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PROGRAMA ASSOCIADO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE ALAGOAS

LIDIA SILVA DE SOUZA

PERCEPÇÃO DAS MÃES DE CRIANÇAS COM RISCO PARA TRANSTORNO DO


ESPECTRO AUTISTA QUANTO AO PERFIL COMUNICATIVO DE SEUS FILHOS
NO CONTEXTO DA PANDEMIA

NATAL
2021
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LIDIA SILVA DE SOUZA

PERCEPÇÃO DAS MÃES DE CRIANÇAS COM RISCO PARA TRANSTORNO DO


ESPECTRO AUTISTA QUANTO AO PERFIL COMUNICATIVO DE SEUS FILHOS
NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Dissertação apresentada ao Programa


Associado de Pós-Graduação em
Fonoaudiologia da Universidade Federal da
Paraíba – UFPB e Universidade Federal do
Rio Grande do Norte – UFRN e
Universidade Estadual de Ciências da Saúde
de Alagoas - UNCISAL para obtenção de
título de mestre em Fonoaudiologia.

Área de concentração: Aspectos funcionais e


reabilitação em Fonoaudiologia

Orientadora: Profa. Dra. Ana Manhani


Cáceres Assenço

NATAL
2021
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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN


Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro Ciências da Saúde - CCS

Souza, Lidia Silva de.


Percepção das mães de crianças com risco para transtorno do espectro
autista quanto ao perfil comunicativo de seus filhos no contexto da
pandemia / Lidia Silva de Souza. - 2021.
66f.: il.

Dissertação (Mestrado em Fonoaudiologia) - Programa Associado de


Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal da Paraíba –
UFPB, Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e Universidade
Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL. Natal, RN, 2021.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Manhani Cáceres Assenço.

1. Desenvolvimento da Linguagem - Dissertação. 2. Distúrbios da


Comunicação - Dissertação. 3. Transtorno do Espectro Autista -
Dissertação. 4. Desenvolvimento Infantil - Dissertação. 5. Cuidadores –
Dissertação. I. Assenço, Ana Manhani Cáceres. II. Título.

RN/UF/BSCCS CDU 612.78-05300.2

Elaborado por Adriana Alves da Silva Alves Dias - CRB-15/474


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AGRADECIMENTOS

A Deus. Antes, durante e depois de tudo. Minha fortaleza, refúgio e amparo.

À minha orientadora, Dra. Ana Manhani Cáceres-Assenço, pelos ensinamentos, orientações, e


resiliência durante esta jornada que não foi nada simples.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Fonoaudiologia - UFRN/UFPB, pelo


aprendizado adquirido durante o mestrado.

Ao Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (CEPSAG), pela parceria na


elaboração desta pesquisa.

Às mães e crianças que aceitaram e confiaram participar desta pesquisa.

À banca avaliadora da dissertação pelas importantes sugestões e contribuições para os artigos.

Ao meu esposo Wellison, que acompanhou de perto todos os momentos de angústias,


abdicações, e me encorajou, muitas vezes, acreditando mais do que eu mesma de que iria dar
certo.

E a todas as pessoas que direta ou indiretamente fizeram parte dessa trajetória.


5

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus pais, que sonham e me inspiram a ir atrás dos nossos sonhos.
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APRESENTAÇÃO

Esta dissertação foi elaborada de acordo com as normas estabelecidas pelo Programa
Associado de Pós-graduação em Fonoaudiologia UFRN/UFPB/UNCISAL. O estudo aqui
apresentado foi orientado pela Profa. Dra. Ana Manhani Cáceres Assenço e conduzido pelas
fonoaudiólogas Alessandra Pinheiro da Silva e Lidia Silva de Souza. O projeto de pesquisa ao
qual ele se vincula é “Telemonitoramento de crianças pequenas com indicadores clínicos de
risco para o Transtorno do Espectro Autista: uma abordagem integrada no contexto da
pandemia de COVID-19”.
Os dados da dissertação estão de acordo com as normas da ABNT e os artigos que a
integram serão submetidos à Revista CoDAS (Communication Disorders, Audiology and
Swallowing), e Audiology - Communication Research (ACR), portanto formatados no
“Vancouver Style”.
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SUMÁRIO

RESUMO 9

ABSTRACT 10

INTRODUÇÃO 11

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 13

OBJETIVOS 21

ARTIGO I 22

ARTIGO II 38

CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

IMPACTO SOCIAL 54

REFERÊNCIAS 55

ANEXOS 60
8

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte


UFPB - Universidade Federal da Paraíba
UNCISAL - Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas
LADELIN - Laboratório de Desenvolvimento da Linguagem
CEPSAG - Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi
DSM - Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
TEA - Transtorno do Espectro Autista
OMS - Organização Mundial de Saúde
COVID-19 - Coronavírus Disease (Doença do novo Coronavírus sars-CoV-2 em 2019)
SUS – Sistema Único de Saúde
NSE – Nível socioeconômico
PFC – Perfil Funcional da Comunicação
QDC – Questionário Sobre Dificuldades Comunicativas
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LISTA DE ANEXOS

Anexo A. Termo de aprovação do Comitê de ética em Pesquisa

Anexo B. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


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RESUMO

Introdução: A identificação dos sinais clínicos de risco para o Transtorno do Espectro


Autista (TEA) pela própria família é fundamental na busca por auxílio profissional, seja para
o processo de diagnóstico, seja para intervenção. Com o contexto de distanciamento social
imposto pela pandemia de COVID-19 as famílias passaram a conviver mais tempo com seus
filhos, o que levou ao aumento da percepção de dificuldades relacionadas à comunicação.
Objetivos: Caracterizar a percepção dos cuidadores de crianças com risco para TEA a
respeito das dificuldades comunicativas dos seus filhos, além de investigar se essa percepção
é compatível com a avaliação fonoaudiológica. Método: Esta pesquisa foi realizada por meio
de um estudo observacional, cuja amostra foi composta por oito mães cujos filhos
apresentavam indicadores clínicos de risco para o TEA e que foram acompanhados em um
projeto de telemonitoramento breve. Os resultados foram divididos em dois manuscritos,
sendo que no primeiro foi utilizado o Questionário sobre Dificuldades Comunicativas (QDC);
e no segundo foram utilizados o Perfil Funcional da Comunicação (PFC) e o protocolo de
pragmática do teste infantil ABFW. Resultados: A partir dos resultados obtidos foi possível
caracterizar as principais dificuldades percebidas pelas mães e constatar que a participação no
programa de telemonitoramento não provocou mudanças substanciais nessa percepção. Além
disso, o perfil comunicativo destas crianças foi caracterizado e comparado com a percepção
de suas mães. Conclusão: Os instrumentos utilizados demonstraram capacidade de
caracterizar a percepção das mães a respeito das dificuldades comunicativas de seus filhos,
contribuindo para o processo diagnóstico e intervenção.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Distúrbios da Comunicação; Cuidadores;


Desenvolvimento Infantil; Desenvolvimento da Linguagem
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ABSTRACT

Introduction: The identification of clinical signs of risk for Autism Spectrum Disorder
(ASD) by the family itself is essential in the search for professional help, either for the
diagnosis process or for intervention. With the context of social distancing imposed by the
COVID-19 pandemic, families began to spend more time with their children, which led to an
increase in the perception of difficulties related to communication. Objectives: To
characterize the perception of caregivers of children at risk for ASD regarding their children's
communicative difficulties, in addition to investigating whether this perception is compatible
with the speech therapy assessment. Method: This research was carried out through an
observational study, whose sample consisted of eight mothers whose children had clinical
indicators of risk for ASD and who were followed up in a brief telemonitoring project. The
results were divided into two manuscripts, the first using the Questionnaire on
Communicative Difficulties (QDC); and in the second, the Functional Communication Profile
(PFC) and the pragmatics protocol of the ABFW child test were used. Results: From the
results obtained, it was possible to characterize the main difficulties perceived by the mothers
and verify that the participation in the telemonitoring program did not cause substantial
changes in this perception. Furthermore, the communicative profile of these children was
characterized and compared with the perception of their mothers. Conclusion: The
instruments used demonstrated the ability to characterize the perception of mothers regarding
their children's communication difficulties, contributing to the diagnosis and intervention
process.

Keywords: Autistic Spectrum Disorder; Communication Disorders; Caregivers; Child


development; language development
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INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado foi desenvolvida no Programa Associado de


Pós-graduação em Fonoaudiologia UFRN/UFPB/UNCISAL, no Laboratório de
Desenvolvimento da Linguagem (LADELIN) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, sob orientação da Profa. Dra. Ana Manhani Cáceres Assenço.
A proposta inicial desta pesquisa seria dar continuidade ao estudo realizado no
LADELIN e que buscou investigar o conhecimento das mães de crianças com atraso no
desenvolvimento da linguagem sobre o desenvolvimento da comunicação. Após essa
investigação esta dissertação de mestrado seria um programa de intervenção com estas
crianças, contudo, devido à rotina de atuação clínica e disponibilidade de tempo para
dedicação ao projeto, foi necessário modificar a temática e objetivo inicial.
A nova pesquisa esteve fundamentada no princípio de contribuir para a prática clínica,
na busca por identificar quais seriam os primeiros sintomas identificados pela família. A
motivação para a realização do estudo se deu pela observação clínica fonoaudiológica e uma
procura significativa de avaliação infantil por suspeita de diagnóstico de Transtorno do
Espectro Autista. Buscou-se então entender quais os principais sinais que se referem a
comunicação observados como alterados por parte dos cuidadores que os levam a uma
avaliação fonoaudiológica dos seus filhos.
O estudo esteve então vinculado a um projeto maior e desenvolvido em parceria com o
Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi (CEPSAG). Desta feita, fiquei
encarregada de acompanhar os pais enquanto outra mestranda da equipe realizava a
intervenção com as famílias. A pesquisa seria realizada presencialmente, contudo fomos
surpreendidos por uma emergência global devido a uma doença denominada COVID-19. As
consequências da pandemia, assim estabelecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS)
foram desde o caos na saúde pública, na atividade econômica até o comprometimento da vida
humana (LU, STRATTON e TANG, 2020; CAETANO et al., 2020).
A alta transmissibilidade da COVID-19 incitou a corporação de medidas estendidas de
distanciamento social, com objetivo de diminuição e desaceleração da propagação da doença.
Entre as modalidades de telessaúde, o telemonitoramento surge como um recurso que
proporcionou a realização de monitoramento à distância dos parâmetros de saúde e/ou doença
de pacientes, incluindo coleta de dados clínicos, transmissão, processamento e manejo por
profissional de saúde (CAETANO et al., 2020).
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O contexto de distanciamento social trouxe desafios e necessidades de adaptações nos


serviços de saúde, incluindo os atendimentos fonoaudiológicos. O cuidado para diminuir a
velocidade de disseminação do COVID-19 antecipou alterações que já estavam sendo
possíveis e necessárias em relação à aplicação de telessaúde nessa atuação profissional
(FERNANDES et al., 2020).
Estudos têm evidenciado a eficácia do telemonitoramento na prática fonoaudiológica,
sobretudo envolvendo a participação dos pais e cuidadores nesse processo. Eles são
orientados a observarem o desenvolvimento dos seus filhos, a discutirem dúvidas e a trocarem
experiências com os profissionais, além de serem incentivados a tornarem-se ativos no
fornecimento de ambientes de comunicação apropriados para seus filhos (BARBOSA E
FERNANDES, 2017).
Esta modalidade de atendimento tornou-se uma alternativa para o acompanhamento e
acolhimento, dentro do atual contexto pandêmico, de famílias que possuem crianças com
queixa ou diagnóstico de transtornos da comunicação, como no caso de crianças com
Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Um estudo realizado no sul dos Estados Unidos identificou que os pais de crianças que
recebem diagnóstico de TEA desenvolvem suas preocupações mais cedo em comparação aos
pais de crianças com desenvolvimento atípico não associado ao TEA. Os participantes deste
mesmo estudo relataram que identificaram inicialmente as dificuldades no desenvolvimento
dos seus filhos por volta dos 12 aos 13 meses de idade (JANG et al., 2014).
No Brasil, uma pesquisa desenvolvida com pré-escolares que receberam diagnóstico
precocemente buscou identificar os primeiros sintomas percebidos pelos pais na busca por
assistência. Neste estudo foi possível observar que os pais foram capazes de notar as
dificuldades no desenvolvimento dos seus filhos antes das crianças completarem o segundo
ano de vida, no que se refere às características específicas do espectro (ZANON, BACKES e
BOSA, 2014).
Tendo em vista a relevância da identificação de alterações no desenvolvimento pela
própria família como um aspecto fundamental na busca por auxílio profissional, em uma série
de acontecimentos que podem favorecer o diagnóstico precoce, este estudo visa compreender
a percepção que a as mães de crianças com indicadores clínicos de risco para o TEA possuem
acerca do perfil comunicativo dos seus filhos.
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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Transtorno do Espectro Autista: Caracterização

Alterações que ocorrem no início do período do desenvolvimento de uma criança


podem estar associadas a um Transtorno no Neurodesenvolvimento. As manifestações são
apresentadas cedo, geralmente antes da criança ingressar na escola e são caracterizadas por
déficits no desenvolvimento que acarretam prejuízos no funcionamento pessoal, social,
acadêmico ou profissional (APA, 2014).
Entre as classificações de transtornos que se manifestam no início do desenvolvimento
de uma criança, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) se configura como uma alteração de
alta prevalência nessa população (MÁLAGA et al., 2019). Os sinais clínicos do TEA
representam um continuum de prejuízos com intensidades que vão de leve a grave nos
domínios de comunicação social e de comportamentos restritos e repetitivos (APA 2014).
As características predominantes que configuram o diagnóstico do transtorno formam
uma díade essencial que se configura por prejuízo persistente na comunicação e interação
social recíproca e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades
(APA, 2014).
Por se tratar de um Transtorno do Neurodesenvolvimento, a sintomatologia do TEA já
pode ser observada no primeiro ano de vida de uma criança. Contudo essa observação precoce
está associada a diversos fatores, dentre eles a variabilidade de gravidade do transtorno, se os
sintomas forem mais sutis, podem ser observados apenas após os 24 meses de vida da criança
(ZWAIGENBAUM et al, 2017).
A definição de características presentes no início do desenvolvimento pode incluir
informações sobre atrasos precoces ou quaisquer perdas de habilidades sociais ou linguísticas
(ZWAIGENBAUM et al, 2017). Os sintomas iniciais na maioria das vezes envolvem atraso
no desenvolvimento da linguagem, associado à ausência de interesse social ou interesses
sociais incomuns e padrões incomuns de comunicação (ROCHA et al., 2019).
No que se refere às habilidades comunicativas, que são umas das primeiras
habilidades observadas como prejudicadas, as observações vão desde ausência total da fala,
atraso na linguagem, pouca ou nenhuma compreensão da fala, ecolalias e dificuldades para se
comunicar socialmente de forma recíproca, estando essas alterações presentes em graus de
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dificuldades diferentes (KOZLOWSKI et al., 2011).


No tocante ao desenvolvimento da linguagem, é possível que haja casos de perda da
fala e da linguagem em crianças com menos de 3 anos de idade, o que é denominado como
uma regressão do desenvolvimento (BAIRD et al., 2008). Os défices nos comportamentos
comunicativos estão alterados tanto nas habilidades verbais quanto em não verbais utilizadas
para interação social. É possível observar comunicação pouco integrada, anormalidade no
contato visual, linguagem corporal ou dificuldade para compreender o uso de gestos, além da
ausência total de expressões faciais (ROCHA et al., 2019; MACHADO et al., 2016).
A etiologia do TEA tem sido forte objeto de estudo e pesquisa nos últimos anos. Tanto
fatores genéticos quanto ambientais podem contribuir para o risco do transtorno e são
evidentemente associados ao diagnóstico (LASALLE, 2013; TORDJMAN et al., 2014).
Estudos com gêmeos monozigóticos têm apontado taxa de concordância compatível com a
estimativa de herdabilidade (HALLMAYER et al., 2011; NORDENBÆKet al., 2014). Por
outro lado, há uma variabilidade de fatores ambientais inespecíficos como o baixo peso ao
nascer, exposição fetal a ácido valproico, ou idade parental avançada, que corroboram na
contribuição de fatores ambientais na etiologia do TEA (LASALLE, 2013; TORDJMAN et
al., 2014).

O papel da família na identificação dos indicadores de risco para o TEA

A idade em que uma criança recebe o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista é


determinante para o início do tratamento e desenvolvimento das habilidades que estão
prejudicadas. O papel da família na identificação dos sinais de TEA nas suas crianças, pode
trazer informações importantes sobre a forma como o profissional que realiza a avaliação e
investigação pode ter acesso aos primeiros sintomas (MACHADO et al., 2016).
O contexto familiar, na maioria das vezes, é composto por pessoas que estão mais
próximas da criança e vivenciam situações que vão além do momento da avaliação
profissional de poucas horas. Assim é de suma relevância considerar a percepção que os
familiares possuem a respeito do desenvolvimento dos seus filhos para compreender o
funcionamento comunicativo dessas crianças, e isto pode ser determinante para um
diagnóstico precoce e consequentemente uma intervenção precisa (MIILHER E
FERNANDES, 2013).
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Pesquisas realizadas com famílias de crianças com indicadores clínicos de risco para o
TEA apontam que nessa população há indicativos de alterações mais graves, o que leva os
pais a reconhecerem os sintomas mais cedo do que nos casos de crianças com características
sutis. Além disso, o aumento do interesse pela intervenção precoce contribui para essa
percepção. Os estudos mostram que o conhecimento que a família possui acerca da alteração
pode contribuir para esse diagnóstico na primeira infância, como nos casos da criança que
possui um irmão mais velho com TEA, ou quando a família passou por uma triagem
aprofundada com profissional especialista (KOZLOWSKI et al., 2011; ADELMAN E
KUBISZYN, 2017).
A identificação das primeiras dificuldades que os pais observam em seus filhos tem
apresentado relação tanto com o grau de severidade das sintomatologias, quanto com o tipo de
dificuldade dentro das características do TEA. Crianças que apresentam como sintomas
iniciais o atraso na fala e na linguagem e não nas habilidades de interação social, são levadas
mais cedo para avaliação profissional (ADELMAN e KUBISZYN, 2017).
As preocupações com o desenvolvimento social ou comportamento são frequentes no
que tange às observações dos pais, contudo não são exclusivas. Um estudo realizado com pais
de crianças com TEA na França, em que o objetivo era entender se as dificuldades observadas
pelos pais diziam respeito às características que configuram um diagnóstico de TEA ou se iam
além destas, apresentou como resultado que a maioria dos pais referiu pelo menos um sinal
geral não relacionado às características típicas (GUINCHAT et al., 2012).
A consideração a respeito da perspectiva que os pais possuem no que se refere às
habilidades e dificuldades no desenvolvimento dos seus filhos, tem sido apontada em diversos
estudos na área como algo positivo para o levantamento das informações necessárias para o
fechamento de um diagnóstico infantil (AGUIAR e PONDÉ, 2020).
Entre as primeiras preocupações que os pais apresentam a respeito do
desenvolvimento dos seus filhos e o diagnóstico formal do TEA existem fatores que podem
ocasionar um desfecho. A maioria das famílias começam a perceber que há algo atípico no
desenvolvimento dos seus filhos antes das crianças completarem o segundo ano de vida, mas
a idade média do diagnóstico formal aproxima-se dos 5 anos de idade, o que pode prejudicar
evidentemente o prognóstico dessas crianças (RIBEIRO et al., 2017).
O conhecimento materno a respeito das características que aproximam-se de um
quadro de TEA e a experiência e expertise do profissional que recebe a família e a criança,
pode tornar esse diagnóstico preciso e evitar seu adiamento (MACHADO et al., 2016). A
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escassez da compreensão e de informações precisas sobre o transtorno insere a família em


uma posição de desconhecimento sobre a condição do próprio filho.
Contudo, pesquisas têm apontado que o olhar do profissional que acolhe a queixa da
família faz toda diferença no processo diagnóstico, mesmo quando os pais ainda não
compreendem o que está acontecendo no desenvolvimento dos seus filhos. Há casos em que
as mães descrevem que perceberam sinais de que a sua criança não acompanhava o
desenvolvimento dos seus pares, e que alertaram os profissionais para tal fato, todavia
sentiram que os seus relatos foram negligenciados (FAVERO-NUNES e SANTOS, 2010).
Em diversos contextos socioculturais, famílias de crianças que receberam diagnóstico
de TEA tardiamente relataram ter consultado vários profissionais antes de receber o
diagnóstico de seus filhos, o que indica a magnitude da expertise do profissional associada ao
acolhimento da queixa e da percepção das demandas trazidas pela família (ABBOTT,
BERNARD e FORGE, 2013).
Nos últimos anos houve uma alta prevalência de diagnósticos de TEA no Brasil e no
mundo. Pesquisadores afirmam que o índice elevado de diagnósticos, sobretudo
precocemente, além de estarem associados à ampliação do conhecimento sobre o transtorno
entre profissionais da saúde, pode estar diretamente relacionado com a maior sensibilidade
dos instrumentos utilizados (CHIAROTTI, 2020).

Covid-19 e telemonitoramento

A pandemia de COVID-19 trouxe medidas de distanciamento e isolamento social por


meio de decretos governamentais a fim de diminuir e evitar a disseminação da doença (LU,
STRATTON e TANG, 2020; CAETANO et al., 2020). Nesse contexto, famílias que estavam
iniciando a busca pelo diagnóstico dos seus filhos ou que estavam em processo de intervenção
foram impedidas de darem continuidade (NARZISI, 2020).
Crianças permaneceram sem avaliações, diagnósticos e intervenções, o que contribuiu
para diagnósticos e intervenções tardias. O período de privação de estimulação nos primeiros
anos de vida de uma criança, pode afastá-la de um bom prognóstico, pois até os cinco anos de
idade da criança ocorre de maneira mais intensa a neuroplasticidade cerebral, que contempla
uma capacidade adaptativa que o cérebro possui para modificar a organização estrutural e
funcional do sistema nervoso central (DAWSON, 2008).
Medidas alternativas precisaram ser tomadas, em face do cuidado para controlar a
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disseminação da doença e, em contrapartida, ofertar o serviço de acolhimento aos pacientes e


suas famílias. Uma medida que se mostrou eficaz e um recurso fundamental no contexto atual
foi a telessaúde, uma alternativa com a capacidade de minimizar a circulação de usuários em
estabelecimentos de saúde, diminuir o risco de contaminação e a disseminação da doença
(CAETANO et al., 2020).
O telemonitoramento é uma das aplicações da telessaúde que vem ganhando destaque
como uma estratégia promissora e de alta relevância, caracterizado pelo acompanhamento em
formato remoto das informações de saúde de um indivíduo, proporcionando interpretação e
análise dos dados do local onde o paciente se encontra até um centro especializado ou
profissional da saúde (TANIO e STEFFEN, 2017; WOSIK et al., 2020).
Na Fonoaudiologia, a telessaúde apresentou eficiência no atendimento remoto a
pacientes, com resultados semelhantes ao atendimento presencial. Além disso, trouxe
benefícios para pacientes que necessitavam de uma avaliação fonoaudiológica e residiam em
locais onde não havia profissionais especializados (DIMER et al., 2020).
No caso de crianças com TEA, estudos evidenciam que a orientação de pais e
cuidadores no teleatendimento tem repercussão positiva, seja para auxiliar no uso das
tecnologias, como na execução de exercícios domiciliares (DIMER et al., 2020; BARBOSA e
FERNANDES, 2017).
Nessa perspectiva, o monitoramento da percepção que as mães de crianças com
suspeita de TEA possuem a respeito do desempenho comunicativo dos seus filhos, é uma
investigação viável e com fundamentação científica para ser realizada por meio da telessaúde,
através da aplicação de questionários específicos para essa população.

Instrumentos para avaliação de crianças com suspeita de TEA

A seguir serão apresentados alguns instrumentos que visam avaliar crianças com
suspeita de TEA no Brasil.

Questionário sobre dificuldades comunicativas

Recentemente, observa-se que houve um avanço na identificação das características


que podem configurar um quadro de Transtorno do Espectro Autista em crianças pequenas,
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contudo a experiência do profissional e as habilidades observadas em sua avaliação


continuam sendo o padrão-ouro e determinante para a compreensão do quadro clínico
(CARDOSO et al., 2019).
Tendo em vista a relevância da experiência clínica para o levantamento de hipóteses
diagnósticas, um estudo realizado na Universidade de São Paulo, com fonoaudiólogas
experientes na área, buscou elaborar um questionário para o levantamento de dificuldades
comunicativas percebidas por pais e/ou cuidadores de crianças que possuem diagnóstico de
Transtorno do Espectro Autista em relação a seus filhos (BALESTRO e FERNANDES,
2012).
As autoras da pesquisa fundamentaram o estudo através de questões específicas que
foram identificadas em revisão de literatura a respeito dos aspectos familiares (comunicativos,
estresses e dificuldades emocionais) na presença de crianças diagnosticadas com TEA.
O “Questionário sobre dificuldades comunicativas” foi baseado em uma pesquisa que
objetivava identificar a percepção que os pais de crianças com dificuldade de linguagem
apresentavam em relação à comunicação dos seus filhos. A preocupação inicial das
pesquisadoras foi a identificação do olhar paterno no que se refere a qualidade de sua
comunicação com seus filhos, sem levar em consideração as dificuldades concretas
manifestadas pela criança, seu diagnóstico e características objetivas (BALESTRO e
FERNANDES, 2012).
O instrumento teve como objetivo a perspectiva do cuidador, no que se refere ao
impacto das dificuldades comunicativas em diferentes situações sociais (BALESTRO e
FERNANDES, 2012). Foi realizada aplicação do questionário em duas populações, uma de
cuidadores de crianças com diagnóstico de TEA e outra população de cuidadores de crianças
sem queixa ou história de alteração de linguagem.
As autoras concluíram e ressaltaram a importância da elaboração do questionário, pois
sua aplicação demonstrou utilidade na identificação de dificuldades comunicativas específicas
da população estudada.

Perfil Funcional da Comunicação – Checklist

Sendo a linguagem uma das habilidades que se apresenta alterada no indivíduo com
TEA, esta vem sendo estudada e investigada por inúmeros pesquisadores da área. Estudos
apontam que entre as habilidades linguísticas prejudicadas em crianças com Transtorno do
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Espectro Autista, a funcionalidade comunicativa tem evidenciado alto impacto, devido ao


défice na pragmática, habilidade responsável pela articulação da linguagem com os aspectos
de interação e cognição ao longo do desenvolvimento (ISHIHARA e TAMANAHA, 2016).
A Fonoaudiologia desempenha um papel de alta relevância na definição e descrição da
linguagem das crianças que receberão ou não um diagnóstico de TEA. Nessa perspectiva um
estudo realizado com crianças que receberam o diagnóstico e estavam em acompanhamento
fonoaudiológico, com reavaliações periódicas, buscou verificar, por meio de um checklist, a
frequência de ocorrência de cada função comunicativa realizada pelas crianças e suas formas
de expressão durante avaliação da pragmática (NEUBAUER e FERNANDES, 2013).
O preenchimento do checklist foi realizado pelas fonoaudiólogas que buscaram
comparar estatisticamente as respostas obtidas no checklist com o desempenho das crianças.
As pesquisadoras concluíram que a utilização de instrumentos simples e aplicáveis aos
familiares e terapeutas demonstra uma alternativa complementar para a avaliação
fonoaudiológica (NEUBAUER e FERNANDES, 2013).

Parent's Observations of Social Interactions (POSI)

O POSI é um questionário de triagem específica para o Transtorno do Espectro


Autista do Autismo, o seu objetivo é colher informações a respeito da observação dos pais
sobre a interação social dos seus filhos. O questionário é derivado do Survey of Wellbeing of
Young Children (SWYC), um instrumento de monitoramento do desenvolvimento infantil,
comportamental e de fatores de risco para crianças de até 65 meses, desenvolvido no ano de
2011 e validado dois anos depois para a população norte-americana. É considerado um
instrumento simples e de fácil aplicação e interpretação (PERRIN e SHELDRICK, 2016).
Em face da carência de instrumentos destinados para avaliação do desenvolvimento
infantil validados e disponíveis para utilização na prática clínica, pesquisadoras brasileiras
conduziram a tradução e adaptação transcultural do SWYC para o português brasileiro, além
de analisarem suas propriedades de medida (MOREIRA et al., 2019).
Após tradução para o português do Brasil, a análise da qualidade e validades dos itens
do questionário apresentou que a maioria dos itens contribuiu de forma significativa para
avaliação do desenvolvimento da criança, e os seus parâmetros foram considerados adequados
para utilização do instrumento no Brasil (MOREIRA et al., 2019).
Outra pesquisa, também realizada no Brasil com pais de crianças na faixa etária de 18
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a 48 meses, avaliadas em uma clínica de desenvolvimento, foi realizada a aplicação do POSI,


os scores foram comparados aos resultados da avaliação clínica para avaliar a confiabilidade e
validade do questionário (SMITH, SHELDRICK e PERRIN, 2013). Nesta mesma pesquisa,
outro grupo de pais de crianças de 16 a 36 meses que haviam recebido diagnóstico, também
foram submetidos a aplicação do questionário, dessa vez os escores foram comparados aos
diagnósticos relatados para avaliar a confiabilidade e validade (SMITH, SHELDRICK e
PERRIN, 2013).
Nas duas situações, o POSI apresentou boa confiabilidade interna e sensibilidade/
especificidade comparável à lista de verificação M-CHAT (LOSAPIO e PONDÉ, 2008;
ROBINS et al., 2001) em duas populações independentes, os pesquisadores concluíram que
se os resultados forem reproduzidos em amostras maiores e mais diversas, o questionário
pode fornecer um método eficiente para rastreamento de TEA em crianças pequenas (SÍCOLI
e NASCIMENTO, 2003).
Os serviços de diagnóstico e intervenção precoce atualmente têm atentando
cuidadosamente às opiniões das famílias das crianças diagnosticadas com TEA, acreditando
que as estratégias de intervenção que objetivam melhorias no desenvolvimento da criança
trazem resultados satisfatórios quando concentradas na criança em contexto familiar (ESTES
et al., 2015).
A busca por auxílio profissional associada a um olhar humanizado e atento às
necessidades das crianças, complementada pela utilização de instrumentos específicos para
essa população, podem ser decisivos para o desenvolvimento e auxiliar crianças e famílias a
receberem um diagnóstico preciso e em tempo hábil.
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OBJETIVOS

Objetivo Geral

Investigar a percepção materna a respeito das dificuldades comunicativas e do perfil


comunicativo de seus filhos com risco para TEA, antes e após uma intervenção breve baseada
em orientação via telemonitoramento.

Específicos

● Caracterizar a percepção dos cuidadores de crianças com risco para Transtorno do

Espectro Autista a respeito das dificuldades comunicativas dos seus filhos;

● Verificar se essa a percepção materna das dificuldades comunicativas se modifica após

uma intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento;

● Investigar a percepção materna a respeito das funções comunicativas dos seus filhos e

comparar com a avaliação fonoaudiológica.


23

ARTIGO I

Este estudo está apresentado em formato de comunicação breve e foi formatado de


acordo com as normas do periódico disponíveis em https://www.codas.org.br/instructions.
A CoDAS (Communication Disorders, Audiology and Swallowing) é uma revista
publicada bimestralmente pela Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, de acesso aberto, que
apresenta como missão contribuir para a propagação do conhecimento técnico e científico em
Ciências e Distúrbios da Comunicação e áreas associadas - especificamente nas áreas de
Linguagem, Audiologia, Voz, Motricidade Orofacial, Disfagia e Saúde Pública.
Este periódico foi escolhido por ser de origem nacional, e por seus artigos serem
avaliados por no mínimo dois pareceristas da área de conhecimento específica e com
comprovada produção científica. Atualmente, ele está classificado como o periódico nacional
da área com melhor indexação, tendo avaliação Qualis B1.
24

Dificuldades comunicativas percebidas por mães de crianças com suspeita de

Transtorno do Espectro Autista

RESUMO

Objetivo: Caracterizar a percepção das mães de crianças com risco para Transtorno do

Espectro Autista a respeito das dificuldades comunicativas dos seus filhos, e investigar se essa

percepção se modifica após intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Metodologia: Participaram do estudo 8 mães de crianças na faixa etária entre 32 e 45 meses

que apresentavam suspeita de TEA e estavam em processo de investigação diagnóstica. Para

obtenção dos dados foi utilizado o Questionário sobre Dificuldades Comunicativas (QDC). A

aplicação deste questionário ocorreu em dois momentos, antes e após intervenção baseada em

orientação por telemonitoramento. Resultados: A comparação da pontuação entre os dois

momentos não indicou presença de diferença estatística. Porém, a análise qualitativa indicou

que no domínio 1 duas questões tiveram uma mudança referente à moda. No domínio 2 houve

maior frequência de discordância nas questões pertinentes à sensação de outras pessoas

evitarem ou zombarem os seus filhos antes da intervenção (37,5% para 50% / 25% para 50%).

No domínio 3 a questão “Eu pego todos os objetos que meu filho aponta” passou de concordo

para discordo (62,5% para 25%). Já a questão “Eu não consigo ensinar coisas novas para meu

filho” não teve mudança na moda, apenas redução da concordância (50% para 25%). No

domínio 4 a questão referente à inadequação teve redução da concordância, sem mudança da

moda. Conclusões: As mães apresentaram mais respostas concordantes do que discordantes.

Foi possível observar modificações sutis sobre a maneira como estas mães percebem as

dificuldades após a intervenção.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Transtornos da Comunicação; Cuidadores;

Desenvolvimento Infantil; Desenvolvimento da Linguagem


25

Communication difficulties perceived by mothers of children with suspected Autism

Spectrum Disorder

Abstract

Objective: To characterize the perception of mothers of children at risk for Autism Spectrum

Disorder regarding their children's communicative difficulties, and to investigate whether this

perception changes after intervention based on brief guidance via telemonitoring.

Methodology: The study included 8 mothers of children aged between 32 and 45 months who

were suspected of having ASD and were in the process of diagnostic investigation. To obtain

the data, the Communicative Difficulties Questionnaire (QDC) was used. The application of

this questionnaire occurred in two moments, before and after intervention based on

telemonitoring guidance. Results: The comparison of scores between the two moments did

not indicate the presence of statistical difference. However, the qualitative analysis indicated

that in domain 1, two questions had a change regarding fashion. In domain 2, there was a

higher frequency of disagreement in the questions related to the feeling of other people

avoiding or mocking their children before the intervention (37.5% to 50% / 25% to 50%). In

domain 3, the question “I take all the objects that my child points out” changed from agree to

disagree (62.5% to 25%). The question “I can't teach my son new things” had no change in

fashion, only a reduction in agreement (50% to 25%). In domain 4, the question regarding

inadequacy had a reduction in agreement, without changing the mode. Conclusions: Mothers

had more concordant than discordant answers. It was possible to observe subtle changes in the

way these mothers perceive the difficulties after the intervention.

Keywords: Autistic Spectrum Disorder; Communication Disorders; Caregivers; Child

development; language development


26

Introdução

Alterações no desenvolvimento podem estar presentes já no primeiro ano de vida de

crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), sendo manifestadas através da ausência

de contato visual ou sorriso social, escassez de respostas interacionais (1). De acordo com os

critérios diagnósticos atuais, essas crianças irão apresentar déficits persistentes na

comunicação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou

atividades (2).

No que se refere à comunicação, as alterações vão desde a prejuízos relacionados à

expressão facial, atenção compartilhada e intenção comunicativa, atraso na produção das

primeiras palavras, presença de ecolalia, e em alguns casos há regressão da fala. Mesmo as

crianças com TEA que desenvolvem linguagem verbal, apresentam dificuldades na

funcionalidade comunicativa e comprometimento da competência pragmática (2,3).

As alterações comunicativas tornam-se um desafio para o desenvolvimento das

crianças e impactam na dinâmica familiar (4). A busca pelo diagnóstico na maioria das vezes

é iniciada quando os pais começam a perceber alterações no desenvolvimento de seus filhos,

em comportamentos que dificultam sua comunicação, interação ou seu desempenho em

atividades de vida diária (5).

Em algumas crianças os sinais clínicos deste transtorno estão presentes precocemente,

entretanto em outros casos, as características só se tornam evidentes com o aumento da

demanda comunicativa, o que pode ocasionar um atraso no diagnóstico e no acesso a

programas de intervenção e orientação familiar (6).

Pesquisas longitudinais apontam que comportamentos parentais responsivos predizem

de maneira confiável ganhos subsequentes nas habilidades comunicativas em crianças com

TEA. As pesquisas evidenciam ainda que a participação das mães nos processos de
27

intervenção de seus filhos com TEA proporciona um aumento na frequência de

compartilhamento de tópicos e atenção compartilhada da díade, apontando efeitos positivos

sobre as habilidades sociocomunicativas da mãe e criança (6).

Programas de intervenção têm sido desenvolvidos buscando capacitar os pais e

cuidadores como mediadores no processo de estimulação de seus filhos. Essas propostas de

intervenção terapêutica levam em consideração estratégias destinadas à ampliação da

consciência dos pais sobre sua função no desenvolvimento dos seus filhos (7).

Através da orientação e do desenvolvimento de programas de intervenção que incluem

as famílias, o fonoaudiólogo pode fornecer aos pais condições de assumirem papéis mais

ativos no estabelecimento de ambientes de comunicação apropriados para crianças com TEA

e que proporcionam experiências interativas bem-sucedidas (8).

Todavia, durante o distanciamento social decorrente da pandemia de COVID-19, a

dinâmica familiar de muitos lares foi alterada. Alguns familiares precisaram exercer suas

atividades laborais em casa, outros tiveram redução de salário ou perderam seus empregos.

Além disso, a privação de experiências sociais, surge como um fator de risco que pode ter

potencializado ou desencadeado dificuldades no desenvolvimento, visto que este sofre

influência de fatores biológicos, ambientais e socioeconômicos para que ocorra de forma

harmônica (9).

No período inicial da pandemia, os serviços considerados não essenciais ou eletivos,

que não se enquadravam em urgência e emergência, como no caso da reabilitação

fonoaudiológica ambulatorial foram suspensos. Com isso, muitas crianças e famílias que

estavam iniciando um processo de investigação ou intervenção diagnóstica ficaram sem

assistência presencial (10).

Nessa perspectiva, este estudo buscou caracterizar a percepção dos cuidadores de

crianças com risco para Transtorno do Espectro Autista a respeito das dificuldades
28

comunicativas dos seus filhos, além de investigar se essa percepção se modifica após uma

intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Métodos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário

Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (HUOL/UFRN), conforme

determinações da Resolução nº 466/13 do Conselho Nacional de Saúde, parecer 4.204.936.

Todas as mães que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e

Esclarecido – TCLE.

Os participantes foram oito mães de crianças na faixa etária entre 32 e 45 meses.

Todas estas crianças apresentavam sinais clínicos sugestivos de TEA e estavam em processo

de investigação diagnóstica com a equipe multiprofissional do Centro de Educação e Pesquisa

em Saúde Anita Garibaldi (CEPSAG) do Instituto Santos Dumont. Os critérios de inclusão

compreendiam ter filhos com pelo menos 2 anos e meio, além de ter acesso à smartphone ou

computador com internet.

No que se refere ao nível socioeconômico das famílias, classificado segundo o

Critério Brasil (11), as categorias B1, B2 e C1 foram as mais frequentes com 25% de

ocorrência cada, a variação foi de B1 a D-E. Quanto ao grau de instrução, 75% das mães

possuem ensino médio completo, 12,5% ensino fundamental e 12,5% ensino superior

completo.

Para responder ao objetivo do estudo foi utilizado o Questionário sobre Dificuldades

Comunicativas (QDC) (12), cuja finalidade é elencar as dificuldades percebidas por pais e/ou

cuidadores de crianças com TEA na comunicação com seus filhos. O foco deste instrumento

está diretamente relacionado à perspectiva do cuidador a respeito do impacto das dificuldades

comunicativas nas diversas situações de relacionamentos sociais.


29

O QDC é composto por 24 questões fechadas, cujas respostas podem variar entre

quatro possibilidades: concordo completamente - quando há concordância dominante;

concordo - quando há concordância, porém nem todas as vezes; discordo - quando há

discordância, porém nem todas as vezes; discordo completamente - quando há discordância

dominante. Para cada resposta é atribuída uma pontuação, variando de 3 pontos (concordo

completamente) até 0 ponto (discordo completamente).

Suas questões estão divididas em quatro domínios: (1) percepção das mães sobre elas

mesmas em relação aos seus filhos; (2) sensação das mães em relação a aceitação das pessoas

para com seus filhos; (3) ação das mães com seus filhos; e (4) percepção das mães em relação

aos seus filhos.

A aplicação deste questionário ocorreu em dois momentos. O primeiro foi após

entrevista inicial com a equipe e avaliação das crianças em formato presencial. Nesse

momento as mães já estavam cientes de todas as etapas do estudo e sua aplicação foi

conduzida em formato de entrevista por ligação telefônica. A segunda aplicação ocorreu com

intervalo de três meses, pois neste período as mães haviam participado de uma intervenção

baseada em orientação por telemonitoramento com equipe composta por uma fonoaudióloga e

uma neuropsicóloga. Vale destacar que as responsáveis pela intervenção não tiveram contato

prévio com as respostas do QDC e, portanto, o conteúdo abordado não foi baseado no

questionário. Após concluído o processo de intervenção, foi realizada nova aplicação do

questionário por entrevista telefônica.

As respostas das mães nos dois momentos foram tabuladas e classificadas de acordo

com a proposta do QDC (12). A pontuação final poderia variar entre 0 (todas as respostas

discordo completamente) e 72 pontos (todas as respostas concordo completamente).

O tratamento estatístico foi empreendido no software SPSS com nível de significância

de 5%. A análise descritiva das respostas considerou tanto a moda (resposta mais frequente)
30

em cada questão, quanto a porcentagem de concordância total (soma apenas das respostas

concordo completamente e concordo) em ambos momentos. A análise inferencial utilizou o

teste não paramétrico de postos de Wilcoxon para comparar a pontuação em cada domínio e

no geral nos dois momentos de aplicação.

Resultados

A análise qualitativa indicou que a maior parte das questões teve respostas

concordantes. No domínio 1 duas questões tiveram uma mudança referente à moda, sendo que

naquela referente às dificuldades para se comunicar com o filho quando há outras pessoas no

mesmo ambiente a moda era concordo e passou a ser discordo, além de ter havido redução na

concordância total (62,5% para 50%); já na questão “Eu não me sinto à vontade em lugares

públicos com meu filho” a moda passou de concordo completamente para concordo, com

concordância inicial 62,5% e final 75%.

Apesar de não ter havido mudança na moda, as questões “Eu tenho dificuldade em

brincar com meu filho” e “Eu não sei como agir quando meu filho não me entende ou quando

eu não o entendo” tiveram redução da concordância total. Enquanto a questão “Eu fico

incomodada com a apatia/agitação do meu filho” teve aumento nesse parâmetro (Tabela 1).

No domínio 2, as questões relacionadas à impressão de outras pessoas zombarem ou

evitarem o filho tiveram moda discordo inicialmente e depois concordo, em ambas a

concordância total aumentou. Já a questão relacionada à percepção de estranhamento teve

mudança apenas na moda, que era concordo e passou a concordo completamente (Tabela 1).

No domínio 3 a questão “Eu pego todos os objetos que meu filho aponta” passou de

concordo a discordo, com redução da concordância total de 62,5% para 25%. Já a questão “Eu

não consigo ensinar coisas novas para meu filho” não teve mudança na moda, mas também

reduziu a concordância de 50% para 25%. Por fim, no domínio 4 apenas a questão referente à
31

inadequação teve redução da concordância, sem mudança da moda (Tabela 1).

A comparação entre os dois momentos de aplicação do QDC não indicou presença de

diferença estatística em nenhum dos quatro domínios ou na pontuação geral (Tabela 2).

Tabela 1. Moda da resposta mais frequente e porcentagem de concordância total nos dois
momentos de aplicação do QDC (continua)

Concordância Concordância
Moda 1º Moda 2º
Domínio Questão total 1º total 2º
momento momento
momento (%) momento (%)

Eu não sei como agir com alguns


Concordo Concordo 62,5 62,5
comportamentos do meu filho

Eu tenho dificuldade em me comunicar com


Discordo Discordo 25 25
meu filho quando estamos somente nós dois

Eu tenho dificuldades em me comunicar


com meu filho quando tem outras pessoas no Concordo Discordo 62,5 50
mesmo ambiente

Eu tenho dificuldade em brincar com meu


Concordo Concordo 75 62,5
filho

Eu tenho dificuldade em entender o que meu


Concordo Concordo 87,5 87,5
filho quer

Eu tenho dificuldade em entender o que meu


Concordo Concordo 87,5 87,5
1 filho sente
Concordo Concordo
Eu não sei como agir quando meu filho não
completament completam 75 62,5
me entende ou quando eu não o entendo
e ente
Concordo
Eu não me sinto à vontade em lugares
completament Concordo 62,5 75
públicos com meu filho
e
Concordo Concordo
Eu me preocupo com o futuro do meu filho completament completam 100 100
e ente
Eu fico chateado quando percebo que meu
Discordo Discordo 37,5 37,5
filho não inicia a comunicação
Eu fico incomodada com a apatia/agitação
Concordo Concordo 62,5 75
do meu filho
Concordo Concordo
Eu gostaria de ter mais informações sobre
completament completam 100 100
como me comunicar com meu filho
e ente
32

Concordância Concordância
Moda 1º Moda 2º
Domínio Questão total 1º total 2º
momento momento
momento (%) momento (%)
Concordo Concordo
Eu tenho a impressão de que as pessoas não
completament completam 87,5 87,5
entendem o que meu filho deseja comunicar
e ente
Eu tenho a impressão de que as pessoas
zombam do meu filho quando ele deseja Discordo Concordo 37,5 50
comunicar algo
2
Eu tenho a impressão de que as pessoas
Discordo Concordo 25 50
evitam meu filho

Concordo
Eu percebo que os outros estranham meu
Concordo completam 62,5 62,5
filho
ente
Concordo Concordo
Eu não sei como agir com alguns
completament completam 87,5 87,5
comportamentos do meu filho
e ente
Eu pego todos os objetos que meu filho
Concordo Discordo 62,5 25
aponta
3 Concordo Concordo
Eu sempre converso com meu filho, mesmo
completament completam 87,5 87,5
que ele não converse comigo
e ente

Eu não consigo ensinar coisas novas para


Discordo Discordo 50 25
meu filho

Eu tenho a impressão de que meu filho não


Concordo Concordo 87,5 87,5
compreende o que eu digo

Eu tenho a impressão de que meu filho não


Concordo Concordo 87,5 87,5
compreende o que as outras pessoas dizem
4 Eu percebo que meu filho fala/faz coisas
que não tem a ver com o momento e/ou Discordo Discordo 50 37,5
assunto
Concordo Concordo
Eu tenho a impressão de que meu filho tem
completament completam 87,5 87,5
poucos amigos
e ente
33

Tabela 2. Comparação entre a pontuação no QDC nos dois momentos de aplicação.

Intervalo
Variável Momento Mínimo Máximo Mediana interquartil p
1 19 28 22,5 19,3 26,5
Domínio 1 0,260
2 18 28 24,0 20,5 26,5
1 2 11 6,0 5,3 7,0
Domínio 2 0,131
2 2 10 7,0 6,0 10,0
1 6 9 8,0 6,3 8,8
Domínio 3 0,705
2 6 10 8,0 6,3 8,8
1 6 10 8,0 7,0 9,8
Domínio 4 0,854
2 3 11 8,5 7,3 9,0
1 38 56 43,5 38,8 50,8
QDC geral 0,258
2 36 54 46,5 40,0 53,8
* diferença estatística (p<0,05) – teste não paramétrico de postos de Wilcoxon

Discussão

Os resultados deste estudo apresentam a caracterização da percepção que as mães de

crianças com risco para Transtorno do Espectro Autista possuem a respeito das dificuldades

comunicativas dos seus filhos, além de comparar se essa percepção se modificou após uma

intervenção baseada em orientação breve via telemonitoramento.

Analisando os resultados nos dois momentos de aplicação do questionário, pode-se

observar que as respostas das mães foram mais concordantes do que discordantes, sobretudo

após a intervenção. Não houve diferença estatística na pontuação geral e nos domínios entre

os momentos, contudo, a análise qualitativa do estudo sugere discretas modificações na

percepção das cuidadoras. Vale ressaltar que não encontramos na literatura estudos que

comentassem sobre a análise da pontuação do questionário. Esse fato provavelmente é

consequência de o QDC se propor a analisar aspectos que são qualitativos.

A análise do primeiro domínio, que representa o nível pessoal e refere-se ao que as


34

mães percebem da relação comunicativa com seus filhos(12), apontou que antes da

intervenção a maioria das mães concordou que sentiam dificuldades para se comunicar com

seus filhos na frente de outras pessoas, já após a intervenção houve redução na concordância.

Do mesmo modo, a frequência de respostas com concordância plena referente a ação de não

se sentirem à vontade em lugares públicos com seus filhos, também foi reduzida.

A literatura evidencia que além de apresentarem dificuldades comunicativas, em

algumas situações crianças com TEA podem apresentar comportamentos externalizantes(13),

para estas mães nessas situações torna-se ainda mais difícil conduzir a comunicação com seus

filhos, todavia com a orientação breve sentimos leve modificação nesta percepção.

Ainda no domínio 1, outra informação relevante foi a redução da concordância das

mães em relação à presença de dificuldade para conduzir brincadeiras com os seus filhos e

que não sabem como agir com a criança quando ela não compreende ou não é compreendida.

Apesar da intervenção baseada em orientação ter ocorrido de maneira breve e via

telemonitoramento, foi possível observar pequenas modificações nas respostas das mães,

através da redução na concordância das afirmativas. A orientação específica aos pais pode

fornecer estratégias para o desenvolvimento de seus filhos e oferecer ajuda para lidar com as

dificuldades(14).

No segundo domínio pudemos identificar pequenas modificações na maneira como as

mães percebem que as outras pessoas observam os seus filhos. Antes da intervenção houve

maior frequência de discordância nas questões referentes à sensação de outras pessoas

evitarem ou zombarem os seus filhos, após a intervenção as respostas passaram a ter maior

frequência de concordância. Ao fazer este questionamento no primeiro momento de aplicação

do questionário, a maioria das mães relatou não ter observado anteriormente o estranhamento
35

das pessoas. Já no segundo momento, houve relato de maior percepção. Vale salientar que nas

duas situações, estas famílias estavam em isolamento social.

Esta informação nos mostra que após serem questionadas, as mães podem ter passado

a refletir e a observar, de maneira mais direcionada e atenta, os comportamentos dos seus

filhos e como as outras pessoas agem em relação a estes comportamentos ou dificuldades.

O terceiro domínio, está relacionado à ação das mães a respeito das dificuldades

comunicativas que seus filhos apresentam, ou seja, como elas atuam frente a maneira como

seus filhos se comunicam(12). Antes da intervenção, a maioria das mães concordaram que o

ato da criança apontar para algo era suficiente para entregar algum objeto, após a intervenção

apenas um quarto delas mantiveram essa resposta. Além disso, antes da intervenção, metade

das mães relataram apresentar dificuldade para ensinar coisas novas para os seus filhos, após a

intervenção um quarto delas relatou tal dificuldade.

Neste domínio, identificou-se modificações relevantes nas respostas das mães, pois foi

possível observar que estas passaram a compreender sobre como suas ações podem

influenciar no desempenho da comunicação dos seus filhos, de maneira positiva ou negativa,

como é identificado na literatura(7).

No último domínio, não houve mudanças significativas, apenas uma redução da

concordância após a intervenção a respeito da percepção das mães sobre ações ou falas dos

seus filhos que são inapropriadas para determinadas situações.

Os domínios 1 e 3 que se referem ao nível pessoal e interpessoal apresentaram maiores

modificações nas respostas das mães, já os domínios 2 e 4 tiveram modificações mais sutis

em suas respostas.
36

Essas informações nos trazem respostas que apontam para o fato das orientações terem

provocado modificações sobre a maneira como as mães observam suas relações

comunicativas com seus filhos, e as suas atitudes a respeito das dificuldades comunicativas

que seus filhos apresentam do que na maneira como percebem que as outras pessoas

observam os seus filhos e/ou sobre suas próprias impressões em relação a eles.

A literatura da área revela que estudos semelhantes são escassos, sobretudo na esfera

regional, sendo esta pesquisa neste formato pioneira no Nordeste. Algumas de suas limitações

consistem no número de sujeitos da amostra, a ausência de um grupo controle e o tempo

restrito entre as aplicações do questionário. Porém, a partir de seus resultados, é possível

verificar pontos críticos para intervenção direcionada a mães de crianças com dificuldades

comunicativas, pensando que o investimento em estratégias de orientação pode proporcionar

ganhos, especialmente quando as mães ainda aguardam diagnóstico ou intervenção com seus

filhos.

A execução desse estudo também traz contribuições para a prática clínica, pois para o

fonoaudiólogo é importante compreender como as mães de crianças com dificuldades

comunicativas percebem e encaram a comunicação.

Conclusão

As mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro Autista apresentaram mais

respostas concordantes a respeito das dificuldades comunicativas dos seus filhos do que

discordantes, o que evidencia que estas mães percebem as dificuldades que seus filhos

possuem para se comunicar, suas atitudes frente a estas dificuldades, sobre como percebem

que as outras pessoas observam os seus filhos, e sobre suas próprias impressões sobre eles.

Além disso, foi possível observar modificações sutis sobre a maneira como estas mães
37

percebem e lidam com estas dificuldades após uma intervenção baseada em orientação breve

via telemonitoramento.

Referências

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pelos pais. Psicol Teor e Pesqui. 2014;30(1):25–33.

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studies of social and pragmatic language therapy. Child Lang Teach Ther. 2005;21(3):227–50.

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5. Bejarano-Martín Á, Canal-Bedia R, Magán-Maganto M, Fernández-Álvarez C,

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2019;(0123456789). Available from: https://doi.org/10.1007/s10803-019-04253-0

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Recommendations for Practice and Research abstract. Pediatrics. 2017;136.

7. Jéssica Jaíne Marque de O, Carlo S, Daniele Pincolini P. Intervenção implementada


38

pelos pais e empoderamento parental no Transtorno do Espectro Autista. Psicol Esc e Educ.

2020;1–10.

8. Barbosa1 MRP, Fernandes FDM. Remote follow-up to speech-language intervention

for children with Autism Spectrum Disorders (ASD): parents ’ feedback regarding structured

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9. Figueiredo MDO, Alegretti AL. COVID-19 e desenvolvimento infantil : material

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10. Dreux F, Fernandes M, Lopes-herrera SA, Paula A, Souza R De, Machado FP, et al.

Uso de telessaúde por alunos de graduação em Fonoaudiologia : possibilidades e perspectivas

em tempos de pandemia por COVID-19. 2020;1782(4):3–5.

11. ABEP. Criteria Brazil 2015 and update of the distribution of classes for 2016. Assoc

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12. Balestro JI, Fernandes FDM. Questionário sobre dificuldades comunicativas

percebidas por pais de crianças do espectro do autismo. Rev da Soc Bras Fonoaudiol.

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13. Rocha CC, Mariane S, Souza V De, Costa AF. O perfil da população infantil com

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Especializado em Reabilitação de uma cidade do Sul do Brasil. 2019;29(4):1–20.

14. Paula A, Cássia R De, Rodriguez C. Benefícios e Nível de Participação na Intervenção

Precoce: Perspectivas de Mães de Crianças com Perturbação do Espetro do Autismo. Rev

Bras Educ Espec. 2017;505–16.


39

ARTIGO II

Este estudo está apresentado em formato de comunicação breve e foi formatado de


acordo com as normas do periódico disponíveis em
http://www.audiolcommres.org.br/pdf/normas_1_1.pdf.
A Audiology - Comunication Research (ACR) é um periódico de acesso aberto, com
publicação bilíngue (Português/inglês) e exclusivamente online. É uma publicação
técnico-científica da Academia Brasileira de Audiologia (ABA), continuação da Revista da
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia (RSBF). Seu objetivo é a divulgação da produção
científica sobre temas relevantes de Audiologia, Distúrbios da Comunicação Humana e áreas
afins.
A escolha do periódico ocorreu pela sua origem nacional, de relevância para a
Fonoaudiologia e por seus artigos serem avaliados por no mínimo dois pareceristas da área de
conhecimento específica e com comprovada produção científica.
40

Percepção das mães sobre o perfil comunicativos dos seus filhos com suspeita de

Transtorno do Espectro Autista

Resumo

Introdução: Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam prejuízos nas

habilidades relacionadas ao uso funcional da linguagem. A gravidade dos indicadores clínicos

de risco para este transtorno se concentra em duas dimensões principais: social e não social. A

identificação precoce de prejuízos nas habilidades comunicativas pode favorecer o

diagnóstico e intervenção, portanto o olhar atento e qualificado da família apresenta potencial

nesse processo. Objetivo: Investigar a percepção materna a respeito das funções

comunicativas dos seus filhos e comparar com a avaliação fonoaudiológica. Método:

Participaram do estudo oito mães de crianças na faixa etária entre 32 e 45 meses que

apresentavam suspeita de TEA e estavam em processo de investigação diagnóstica. Para

obtenção dos dados foram utilizados o checklist baseado no Perfil Funcional da Comunicação

(PFC) e o próprio perfil a partir da avaliação da pragmática. As avaliações ocorreram em dois

momentos, pré e pós intervenção breve baseada em orientação por telemonitoramento.

Resultados: As funções de Pedido de Informação (PI), Comentário (C), Auto-Regulatório

(AR) e Narrativa (N) são majoritariamente percebidas como ausentes nos dois momentos. Já

as funções Performativo (P), Reativo (R) e Expressão de Protesto (EP) estão entre aquelas

mais apontadas como frequentes. Não houve significância entre a confiabilidade da percepção

da mãe e a avaliação fonoaudiológica em nenhum dos momentos considerados. Conclusão:

As mães pontuaram que os seus filhos apresentam maior frequência de atos comunicativos

considerados menos interpessoais e que as funções que representam habilidades interacionais

estão em sua maioria ausentes.


41

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Transtornos da Comunicação; Cuidadores;

Desenvolvimento Infantil; Desenvolvimento da Linguagem


42

Mothers' perception of the communicative profile of their children with suspected

Autism Spectrum Disorder

Abstract

Introduction: Children with Autistic Spectrum Disorder (ASD) have impairments in skills

that refer to the functional use of language. The severity of clinical risk indicators for this

disorder is concentrated in two main dimensions: social and non-social. The early

identification of impairments in communication skills can favor diagnosis and intervention, so

the attentive and qualified look of the family has potential in this process. Objective: To

investigate the maternal perception of their children's communicative functions and compare

it with the speech-language assessment. Method: Eight mothers of children aged between 32

and 45 months who were suspected of having ASD and who were in the process of diagnostic

investigation participated in the study. To obtain the data, a checklist based on the Functional

Communication Profile (PFC) and the profile itself from the pragmatic assessment were used.

The evaluations took place in two moments, before and after a brief intervention based on

telemonitoring guidance. Results: The Information Request (PI), Comment (C),

Self-Regulatory (AR) and Narrative (N) functions are mostly perceived as absent in both

moments. The functions Performative (P), Reactive (R) and Expression of Protest (EP) are

among those most frequently mentioned. There was no significance between the reliability of

the mother's perception and the speech-language assessment in any of the considered

moments. Conclusion: Mothers pointed out that their children have a higher frequency of

communicative acts considered less interpersonal and that functions that represent

interactional skills are mostly absent.


43

Keywords: Autistic Spectrum Disorder; Communication Disorders; Caregivers; Child

development; language development


44

Introdução

Crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam dificuldades para

desenvolver a linguagem de maneira geral. As alterações ocorrem em níveis diferentes, e suas

manifestações são heterogêneas. Contudo, há habilidades que pontualmente estão

prejudicadas nesta população e que se referem ao uso funcional da linguagem (1).

As habilidades pragmáticas são relevantes no prognóstico de indivíduos

diagnosticados com TEA (2). A gravidade dos indicadores clínicos de risco se concentra em

duas dimensões principais: social (comunicação e interação) e não social (padrões restritos e

repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades) (1, 3).

As habilidades de comunicação social referem-se ao uso funcional da linguagem,

considerando seus aspectos verbais, não-verbais e ambientais, tendo como fator principal a

interação (4). Os primeiros atos comunicativos são representados por meio de gestos, contato

visual, vocalizações e ações não-verbais (5).

Estas habilidades ocorrem no início do desenvolvimento e podem surgir como as

primeiras preocupações das famílias que buscam por auxílio profissional. Contudo, no

contexto da pandemia de Covid-19, devido ao distanciamento social, crianças que estavam em

processo de avaliação diagnóstica sofreram interrupção da investigação devido a suspensão

dos atendimentos presenciais (6).

Nessa perspectiva, o presente estudo buscou investigar a percepção que as mães

possuem a respeito das funções comunicativas dos seus filhos, bem como verificar se essa

percepção é compatível com a avaliação fonoaudiológica.


45

Métodos

Esta pesquisa possui aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital

Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(HUOL/UFRN), conforme determinações da Resolução nº 466/13 do Conselho Nacional de

Saúde, parecer 4.204.936. As mães participantes do estudo assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE .

A amostra é composta por oito mães de crianças com sinais clínicos sugestivos de

TEA e na faixa etária entre 32 e 45 meses. As crianças estavam em processo de investigação

diagnóstica com equipe multiprofissional de um centro de referência. Para participarem do

estudo as mães precisavam ter acesso à smartphone ou computador com internet, e seus filhos

deveriam ter no mínimo dois anos e seis meses de idade.

Apesar da faixa etária das crianças ser superior ao estipulado para sua aplicação, o

Parent's Observations of Social Interactions (POSI) (7) foi utilizado para confirmar a

presença de sinais indicativos de TEA, visto que há evidência de boa confiabilidade interna e

este é um instrumento com potencial eficiência diagnóstica. Todos os sujeitos tiveram

pontuação superior a 3, variando de 4 (12,5%) a 7 (37,5%), ou seja, apresentavam perfil

característico de TEA.

No que se refere ao grau de escolaridade, 75% das mães possuem ensino médio completo,

12,5% ensino fundamental e 12,5% ensino superior completo. Quanto ao nível

socioeconômico, classificado segundo o Critério Brasil (8), a variação das categorias foi de

B1 a D-E, sendo B1, B2 e C1 as mais frequentes com 25% de ocorrência cada.

Para responder ao objetivo do estudo foram utilizados o checklist derivado do Perfil

Funcional da Comunicação (PFC) (9) e o perfil baseado na avaliação da pragmática (10). O


46

checklist investiga tanto os meios comunicativos, quanto as funções comunicativas pessoais e

interpessoais. Seu objetivo é analisar como os respondentes, originalmente fonoaudiólogos,

consideram que a criança utiliza a linguagem como ferramenta para a comunicação. Neste

estudo, o checklist foi aplicado com as mães e em dois momentos em formato de entrevista

por ligação telefônica. O primeiro ocorreu após as mães passarem por entrevista inicial e os

seus filhos serem avaliados presencialmente. Após um intervalo de três meses, foi realizado

novo contato para o segundo momento de aplicação. Durante este intervalo, as mães foram

inseridas em uma intervenção breve baseada em orientação por telemonitoramento.

O Perfil Funcional da Comunicação é um protocolo de avaliação dos aspectos

pragmáticos, em sua análise é considerada toda e qualquer maneira de comunicação, seja em

forma de gesto ou som compreendido pelo interlocutor como uma função de linguagem (10).

A avaliação da pragmática também ocorreu em dois momentos, o primeiro ocorreu através da

interação das crianças com as mães no centro de referência, e o segundo momento ocorreu em

casa por meio da gravação de um vídeo em que as mães interagiam com os seus filhos.

Em ambos os instrumentos são consideradas 20 funções comunicativas, a saber:

Pedido de objeto (PO), Pedido de ação (PA), Pedido de Rotina Social (PS), Pedido de

Consentimento (PC), Pedido de Informação (PI), Protesto (PR), Reconhecimento do Outro

(RO), Exibição (E), Comentário (C), Nomeação (N), Exclamativo (EX), Narrativa (NA),

Expressão do Protesto (EP), Jogo Compartilhado (JC), Auto-Regulatório (AR), Performativo

(PE), Reativo (RE), Não-Focalizado (NF), Jogo (J), Exploratória (XP).

Após análise dos instrumentos, foi necessário padronizar as respostas de forma que

estas se tornassem comparáveis. Para o checklist as respostas foram transformadas em número

que variou de 1 a 4, sendo atribuído 1 para “nunca”, 2 para “raramente”, 3 para “na maioria

das vezes” e quatro para “sempre”. No caso do PFC, foi calculada a porcentagem de
47

ocorrência de cada função para cada sujeito e os valores foram transformados de acordo com

a seguinte classificação: quando nenhuma ocorrência foi registrada, classificamos como

"nunca"; ocorrência variando entre 1 e 25%, "raramente"; 26 a 74%, "muitas vezes"; e, a

partir de 75%, "sempre".

Para análise estatística foi utilizado o software SPSS versão 24. A análise descritiva

considerou a porcentagem de resposta para cada alternativa (escala de Likert), já a análise

inferencial comparou a confiabilidade entre a avaliação do checklist (mãe) e do PFC

(fonoaudióloga) por meio do teste Kappa ponderado com peso linear. O nível de significância

adotado foi de 5%.

Resultados

Ao analisar a frequência de resposta das mães sobre cada função foi possível notar que

pedido de consentimento, pedido de informação, comentário, auto-regulatório e narrativa são

majoritariamente percebidas como ausentes nos dois momentos. Já as funções performativo,

reativo e expressão de protesto estão entre aquelas mais apontadas como frequentes (Tabela

1).
48

Tabela 1. Distribuição de frequência de cada possível resposta para cada uma das 20 funções

comunicativas do checklist.

pré pós
Função muitas
nunca raramente vezes frequentemente nunca raramente muitas vezes frequentemente
PO 0,0 25,0 25,0 50,0 0,0 25,0 37,5 37,5
PA 12,5 12,5 50,0 25,0 12,5 25,0 50,0 12,5
PS 12,5 12,5 37,5 37,5 12,5 0,0 50,0 37,5
PC 100,0 0,0 0,0 0,0 87,5 12,5 0,0 0,0
PI 75,0 25,0 0,0 0,0 75,0 25,0 0,0 0,0
PR 0,0 0,0 50,0 50,0 12,5 12,5 50,0 25,0
RO 25,0 25,0 25,0 25,0 25,0 37,5 0,0 37,5
E 25,0 12,5 25,0 37,5 25,0 25,0 37,5 12,5
C 62,5 12,5 12,5 12,5 50,0 25,0 12,5 12,5
AR 87,5 0,0 12,5 0,0 75,0 12,5 12,5 0,0
N 25,0 12,5 25,0 37,5 12,5 12,5 50,0 25,0
PE 12,5 0,0 25,0 62,5 0,0 12,5 37,5 50,0
EX 37,5 12,5 12,5 37,5 37,5 37,5 0,0 25,0
RE 0,0 12,5 12,5 75,0 12,5 12,5 0,0 75,0
NF 12,5 25,0 37,5 25,0 12,5 37,5 25,0 25,0
J 12,5 25,0 25,0 37,5 0,0 25,0 37,5 37,5
XP 50,0 25,0 0,0 25,0 37,5 12,5 25,0 25,0
NA 75,0 25,0 0,0 0,0 62,5 25,0 0,0 12,5
EP 12,5 0,0 12,5 75,0 0,0 12,5 37,5 50,0
JC 0,0 37,5 50,0 12,5 0,0 62,5 25,0 12,5

Ao analisar a confiabilidade entre a avaliação da mãe e da fonoaudióloga não houve

significância estatística nas comparações, exceto para exploratório no momento pré (p=0,027)

e jogo no momento pós (p=0,008). Entretanto, em ambos os casos a interpretação seria fraca

(Tabela 2).
49

Tabela 2. Confiabilidade entre a avaliação do checklist (mãe) e do PFC (fonoaudióloga) para

cada função nos dois momentos.

Função pré pós

PO - -
PA 0,04 0,00
PS - 0,10
PC - -
PI 0,60 0,30
PR 0,00 0,14
RO 0,05 -
E 0,04 -
C 0,11 0,13
AR 0,43 0,17
N 0,06 0,00
PE 0,03 0,00
EX - 0,08
RE 0,00 0,00
NF 0,02 0,05
J 0,10 0,35*
XP 0,43* 0,00
NA - -
EP 0,04 0,00
JC 0,00 0,36

Legenda: Pedido de objeto (PO), Pedido de ação (PA), Pedido de Rotina Social (PS), Pedido de Consentimento
(PC), Pedido de Informação (PI), Protesto (PR), Reconhecimento do Outro (RO), Exibição (E), Comentário (C),
Nomeação (N), Exclamativo (EX), Narrativa (NA), Expressão do Protesto (EP), Jogo Compartilhado (JC),
Auto-Regulatório (AR), Performativo (PE), Reativo (RE), Não-Focalizado (NF), Jogo (J), Exploratória (XP).

* diferença estatística (p<0,05) - teste Kappa ponderado

Discussão

Esta pesquisa apresentou resultados que caracterizam a funcionalidade da

comunicação de crianças com risco para Transtorno do Espectro Autista, por meio da

perspectiva materna, além de apresentar comparação da percepção destas mães com os

resultados obtidos na avaliação fonoaudiológica.


50

Analisando as respostas das mães, observou-se que não houve menção quanto as

funções comunicativas de Comentário, que ocorre quando a criança mostra ou fala coisas

sobre elas, e de Pedido de Informação, que ocorre quando a criança faz perguntas.

Essas funções representam habilidades de expressão de pensamentos, interação entre

interlocutor e falante, e direcionamento da demonstração de desejos. Logo, observa-se que

nesta população há prejuízo evidente nas habilidades diretivas e interacionais da comunicação

(9, 11).

Houve maior frequência de funções comunicativas consideradas menos interpessoais,

como no caso da função Performativo, que acontece quando a criança brinca e imita gestos ou

sons de forma convencional, Reativo, quando há reação a estímulos ambientais e Expressão

de Protesto, que refere-se a ação de demonstrar descontentamento em relação a algo (9).

Foi possível observar que as mães participantes deste estudo apresentaram percepção

compatível com o que já foi identificado na literatura, que aponta que indivíduos com TEA

apresentam funções comunicativas não interpessoais mais frequentes (9;11;12).

No que se refere a comparação dos dados obtidos por meio da avaliação

fonoaudiológica com as respostas das mães, este estudo corrobora com a literatura e evidencia

que o uso do checklist não é indicado como meio de substituir a avaliação da pragmática (9).

Apesar das mães pontuarem características que se aproximam dos sinais clínicos identificados

nas crianças, estas demonstraram não compreender assertivamente sobre as funções

comunicativas não verbais.

Esses dados apontam para a possibilidade do uso do checklist com as mães servir

como um meio de entender o quanto estas mães compreendem sobre a comunicação dos seus
51

filhos para subsidiar programas de orientações direcionados.

A revisão de literatura revela escassez de estudos com temática na população

nacionalmente, sobretudo na esfera regional. Por ser um estudo inicial e pioneiro no Nordeste

apresenta algumas limitações, como o tamanho reduzido da amostra, ausência de um grupo

controle que não fosse submetido à intervenção e acesso às informações referentes ao meio

que as crianças utilizam para expressar as funções comunicativas.

Entretanto, os resultados desta pesquisa podem contribuir para a prática clínica no que

se refere à relevância do acolhimento das informações trazidas pelas mães sobre a maneira

como observam as funções comunicativas dos seus filhos, este conhecimento pode fornecer

informações direcionadas para elaboração de orientações específicas.

Conclusão

As mães de crianças com risco para Transtorno do Espectro Autista pontuaram que os

seus filhos apresentam maior frequência de atos comunicativos considerados menos

interpessoais e que as funções que representam habilidades interacionais estão em sua maioria

ausentes. O uso do checklist com as mães pode fornecer informações relevantes aos

fonoaudiólogos sobre a maneira como as famílias identificam e compreendem as funções

comunicativas, dando suporte para o planejamento de orientações direcionadas.


52

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54

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Essa dissertação estudou como as mães de crianças com risco para o Transtorno do
Espectro Autista percebem as dificuldades comunicativas dos seus filhos e comparou essa
percepção antes e após a mães passarem por intervenção baseada em orientação por meio de
telemonitoramento, aplicando-se um questionário sobre dificuldades comunicativas. Além
disso, foi observado se a maneira como as mães percebem a comunicação dos seus filhos foi
compatível com as informações encontradas na avaliação fonoaudiológica das crianças.

No primeiro estudo, apesar da aplicação do questionário e a orientação terem ocorrido


através de telemonitoramento, foi possível concluir que as informações passadas pelas mães
significam que estas possuem boa percepção das dificuldades dos seus filhos, e ainda assim
em alguns aspectos, pôde-se notar a diferenciação desta percepção após intervenção. Esta
pesquisa evidencia que conhecer a maneira como as mães percebem e agem a respeito das
dificuldades dos seus filhos pode nortear programas de intervenção e/ou orientações eficazes
para esta população. Contudo, são necessários aprimoramentos na metodologia, sobretudo no
que diz respeito ao tamanho da amostra e ao tempo de orientação.

No segundo estudo foi considerada a aplicação de um instrumento com as mães para


compreender como estas observam as funções comunicativas dos seus filhos, além de
comparar estas informações com os dados obtidos na avaliação fonoaudiológica. Nesta
pesquisa foi possível perceber a relevância do acolhimento das mães e das informações
trazidas por elas, referentes a maneira como observam que os seus filhos se comunicam, este
conhecimento pode oferecer suporte para o planejamento de orientações direcionadas.
55

IMPACTO SOCIAL

A partir dos resultados da dissertação foi possível observar impactos sociais


relevantes. O estudo contribui para a prática clínica e condução do acompanhamento das
famílias participantes das pesquisas. Os dados referentes à percepção das mães sobre as
dificuldades comunicativas dos seus filhos fornecem informações significativas aos
profissionais que darão continuidade ao processo de intervenção dos casos, ao saberem quais
orientações serão necessárias fornecer a essas famílias para ajudarem no processo de
desenvolvimento dos seus filhos.

Além disso, evidencia-se ainda a prática clínica associada à pesquisa, pois apresenta a
eficácia de instrumentos de baixo custo para realizar monitoramento de orientação aos pais de
crianças com dificuldades comunicativas. No que se refere ao contexto da pandemia, esse
estudo proporcionou acompanhamento de crianças que estavam em processo de avaliação
diagnóstica e o mesmo foi interrompido devido ao distanciamento social, logo o estudo
proporcionou o acolhimento e orientação a estas famílias.
56

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Recommendations for Practice and Research abstract. PEDIATRICS, v. 136, 2017.
61

ANEXOS

Anexo A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


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Anexo B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


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