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FRITJOF CAPRA E “O PONTO DE MUTAÇÃO”

Miguel Júnior⃰

Na obra “O Ponto de Mutação”, Frijof Capra elaborou uma visão conceptual


de modo a sustentar a sua ideia sobre a necessidade da mudança de paradigma. Ele
argumenta sobre a importância de abandonarmos a visão mecanicista do mundo e
passarmos para a perspectiva holística. Para o efeito, Frijof Capra começa por
esclarecer a situação que impera nas nossas sociedades nos dias de hoje, abordando
o conjunto de problemas que enfrentamos e que carecem de uma resposta. Partindo
desta perspectiva, exponho as ideias e a visão do autor em dois momentos.

Crise e Valorização da Mudança

Segundo Fritjof Capra, o volume de problemas sociais, políticos, económicos,


ecológicos, educacionais, etc., são questões sistémicas porque estão interligadas e
interdependentes. Por isso, ele considera que os referidos problemas não “podem ser
entendidos no âmbito da metodologia fragmentada que é característica de nossas
disciplinas académicas e de nossos órgãos governamentais”. Para o efeito é preciso
mudar, na medida em que alguns pensadores usam alguns “modelos conceituais
obsoletos e variáveis irrelevantes”. A mudança e a evolução implicam uma
“evolução cultural”. O que se pretende é abandonar estruturas estáticas e absorver
patrões dinâmicos.

A concepção de Frijof Capra é que uma situação de crise tem que ser
entendida desde um ponto de vista de transformação, visto que a crise e a mudança
caminham juntos. Aliás, este ponto de vista remonta à actualidade e era entendido
desse mesmo jeito na Antiguidade Clássica. Isso significa tão-somente
transformação. Este processo pressupõe acima de tudo transformações culturais,
que são consideradas como “etapas essenciais ao desenvolvimento das civilizações”.
Mas o crescimento está intimamente associado à perspectiva de “resposta-desafio”.
Aliás, as civilizações entram em colapso por falta de flexibilidade e devido à ausência
de respostas adequadas.

⃰Historiador.
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As civilizações precisam de ser flexíveis porque se elas perderem flexibilidade


a desintegração estará à espreita e todos os seus componentes se desintegram como
tal. Outra verdade que é preciso compreender, prende-se com o facto de que a
Humanidade, ao longo dos tempos, passou por diversas transições. Para melhor
sustentar a sua argumentação, o autor apoiou-se em algumas ideias do historiador
Arnold Toynbee (britânico) e do sociólogo Pitirim Sorokin (americano). O primeiro
forneceu-lhe a ideia de como as civilizações emergem, como se desenvolvem e como
elas enfrentam os desafios. E o segundo proporcionou-lhe a interpretação que parte
da Idade Média até ao fim dos anos trinta do século XX.

Para o efeito, ele menciona as três transições mais significativas. A primeira


tem que ver com o “declínio do patriarcado”. A segunda tem que ver com o “declínio
da era do combustível fóssil” e a terceira tem que ver com os “valores culturais”. E
é nesta transição em que reside a “mudança de paradigma”. Neste ponto Frijof
Capra explana que os valores culturais decorrentes da cultura Ocidental partiam
da “crença do método científico” e da ideia de que ele era a única abordagem válida
do ponto de vista do conhecimento. Além disso, consideravam e encaravam o
universo como que se ele fosse um “sistema mecânico” e a vida em sociedade com
algo que encerrasse competitividade. Também havia a compreensão sobre o
“progresso material ilimitado”.

É partindo desta interpretação que Frijof Capra coloca a necessidade de se


abandonar esses valores e proceder a “revisão radical” dessas formas de interpretar
a ciência, o conhecimento, o universo e a vida em sociedade. Também argumenta
que a “actual mudança de paradigma faz parte de um processo mais vasto, uma
flutuação notavelmente regular de sistemas de valores, que pode ser apontada ao
longo de toda a civilização ocidental e da maioria de outras culturas”. Na verdade,
Frijof Capra valoriza todo um trabalho de partida concebido por Pitirim Sorokin,
na qualidade de pensador e sociólogo.

Quais são as questões que ele procurou valorizar? Ele abarcou sobretudo a
concepção de Pitirim Sorokin sobre a “síntese da história ocidental” que repousa
sobre a “ascensão e declínio cíclicos de três sistemas fundamentais de valores,
subjacentes a todas as manifestações culturais”. Os três sistemas de valores são o
“ideacional”, o “idealístico” e o “sensualista”. Nessa perspectiva, ele aponta que o

⃰Historiador.
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“crepúsculo da cultura sensualista a mudança de paradigma e as convulsões sociais


que hoje estamos testemunhado”. Ao mesmo tempo, destaca a natureza da crise e
compara-a com outras crises que ocorreram, evidentemente, ao longo da história da
Humanidade.

Apesar de esse facto ser igual aos demais que tiveram lugar noutros períodos
históricos, a verdade é que a presente crise possui traços muito peculiares e que a
distinguem das demais crises, nomeadamente o seu ritmo, a sua amplitude e a sua
envolvência do ponto de vista da globalidade. Aliás, Frijof situa a crise ao nível dos
sistemas planetários porque ela congrega o indivíduo, a sociedade, a civilização e o
ecossistema. Aqui está identificada a crise, mas esta exige, por sua vez, que se tenham
em conta outras questões.

Fundamentos da Transição de Paradigma

Para Frijof Capra há que ter em conta as seguintes questões concretas: as


principais “premissas e valores da nossa cultura”; a rejeição de “modelos
conceituais longos”; o reconhecimento de “valores ignorados”; a mudança da
“mentalidade da cultura ocidental”; a mudança da “cultura social e das formas de
organização social”.

Em simultâneo, é perceptível que autor não faz apologia a uma transição


brusca. Muito pelo contrário, sugere que se introduza uma base de “reavaliação e
renascimento cultural”, minimizando, ao mesmo tempo, situações menos
abonatórias. A acontecer, isso seria como que uma forma de efectuar uma transição
“indolor”. De seguida, o autor sustenta que a operarmos a “transição cultural
harmoniosa e pacífica, isto levar-nos-ia à “sabedoria da humanidade”, expressa no
livro I Ching chinês - Livro das Mutações. A fórmula aqui é que o “antigo é
descartado e o novo é introduzido”. Esta é a ideia da harmonia perfeita sem
“nenhum dano”. A essência é operar a mudança sem grandes perturbações nos
diferentes sistemas e níveis.
Expressa a ideia de partida e o seu modus operandi, Frijof Capra explica de
que maneira pretende que se faça a transição. Para o efeito, ele estabeleceu um
“modelo de dinâmica cultural” de modo a orientar a “transformação social”. Esse
modelo emerge a partir de três fontes: ideias de Toynbee (“ascensão e queda das
civilizações”, “ritmo universal fundamental”, “padrões flutuantes”); ideias de

⃰Historiador.
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Sorikin (“flutuação dos sistemas de valores”); ideias de I Ching (“ideal de transições


culturais harmoniosas”).
Do mesmo nodo que Frijof Capra avança essas ideias, também aponta uma
ideia substituta, que designa como “principal alternativa”. Do ponto de vista dele,
a alternativa é a concepção marxista da história. Apesar disso, ele expressa o seu
desacordo com a visão marxista porque Karl Marx exacerba e valoriza de mais a
luta e a revolução violenta. Aliás, para ele, a violência não poderia ser uma força de
mudança sobretudo do ponto de vista de “transição social”. Esta visão é alicerçada
na natureza da filosofia chinesa, visto que ela considera a realidade, composta de
uma essência primária chamada tao, como um “processo de contínuo fluxo e
mudança”.
Finalmente, estas são as ideias expressas por Frijof Capra no livro “O Ponto
de Mutação”.

⃰Historiador.

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