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Albertonoquena

O MUNDO CAÍDO DE ZOEY


Copyright do texto © 2020 by Emanuel de Morais 2

Grafia não sujeita a mais recente actualização do Acordo


Ortográfico

Título original
O mundo caído de Zoey

Capa
Emanuel de Morais

Ano: 2020
Huambo, Angola
Telefone: +244 922 191 306\ +244 939 070 675
Correio electrónico: emanuelmorais100@gmail.com

Advretênvias: A história, os eventos, bem como os personagens

aqui retratados são meramente fictícios, não devendo ser

confundidos com quaisquer situações da vida real. Qualquer

semelhança com a vida real deve ser entendida como mera

coincidência. O uso inapropriado, a simples reprodução ou quaisquer

outros actos ilícitos, por quem quer que seja, será passível de

procedimento judicial, bem como acompanhado de reponsabilidade

criminal. DIGA NÃO AO PLÁGIO


Acerca do autor 3

Emanuel de Morais Teófilo, comumente “Emanuel”, jovem apaixonado pelo


mundo das letras, é natural da Província da Huíla, mas as circunstâncias da vida
fizeram com que ainda co um ano de vida viesse viver para a província do
Huambo, onde acabou por se encantar e passou a considerá-la como sua casa.
Ainda com a jovialidade a correr nas veias, tendo só 21 anos de idade, apaixonou-
se pela leitura lendo “As 21 Irrefutáveis leis da liderança, de John Maxwel”. Seu
primeiro contacto com a escrita veio por meio de um TPC, no ano de 2018:
-“Lembro-me que a minha professora de Língua Portuguesa pediu que
escrevéssemos alguns poemas, depois de escrever e declmar o meu, vi que afinal
tinha um pouquinho de jeito para a coisa. E assim comecei a escrever pequenos
poemas, dos poemas passei as histórias. HUAMBO, 2021.
Sendo este o primeiro livro que resolve publicar, o autor espera surpreender os
leitores com a sua história, em particular em romper com as barreiras do
preconceito.
- Confesso que estou repleto de cepticismo quanto a repercussão desta história.
Confesso também que tenho escritas outras dezenas de histórias que, para mim,
são dez vezes melhor que esta. Mas resolvi trazer à tona uma situação emergente
na nossa sociedade, no intuto de deixar claro que todos têm o direito de amar seja
quem for. HUAMBO, 2022.
4

...sem ter tido um passado, com um presente marcado pela


escravidão aos desejos Lira, Zoey busca por uma felicidade que
jamais encontrará nos padrões do que o mundo acha normal.
5
Capítulo I 6

O COMEÇO DO FIM
7

Aquela tarde de sábado não podia ser mais perfeita para a família de
Martha. Nada como desfrutar das férias em comunhão.
Era uma tarde como todas outras, Martha e Luís deliciavam da bela
vista do parque Houston XV enquanto sua filha, Zoey, corria numa
infrutífera tentativa de caçar uma borboletinha... A felicidade daquela
família era de invejar quem quer que para ela olhasse. A atenção de
Zoey fora-lhe completamente roubada por aquela borboleta de asas
alaranjadas. Entre sorrisos e brincadeirinhas o clima de perfeição só
parecia aumentar, era uma euforia que até transbordava.
Aquela doce menina não podia prever o que estava prestes a
acontecer.
O sorriso de Martha esmoreceu quando ouviu os gritos de Zoey, correu
sem hesitar e viu sua filha ser levada por um homem e ser jogada
numa van... Martha correu em direção a van enquanto gritava pelo
nome da filha.
-Zoey, ZOEY!!! Gritou Martha desesperada.
Luís, não fazia ideia do que acontecera, chegara para perto de Martha
a vira inundada de lágrimas.
-Amor, o que houve? Perguntou Luís com um ar apreensivo.
As palavras mal podiam sair da boca de Martha, sua visão estava tão
somente embaçada, tamanho era o lacrimejar de Martha.
-Luís, a Zoey! Levaram a nossa filha, Luís, Levaram a Zoey! Disse
Martha mergulhada em desespero. E continuou:
-Eu ouvi a Zoey gritar e quando me virei, estava um homem com a
nossa pequena no colo e a colocou numa van preta.
-O quê? Quem a levou? Para onde a levaram? As inquietações
invadiram Luís, sem poder ter resposta para cada uma.
Movido pelo desespero, Luís saiu correndo no mesmo instante em
busca de sua filha.
Correu avenidas pelas ruas até não poder mais, perguntou por uma
van que passara recentemente, mas seu esforço fora inglório.
Aquele casal começava a viver os piores dias de sua vida. 8
Nada naquele momento fazia sentido. Num segundo, um milhão de
coisas se passavam na cabeça de Martha. Ficavam indecisos entre
sair correndo deseperadamente ou ir à esquadra mais próxima para
pedir por ajuda. Por um segundo, Luís e Martha discordaram, já que
Martha queria desatar a correr atrás de Zoey.
Luís tendo os pés mais firmes no chão, achou por bem ir à esquadra
que ficava ali perto. Mas também não escondia a vontade de procurar
pela filha.
A caminho da esquadra policial, Luís fazia de tudo para acalmar
Martha, mas a desolação de Martha não deixava que palavras de
conforto a fizéssem sentir-se melhor.
- Acalma-te, vamos encontrar a nossa filha. Disse Luís, embora que
também estivesse sem chão.
- Não me quero acalmar! Só quero a minha filha. Por que a levaram?
Os questionamentos eram incessantes na cabeça de Martha.
Ao chegar a esquadra, as primeiras palavras de Martha estavam tão
somente acompanhadas de choro, que mal se percebiam.
-Socorro, levaram a minha filha... Por favor, a minha filha foi
sequestrada. Disse ela ao primeiro polícia que encontrara.
Sem quaisquer cordialidades.
- Tente se acalmar, senhora. Quando e onde foi que a levaram?
Perguntou logo de seguida o polícia.
-Foi mesmo há pouco tempo. Nós estávamos no Parque Houston XV,
e ouvi a minha menina aos gritos, tinha um homem de roupas escuras
com cabelos longos que a colocou dentro de uma van que me parecia
ser da L-Mails.
Explicou Martha, enquanto de imediato o polícia providenciou uma
patrulha naquela zona...
- Por favor, dona, tente se acalmar. Já mandamos uma patrulha para
as primeiras diligências. Agora preciso que a senhora forneça mais
informações sobre sobre sua filha e sobre a hora exata em que
aconteceu.
Disse o polícia que cuidava do caso.
Martha não conseguia mais segurar as lágrimas, Luís nada mais podia 9
fazer, suas tentativas de reconfortar sua esposa não funcionavam. Os
gritos de Zoey chamando pela mãe ainda atordoavam Martha, que
perdera ali mesmo suas forças e acabou por desmaiar.
Luís, tentativa se manter forte, sabia que era o pilar daquela família.
Mas nem mesmo com toda sua força conseguiu esconder as lágrimas.
Aquele homem de personalidade inabalável acabou por cair em
choros.
- Por favor, senhor, deixa-me ir ajudar, eu conheço aquele bairro como
ninguém. Disse Luís para o polícia.
- Neste momento, o senhor nada pode fazer, ainda não sabemos se
de facto trata-se mesmo de um rapto. Precisamos das descrições de
sua filha. Disse o polícia.
Aquele sentimento de impotência, deixara Luís flagelado.
- Ela chama-se Zoey, tem 4 anos, tem os cabelos louros e está com
um vestidinho amarelo... Disse Luís ao polícia que passou as
informações pelo rádio.
- Fique tranquilo, nós estamos a fazer o nosso trabalho, vamos achar
a sua filha. Tentou inutilmente acalmar Luís.
Passaram-se horas e nenhuma notícia de Zoey. Luís ficou sentado no
banco enquanto colocava as mãos na cabeça tentando entender quem
faria tal coisa.
As incertezas sobre o paradeiro e estado de Zoey, pairavam na mente
de Luís.
- Mas, meu Deus, não sou rico, não bens, porquê haviam de querer
raptar a minha filha? Isso não faz sentido! Exclamou Luís.
Não sabia o que mais podia fazer ou pensar.

- Quem, meu Deus, quem havia de querer fazer mal a minha filha?
Perguntou-se Luís.
Parecia que o tempo havia congelado, os segundos faziam-se horas,
as horas pareciam durar semanas tamanha era a aflição de Luís.
Nem desmaiada aquela mulher parava de chorar… daria tudo para 10
que aquela situação não passasse de um triste pesadelo. Mas não, a
vida não lhe dera esse gosto.
Fazia-se tarde quando Martha desperta, e as primeiras palavras foram
a perguntar onde estava a pequena Zoey.
- Cadê a Zoey, Luis? Já a encontraram? Mal terminava ela de falar
quando se ouviu o rádio do polícia tocar.
As buscas por Zoey foram infrutíferas. Informaram pelo rádio que
estavam a voltar para a esquadra.
Ouvindo aquilo, o casal sentiu-se ainda mais impotente. Luís sabia que
tinha de fazer alguma coisa.
- Por favor, vão para casa, nós iremos continuar as buscas amanhã.
Em todo caso, iremos mantê-los informados se algo acontecer. Disse
o polícia que os atendera.
- Têm certeza que não encontraram nada, nenhum vestígio, alguma
pista que indique quem e para onde foi levada a minha filha? Insistiu a
perguntar Martha.
Mas o polícia nada lhe dissera que lhe saciasse o desespero.
Martha e Luís saíram da esquadra pior do que quando lá chegaram...
Não se contentando com a situação, voltando a casa decidem refazer
as buscas por Zoey, mas por conta própria.
A desolação tomara conta dos dois que pareciam meio loucos
chamando pelo nome da filha.
Eram já 9 da noite e nem com aquele frio que fazia, nem com o
cansaço desistiram de procurar, passando pelo parque, Martha
revivera aquele breve momento em que o pior aconteceu. Flashbacks
que a atordoavam. Parecia que as coisas tornavam a acontecer… o
pior deja vu que tivera.
Algumas horas se passaram e finalmente decidiram parar e descansar
mesmo por debaixo de uma árvore.
Com a cabeça no colo de Luís, Martha adormeceu chorando, as
lágrimas ressecaram mesmo no rosto dela. Luís, ainda que tentasse
parecer forte, acabou por se render ao cansaço e ali, também
adormeceu.
Sem qualquer temor ao relento, aquele casal ficou ali até aos primeiros 11
raios de sol beijarem suas faces.
Finalmente despertaram, seus corpos estavam repletos de fadiga.
- Não acredito que isto nós está a acontecer! Exclamou Martha mal
acordou.
- Isso parece um pesadelo. Exaltou Luís, que continuou:
- Nós vamos encontrar a Zoey, tenha fé, amor. A passos lentos
voltavam para casa finalmente. As ruas pareciam ter-se alargado, ou
era apenas uma sensação de perda total que os fazia distorcer a
realidade.
Agarrados um ao outro, iam lentamente a casa na esperança de que
a polícia lhes ligasse para dar boas notícias.
Luís puxa a maçaneta e abre a porta, Martha recusava-se a entrar.
Sua resiliência acabara, mas ela sabia que tinha que fazer algo.
- Vem para dentro, amor. Precisas te recompor, não podemos nos
render a dor. Disse Luís numa tentativa de fortalecer sua esposa.
Martha finalmente aceitara, e foi direto tomar um banho.
Luís, pegara no seu telefone para ver se havia alguma mensagem na
vaga hipótese de se tratar de um rapto, ver se alguém queria algo em
troca de Zoey.
Mas havia tão somente nada, um completo vazio.
Martha ouve o telefone de casa tocar e sai em meio ao banho às
pressas para atender.
De tão apreensiva que estava, atendeu com aquela voz de tristeza
misturada com ansiedade. Era apenas sua amiga, Ellen que ficara
surpresa com a forma com que Martha atendera-lhe o telefone. Não
era normal aquele jeito de Martha.
- O que foi, Martha, estás a chorar? Perguntou Ellen.
Martha lembrou-se das recomendações das autoridades policiais em
não dizer nada a ninguém que não seja um parente muito próximo nas
primeiras 48 horas.
- Não, não foi nada, Ellen. Tive só uma discussão com o Luís. Disse 12
Martha tentando desconversar Ellen.

Terminado o seu banho, Martha ainda ouvia o salpicar de água.


Esquecera-se de desligar o chuveiro? Não... Aquele salpico era mais
intenso, vira pela janela o tempo mudar. Era a chuva que caía
entristecida. Se a tristeza já imperava, com aquele céu acinzentado,
só ia piorando. O silêncio reinava naquela casa, já haviam se passado
24 horas desde o sumiço de Zoey e nenhuma notícia da menina.
Martha Vira Luís se aproximando com uma chávena de chá, porém
mais uma tentativa vã de a fazer se acalmar. Não desistia por nada
Luís. E Martha, vendo-se impotente, pensa numa maneira de fazer
qualquer coisa para achar Zoey. Ainda vendo Luís segurando a
chávena de chá, Martha falou-lhe com um leve tom de entusiasmo.
- Luís, já sei o que podemos fazer. Vamos fazer um monte de cartazes
com a foto da Zoey e espalhá-los pela cidade. Disse Martha, enquanto
Luís a vira com um brilhozinho de esperança nos olhos.
- Sim! Vamos agora mesmo cuidar disso. Revidou Luís.
E lá ficaram, em meio aquela chuva, esqueceram-se até de saciar a
fome. A cada folha impressa, um respaldo de esperança de que
alguém poderia trazer alguma notícia de Zoey. A noite caía e lá ficou
o casal a produzir centenas de cartazes. Martha não se deixou
aguentar e ali mesmo, caiu no sono, outra vez nos braços de Luís, que
de tanta exaustão, também adormeceu.
E lá se foi a noite, e que noite! Luís despertara antes de Martha, e fora
lhe preparar um pequeno almoço reforçado, já que haviam de passar
o dia a colar os cartazes pelas ruas da cidade. Trazendo a bandeja,
Luís vira Martha dormindo e nada fizera para a despertar, sabia que
ela precisava descansar. Deixara mesmo ali a bandeja enquanto
empilhava os cartazes de Zoey. Era tanto cartaz, que foram
necessárias 3 caixas de cartão onde os colocar.
Martha finalmente acordou, eram já quase 10 da manhã.
- Bom dia, amor! Pronta para começar? Dormiste o bastante?
- Bom dia... Respondeu Martha.
Sem querer esperar mais um segundo, Martha prendeu seus cabelos, 13
tomou sua refeição e pegou nas caixas para sair a rua.
E lá começaram, em cada poste, cada lugar onde desse para afixar
anúncios estava coberto com a foto de Zoey. O verdejar de esperança
que exalava de Luís reconfortava Martha, que entristecida, rezava por
algum sinal de Zoey. A casa cartaz afixado, ia a caixa perdendo seu
peso, já se preparava o sol para se pôr... Nem o superintendente da
polícia, nem algum estranho ligara para Martha ou Luís.
Nenhuma exigência para o retorno de Zoey foi requisitada, o que fez
o casal concluir que não se tratava de um rapto. Mas então, do que se
tratava? Fora Zoey alvo meramente aleatório? Debaixo daquele céu
meio ensolarado, ao cair da tarde, Luís afixara o último cartaz. A
exaustão tomou conta dos dois, Martha mal podia sentir suas pernas.
- Se não fosse pelo pequeno almoço..! Exclamou.
A luz do sol fora substituída pelas postes de iluminação da cidade.
Enquanto caminhavam de volta à casa outro chuvisco se fizera
presente.
- Prontos, não podia ficar melhor!!! Ironizou Luís.
Ambos encharcados, chegam finalmente à casa. Martha, apreensiva
como sempre, verifica o Interfone a ver se havia alguma mensagem.
Novamente o vazio tenebroso.
Outro dia infrutífero se passou. Mais uma noite que Martha passa sem
ter sua filha a chatear e a fazer bagunça. O silêncio naquela casa
tornava-se constante pela ausência de Zoey. Quem poderia prever
que aquela família passaria por momentos de tamanho flagelo?
Se três dias eram angustiantes sem Zoey, a situação estava prestes a
piorar, tendo-se já passado uma semana. Entre idas e vindas da
esquadra de polícia, nenhum sinal de Zoey trouxera paz àquele casal.
Luís, desesperançado, sobe até ao quarto de Zoey na pretenção de
arrumá-lo. Ainda prevalecia a lixarada deixada por Zoey. Martha,
mantivera-se ainda na esperança, vendo Luís organizando as coisas
de Zoey, viu sua aura enfurecida, aos gritos e em lágrimas:
- O que estás a fazer, Luís? Não mexas nas coisas dela, ela há de
voltar, ela há de voltar, ela há de voltar... Chorava Martha, enquanto
socava o peito de Luís.
Os dias passavam e as lágrimas no rosto de Martha ressecavam aos 14
bocados.

E Zoey? O que lhe terá acontecido?


Capítulo II 15

Primeiro contacto
16

Se Martha e Luís estavam sem entender patavina do que se passava,


imagine-se a apreensão da pequena Zoey. Aquela menininha de
quatro anos só sabia chorar pelos pais. Que maldade fizera aquela
menininha para estar numa situação daquelas? Não era justo! Assim
foram os primeiros momentos do início de uma vida tenebrosa e
marcada pela escravidão às mãos de Lira, aquela que estava por
detrás do rapto de Zoey.
Mas porquê Zoey? O que tinha ela? As mesmas perguntas que hão
de andar a volta na cabeça de Zoey, quando em pleno afloramento da
idade, rebelar-se.
Lira, uma mulher aparentemente bem apessoada, de cabelos curtos e
sempre em trajes negros, vira Zoey pela primeira vez quando seu
braço direito, Hazel, a troxera para seu barco, na costa do Rio
Darlington.
Lira ficou maravilhada ao olhar para o encanto da beleza de Zoey, e
as primeiras palavras saídas da boca de Lira, em seu sotaque destinto
foram:
- Esta aqui será a minha jóia da coroa. Posso ver através dessa tristeza
superficial que a beleza desta aqui será um dos seus melhores
potenciais. É só olhar para ela.
Lira chamou por Zoey exalando um sorriso. Mas esta recusava-se a
chegar para perto de Lira, que numa segunda tentativa achamos para
perto de si, mostrando-lhe uma barra de chocolate.
- Oi, vem cá. Queres chocolate, queres? Vem cá buscar o chocolate.
Disse ardilosamente Lira tentando aliciar Zoey, com suas pretensões
que até então, eram desconhecidas.
Sob aquela inocência típica, Zoey cedeu a curiosidade e foi pegar o
chocolate.
Às mãos de Lira, aquele fora um dos poucos momentos da vida de
Zoey em que pudera provar do doce sabor de um chocolate.
Como qualquer outra criança, Zoey se encantou pelo sabor do
chocolate embora este estivesse misturado com o amargo sabor das
lágrimas, que insistiam em cair rosto a baixo. Era de partir o coração 17
ver aquela menininha comer o chocolate e chorando ao mesmo tempo.
Lira, fizera de tudo para ganhar a confiança da pequena Zoey, que não
resistiu e deixou-se ir ao colo de Lira, por quem parecia ter mais
empatia.
- Então bonequinha, como te chamas? Perguntou Lira, tentando
descobrir mais sobre Zoey, que se manteve calada. Lira torna a fazer
a mesma pergunta à Zoey, mas desta vez com outra guloseima à mão.
- Zoey.
- Hãm, então te chamas Zoey. Olha que nome mais bonito. Afirmou
Lira, que aos poucos ia ganhando a confiança de Zoey.
Mas Hazel... Aquele sim metia medo à Zoey. Aquele corpo robusto
amedrontava qualquer um que o visse, ainda mais com sua expressão
facial que mais parecia um daqueles personagens dos desenhos que
Zoey gostava de ver...
- Madame Lira, está tudo pronto, toda carga se encontra no barco.
Partimos quando ordenar. Disse Hazel à Lira, enquanto olhava
fixamente para os olhos de Zoey, que desviou logo seu olhar por
medo.
- Ouviste isso pequena Zoey? Vamos para a nossa nova casa. Ironizou
Lira esbanjando um sorriso. Pudera ser sincero aquele exalar de
felicidade… Aquele dia no cais fora o último de Zoey em Londres. O
destino começara a lhe preparar uma vida da qual jamais se
esquecerá.
- Gostas de barcos? Queres entrar para ver como é grande, queres?
Perguntou Lira outra vez.
- Não! Não quero entrar. Disse Zoey, assustada. Embora em tenra
idade, sabia que não queria ficar longe de casa e de seus pais.
Os choros mostravam a tristeza e sofrimento daquela menininha, que
de forma alguma aceitara entrar naquele barco. Era de partir o coração
ver a tristeza naqueles olhinhos azuis marinhos.
Lira tentou de todas as formas convencer Zoey, mas aquela menina
tinha a personalidade da mãe, Martha. Entre tentativas de fazer Zoey
subir naquele barco, Lira, fartou-se de ouvir o choramingar perturbador
de Zoey. E como sempre, lá estava seu fiel braço direito.
- Hazel!? 18
- Sim, Madame Lira.
- Sabes o que tens a fazer.
Hazel, ouvindo aquilo, pegou Zoey e a levou para dentro do barco.
Para surpresa de Zoey, lá estava outra menininha, a que parecia ter a
mesma idade de Zoey, para aumentar ainda mais a tristeza, aquela
outra menina também chorava chamando pela mãe. Hazel colocou as
duas juntas enquanto esperavam por Lira.
Lira, fumando seu último cigarro, ficou ali por um momento a desfrutar
da paisagem daquele cais, sorrindo ao vento.
Hazel, vendo Lira se aproximar, pergunta se poderiam já partir.
- Infelizmente temos que deixar estes ares maravilhosos de Londres.
Exclamou Lira, continuando:
- Mas fazer o quê? Temos que voltar ao trabalho. Há gente a espera,
vamos embora, Hazel.
Zoey e a outra menina choravam sem sequer ligar uma para outra. Os
primeiros sons do ranger daquele barco simbolizavam o adeus àquela
cidade bem como a tudo que Zoey poderia ter… e viver. Sentia o
mover do barco e sua aflição era maior, dela e daquela outra menina,
que viria a ter uma vida paralela a de Zoey.
Lá foram, o tempo foi passando e a noite chegara. O roncar do
estômago daquela duas meninas podia se ouvir de perto, de tão
famintas que estavam. Lira mostrava-se ansiosa para chegar logo ao
seu destino. Mas qual seria então?
A calmaria de Lira começava a desaparecer por causa dos gritos de
fome daquelas meninas. Eis que Lira fora preparar ao frigobar e
preparou uma humílima refeição para as meninas, vendo então que
era aquele o momento certo para apresentá-las uma a outra.
As duas meninas degustação daquela espécie de jantar, Lira as olhava
esbanjando outra vez um sorriso.
- Zoey, esta aqui é May, a tua nova irmãzinha. Disse Lira.
- Não! A mamãe diz que eu não tenho irmã nenhuma. Revidou Zoey,
lembrando do que outrora fora-lhe dito por Martha.
- Mas agora sua mamãe sou eu. Ironizou Lira. 19
Aquela conversa logo fez com que Zoey, sem terminar de comer
começasse a chorar.
- Oh que menina choramingas! Exclamou Lira.
Mas de onde é Lira tirara May? Será que também a tirou de sua
família? Era bem provável que sim. O que Lira planejara fazer com
aquelas meninas? Quais eram suas pretensões? Para onde as
levava?
Lira parecia ter mais apresso por Zoey que May. Alguma coisa em
Zoey a fizera despertar o interesse. Mas o que seria? Só o tempo
poderia dizer.
A noite tornou-se dia e ainda não haviam chegado a Zurich.
- Hazel, já sabes o que tens a fazer. Disse vagamente Lira. Hazel
parecia saber tudo o que Lira queria, mesmo sem que esta dissesse
palavra alguma.
Aquela voz de comando de Lira significava que o controle fronteiriço
havia de fazer a fiscalização no barco onde estes se encontracam.
Hazel estava incumbido de esconder as duas meninas, para que não
fossem encontradas pela polícia marítima. Pegando nas duas
crianças, Hazel as colocou no que parecia ser uma câmara que ficava
no piso do barco, a prova de som e vibrações. Ainda que as meninas
gritassem com toda força, seus fortes decibéis não transpunham as
paredes isoladoras daquela câmara. Quanta desumanidade!
Dos megafones se ouvia as ordens da polícia marítima de parar o
barco, Lira ordena que Hazel o desligasse. Sem hesitar, Hazel desliga
o motor e vai junto com Lira até ao hangar de cima.
- Importam-se de me tirar essa luz de cima? Perguntou Lira, enquanto
os holofotes vocavam nela.
- Quantos são os tripulantes? Perguntou o comandante da marinha.
- Somos só dois. Respondeu Lira.
- Transportam alguma coisa? São comerciantes? Revidou a pergunta
o comandante.
- Não, senhor! Não somos comerciantes e apenas trazemos enlatados. 20
Respondeu Lira calmamente, embora tivesse o coração a bater por
medo que a polícia descobrisse a câmara onde Zoey e May estavam.
- Importa-se que eu dê uma olhadela? Voltou a questionar o
comandante.
- Faça as honras. Respondeu Lira com aquele seu típico tom de ironia,
que continuou:
- Nossa! A precaução das autoridades de Zurich é outro nível, por isso
eu amo esta cidade.
Noah, o comandante, e mais um oficial vasculharam o barco de Lira
em uma tentativa de se certificar da regularidade. Hazel, ao contrário
de Lira, mostrava-se mais apreensivo, o que logo fez despertar a
curiosidade do comandante Noah. O suar de Hazel era incriminador.
Sua pulsação aumentava consideravelmente.
- O que se passa, meu caro? O que lhe deixa assim? Perguntou o
comandante Noah.
Lira, que sempre tomava as rédeas, vira-se preocupada, já que Hazel
era mais músculos que cérebro. Temia que a inaptidão de Hazel os
denunciasse.E antes que Hazel falasse o que quer que fosse, Lira
roubou-lhe a palavra:
- Oh, senhor comandante, queira perdoar Hazel, ele tende a jogar no
mesmo time que o senhor, acho que ele gostou do seu oficial todo
musculado. Haze já me confessou que uma das suas melhores
fantasias envolve polícias e muita submissão, deve ser isso que o
deixa sem jeito.
Lira tentava a todo custo desviar para si as atenções que os polícias
prestavam em Hazel.
- Respeita-me a farda! Não estou cá para perder tempo. Respondeu o
comandante à Lira.
- Não, senhor! De forma alguma lhe quero causar constrangimentos,
só contactei o facto de o meu segurança ter afeição pela mesma carne.
Reiterou Lira.
- Isso não vem ao caso! Disse o comandante Noah em tom de maior
virilidade e autoritário.
- Nossa! O senhor comandante parece não ter gostado de Hazel, será 21
que é por ele ser homossexual? Dirigiu Lira a pergunta ao comandante
Noah, tentando ludibriar.
A conversa parecia ter tomado outro rumo, da vistoria ao barco, Lira
conseguira passar à uma discussão sobre homofobia. Tudo na
perspicaz tentativa de desviar a atenção do cenário incriminador que
aqueles dois protagonizavam.
Ante aos dizeres de Lira supostamente taxando o comandante de
homofóbico, Noah parou a checagem ao barco, aos seus olhos, a
única coisa que ali havia de errado era Hazel, Aquele homem
musculado com suas pretensões pecaminosas, pensou o comandante
Noah.
- Vamo-nos já embora, já agora sede bem-vindos a Zurich. Disse o
comandante à Lira e Hazel.
- Ora, muito obrigada, nós agradecemos os seus sinceros votos de
boas vindas. Voltou a ironizar Lira.
Assim, em meio ao porto de Zurich, Lira vislumbrou na sua imaginação
memórias de Zoey, idealizando um grande futuro que ela começava já
a preparar para ela.
E Zoey, de apenas quatro aninhos, jamais voltaria a conhecer sua terra
natal.
22
CAPÍTULO III

Quinto dos infernos


23

Ainda no porto, Zoey e May, aterrorizadas ela escuridão da câmara


daquele barco, sentiam-se como se estivessem num filme de terror.
Os primeiros raios de luz que invadiram os olhos de Zoey quase a
cegavam.
Até então, as reais intenções de Lira eram desconhecidas, o que
pretendia ela fazer com aquelas crianças?
Atracado o barco, Lira em outra voz de comando diz a Hazel:
- Já sabes o que fazer!
- Sim, madame Lira! Respondeu Hazel.
Todo aquele mistério nas conversações não podia significar coisa
boa. O estranho clima de espera fizera a pequena Zoey estar ainda
mais confusa. Hazel, deixou o barco por volta das 3 da tarde, ficando
somente Lira e as duas meninas.
Onde é que Hazel fora? Para o tênue alívio de Zoey e May, aquele
homem aterrorizante já não estava por perto, podiam então estar
mais aliviadas… mas para Zoey, aquele era um dos escassos
momentos em que ser vira o mais próximo da tranquilidade.
Lira, intrigada com as duas meninas, vai se aproximando delas e vai
tentando as deixar tranquilas. Receava que se agisse com
autoridades a mais, aquelas meninas, quando crescidas poderiam
causar transtornos à sua organização, como outrora acontecera com
Zhavia, mas isso são outros contornos.
- Olá, bonequinhas! Chamou Lira por Zoey e May.
- Continuou: Já chegamos ao nosso novo lar.
Pareciam só palavras jogadas ao vão, já que nem Zoey nem May lhe
responderam, deixaram-na num completo vácuo.
As horas passavam, o sol já se escondia e Hazel não retornava.
Lira parecia tranquila com aquele atraso, parecia que sabia que tal
havia de proceder. Às 8 da noite, uma van se aproxima do porto e vai
indo até ao barco de Lira que, malandramente, exala um sorriso.
Outra vez Lira parecia saber que tal estava premeditado a acontecer.
Zoey, vendo aquela van, que não lhe era estranha, lembrou-se de 24
quando Hazel, a tirou dos seus pais e de seu país.
Aquele atraso todo propositado fora sim premeditado, no intuito de
não deixar que as autoridades de Zurich suspeitassem de nada, para
Lira, a noite escura era a aliada perfeita para o seu plano.
Zoey, vê a porta de trás da van de abrir, e os flashbacks tornavam-se
mais vívidos. Seu medo crescia quando vira Hazel, outra vez, descer
da van.
Naquele momento, apenas um adjetivo poderia descrever o estado
de Zoey: acoada. Aquela demora de Hazel não era desprepositada.
Lira, planeava levar Zoey e May para o que ela chamava de
“comunidade”. Um lugar clandestino, escondido das autoridades. Era
conveniente que lá fossem de noite. E Zoey odiava quando o dia
ficava escuro e caia a noite.
Ainda se lembrava das noites com seus pais em que sentia medo do
escuro, das histórias que Luís lhe contava enquanto sua mãe,
Martha, lhe fazia aquele sempre gostoso cafuné.
Agora, sem nada conseguir processar, seu medo aumentava a cada
vez que Hazel chegava perto. Parecia estar a viver um pesadelo na
realidaede.
A passos lentos vira Hazel se aproximar e pegar primeiro em May e a
colocar na van. Zoey, como sempre, voltou a derramar lágrimas.
E la voltava Hazel, desta vez para pegar Zoey, Lira vendo o terror
daquela menininha, interpelou Hazel:
- Deixa que eu a levo. Não queremos deixá-la acoada, está bem?
- Sim, madame Lira. Respondeu hazel.
Ainda que não agradasse à Zoey, Lira era cem vezes melhor que
Hazel, pelo menos naqueles instantes.
De novo naquelele carro, Zoey era levada para sua nova vida.

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