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A importância do microcrédito para o desenvolvimento agrícola

Não há sistema agrícola que se desenvolva sem uma componente de crédito capaz de o
manter capitalizado. A actividade agrícola está cada vez mais competitiva e globalizada,
o que cria novos e crescentes desafios para os agricultores. Manter ou melhorar os
níveis de competitividade requer investimentos na lavoura da terra, na construção de
sistemas de irrigação, na aquisição de melhor material genético(vegetal ou animal), em
instrumentos e equipamentos de produção, na armazenagem, infra-estruturas e
transporte.
Os grandes e médios agricultores sabem como solucionar esta carência de capitais
através do sistema bancário. Os bancos existem para rentabilizar a sua actividade, e para
que isso aconteça, os seus capitais devem ser investidos em actividades lucrativas. Os
grandes e médios agricultores cabem nesta categoria, por isso, criam conjuntamente
com os agentes do sistema bancário uma simbiose através da qual sobrevivem no
mercado, com benefícios mútuos.
No caso dos pequenos agricultores a situação é outra. Há um grande abismo entre eles e
o sector bancário formal. Para os pequenos agricultores, os bancos são extremamente
poderosos e complexos. Falam de coisas que os agricultores não entendem (garantias
reais, papelada reconhecida em notários, seguros de saúde, comprovativos de identidade
e residência etc.). Para os bancos, os pequenos agricultores são assaz pequenos,
dispersos, vulneráveis, e difíceis de cadastrar.
Este fosso de mútua compreensão faz com que as negociações se tornem difíceis,
duradouras e, muitas vezes, insolúveis. Mesmo quando a barreira é vencida e um acordo
estabelecido, a supervisão e acompanhamento tem custos que a banca não está
preparada para incorrer porque não está estruturada para tal.
Imaginemos um pequeno agricultor que tem uma pequena parcela de terras de 2
hectares e uma casinha. Suponhamos que estes bens sejam transaccionáveis e o banco
os aceite como garantias de um crédito de campanha de 30.000 Mt. Se a campanha
corre mal e o agricultor não consegue pagar, mesmo que o banco pudesse accionar a
garantia, o processo seria extremamente complicado: custos judiciários para obter um
mandato de despejo, a família não teria para onde ir e a crise social podia transbordar
para a imprensa, abalando o prestígio do banco.
A reacção dos bancos é evitar esta sequência de despesas e riscos. A reacção dos
agricultores é de medo, porque simplesmente não sabem lidar com os bancos formais.
Para ambos, os custos de transacção são extremamente altos, perante a relação custo-
benefício.
Mas os custos de manter o ”status quo” (nada fazer e manter a situação inalterada) são
também extremamente altos para a sociedade: menos produção e disponibilidade de
alimentos, perpetuação do ciclo da pobreza, desinvestimento no meio rural, fome e
miséria.
A solução é o microcrédito. A vantagem está na sua flexibilidade para operar em
diferentes contextos, fugir aos métodos tradicionais e ortodoxos de gestão bancária,
captar e fazer usos de energias e dinâmicas políticas, económicas e sociais, que de outra
forma não seriam aproveitadas.
Para não nos perdermos em grandes dissertações sobre microeconomia e microfinanças,
vamos acordar uma definição simples de microcrédito,como sendo o crédito de pequena
monta que é concedido a pequenos operadores (neste caso do sector agrário). Ele pode
ser de curto prazo para financiar a campanha ou outra situação pontual, ou de médio e
longo prazo, para financiar investimentos em instrumentos, equipamentos, infra-
estruturas, e tecnologia.
O microcrédito existe de diversas formas: cooperativas de crédito, organizações sem
fins lucrativos, pequenos provedores privados de crédito, fundos públicos de fomento
agrícola e a agricultura por contrato, que muitas vezes acarreta uma componente de
crédito.
Para que todas estas formas de crédito possam existir de forma sustentada no mercado, é
importante que exista um ambiente institucional apropriado. O facto de serem flexíveis,
não significa que estas possam suportar a total a ausência de regras. E para que estejam
perfeitamente integradas no mercado, devem naturalmente acertar o passo com o
sistema financeiro e monetário, bem como com o sistema bancário.
Devem existir políticas públicas que facilitem o seu registo, implantação, capitalização
e operação: os regimes fiscais preferenciais e bonificados podem fazer a diferença; a
instituição de regimes de seguro agrícola podem ajudar a diminuir a percepção do risco
através da partilha do mesmo; o encorajamento de parcerias com organismos
internacionais e ONG; e a facilitação de parcerias com o sector privado no contexto da
responsabilidade social.
As cooperativas de crédito são uma das formas mais sustentáveis de operar o
microcrédito agrícola. Embora não sejam muito comuns em Moçambique, vale a pena
olhar para elas como uma alternativa. No caso da Ásia, são um sucesso total. A
agricultura familiar chinesa está assente num sistema de cooperativas de crédito muito
eficiente.
As organizações de crédito sem fins lucrativos também existem em todo o mundo,
incluindo em Moçambique. São, na prática, ONG vocacionadas ao apoio dos
camponeses. Em Moçambique sugiram com o apoio de organismos internacionais mas,
por exemplo, na Índia, Bangladesh, resulta de organizações de voluntários altruístas e,
em alguns casos, operam fundos e operações astronómicas e de inestimável valor social
e económico.
Os pequenos provedores privados de crédito também estão espalhados pelo mundo
inteiro, embora em Moçambique privilegiem as áreas do retalho que lhes proporciona
maiores dividendos. É preciso não confundir estes operadores com os agiotas que
também proliferam à margem da lei e à margem da ética do negócio transparente. Para
que os operadores privados e legais possam aventurar-se no campo agrícola com mais
segurança, precisam de incentivos.
Os fundos públicos de crédito são uma das alternativas mais utilizadas, quer em países
desenvolvidos, quer em países em desenvolvimento. Surgem de forma muito
diversificada. O Brasil, a Indonésia, e a África do Sul têm experiências notáveis neste
âmbito. No Brasil, as operações são enquadradas no programa “Brasil sem Miséria”, na
Indonésia são responsáveis pelos recentes sucessos no combate à fome, e na África do
Sul resultaram da expansão para as camadas mais vulneráveis das experiências do
gigantesco “Land Bank”, naturalmente com taxas bonificadas.
Em Moçambique também existem tradições de sucesso, como o Fundo de Fomento
Agrícola (actualmente designado Fundo de Desenvolvimento Agrícola), o Fundo de
Desenvolvimento de Hidráulica Agrícola, e muitas outras iniciativas que operaram nos
sectores do caju e algodão. Seria importante que o fundo de 7 milhões alocado aos
distritos pudesse cumprir o ideal de olhar também para os pequenos operadores, de
forma profissional, pragmática, estruturada e sistemática.
Finalmente, existem as iniciativas de crédito originadas pela agricultura por contrato.
Em Moçambique, os casos mais emblemáticos existem na produção de algodão, tabaco
e caju. Neste caso uma entidade mais capacitada fornece sementes, fertilizantes,
pesticidas e outros insumos agrícolas, com o compromisso de compra do produto final e
respectivo acerto de contas.
Para finalizar, é importante ter em conta que o sucesso das iniciativas de microcrédito
está intimamente ligado à capacidade de fazer uso do capital social detido pelas
comunidades rurais. Na Ásia (China, Indonésia, Índia, etc.) e na América Latina, o
capital social (prestígio, associação a cooperativas, relações familiares e de vizinhança)
é muitas vezes capitalizado e valorizado. Se os mesmos princípios forem adoptados em
Moçambique, o microcrédito pode ter uma palavra a dizer no desenvolvimento do país.

http://opais.sapo.mz/index.php/opiniao/158-helder-muteia/32814-a-importancia-do-
microcredito-para-o-desenvolvimento-agricola.html?tmpl=component&print=1&page=
11 Dezembro 2014 13:30 Helder Muteia
Financiamento à agricultura e o papel do Estado
As dificuldades de acesso e alto custo do crédito são apontados como sendo um dos
principais constrangimentos ao desenvolvimento das micro, pequenas e médias
empresas em Moçambique. O problema é ainda pior na agricultura devido a uma série
de constrangimentos estruturais inerentes ao sector, dentre os quais: ausência de
instalações bancárias em vários pontos de produção a nível das zonas rurais; escassez de
produtos financeiros adaptados aos riscos da agricultura bem como aos padrões de fluxo
de caixa do agronegócio; elevados custos operacionais inerentes a prestação de serviços
financeiros tradicionais em pequenas dimensões; fracas competências de gestão de
negócios por parte dos pequenos empreendedores e gestores de empresas agrícolas; e os
problemas subjacentes ao ambiente empresarial que aumentam grandemente o risco dos
créditos e limitam as possibilidades de créditos viáveis para financiar investimentos
agrícolas.
Portanto, poucas empresas agrícolas têm acesso a financiamento, e aqueles que têm
incorrem em elevadas taxas de juros. As dificuldades de acesso ao financiamento não se
limitam ao crédito. As empresas agrícolas também não têm um conveniente acesso a
serviços de depósito e de seguros fiáveis e de baixo custo, com a excepção dos serviços
de transacção que se tem expandido por via da banca móvel (mkesh e m-pesa).
Para minimizar este problema, o Estado moçambicano tem adoptado um conjunto de
medidas dentre as quais a sua intervenção directa. Estas intervenções, embora se
revelem superficialmente atraentes, podem não ser eficazes a curto prazo e, certamente
insustentáveis a médio longo prazos. Num contexto defraquezas institucionais,
intervenções directas do Governo são tipicamente ineficazes tanto em termos
financeiros como de desenvolvimento. Estas intervenções são frequentemente
capturadas por beneficiários influentes ao nível do meio geográfico específico. Esta é a
experiência geral com os grandes subsídios de crédito à agricultura, através: da
exigência aos bancos para concederem créditos para a agricultura (créditos dirigidos),do
controlo das taxas de juro sobre créditos para a agricultura, e da criação fundos geridos
por instituições públicas.
Mesmo que não exista uma fórmula mágica para resolver a questão de acesso ao
financiamento, muitas abordagens parciais merecem uma atenção especial. Estas
incluem, entre outros: incentivar os bancos a adoptar técnicas de empréstimos não
tradicionais adequadas para clientes agrícolas, incluindo a utilização de métodos de
microfinanças e o modelo de warehouse receipt; fomentar a expansão de serviços
bancários digitais de baixo custo para as zonas rurais através de telemóveis, pontos de
terminais de serviços, e agentes bancários; facilitar o surgimento de cooperativas de
crédito; e promover o seguro de agrícola.
É também essencial atacar os constrangimentos estruturais da bancarização de
investimentos agrícolas, tais como os problemas relativos aos direitos de uso e
aproveitamento da terra (acesso e sua célere transferabilidade), infra-estrutura e
instituições para reforçar o cumprimento de contratos e registo de propriedade. Todas
estas abordagens são destinadas a criar condições sustentáveis de prestação de serviços
financeiros para a agricultura sem que o Estado tenha de intervir directamente na
concessão/distribuição de dinheiro.
http://www.speed-program.com/blogs/by-author/rosario-marapusse/nao-a-intervencao-
directa-do-estado-na-agricultura
9 Jul, 2015
O CRÉDITO RURAL
O crédito de forma mais geral, demonstra confiança no cumprimento das obrigações,
auxiliando as transações comerciais no que ocorrem trocas imediatas de valores, ele
permite o desenvolvimento de atividades econômicas importantes que, por conseguinte
trazem retorno para a sociedade.
Compactuando com alguns autores Assaf Neto e Silva (2002) afirmam que o crédito diz
respeito à troca de bens presentes por bens futuros, quem concede o crédito troca seus
produtos por uma promessa de pagamento futuro.
De acordo com Schrickel (2000) “Crédito é todo ato de vontade ou disposição de
alguém de destacar ou ceder, temporariamente, parte do seu patrimônio a um terceiro,
com a expectativa de que esta volte a sua posse integralmente, após decorrido o tempo
estipulado”.
Na visão de Sarmento (2003) não se pode negar que o crédito tem a especificidade de
facilitar os negócios, ao favorecer a sua realização e também substituir o dinheiro por
um determinado título.
O crédito rural é de grande importância para fortalecer as transações econômicas dos
pequenos e médios produtores rurais, estimulando seus investimentos, alavancando a
geração de renda e influenciando na melhoria da qualidade de vida.

DIFICULDADES DO ACESSO AO CRÉDITO


O mercado de crédito apresenta algumas imperfeições, que provoca vários problemas
como a exclusão bancária, principalmente para a parcela da população mais pobre, e o
racionamento do crédito por parte dos bancos.
De acordo com a FPB (2011), uma das principais causas das imperfeições do mercado é
o problema da assimetria da informação, que é agravada no meio rural, por a população
rural ser, geralmente, mais pobre do que a urbana, pela baixa densidade populacional,
operações em pequena escala, ausência de colateral, sazonalidade e elevada flutuação da
renda, mercados fragmentados e a falta de comunicação com os outros mercados, entre
outros aspectos.
Segundo Tonedo e Gremaud (2002, apud FPB, 2011), as dificuldades do financiamento
rural, principalmente direcionada aos pequenos agricultores, decorrem das próprias
características de funcionamento do sistema financeiro, agravadas pelas especificidades
do meio rural e de suas atividades econômicas.
Afirma-se que o financiamento do crédito rural apresenta algumas dificuldades,
principalmente pela burocratização e na falta de informação do agricultor familiar tanto
em como adquirir o crédito, como em ceder informações sobre a propriedade rural
(.Schrickel, 2000).
O mercado de crédito agrícola e as taxas de juros
Barros e Araújo (1991, p. 19) definiram o crédito agrícola formal como “uma fonte
financeira importante para complementar os recursos próprios dos agricultores”. Eles
afirmaram que, na medida em que os agricultores passam a produzir para o mercado,
existe maior necessidade de recursos financeiros para atender às despesas operacionais
realizadas muito antes da venda da produção. Isso torna o crédito uma opção relevante
quando o agricultor enfrenta problemas de liquidez e precisa de fontes de financiamento
externas para cobrir o custeio da safra futura. Essas fontes de financiamento podem ser
bancos, cooperativas de crédito, provedores de insumos, outros produtores, pessoas que
não estão vinculadas com a produção agrícola e agiotas (CONNING e UDRY, 2005).
Segundo Lazzarini e Chaddad (2000), a taxa de juros no mercado de crédito é
considerada como o preço cobrado pelos prestamistas por postergar o uso ou consumo
atual do seu dinheiro por uma promessa de recebê-lo de volta em uma data futura. Em
outras palavras, a taxa de juros no mercado de crédito representa o custo de se ter um
capital disponível. Para o World Bank (1974) e Barros et al. (1990), a taxa de juros
inclui o custo de oportunidade do capital, os custos de se processar, entregar e
administrar os empréstimos, os custos de risco e inadimplência e o lucro da
intermediação.
Existem trabalhos de pesquisa que justificam a importância da taxa de juros no mercado
de crédito agrícola. Hesser e Schuh (1962) realizaram um estudo sobre o crédito
agrícola nos Estados Unidos e estimaram as relações de demanda para o crédito
hipotecário por meio de um conjunto de equações simultâneas. Os autores calcularam
três modelos, cuja variável dependente foi o fluxo de crédito hipotecário agrícola, e
entre as oito variáveis explicativas estava a taxa de juros dos empréstimos. Nas três
equações, a variável taxa de juros teve significância estatística, com sinal negativo. No
Brasil, Barros e Araújo (1991) analisaram os fatores associados à demanda de crédito.
Estes autores verificaram que o volume de crédito de custeio obtido no ano agrícola
1989/90 foi influenciado por cinco variáveis, entre elas a taxa de juros. Os autores
obtiveram resultados estatisticamente significativos, que mostraram que as variações na
taxa foram suficientes para provocar variações significativas e de sentido contrário na
quantidade demandada de crédito para custeio.

A intervenção do governo no crédito rural


São dois os segmentos da economia que apresentam falhas de mercado e que
geralmente são focos de intervenções públicas e direcionamentos de crédito: o setor
rural e o setor habitacional (NAKANE, 2005). No caso do setor rural, a regulamentação
e o controle das taxas de juros é um método de política de crédito amplamente usado em
alguns países. Diferenciando as taxas de acordo com seu destino, os governos procuram
promover investimento e produção. Como regra, as taxas de juros destinadas para a
agricultura são menores em comparação com as taxas de juros de outros setores da
economia, chegando a ser menores que a taxa de inflação, ou negativas em termos reais
(SCHAEFER-KEHNERT e VON PISCHKE, 1982).
Segundo Micco e Panizza (2005), existem quatro justificativas para a existência de
intervenções do governo no mercado de crédito agrícola: i) manutenção da segurança e
solidez do sistema bancário, o que promove o desenvolvimento financeiro e proporciona
serviços bancários acessíveis para todos, ii) redução das falhas de mercado como
consequência de um maior fluxo de informação no sistema financeiro, iii)
financiamento de projetos socialmente importantes, mas que não produzem grandes
retornos financeiros e iv) promoção de serviços financeiros para pessoas que moram em
zonas rurais e/ou afastadas.

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