

Na relação de descontinuidade, um tópico é interrompido pela inserção de


outro, podendo ser, ou não, retomado. Exemplos:

(A... → (B) → (C) → ...A)

(A... → (B... → (C) → ...B)

Além desses exemplos, há várias formas de trabalhar com a descontinuidade


dos mesmos tópicos.

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Gabarito

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