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TRABALHOS DO FREI MARTINHO LUTERO NOS SALMOS APRESENTADOS

AOS ESTUDANTES DE TEOLOGIA EM WITTENBERG, 1519-1521.

Esses assim chamados “Trabalhos” de Lutero, foram uma série de preleções


que Lutero exerceu com seus alunos durante alguns anos. Tratou-se de um trabalho
exegético de Lutero sobre os salmos, onde ele utilizou do texto original em Hebraico
para expressar o real sentido de cada passagem. Lutero tinha os salmos em grande
estima, tanto que chegou a dizer que não era capaz de interpretá-los naquele
momento.

Nesses comentários de Lutero sobre os salmos, olhando de forma geral,


veremos que ele discorre sobre diversos aspectos doutrinários de sua Teologia.
Lutero fala sobre as boas obras e sua relação com a fé; Lutero aborda também a
salvação por meio da graça, outro aspecto importante a destacar aqui nesse ponto é
o fato de Lutero destacar a Cristocentricidade dos Salmos, várias vezes Lutero
mostra como os salmos, mesmo sendo poesias, já apontavam para a promessa que
viria a se concretizar em Cristo, Muitas vezes Lutero interpretava passagens como
sendo ditas pelo próprio Cristo.

Salmo 1.

O salmo um traz uma espécie de comparação entre pessoas ímpias e


pessoas piedosas. Lutero ao comentar sobre o versículo primeiro, falando da bem
aventurança, que por muitos é buscada de forma errada, vem somente do amor à lei
de Deus, e isso, ele conclui ao ler este salmo e ver as palavras do salmista.

Como já mencionado, Lutero utilizou de termos em hebraico para dar um


entendimento do sentido original do texto, embora não estejam presentes os
comentários sobre todos os versículos aqui, um termo explicado por Lutero nesse
salmo me chamou a atenção e me parece importante para a compreensão deste
Salmo. O termo ao qual me refiro é a palavra “ímpio”: "Piedoso é, aquele quem vive
da fé, ímpio, quem vive na incredulidade. Agora, já podemos ver o que é um
pecador: é a parte exterior do ímpio, pois não podes ver o conselho e o ímpio oculto
no coração". Com isso, Lutero nos mostra que não é possível a nós seres humanos,
conhecermos uma pessoa ímpia, pois, quando tratamos de piedade ou impiedade,
não tratamos das obras e costumes, mas sim das convicções internas do individuo.
Os ímpios podem aparentar serem justos, através de obras externas, e é dessa
forma, como diz Lutero, que eles enganam e seduzem aqueles que realmente são
piedosos.

Lutero ao comentar sobre o versículo 2, “Mas a sua vontade está na lei do senhor e
na sua lei meditará dia e noite", ele fala que é necessário ter cuidado para não
misturar as leis divinas com leis humanas, e dessa forma não transformar a lei de
Deus em um costume, e nem um costume humano em lei divina. Lutero a partir
disso, mostra a diferença entre o desejo do querer cumprir a lei entre o ímpio e o
piedoso. O ímpio, parte de fora para dentro, tentando alcançar sua justificação a
partir disso, o piedoso, reconhece que nada pode fazer para alcançar sua salvação,
o piedoso sabe que suas obras provém de dentro, isto é, após ser justificado
consegue praticar essas boas obras. Em síntese, neste salmo, Lutero destaca a
diferença entre ímpios e piedosos, e como isto se reflete em suas obras externas.

Salmo 5.

Lutero diz que este salmo luta grandemente contra os justiciários (os que se
justificam por boas obras) e teólogos ímpios, cuja única ocupação é alimentar a
soberba do coração, porém conforme Pv 11.2 "Onde houver soberba, aí também
haverá ultraje; onde, porém houver humildade, aí também haverá sabedoria".

Neste salmo, vemos claramente como Lutero ataca as obras, Lutero se


posiciona veementemente contra aqueles que pensam ser justificados por elas, no
texto, Lutero os chama de Justiciários. Lutero prega sua Teologia da Cruz e diz que
é necessário fazer separação entre a lei e a fé, entre o espírito e a letra. O povo da
lei (teólogos justiciários) diz: "eu fiz", e se orgulha como se fosse justificado por
obras da lei, e suas próprias. O povo da fé diz: "eu oro, para que eu possa fazer
boas obras". Lutero com essas palavras, evidência o tema central tratado por ele
neste Salmo, a distinção entre o que é do mundo e o que é espiritual.

Lutero afirma que não somos justificados por obras, mas pela fé, nisso
quando ele comenta o v12, ele fala da esperança, pois a fé gera esperança, Lutero
define a esperança com uma virtude teológica e a esclarece dizendo o seguinte:
"Certamente, a vida ativa, na qual muitos confiam muito temerariamente e também a
compreendem como mérito, não produz nem opera a esperança, mas a presunção
que infla do mesmo modo como a erudição. Por isso, é preciso que seja
acrescentada a vida passiva que mortifica e destrói toda a vida ativa, para que não
remanesça nenhum mérito em que o soberbo possa gloriar-se. Feito isso, se o
homem perseverar, realiza-se nele a esperança, isto é, ele aprende que nada há
nele em que se possa alegrar, esperar ou gloriar-se, além de Deus, pois a tribulação
tira tudo de nós, restando única e exclusivamente Deus, a única coisa que ela não
nos pode tirar, pelo contrário, pode nos trazer é Deus.”(p.399) "Duas coisas devem
ser observadas na esperança: os nossos méritos e a promessa de Deus. Entre
essas duas, deves situar a esperança, de forma que saibas que ela está fundada na
promessa e que os méritos provêm da esperança, de modo que eles sejam obra da
esperança; a esperança, porém, é obra da palavra ou da promessa" (p. 405). Lutero
quer dizer que, a esperança provém da fé, da mesma forma que as obras, por tanto
as boas obras são praticadas em esperança. A esperança não provém de méritos,
antes, os méritos provêm da esperança, visto esta gerar boas obras.

Salmo 6.

Para Lutero, este salmo trata dos perseguidores de Cristo, isto é, aqueles
ímpios que pervertem a lei de Deus. Temos presente em nosso texto apenas o
comentário ao versículo 11 "Envergonhem-se e conturbem-se violentamente todos
os meus inimigos; convertam-se depressa, muito envergonhados", onde quero
destacar a definição que Lutero dá para os termos "violentamente" e "depressa".
Podem referir-se ao tempo, ou ao tipo de tentação. Com relação ao tempo,
interpretamos que sejam atormentados logo, para que sejam convertidos
rapidamente. Com relação ao tipo de tentação, quer dizer que não sejam atingidos
por coisas leves, mas sim por um turbilhão deste sumo e máximo sofrimento.

Lutero fala sobre o versículo 11 que é necessário que todos passem por
tribulações, pois, somente neste momento é que são compreendidas as escrituras
sagradas. Somente a cruz nos evidencia a mais pura teologia. Dessa forma, Lutero
deixa claro sua posição sobre a Cristocentricidade das escrituras. Somente em
Cristo e através dele e seu sofrimento compreendemos tudo o que a Escritura
Sagrada nos apresenta.
Salmo 9.

Neste salmo Lutero destaca o ofício de Cristo, esse ofício de Cristo, segundo
Lutero é duplo: julgar e justificar, matar e vivificar, condenar e salvar. A isto, cabe a
relação entre a primeira e a segunda vinda de Cristo, na primeira Cristo veio como
nosso redentor e justificador, na segunda virá como juiz.

Lutero faz um comentário bastante importante sobre a teologia quando trata


deste salmo, "Por isso, a Teologia que se dedica à pesquisa, esquecendo-se de si
mesma e impelindo-se às alturas à procura das coisas divinas, elevadas demais,
busca e também encontra o precipício de satanás". Veja o quão importante é este
comentário, não podemos pesquisar por pesquisar, somente para ter o
conhecimento, não podemos esquecer da cruz, que é a luz de nossa Teologia.

Salmo 13.

Lutero neste Salmo “destaca” aos ímpios e apresenta a forma como estes, ao
quebrarem o primeiro mandamento, quebram todo o resto da lei, pois para Lutero,
todos os demais mandamentos proveem do primeiro, vindo o primeiro a ser o mais
importante.

Lutero fala neste salmo também sobre boas obras e cumprimentos de


cerimonias, ao que ele acrescenta: que toda coisa que o homem possa fazer ou faz,
é agradável e aprovada por Deus por causa da fé, ou depravadas e abomináveis a
ele por causa da incredulidade. Vemos em todos os salmos aspectos marcantes da
Teologia de Lutero, e é interessante notar como ele utiliza disso também em sua
hermenêutica e forma de ler a Bíblia.

Lutero faz uma grande distinção da posição que as obras e cumprimento de


cerimonias devem ocupar. Lutero tinha isto bem definido, ele fazia separação entre
aquilo que é passivo e ativo. Lutero diz que as cerimonias são sim necessárias,
porém aqui neste mundo, vejamos melhor de acordo com as palavras dele:
“Mas, como as cerimonias profanas, os ritos políticos, os direitos das coisas
seculares, os costumes ou, como quer que se chamem, na verdade, são muito mais
necessários, em número muito maior e mais variados [do que as cerimônias da
Igreja], assim as cerimônias sacras e os ritos eclesiásticos ou o direito das coisas
espirituais (como as chamam) são muito mais perigosos, porque é fácil depositar
nestas ações uma confiança vã ou, quando omitidas, um tolo temor (isto é, em
ambos os casos, uma péssima consciência)". Por essa razão, deve-se fazer uso das
cerimônias em fé e amor, para que sejam úteis. “Sem fé e amor, as cerimônias só
podem ser prejudiciais e motivos de perdição.” Lutero cita na p. 453 as pessoas que
praticam e cumprem as cerimonias:

1. Em primeiro lugar, os pequeninos, isto é, crianças, jovens e adolescentes.


Lutero fala que é importante e aconselhável que estes aprendam tais coisas, e a
partir disso, tendo sempre claro que não precisam disso para a salvação possam
crescer em Cristo.
2. Em segundo lugar, os pequenos em Cristo.
Lutero aqui se refere a aqueles que possuem uma fé fraca, os quais praticam
cerimonias por medo do pecado. Lutero diz que a estes se devem instruir sem
desprezo, a fim de convencê-los que este cumprimento de cerimonias é apena uma
prática admirável aqui neste mundo.
3. Em terceiro lugar, todos aqueles que cultuam imagens, e estão cheios de
justiça própria e boas obras.
Lutero diz que a esses, se deve opor veementemente, e pregar com ardor contra
eles, pois pervertem a doutrina do Evangelho.
4. Em quarto lugar, os trabalhadores espirituais, isto é, aqueles que por amor
e fé trabalham para exercitar o corpo aqui nesta vida por meio das cerimonias.
Estes realizam as cerimonias a fim de, por amor, aqui neste mundo exercitarem sua
fé, por meio de práticas piedosas e cristãs.
Lutero destaca que com relação ao cumprimento de cerimonias todo Cristão é
senhor de si mesmo "Pois nesses assuntos, que são da fé, qualquer cristão é papa e
Igreja para si mesmo, nada lhe pode ser imposto e nenhum estatuto pode ser
considerado obrigatório, quando este se transforma em perigo para a fé".

Salmo 15.

Lutero fala neste salmo sobre os dois tipos de Justiça, com isso, Lutero trata
de explicar as palavras do salmista no versículo 2 “o que anda sem mácula e pratica
a justiça, que fala a verdade em seu coração” desta maneira. Lutero explica que
andar sem mácula é estar justificado, não sem mácula na carne, mas, sem mácula
no espírito. Com “pratica a justiça”, diz Lutero, o salmista se refere à justiça de Deus,
pela qual somos justificados e santos, com isso, o salmista quer esclarecer que não
importa quantas obras façamos, “somente entrará no tabernáculo do senhor aquele
que caminha imaculado e pratica a justiça”, sendo imaculados pela graça de Cristo e
sendo justos apenas por ele, somente assim habitaremos em seu tabernáculo.

Salmo 22.

Para Lutero, este salmo é o principal de todos, pois nele, Jesus Cristo
constitui o centro como nenhum outro, Lutero chega a dizer que este salmo foi
escrito pelo próprio Cristo, e essas palavras o pertencem.

Lutero associa passagens deste salmo a passagens escritas pelos


evangelistas, as quais foram proferidas por Cristo na cruz, passagens que lembram
o sofrimento e humilhação de Cristo na cruz, o qual sofreu pela igreja, sem negar-se
a eles, Lutero chega a mencionar que por esse exemplo de Cristo, muito mais feliz é
aquele que em nome de Cristo também padece em necessidades e sofrimentos.

Falando sobre o sofrimento, Lutero menciona que estamos unidos em Cristo


também com isso, ele nos explica a diferença que existe na intepretação desse
sofrimento entre os ímpios e os piedosos. Para os piedosos, esse sofrimento traz
consolo e esperança, para os ímpios traz desespero e aflição.

Este salmo nos mostra evidentemente uma das lentes hermenêuticas de


Lutero, ele o analisa a partir de uma ótica cristocentrica, ele nos mostra como as
passagens do Antigo Testamento apontam e falam de Cristo, mesmo nos salmos,
que são constituídos basicamente por poesias e hinos.
APLICAÇÃO.

Introdução.

Para esta atividade, quero fazer uso da explicação de Lutero sobre a


meditação, ele fala sobre este assunto na explicação do versículo 2 no Salmo 1
“Mas a sua vontade está na lei do senhor e na sua lei meditarei dia e noite”. De
acordo com as palavras de Lutero: “Não posso destacar de maneira suficientemente
satisfatória o vigor e a beleza dessa palavra [meditação], pois este meditar consiste,
em primeiro lugar, em aplicar com zelo as palavras da lei, depois, em comparar as
diversas partes da escritura.” Sobre este tão nobre tema falarei um pouco mais a
seguir.

Conteúdo.

Para Lutero, o fator principal para uma boa compreensão e posterior


aplicação de um texto se encontra na meditação, o meditar sobre o que a palavra,
termo ou versículo tem a dizer. A meditação na visão de Lutero seria um dos passos
para uma exegese, onde o Teólogo busca interpretar o sentido literal do texto
original, e após isso, compreender o que aquele texto pode ensinar. Para explicar
isso, Lutero apresenta o quinto mandamento e sua explicação sobre ele: "não
matarás", que a princípio pode parecer apenas uma ordem para não cometer
homicídio, porém, Lutero acrescenta que temos Alma e corpo, e ambos têm muitas
forças: mão, língua, olhos, mente, vontade. Por tanto quando é dito não matarás,
isso quer dizer, não matar com as mãos, olhos, mente, isto é, não desejar o mal,
nem odiar, nem maldizer, nem ser malévolo, nem desprezar ou prejudicar, mas pelo
contrário, amar, abençoar e fazer o bem. A meditação era constante na vida de
Lutero, ele como monge, se exercitava muito nesta obra, e certamente com isso
aprendeu muito, embora tenha criticado a forma de meditação dos monges. Mas,
graças à meditação correta e piedosa pôde desenvolver sua Teologia, com certeza e
clareza. Lutero quando interpretou o salmo 119, apresentou seu conceito de como
se forma um Teólogo, através da oração, meditação e tentação (Oratio, Meditatio,
Tentatio), novamente vemos a meditação presente, na interpretação do Salmo 119,
Lutero expande mais ainda sobre o conceito de meditação do que no Salmo 1. Para
Lutero, a palavra é o meio físico pelo qual o Espírito Santo age em nós, ou melhor, é
o meio Físico mediante o qual o Espírito utiliza para nos dizer a vontade de Deus. A
forma como Lutero praticava a meditação após ver quão errada estava a forma de
meditação monástica, consistia em ler, e balbuciar as palavras para que pudesse
também escutá-la, dessa forma, quem medita, não apenas lê, mas também escuta a
palavra de Deus de todo coração e mente. Este conceito de meditação Lutero
desenvolveu especialmente quando estudava os Salmos, ele defendia que a vida do
Cristão, e principalmente de um futuro pastor, deveria ser de constante meditação.

Quando falamos em meditar, e que através dessa obra de meditação o


Espírito Santo age em nós, estamos fazendo uma separação entre o fator vertical e
horizontal também no estudo da palavra. É através da palavra e da meditação que o
Espírito Santo age em nossas vidas, é Deus quem nos dá o entendimento, porém
esse entendimento só vem pelo ler, meditar e orar na palavra. “Na meditação,
ouvimos interiormente o que nos é falado exteriormente”.

Por tanto, a meditação é um dos aspectos centrais na vida de um teólogo, ou


pelo menos deveria ser. Verdade é que, nós como seminaristas e futuros pastores,
muitas vezes deixamos nossas meditações diárias de lado devido às obrigações e
trabalhos que temos, muitas vezes os prazos apertam devido ao nosso desleixo e
falta de compromisso e organização, e acabamos ignorando um dos aspectos
fundamentais de nossa vida Cristã. Cabe a nós refletir se realmente estamos
meditando o suficiente na palavra de Deus na hora de preparar uma mensagem, ou
até mesmo, se estamos meditando o suficiente apenas para que possamos viver em
paz nossa vida diária, e quando seja necessário ao conversar com alguém que não
professe a fé Cristã possamos ser usados pelo Santo Espírito. Aqui talvez muitos
usem como argumento de que, quem fará a obra será o Espírito Santo, então, a vida
de meditação não tem tanta importância, a verdade é que sim, quem realiza a obra
de conversão e santificação é o Espirito Santo, mas, pensar dessa forma produz um
reducionismo extremamente perigoso, pois como vimos, o Espírito utiliza da palavra
como meio externo para produzir em nós a fé, e através dessa obra, através de nós,
produzir boas obras e santificação. Se “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil
para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim
de que o servo de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”,
só nos resta fazer uso dessa maravilhosa dádiva da meditação que Deus nos deu.
Que o Senhor nos ajude a isso até a sua vinda final, em glória.

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