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A crítica na arquitetura

Do panorama à realidade brasileira


André Cordeiro da Costa

Cidade das Artes, Rio de Janeiro. Arquiteto Christian de Portzamparc


Foto Nelson Kon

O tempo como senhor da razão

A atividade do crítico consiste no comentário da arquitetura do presente,


refere-se ao diário da arquitetura: à identificação de novas ideias, à
avaliação e interpretação de novas obras ou propostas, ao descobrimento
de novas tendências. Com sua reflexão, contribui para uma tomada
consciente de situações e, no caso do crítico latino-americano, cumpre um
importante papel na tomada de consciência do significado que o tema
examinado possa ter para nossa própria cultura ou nossa práxis
profissional (1).

Absolutamente tudo, a todo instante, está a ser crítico. Num mundo


globalizado, nada mais do que a realidade cotidiana. A instantaneidade,
permitida pela evolução tecnológica que motiva a existência
de smartphones , tablets e notebooks cada vez mais rápidos e sofisticados,
pode fazer com que o distanciamento crítico necessário para a correta
percepção e avaliação de algumas características atuais seja mais difícil de
ser tomada.

Sua ausência, quando somada à incompetência de alguns críticos, transporta,


muitas vezes, a crítica ao nível da mera opinião. “Nos nossos dias,
a opinião é a alternativa, o adotado da crítica” (2). O problema é que
acompanhar, através de um objeto de estudo, aparências ainda em fase de
concretização não é tarefa fácil, pois exige experiência e competência para
que não surjam opiniões precipitadas e equivocadas; uma ampla volatilidade
opinativa que, por sua vez, pode gerar mais dúvidas do que certezas em relação
ao porvir.
No entanto, isso também ocorre porque não se pode estabelecer uma padronização
crítica/opinativa – pois para além de não haver consenso para tal, não seria
prejudicada, uma vez que o seu estabelecimento empobreceria o debate
disputado, enfrentando-o-ia desinteressante. “A dualidade senso comum/erudição
que sempre persegue a discussão à volta da arquitectura confere à crítica um
estatuto difícil, insatisfatório” (3). Hoje, “ ser crítico pode ser a procura
de sentido no espaço intersticial entre a teoria e a promoção/reportagem, as
duas principais formas de discurso à volta da arquitetura” (4).

Tão logo uma crítica é feita, torna-se muito difícil considerá-la verdadeira
ou simplesmente descarta-la, até porque não existe uma verdade universal,
absoluta. Somente através de um distanciamento crítico adequado – que
necessita de tempo para ser estabelecido – é possível separar, mesmo correndo
riscos, dentro do universo das opiniões, o joio do trigo. Portanto, no âmbito
da crítica arquitetônica, o tempo é o senhor da razão, uma vez que somente
através da dimensão temporal confirmar-se-á se diferentes suposições/opiniões
sobre determinado assunto estão de fato correto ou não – conforme os critérios
de investigações adotadas.

A própria dinâmica da sociedade contemporânea, complexa e contraditória, exige


respostas, análises e provas imediatas (5), fator que por si só repercute em
um volume cada vez maior de críticas. Muitas das quais, feliz ou infelizmente,
o passar do tempo acabará por colapso.
Um caminho tortuoso

A atividade do crítico consiste em compreender a obra para que seu


conteúdo possa ser explicado ao público. Isso não significa que o crítico
possa interpretar integralmente tudo aquilo que compõe a complexidade da
obra arquitetônica, nem que seja capaz de esgotar os fundamentos da
capacidade criativa do arquiteto. [...] Aspectos do autor e da obra
sempre permanecerão desconhecidos, velados e inexplicáveis, à espera de
interpretações futuras (6).

Tanto a diversidade quanto a volatilidade das críticas/opiniões podem fazer


com que a crítica arquitetônica perca efeito. Apesar do caráter não raro
contraditório entre discursos da mesma natureza agregar solidez à crítica,
quando aliado a um cenário de debates ideológicos superficiais, toma-
lhe atualidade (7). Ou seja, uma multiplicidade de bases, oriundas de
diferentes vertentes teóricas, sobre as quais os discursos são construídos,
sem sombra de dúvidas, contribui para o seu enriquecimento; no entanto, quando
essa construção se dá de maneira superficial, tal multiplicidade acaba por ser
utilizada para ocasionar os “deslizes” incidentes por alguns arquitetos.

Como uma alternativa para minimizar esses erros e outras falhas


interpretativas, vem à tona o Regionalismo Crítico de Kenneth Frampton que,
basicamente, procura contextualizar a crítica sob a óptica contextual do
arquiteto. “Busca intencionalmente desconstruir o modernismo universal a
partir de imagens e valores localmente cultivados e, ao mesmo tempo, desturpar
esses elementos autóctones com o uso de paradigmas originários de fontes
conhecidas” (8). Possui um compromisso muito mais forte com o lugar do que com
o espaço (9) e, por isso, aparece como uma alternativa para a megalópole
universal, “avessa a uma densa diferenciação cultural ” (10). Por outras
palavras, através da confecção de um artefato (11), visa produzir um
“fragmento arraigado contra o qual a incessante inundação de um consumo
alienante, sem lugar, poderá ser colocado momentaneamente em xeque” (12).

No entanto, essa linha de pensamento acaba por não surtir o efeito da maneira
desejada, pelo que alguns a consideraram mais como “a perda dos prejuízos do
que seu resgate” (13). Ao que surge, então, uma nova espécie de regionalismo,
mais distante das regiões culturais – diretamente relacionada com etnia,
clima, língua, etc. – e mais próxima da fundamentação política (14). Para Alan
Colquhoun, um dos exemplos mais eloquentes das diferenças regionais está nas
interpretações anglo-saxãs e norte-americanas sobre as interações entre a
tecnologia e a arquitetura (15). Enquanto a primeira possui um
caráter idealista, a segunda possui um pragmático ; atitudes que, segundo ele,
estão diretamente relacionadas a uma dimensão política – que interferem de
maneira indireta sobre a práxis arquitetônica .

Para além das questões apresentadas, a crítica é considerada por muitos como a
constatação do futuro realizada no presente, de maneira que assume uma face de
um dos “valores mais desejados pela sociedade: o novo” (16). Apesar de ser uma
alternativa à tradição (17), o novo, obviamente com o passar do tempo, tornar-
se-á habitual; eis aí um exemplo da “'destruição contínua' que 'contribui para
o niilismo de nosso tempo'” (18). Portanto, a própria dinâmica social acaba
colocando a crítica numa posição dialética, o que não é algo negativo, mas que
lhe confere um estatuto muito mais complexo, difícil de ser compreendido.

Sendo assim, pode-se entender a crítica na arquitetura contemporânea como um


caminho tortuoso. Não se sabe exatamente para onde se vai, porém se tenta, a
todo o instante, identificar/adivinhar o destino final através das
interpretações relativas ao trecho que se está a percorrer.
As duas faces de uma mesma moeda

A crítica, portanto, situa-se no amplo horizonte que se estende entre


dois ilusórios e falsos: de um lado, o excesso racionalista e
metodológico, que crê que se possa estabelecer interpretações totalmente
confiáveis e comprováveis, únicas e derivadas, sobre toda a obra de
criação, e, de outro, o excesso irracionalista, arbitrário e bárbaro, que
alega a inutilidade de toda a crítica e interpretação diante das grandes
obras de arte, essas criações sempre misteriosas e indivíduos cuja
essência é insondável. Diante desses limites igualmente absurdos situa-se
o campo da interpretação (19).

Como exercício de analogia, pode-se dividir a crítica em duas modalidades


amplas: a pragmática “essencialmente decorrente da cultura anglo-saxônica,
onde é cultivada uma abordagem direta e incisiva, com o grande público em
mente” (20) e a operativa “em que a análise é feita em nome da projeção de uma
ideia, segundo um modelo de 'acção' transformadora” (21). De acordo com Jorge
Figueira, a crítica pragmática é mais fácil de ser percebida, de maneira que
sua argumentação é prática (22); simples, mas não necessariamente
simplória; para atingir a massa, lança mão de argumentações espirituosas
através da criação de polêmicas. A operativa, por outro lado, está imersa em
um universo muito mais complexo, em que os fatos históricos – selecionados
pelo crítico de acordo com um sorteio por ele escolhido – são utilizados como
referência para a compreensão de um fato presente ou para a previsão de um
acontecimento futuro; “é um instrumento na construção de uma metanarrativa –
no caso de Giedion, o racionalismo, no caso de Zevi, o organicismo, uma
querela nos anos 1960” (23). Há, na crítica operativa um “horizonte a
construir, à imagem dos Iluminismos francês e inglês” (24).

Metaforicamente, o que a crítica operativa faz é torturar a história até um


ponto em que ela confessa um argumento favorável à opinião do crítico. Para
tal, esconde os fracassos historicamente comprovados ao mesmo tempo em que
projeta a sua superação em um contexto futuro (25). Logo, a análise fica
reduzida à projeção de um ideário, que nada mais é senão um discurso
propriamente dito aqui (26), um projeto desenvolvido pelo crítico para
construir uma narrativa lógica, contínua entre os diferentes pontos
referenciais. É esse o contexto habitado pelo regionalismo crítico. Por outro
lado, a crítica pragmática utiliza uma abordagem mais direta, com conceitos
muitas vezes provenientes do senso comum; tal como os tablóides, seu alvo é o
grande público e a criação de polêmica (27).
A crítica operativa e a pragmática têm forte expressão entre os anos 1950
e 1980, um arco temporal que corresponde a um período de crise e mudança
de paradigma, onde a crítica pode florescer, como irei sugerir. A
discussão levantada por Jane Jacobs, Robert Venturi, Aldo Rossi, Colin
Rowe, e nos anos 1980 apresentada por Jencks, Paolo Portoghesi, e
Heinrich Klotz como pós-modernismo, tem ainda uma dimensão crítica. A
influência de Tafuri na América, e depois a adoção do desconstrutivismo
por Peter Eisenman ou Mark Wigley revelam já um domínio da teoria sobre a
crítica. A partir de então, a crítica operativa e a crítica pragmática
tendem a debater-se na teoria, ou no outro extremo, na
promoção/reportagem/lifestyle (28).

Basicamente, as frequentes distorções históricas promovidas pela crítica


operativa fazem com que ela se autodestrua. E, aproveitando-se da fragilidade
da irmã, a crítica pragmática procura, de uma maneira ou de outra – entre um
extremo ou outro – sistematicamente, assumir o seu papel (29). O principal
argumento é que, ao contrário da crítica operativa, a pragmática se sintoniza
com os fatos contemporâneos através de um processo praticamente instantâneo.

Tal e qual uma moeda, que possui duas faces, um valor determinado e a função
de proporcionar a compra e venda de produtos, as críticas operativas e
pragmáticas possuem diferentes faces e abordagens frente a uma mesma função:
considerar julgamentos de valor aos variados objetos de estudo. Esses
pensamentos – entendem-se comentários sobre a arquitetura do presente –
servirão como fios condutores à práxis e historiografia arquitetônica, pois
através deles, identificar-se-ão novas ideias, discursos, tendências,
aproximações, enfim, pistas que serão de grande utilidade para as tomadas de
decisões realizadas pelo profissional arquiteto.
Iluminado ao sol do novo mundo (30)

Há momentos históricos em que a função do crítico e do historiador


adquirem importância singular. Nos anos recentes, a crise de modelos
produzidos pelo profundo trabalho de demolição da década de 1960 em
relação aos ideais da arquitetura moderna, quebrou a atenção permanente
para o desenvolvimento de ideias e o aparecimento de novas propostas que
deviam ser lidas e interpretadas [... ] para tornar o compreensível o
confuso, e rapidamente modificável, panorama da produção arquitetônica
(31).

“Já se desviou ter percebido, depois de Tafuri, que [...] os arquitetos


procuram um sistema de ideias que os permita ter trabalho, pensar, projetar e
construir. E que registe, como um sismógrafo, o lado para o qual a sociedade
se inclina”(32). Afinal, a arquitetura é um elemento social; como fato
cultural, está imerso na história da humanidade e por isso, pode ser
considerado inexplicável fora dela (33).

Independentemente da crítica se dar sob uma óptica pragmática ou objetiva,


seria interessante a consideração do objeto de estudo inserido no contexto
histórico específico de maneira a se obter uma compreensão mais profunda e
abrangente sobre suas significações. O que pode desencadear – através da
identificação das novas ideias, correntes, propostas e tendências – um ganho
específico para a tomada de consciência do significado que o tema examinado
tem para a própria cultura (34). Pois que, ao mesmo tempo em que o crítico
trabalha com o estabelecimento de critérios de valorização da obra
arquitetônica, o historiador os alimenta para construir o seu próprio objeto
de estudo. Sem uma crítica, portanto, torna-se praticamente impossível
encontrar as faixas sobre o assunto em questão (35).
Sendo assim, assumir uma postura crítica passiva seria uma boa solução para
contornar as influências negativas que a instantaneidade midiática possui
sobre a produção arquitetônica? Para Jorge Figueira, uma das poucas das saídas
para a sobrevivência da crítica na arquitetura contemporânea seria justamente
ser menos crítica (36). Mas até que ponto essa atitude não acabaria por
limitar, enfraquecer o debate ideológico? No entanto, no caso latino-americano
e, de maneira mais específica, brasileiro, a suspensão da crítica (37) poderia
ter um efeito bastante interessante, interessante (38); desde que realizado
apenas por um período restrito de tempo, caso contrário, assumir-se-ia um
risco, que é o de se aceitar indiscriminadamente tudo o que é examinado (39).

A partir da suspensão temporária da crítica (40), teria a possibilidade de


adoção de um sistema complexo que respeitasse as qualidades e características
próprias dos objetos de estudo nacionais – e que considerasse o “espírito de
brasilidade”, se é que ele existe, por exemplo. Sobretudo, o mais importante
seria evitar a classificação da arquitetura nacional aos moldes da
historiografia europeia ou norte-americana (41), uma vez que após o pós-
moderno a atividade do historiador da arquitetura se confunde com a do crítico
(42); Alguns livros de história, por exemplo, passaram a ser uma compilação de
diversos artigos – publicados anteriormente como opiniões sobre os fatos
cotidianos (43).

A propósito, as coincidências entre o historiador e o crítico, entre a


história e a crítica, podem ir para além da metodologia; os objetivos
semelhantes e o exercício profissional tornam a história e a crítica
dependentes da teoria da arquitetura. A teoria pode ser compreendida como
um sistema de pensamento, que no âmbito científico, devido ao seu caráter
prático, adquire uma espécie de status normativo – determinante do que e como
a arquitetura deve ser. Não obstante, pode-se entender a história como uma
descrição crítica dos fatos atuais – que por sua vez partiram de uma teoria –
baseada, portanto, em algum tipo de fundamentação teórica, em elementos
pertencentes a uma teoria (44). Já a crítica, reitera-se, consiste na leitura
da realidade, “refere-se ao acontecer diário da arquitetura: à identificação
de novas ideias, à avaliação e interpretação de novas obras e propostas, ao
descobrimento de novas tendências” (45); determinantes na tomada de
consciência sobre as significações contidas no objeto de estudo.

Ao longo do tempo, distintas pautas críticas foram introduzidas no


trabalho histórico, para distanciá-lo do mito e aproximá-lo de uma tarefa
científica: a crítica das fontes, os critérios de verossimilhança, a
seleção por critérios de valor, conduzem todos a uma forma de abordagem à
matéria histórica que é eminentemente crítica, que exige o exercício do
juízo crítico em cada uma das etapas da elaboração do material. [...]
Quanto à teoria, como se poderia realizar uma seleção e valorização do
material histórico? Como poderiam ser propostas pautas críticas sem o
apoio de uma série de princípios, isto é, sem uma teoria? E, por sua vez,
de onde uma teoria obtém seu sustento, sua fundamentação, senão da
realidade, que é uma realidade histórica? (46)

Ainda que, em alguns momentos, a tríade de história, teoria e crítica esteja


desequilibrada, certamente continuará a servir como base para o entendimento
correto das características atuais. Sendo assim, a crítica migra sempre para
onde tem serventia – onde é imprescindível – mas não deixa de existir. Talvez,
ao invés de tentar se integrar à óptica contextual do arquiteto – como
o regionalismo crítico sugere – poder adotar novos conceitos instrumentais,
metodologias e pautas de valorização (47). E quem sabe, isso não se dará num
contexto iluminado ao sol do novo mundo? (48)
Uma realidade ainda nada animadora

No Brasil não há – como é muito comum em alguns países latino-americanos


– um espaço fixo de crítica de arquitetura em grandes jornais. O tema da
arquitetura é abordado dentro da rotina cotidiana, como 'matéria quente',
onde o apelo está no comportamento do arquiteto, no arrojo formal da
edificação, ou em algum elemento exótico associado. Quase sempre a
arquitetura é abordada por jornalistas não especializados ou por
arquitetos sem treinamento na área de crítica de arquitetura. Assim, na
grande imprensa temos muitas opiniões e poucas críticas (49).

Em 1954, Ernesto Nathan Rogers já alertava sobre a vitimização da arquitetura


brasileira por conta de críticas “arbitrárias, antagônicas e quase sempre
descabidas” (50), motivadas pelas primeiras chuvas; inspirado, quase sempre,
somente pela aparência dos objetos de estudo. Evidente contradição frente a
uma das maiores conquistas do pensamento moderno: “o fato de ter compreendido
que o julgamento de um determinado é condicionado não só pela definição de
cada uma das partes que o determina, mas também e sobretudo pela posição
variável de cada parte no conjunto” (51).

Aquelas Recuperações de Rogers, realizadas há aproximadamente sessenta anos,


sobre o cenário da crítica arquitetônica no Brasil parecem se enquadrar
perfeitamente à realidade atual. A falta de conhecimento desenvolvida por
parte da mídia – e seus canais de comunicação – continua, sistematicamente, a
nivelar a crítica à escala da mera opinião; enquanto isso, a maioria dos
críticos especializados – vinculados às grandes escolas de arquitetura
brasileiras – encontra-se abarrotada de atividades como orientações,
pesquisas, comprovação da produção, entre outras, que levam muito tempo,
trazendo assim, uma produção crítica de qualidade (52).

Para Hugo Segawa, uma maneira de minimizar esse problema poderia ser a
separação entre a crítica para arquitetos e para não arquitetos, uma vez que
sua maneira de elaboração e seu papel são diferentes entre o texto de um
jornal e uma tese acadêmica (53). “Os leitores de um diário de grande
circulação devem ler críticas escritas de outra maneira que as críticas
produzidas para revistas de arquitetura, nossos leitores estão aparelhados
para uma compreensão mais específica” (54). A grande questão é até que ponto
não está a ocorrer a prática inversa; isto é, as críticas das revistas de
arquitetura não estão a se tornar raras e superficiais, equiparáveis aos
textos opinativos de um jornal?

Da mesma forma, em que as obras cuja aparência não seja motivada por razões
internas e circunstanciais são indicadas formalistas, assim também devem ser
as críticas que são incapacitantes de “penetrar no significado das obras
rompendo a crosta do gosto subjetivo” (55). O que significa, por outras
palavras, aderir “à realidade em toda a sua complexidade, de modo que o
recorte que, forçosamente, deve fazer, não distorça os traços fundamentais do
território onde atua” (56).

Infelizmente, ao invés da crítica nacional aderir a uma prática análoga a


essa, o que se está a verificar é a existência de trabalhos cada vez menos
críticos, cuja produção circula quase que exclusivamente dentro dos muros
universitários através de seminários, congressos, conferências e revistas
acadêmicos (57); uma produção endógena (58), que caracteriza para a crítica
arquitetônica nacional, objetivamente, uma realidade ainda nada animada.
Nem tanto ao mar, nem tanto à terra

Por cautela, recomenda-se que o conhecimento sobre uma obra seja o mais
completo possível. Mas não há como definir o que é uma abordagem
exaustiva, promover um ideal de completude. Simetricamente, a informação
mínima é uma questão de bom senso. É inútil coletar dados e informações
exaustivamente e reter um monte de coisas sobre os quais não se logra
processar. A capacidade de observação, as possibilidades de obter
informações, investigar sobre a realização e a inteligência do crítico de
percebê-las sob os mais diversos olhares, as mais diversas posições,
parecem-me fundamentais no exercício da crítica (59).

Uma análise que venha a desconsiderar a origem das ideias arquitetônicas deixa
diversas soluções sem explicação, que normalmente aparecem como caprichos ou
produtos geniais, sem raízes culturais que lhe podem dar sentido (60); um
problema visivelmente presente na crítica arquitetônica instantânea,
principalmente aquela realizada por não arquitetos ou por agentes não
especializados. Ao mesmo tempo, muitas das análises que investigam consideram
essas origens como instrumentos para a exploração dos objetos de estudo,
conceitos que são elaborados a partir de outras realidades, como a europeia e
a norte-americana (61), o que pode implicar em interpretações erradas, muitas
vezes indesejadas pelo próprio crítico.

Por conta disso, acredita-se que os critérios para a atribuição de juízo sobre
determinada proposta arquitetônica deverão ser sempre variáveis, de acordo com
as problemáticas de cada unidade cultural (62); considerando-se as respectivas
dimensões políticas. Ainda assim, pelo fato de não existir uma verdade
universal, absoluta, tampouco um único ponto de vista – algo que, como
comentado, seria inclusivamente indesejável por empobrecer o debate ideológico
– torna-se necessário aceitar certo grau de subjetividade e relativismo em
qualquer exercício crítico (63). E por isso, uma solução para uma continuidade
coerente da crítica arquitetônica contemporânea na América Latina não poderia
ser nem tanto ao mar, nem tanto a terra; ou seja, estaria num interstício
entre a subjetividade e a objetividade.

Para que a crítica possa ocupar esse espaço intersticial entre a subjetividade
e a objetividade absoluta, e ao mesmo tempo descartar qualquer possibilidade
de manipulação do leitor, podem-se tomar certos cuidados. Antes de tudo, o
crítico precisa da “capacidade de distinguir o relevante do vil e de destacar
o transcendente do desprezível” (64). Esse discernimento (65), poderia vir
acompanhado com uma declaração escrita explícita sobre a ideologia
arquitetônica e método utilizado na abordagem e análise críticas, de maneira a
possibilitar as condições básicas para uma interpretação adequada não só das
informações fornecidas como também das justiças de valor apresentadas (66).

A partir daí, tornar-se-ia perfeitamente possível colocar na prática uma série


de considerações fundamentais sobre a crítica arquitetônica. Como por exemplo,
a ideia de que todo tipo de objetos é passível de estudo, inclusive aqueles
que muitos na América-Latina desconsideram ao julgá-los como não
atualizados; ou até mesmo a de que a crítica manipula e cria mecanismos
artificiais (67).

Resta-nos, portanto, esperar ética e discernimento por parte dos críticos e


não confundir uma certa passividade de certas modalidades da crítica com a sua
ausência total; assim como lutar por mais espaço para a divulgação da crítica
arquitetônica especializada – exigindo melhor conteúdo dos meios de
comunicação que nós próprios consumimos e financiamos – uma vez que se revelam
exigências para a orientação da boa prática profissional.

notas
1 WAISMAN , Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de
latino-americanos. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 31.
2 FIGUEIRA, Jorge. Houston temos um problema: o fim da crítica de arquitetura. Jornal
Arquitectos , Lisboa, n. 239, 2011, pág. 86.
3 Idem, ibidem, pág. 87.
4 Idem, ibidem, pág. 86.
5 Ao alcance de um simples clique no twitter , facebook , instagram , whatsapp , dentre
outros mecanismos de comunicação em massa garantida, graças à evolução tecnológica, ao
alcance de qualquer pessoa.
6 MONTANER, Josef Maria. A crítica na arquitetura. Barcelona, Gustavo Gili, 2007,
pág. 10.
7 Termo originalmente utilizado por Jorge Figueira. Ver: FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.,
pág. 87.
8 FRAMPTON, Kenneth. Perspectivas para um regionalismo crítico. Em NESBITT,
Kate. (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). 2ª
edição revista. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 506.
9 Cf. FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., pág. 506.
10 Idem, ibidem, pág. 519.
11 Para Alberto Campo Baeza, a arquitetura é algo artificial, um artefato – a
personalizado das palavras arte e fato – materialização da razão humana através da
utilização de materiais originários do meio natural. É, basicamente, a natureza
manipulada e transformada através de um artifício, tecnologia, produto da razão
humana. Ver: BAEZA, Alberto Campo. Princípios Arquitetônicos . Casal de Cambra,
Caleidoscópio, 2013, p. 77-87.
12 FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p.519.
13COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre a arquitetura 1980-
1987. São Paulo, Cosac Naify, 2004, p. 197.
14 Cfr. COLQUHOUN, Alan. Op. cit.
15 Idem, ibidem.
16 RAMÍREZ, William García. Utopias: Uma Crítica Visionária. Em SEGAWA, Hugo; GUERRERO,
Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.) Crítica de arquitetura: ensaios
latino-americanos. Cotia, Ateliê Editorial, 2013, p. 83-110.
17 Cfr. RAMÍREZ, William García. Op. cit.
18 TAFURI, Manfredo. Não cê crítica, história solo. Milão: Casabella , nº619-620, p.96-
99, Gen./Fev., 1995, p.97. ApudFIGUEIRA , Jorge. Op. cit.. p.89.
19 MONTANER, Josep Maria. Op. cit., pág. 10-11.
20 FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p.89.
21 Idem, Ibidem.
22 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 89.
23 Idem, ibidem, pág. 89.
24 Idem, ibidem.
25 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 89.
26 Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 63-64.
27 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.
28 Idem, ibidem, pág. 90.
29 Idem, ibidem.
30 Parte do Hino Nacional brasileiro. O trocadilho refere-se ao fato irônico do Brasil
estar situado no Novo Mundo (América) ao passo que a arquitetura é mudança de acordo com
o Velho Mundo (Europa).
31 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 33.
32 FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 92.
33 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 29.
34 Idem, Ibidem.
35 WAISMAN, Marina. Op. cit., p.29.
36 Para Jorge Figueira, ser menos crítico não significa deixar de criticar, mas diminuir
o número de opiniões emitidas sem uma reflexão teórica aprofundada. Ver: FIGUEIRA,
Jorge. Op. cit., pág. 92.
37 Refere-se aqui, sobretudo, à suspensão daquela “modalidade” de crítica leviana e sem
fundamentação que, infelizmente, encontra-se mesclada com as “modalidades” sérias e
contundentes.
38 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 32-37.
39 Idem, Ibidem.
40 Ver nota 37.
41 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., p.32-37.
42 Idem, Ibidem.
43 Idem, Ibidem.
44 Idem, Ibidem.
45 WAISMAN, Marina. Op. cit., p.31.
46 Idem, p.29-30.
47 Idem, p.46-183.
48 Consulte-se aqui na América, mais especificamente ao Brasil. distante dos modelos
europeus (velho mundo) e norte-americanos.
49 GUERRA, Abílio. A universidade e a crítica de arquitetura no Brasil. Arquitextos ,
São Paulo, ano 15, n. 173.02, Vitrúvio, nov. 2014
< www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.173/5332 >..
50 ROGERS, Ernesto Nathan. Pretextos para uma crítica não formalista. Casabella , Milão,
n. 200, fev./mar. 1954, pág. 1-3. XAVIER, Alberto (organizador). Depoimento de uma
geração – arquitetura moderna brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 1987, p. 166.
51 Idem, ibidem, p.167.
52 Cfr. GUERRA, Abílio. Op. cit., pág. 6-9.
53 SEGAWA, Hugo. Perguntas Oportunas, Respostas Tortas. Em SEGAWA, Hugo; GUERRERO,
Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.). Op. cit., pág. 175-192.
54 Idem, ibidem, pág. 179.
55 ROGERS, Ernesto Nathan. Op. cit.
56 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 51-52.
57 GUERRA, Abílio. Op. cit., pág. 6.
58 Idem, Ibidem.
59 SEGAWA, Hugo. Op. cit., pág. 181.
60 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 15.
61 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 42.
62 Idem, ibidem, pág. 45.
63 Idem, ibidem, pág. 47.
64 RAMÍREZ, William García. Op. cit., pág. 85.
65 Idem, ibidem, pág. 85-86.
66 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 52.
67 Cfr. SEGAWA, Hugo. Op. cit., pág. 175-192.

sobre o autor

André Luís Cordeiro da Costa é arquiteto e urbanista, formado pela Universidade


Federal do Paraná (UFPR), especialista em Arquitetura: projeto, teoria e história
pela Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP), onde é
doutorando. Atualmente trabalha como Professor Substituto na Faculdade de Ciência e
Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
(Unesp).

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