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Tão logo uma crítica é feita, torna-se muito difícil considerá-la verdadeira
ou simplesmente descarta-la, até porque não existe uma verdade universal,
absoluta. Somente através de um distanciamento crítico adequado – que
necessita de tempo para ser estabelecido – é possível separar, mesmo correndo
riscos, dentro do universo das opiniões, o joio do trigo. Portanto, no âmbito
da crítica arquitetônica, o tempo é o senhor da razão, uma vez que somente
através da dimensão temporal confirmar-se-á se diferentes suposições/opiniões
sobre determinado assunto estão de fato correto ou não – conforme os critérios
de investigações adotadas.
No entanto, essa linha de pensamento acaba por não surtir o efeito da maneira
desejada, pelo que alguns a consideraram mais como “a perda dos prejuízos do
que seu resgate” (13). Ao que surge, então, uma nova espécie de regionalismo,
mais distante das regiões culturais – diretamente relacionada com etnia,
clima, língua, etc. – e mais próxima da fundamentação política (14). Para Alan
Colquhoun, um dos exemplos mais eloquentes das diferenças regionais está nas
interpretações anglo-saxãs e norte-americanas sobre as interações entre a
tecnologia e a arquitetura (15). Enquanto a primeira possui um
caráter idealista, a segunda possui um pragmático ; atitudes que, segundo ele,
estão diretamente relacionadas a uma dimensão política – que interferem de
maneira indireta sobre a práxis arquitetônica .
Para além das questões apresentadas, a crítica é considerada por muitos como a
constatação do futuro realizada no presente, de maneira que assume uma face de
um dos “valores mais desejados pela sociedade: o novo” (16). Apesar de ser uma
alternativa à tradição (17), o novo, obviamente com o passar do tempo, tornar-
se-á habitual; eis aí um exemplo da “'destruição contínua' que 'contribui para
o niilismo de nosso tempo'” (18). Portanto, a própria dinâmica social acaba
colocando a crítica numa posição dialética, o que não é algo negativo, mas que
lhe confere um estatuto muito mais complexo, difícil de ser compreendido.
Tal e qual uma moeda, que possui duas faces, um valor determinado e a função
de proporcionar a compra e venda de produtos, as críticas operativas e
pragmáticas possuem diferentes faces e abordagens frente a uma mesma função:
considerar julgamentos de valor aos variados objetos de estudo. Esses
pensamentos – entendem-se comentários sobre a arquitetura do presente –
servirão como fios condutores à práxis e historiografia arquitetônica, pois
através deles, identificar-se-ão novas ideias, discursos, tendências,
aproximações, enfim, pistas que serão de grande utilidade para as tomadas de
decisões realizadas pelo profissional arquiteto.
Iluminado ao sol do novo mundo (30)
Para Hugo Segawa, uma maneira de minimizar esse problema poderia ser a
separação entre a crítica para arquitetos e para não arquitetos, uma vez que
sua maneira de elaboração e seu papel são diferentes entre o texto de um
jornal e uma tese acadêmica (53). “Os leitores de um diário de grande
circulação devem ler críticas escritas de outra maneira que as críticas
produzidas para revistas de arquitetura, nossos leitores estão aparelhados
para uma compreensão mais específica” (54). A grande questão é até que ponto
não está a ocorrer a prática inversa; isto é, as críticas das revistas de
arquitetura não estão a se tornar raras e superficiais, equiparáveis aos
textos opinativos de um jornal?
Da mesma forma, em que as obras cuja aparência não seja motivada por razões
internas e circunstanciais são indicadas formalistas, assim também devem ser
as críticas que são incapacitantes de “penetrar no significado das obras
rompendo a crosta do gosto subjetivo” (55). O que significa, por outras
palavras, aderir “à realidade em toda a sua complexidade, de modo que o
recorte que, forçosamente, deve fazer, não distorça os traços fundamentais do
território onde atua” (56).
Por cautela, recomenda-se que o conhecimento sobre uma obra seja o mais
completo possível. Mas não há como definir o que é uma abordagem
exaustiva, promover um ideal de completude. Simetricamente, a informação
mínima é uma questão de bom senso. É inútil coletar dados e informações
exaustivamente e reter um monte de coisas sobre os quais não se logra
processar. A capacidade de observação, as possibilidades de obter
informações, investigar sobre a realização e a inteligência do crítico de
percebê-las sob os mais diversos olhares, as mais diversas posições,
parecem-me fundamentais no exercício da crítica (59).
Uma análise que venha a desconsiderar a origem das ideias arquitetônicas deixa
diversas soluções sem explicação, que normalmente aparecem como caprichos ou
produtos geniais, sem raízes culturais que lhe podem dar sentido (60); um
problema visivelmente presente na crítica arquitetônica instantânea,
principalmente aquela realizada por não arquitetos ou por agentes não
especializados. Ao mesmo tempo, muitas das análises que investigam consideram
essas origens como instrumentos para a exploração dos objetos de estudo,
conceitos que são elaborados a partir de outras realidades, como a europeia e
a norte-americana (61), o que pode implicar em interpretações erradas, muitas
vezes indesejadas pelo próprio crítico.
Por conta disso, acredita-se que os critérios para a atribuição de juízo sobre
determinada proposta arquitetônica deverão ser sempre variáveis, de acordo com
as problemáticas de cada unidade cultural (62); considerando-se as respectivas
dimensões políticas. Ainda assim, pelo fato de não existir uma verdade
universal, absoluta, tampouco um único ponto de vista – algo que, como
comentado, seria inclusivamente indesejável por empobrecer o debate ideológico
– torna-se necessário aceitar certo grau de subjetividade e relativismo em
qualquer exercício crítico (63). E por isso, uma solução para uma continuidade
coerente da crítica arquitetônica contemporânea na América Latina não poderia
ser nem tanto ao mar, nem tanto a terra; ou seja, estaria num interstício
entre a subjetividade e a objetividade.
Para que a crítica possa ocupar esse espaço intersticial entre a subjetividade
e a objetividade absoluta, e ao mesmo tempo descartar qualquer possibilidade
de manipulação do leitor, podem-se tomar certos cuidados. Antes de tudo, o
crítico precisa da “capacidade de distinguir o relevante do vil e de destacar
o transcendente do desprezível” (64). Esse discernimento (65), poderia vir
acompanhado com uma declaração escrita explícita sobre a ideologia
arquitetônica e método utilizado na abordagem e análise críticas, de maneira a
possibilitar as condições básicas para uma interpretação adequada não só das
informações fornecidas como também das justiças de valor apresentadas (66).
notas
1 WAISMAN , Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de
latino-americanos. São Paulo, Perspectiva, 2013, p. 31.
2 FIGUEIRA, Jorge. Houston temos um problema: o fim da crítica de arquitetura. Jornal
Arquitectos , Lisboa, n. 239, 2011, pág. 86.
3 Idem, ibidem, pág. 87.
4 Idem, ibidem, pág. 86.
5 Ao alcance de um simples clique no twitter , facebook , instagram , whatsapp , dentre
outros mecanismos de comunicação em massa garantida, graças à evolução tecnológica, ao
alcance de qualquer pessoa.
6 MONTANER, Josef Maria. A crítica na arquitetura. Barcelona, Gustavo Gili, 2007,
pág. 10.
7 Termo originalmente utilizado por Jorge Figueira. Ver: FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.,
pág. 87.
8 FRAMPTON, Kenneth. Perspectivas para um regionalismo crítico. Em NESBITT,
Kate. (org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). 2ª
edição revista. São Paulo, Cosac Naify, 2008, p. 506.
9 Cf. FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., pág. 506.
10 Idem, ibidem, pág. 519.
11 Para Alberto Campo Baeza, a arquitetura é algo artificial, um artefato – a
personalizado das palavras arte e fato – materialização da razão humana através da
utilização de materiais originários do meio natural. É, basicamente, a natureza
manipulada e transformada através de um artifício, tecnologia, produto da razão
humana. Ver: BAEZA, Alberto Campo. Princípios Arquitetônicos . Casal de Cambra,
Caleidoscópio, 2013, p. 77-87.
12 FRAMPTON, Kenneth. Op. cit., p.519.
13COLQUHOUN, Alan. Modernidade e tradição clássica: ensaios sobre a arquitetura 1980-
1987. São Paulo, Cosac Naify, 2004, p. 197.
14 Cfr. COLQUHOUN, Alan. Op. cit.
15 Idem, ibidem.
16 RAMÍREZ, William García. Utopias: Uma Crítica Visionária. Em SEGAWA, Hugo; GUERRERO,
Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.) Crítica de arquitetura: ensaios
latino-americanos. Cotia, Ateliê Editorial, 2013, p. 83-110.
17 Cfr. RAMÍREZ, William García. Op. cit.
18 TAFURI, Manfredo. Não cê crítica, história solo. Milão: Casabella , nº619-620, p.96-
99, Gen./Fev., 1995, p.97. ApudFIGUEIRA , Jorge. Op. cit.. p.89.
19 MONTANER, Josep Maria. Op. cit., pág. 10-11.
20 FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., p.89.
21 Idem, Ibidem.
22 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 89.
23 Idem, ibidem, pág. 89.
24 Idem, ibidem.
25 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 89.
26 Cf. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 63-64.
27 Cfr. FIGUEIRA, Jorge. Op. cit.
28 Idem, ibidem, pág. 90.
29 Idem, ibidem.
30 Parte do Hino Nacional brasileiro. O trocadilho refere-se ao fato irônico do Brasil
estar situado no Novo Mundo (América) ao passo que a arquitetura é mudança de acordo com
o Velho Mundo (Europa).
31 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 33.
32 FIGUEIRA, Jorge. Op. cit., pág. 92.
33 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 29.
34 Idem, Ibidem.
35 WAISMAN, Marina. Op. cit., p.29.
36 Para Jorge Figueira, ser menos crítico não significa deixar de criticar, mas diminuir
o número de opiniões emitidas sem uma reflexão teórica aprofundada. Ver: FIGUEIRA,
Jorge. Op. cit., pág. 92.
37 Refere-se aqui, sobretudo, à suspensão daquela “modalidade” de crítica leviana e sem
fundamentação que, infelizmente, encontra-se mesclada com as “modalidades” sérias e
contundentes.
38 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 32-37.
39 Idem, Ibidem.
40 Ver nota 37.
41 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., p.32-37.
42 Idem, Ibidem.
43 Idem, Ibidem.
44 Idem, Ibidem.
45 WAISMAN, Marina. Op. cit., p.31.
46 Idem, p.29-30.
47 Idem, p.46-183.
48 Consulte-se aqui na América, mais especificamente ao Brasil. distante dos modelos
europeus (velho mundo) e norte-americanos.
49 GUERRA, Abílio. A universidade e a crítica de arquitetura no Brasil. Arquitextos ,
São Paulo, ano 15, n. 173.02, Vitrúvio, nov. 2014
< www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/15.173/5332 >..
50 ROGERS, Ernesto Nathan. Pretextos para uma crítica não formalista. Casabella , Milão,
n. 200, fev./mar. 1954, pág. 1-3. XAVIER, Alberto (organizador). Depoimento de uma
geração – arquitetura moderna brasileira. São Paulo, Cosac Naify, 1987, p. 166.
51 Idem, ibidem, p.167.
52 Cfr. GUERRA, Abílio. Op. cit., pág. 6-9.
53 SEGAWA, Hugo. Perguntas Oportunas, Respostas Tortas. Em SEGAWA, Hugo; GUERRERO,
Ingrid Quintana; SILVA, Aline de Figueirôa (org.). Op. cit., pág. 175-192.
54 Idem, ibidem, pág. 179.
55 ROGERS, Ernesto Nathan. Op. cit.
56 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 51-52.
57 GUERRA, Abílio. Op. cit., pág. 6.
58 Idem, Ibidem.
59 SEGAWA, Hugo. Op. cit., pág. 181.
60 WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 15.
61 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 42.
62 Idem, ibidem, pág. 45.
63 Idem, ibidem, pág. 47.
64 RAMÍREZ, William García. Op. cit., pág. 85.
65 Idem, ibidem, pág. 85-86.
66 Cfr. WAISMAN, Marina. Op. cit., pág. 52.
67 Cfr. SEGAWA, Hugo. Op. cit., pág. 175-192.
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