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PSICOLOGIA DO CRIME –

Livro: Psicologia do crime – Odon Ramos Maranhão.

A CLASSIFICAÇÃO “ETIOLÓGICA”
Várias classificações foram encetadas de acordo com diversas teorias do
crime, o que provocava uma postura apriorística do pesquisador chegando a
conclusões diferentes dependendo da teoria adotada.
Veiga de Carvalho apresenta uma classificação pretensamente
desvinculada de uma “teoria do crime” é a classificação etiológica que
considera a criminalidade natural comparativamente ao comportamento
socialmente ajustado. O ponto de partida é o seguinte: quando se dá a
produção de uma ato criminoso, o agente responde a estímulos que procedem
de seu meio interno (biologia) ou do ambiente circundante (mesológico). O
processo de integração psíquica atenderá a um dinamismo do tipo descrito por
Abrahamsen:
(Que apregoa que as solicitações externas ou internas terão de
vencer os meios contensores – resistências – para chegar a levar
alguém à prática criminosa. Estabelece que a vontade do agente é
o elemento central no processo decisório).
Assim, a classificação fundamenta-se no elemento preciso que é saber se
as forças que venceram a contenção do agente criminal procederam do seu
meio interno ou externo. Um desequilíbrio de forças em determinado momento,
seja do meio interno (biológicas- condição de ser) seja do ambiente social
(mesológicas). Daí surgem dois grupos puros que se subdividem:

a) Mesocriminoso puro – o ato antissocial é fruto da passividade diante


do meio exterior. Ex: indivíduo não civilizado que pratica ato aceitável no
seu meio de origem, mas criminoso em outro meio social.
(Obs: aqui falta animus delinquendi - pseudocriminoso)

b) Mesocriminoso preponderante – o meio exterior é preponderante.


c) Mesobiocriminoso – responde aos fatores internos e externos de forma
equânime.
d) Biocriminoso preponderante – as perturbações mentais são
preponderantes, o sujeito é vulnerável a um gatilho externo por
predisposição biológica.

e) Biocriminoso puro – o ato antissocial é fruto de incitações endógenas.


Ex: perturbados mentais. Ex: epilético em crise de furor.
(Obs: aqui falta capacidade de imputação- pseudocriminoso).

 Mesocriminoso preponderante mesobiocriminoso e biocriminoso


preponderante seriam os criminosos verdadeiros.

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Fatores do ato criminoso:
FIC – fatores individuais corporais
+ atuando diante do FM (fatores men tais) = ato
criminoso ou ato ajustável
FGS – fatores gerais sociais
Obs: A personalidade global num dado momento será levada a executar certa
ação ou freará os impulsos.
Obs: Considerar também que diante de inimputabilidade não se cogitará de
punição ao agente.
Trata-se de teoria objetiva que não aborda a natureza e complexidade da
motivação humana em termos de “fatores causais” e, de outra parte, as
“teorias criminogenéticas”, mas sob a ótica do ato, em síntese, significa que
qualquer ato implica uma personalidade, com suas disposições e seus
meios contensores a par de fator ou fatores precipitantes ou
desencadeantes.
Cada pessoa adquire, pela integração desses elementos uma
configuração própria e unitária, uma fisionomia própria chamada de
personalidade. Toda esta estruturação desses fatores são considerados
PRIMÁRIOS (constituição biopsíquica e o process histórico).
De outra parte, os fatores que agem sobre uma estrutura pronta e
acabada pode ser considerado como SECUNDÁRIOS (fatores que
desencadeiam uma ação).
Em termos dinâmicos, a categoria (biológica, psicológica ou social) a que
pertençam, nem se procedem do meio interno ou do ambiente exterior, é mais
importante saber se interferiram na formação da personalidade do agente ou
no desencadeamento da ação.

CONSTITUIÇÃO + FORMAÇÃO (primários) + SOLICITAÇÃO (secundários)


= ATO (crime ou não)

Desse resultado, interessa-nos o ato criminoso.

- Uma pessoa bem formada e bem constituída poderá ter rompido o seu
equilíbrio e praticar um crime, por reação – crime eventual (agente
personalidade normal em conduta psicologicamente atípica)
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- Uma pessoa com defeito da personalidade, por má constituição ou por má
formação e o ato criminoso chega a ser uma expressão do caráter
(personalidades psicopáticas e personalidades delinquentes). Agente com
personalidade anormal em conduta psicologicamente típica).

Enfoque criminológico: 2 tipos contrapostos:


- ato delitivo agudo;
- comportamento criminoso (ato comportamental delinquencial crônico).
a) Ato agudo – (ato grave - eventual) – O agente tem personalidade bem
formada, integrou os valores básicos de sua cultura, aceitou ajustar-se à
sociedade à família e ao trabalho; é tido como obediente à lei. Um ato
delituoso não combina com sua personalidade, somente um rompimento
lacunar de seu equilíbrio interior justifica o crime. (Juridicamente típica e
psicologicamente atípica). Aqui, a circunstância se apresenta como
situação específica e geradora do crime. Usualmente esse ato é
percebido como uma violência, desencadeia sentimento de culpa e pode
até sinalizar arrependimento.
As reações súbitas de ira, as ações explosivas (curto circuito), algumas
violências sexuais, podem indicar agente anormal ou limítrofe e assim
podendo ser enquadrados como delitos sintomáticos.
b) Comportamento delinquencial crônico (processo de maturação
criminal) – o agente não integrou-se ou rejeitou os valores comuns da sua
cultura e passou a aceitar a prática delituosa. Tem comprometimento da
crítica e do senso ético; a recidiva é usual; o arrependimento
questionável; os delitos são cuidadosamente preparados individual ou
coletivamente. A personalidade anormal domina a circunstância e o
crime é um estilo de vida.
Dessa forma, estabelece-se uma sistemática válida para o ato criminoso bem
como para o ato ajustado:
a) 1ª hipótese – os fatores secundários predominam, de modo exagerado,
sobre os primários e os dominam no processo gerador da ação;
b) 2ª hipótese – as condições precipitantes são de pequena monta e as
causas remotas (primárias) quase por si sós, levam a pessoa ao ato.
Isso permite os seguintes grupos naturais de criminosos:
1º) DELITO OCASIONAL – personalidade normal bem constituída e bem
formada, socialmente ajustada, mediante solicitação particularmente
forte, ato que rompe lacunarmente o seu equilíbrio e chega à prática
antissocial. Fatores primários aqui tiveram pouca ou nenhuma
participação na dinâmica do ato;
2º DELITO SECUNDÁRIO OU SINTOMÁTICO – personalidade em estado
mórbido, convertendo-se num verdadeiro sintoma da doença e com o

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mesmo valor que os demais, guarda nexo causas com a perturbação
referida, seja esta de natureza permanente ou transitória.
3º DELITO PRIMÁRIO OU ESSENCIAL ou CARACTEROLÓGICO–
personalidade portadora de defeito. Manifestação fundamental do delito
pessoal, agente portador de defeito de caráter. Com mínimo ou nulo fator
desencadeante.
Distinções relevantes:
Personalidade normal – indivíduo comum que, apesar de problemas,
traumas e conflitos apresenta-se como ajustado até o tempo da pratica
antissocial de certo modo imprevista e inesperada.
Personalidade mórbida – quando apresenta perturbações psíquicas de
qualquer natureza, importando sua existência ao tempo da ação delituosa.
Personalidade defeituosa – quando, apesar da preservação das funções
psíquicas superiores, está comprometida a capacidade de julgamento, levando
o agente a uma atitude antissocial ou parassocial. Candidato à reincidência na
prática delituosa, dependente direto da estrutura do referido “defeito”.

DELINQUÊNCIA OCASIONAL
Não é simples a estrutura conceitual da delinquência ocasional é dissenso
doutrinário, pois cada um emprega conteúdo com aspectos diversos. Em que
pese as discussões históricas:
a) A ocasião faz o ladrão (Garofalo);
b) Ocasionais são ligeiramente dispostos à delinquência (Carrara);
c) Não é revelado pela ocasião, mas produzido por ela – qualquer um pode
ser levado excepcionalmente ao delito (Ottolenghi);
d) Sem apresentar tendência inata para o delito o cometem sob a influência
de tentações causadas por fatores pessoais ou do ambiente exterior
(Ferri)
e) Etc.
Dessas, a classificação natural optou pela mais clara:
Delito praticado por agente até então socialmente ajustado (“normal”),
obediente à lei e só chegou à ação delituosa respondendo a uma forte
solicitação externa. Logo:
- sem história de vida registrada por eventos psicopatológicos ou disgênicos;
- exame mental dentro da normalidade
- provas psicológicas indicam harmonia, controle de impulsos, e
adaptabilidade;
- a observação social indicará ajuste dos valores socioculturais ao meio no
passado e no presente.

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OBS: muitas subdivisões podem ser lembradas enquadrando os:
delitos por equívoco (são os delitos culposos – o ego está com
atenção fixa em coisa distinta da ocupação real que o indivíduo
compreende e, no caso, qualquer tendência criminal inconsciente
chega a desbordá-lo);
delitos de situação (ocasionais) onde estas ações são executadas
em circunstâncias em que o choque afetivo provoca uma reação
criminal. Preferencialmente de causas exógenas. Subdividem-se em:
1) Ocasional puro – delitos de levíssima gravidade por causas e
circunstâncias completamente acidentais;
2) Por situações ambientais desfavoráveis, hábitos prejudiciais, más
companhias, sugestões imorais;
3) Por estados emocionais e passionais.
Importante aqui que fique constatada uma ruptura lacunar no
funcionamento de seus meios contensores de impulsos, que
sucumbiram frente a desproporcional solicitação fortuita.
Ao mesmo tempo os ocasionais NÃO APRESENTAM:
1) Sintomas de desvios ou de perturbações psíquicas - Quando há sofrimento
(neurótico) este deve ser insuficiente para produzir um desajuste social
grave;
2) Desobediência à lei – com infrações evidentes. Se cometer alguma falha
será insignificante, tolerada pela sociedade, não dando lugar a um processo
criminal;
3) Revolta imotivada aos usos e valores – em que pese sempre existirem
limites socialmente aceitos. Portanto, não são revoltados.
VER- Laudo de delinquência ocasional/eventual:
Sujeito diz-se epilético que ingeriu bebida alcoólica, 21 anos, e disparou
com arma de fogo matando 1 e ferindo outros.
Entendido plenamente imputável penalmente (neurótico imaturo e
inseguro, sujeito a condutas reativas (página 42-48 do livro).

DELINQUÊNCIA SINTOMÁTICA
Agente portador de anomalia da personalidade com prática vinculada a essa
perturbação, por isso, “delito sintomático”.
Obs: é preciso que o delito seja consequência do conjunto mórbido ou tenha
sido resultante do psicodinamismo patológico – precisa desse nexo causal. Ou
seja, se o delito não estiver associado à anomalia não será enquadrado como
ato sintomático.

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Porot e Kammerer subclassificam:
1) Delinquência frenastênica (oligofrenias) – uma insuficiência global
com diagnóstico pluridimensional (escolar, clínico, psicométrico, social,
etc) de origem em diversas causas, por ex: disgenias, defeitos do
desenvolvimento, distúrbios do metabolismo hereditariedade dominante,
etc. ou seja, um agente que está abaixo da média dos seus pares e tem
dificuldades adaptativas, essencialmente sem presença de tóxicos, sendo
pessoa altamente sugestionável por indução ao crime.
Ex: na forma leve se inclinam ao roubo, atentados ao pudor, falsas
denúncias. Em grau médio homicidas agressão à autoridade, atos de
bestialidades, uso de tóxicos e atentados ao pudor mais graves e
violências sexuais. Nas formas mais graves são irritáveis, praticam atos
monstruosos como parricídios ou tornarem-se incendiários. (obs: graus
avançados comprometem a capacidade de imputação).

2) Delinquência psicótica- praticada por “perturbado mental” com


comprometimento das funções psíquicas superiores AO TEMPO DA AÇÃO.
Obviamente se beneficiará do art 26 do CP e, por muitos não se
configura crime no sentido restrito do termo.
O agente criminal é examinado posteriormente ao fato (mesmo quando
se trata de “incidente de sanidade mental” nos termos do 149 CPP). O
examinador irá enquadrar o caso:
a) Episódio – característica ser reversível e não repetitivo (período
mórbido único que se intercala entre dois sadios e sem recidiva). Se
foi o ato no momento da morbidez é inimputável. Ex: indivíduo que
apresentou episódio delirante em anemia perniciosa quando tentou
assassinar a esposa. Não é dotado de potencial criminológico por não
ter recidiva. Uma vez ultrapassado o evento, volta a vida normal.
b) Processo – contrário do episódio, uma vez instalado o processo
psicopatológico, mostra-se irreversível. Há um período sadio e o
período mórbido em seguida. Consequências:
b.1 – crime no período sadio e perturbação ao tempo do exame ou da
execução da pena – doença mental superveniente (682 CPP) fica
isento de punição e sim medida de segurança para internação e
tratamento (suspende a pena);
b.2 – fato criminoso ocorrido no período mórbido – desde logo
remetido ao manicômio.
c) Surto – apresenta uma evolução por surtos ocorrendo fases sadias
intercaladas com fases mórbidas. Pode ocorrer inimputabilidade na
fase mórbida e semi-imputabilidade na fase sadia (por ser difícil
estabelecer com claridade a duração da lucidez).
Ex: distúrbios ciclofrênicos, psicopatias recidivas, tendo aplicação nas
formas deliquenciais de natureza tóxica e disrítmica.
d) Defeito – reliquat de manifestação psicopatológica pregressa e pode
ter variados graus. Importa a recidiva. Houve perturbação anterior,
tratada ou não, e agora a recuperação foi apenas parcial (deixou
sequelas) interessa aqui saber se está apto para a saída do
manicômio ou concessão de liberdade vigiada.
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É preciso avaliar o grau de sequela, pois pode permanecer a condição
de inimputabilidade, bem como a responsabilidade pode ser restrita
ou até plena, depende do caso concreto.

Laudos de sanidade mental (Incidente de Sanidade)


Caso de epilepsia e outro de esquizofrenia paranoide. Pg 54-62.

DELINQUÊNCIA NEURÓTICA
A doutrina circunda entre delinquência por neurose (sintoma de neurose)
ou desvios de caráter (neurose de caráter) e outros negam a participação da
neurose na gênese do comportamento criminal.
O autor considera a mesma coisa delinquência por neurose ou desvio de
caráter por neurose – é uma integração defeituosa de valores resultado de
comportamento cronicamente antissocial (personalidade dissocial) aproxima-se
mais dos psicopatas verdadeiros do que dos socialmente ajustados.
Neuróticos são portadores de fortes processos inibitórios, sujeitos, portanto, a
mais conflitos internos do que a conflitos externos. A delinquência neurótica (é
delinquência sintomática) é consequência do próprio distúrbio da neurose.
As neuroses são positivamente síndromes clínicas definidas e negativamente
pela ausência de claras alterações orgânicas, demência, ou alterações
primitivas do caráter ou transtornos substanciais e permanentes da
experiência externa afetiva (Hurwitz, conceito baseado em Sturup).
Apesar de intimamente ligadas à vida psíquica do paciente, não lhe alteram a
personalidade como as psicoses e, consequentemente, acompanha uma
consciência penosa e frequentemente excessiva do estado de morbidez
próprio.
Apresentam vários sintomas precisos que se associam de diferentes formas,
apresentando infinitas variações. Têm como elementos comuns:
a) Uma perturbação afetiva, mais ou menos consciente, que se expressa
por uma hiperemotividade parasita no sujeito (angústia e emoções
derivadas);
b) Um comportamento de inadaptação à realidade e ao meio social, por
impossibilidade de desviar o interesse de si mesmo e usar a atividade
para objetivos da vida prática;
c) Uma sensação de insuficiência afetiva e sexual (em sentido amplo), por
incapacidade de sobrepujar os conflitos da vida moral íntima;
d) Uma insatisfação vital que se traduz por:
d.1 – desordens neurovegetativas, na neurose de angústia;
d.2 – fuga dos objetos simbolicamente relacionados aos conflitos, nas
neuroses fóbicas;
d.3 – atos mágicos de solução do conflito, nas neuroses obsessivas;
d.4 – conversão da tensão emocional em expressões corpóreas, nas
neuroses histéricas.

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São perturbações subjetivamente passíveis de percepção, mas não suficientes
para provocar importantes alterações do comportamento exterior e se assim
mantidas internas não chegam a ser apreciáveis nos fatores delinquenciais.
Embora apreciável o número de neuroses que não levam à prática da
delinquência, podemos concluir:
a) Neurose conflitiva, com permanência em nível intrapsíquico, não levando
a ato antissocial; e;
b) Neurose conflitiva com tendência à passagem ao ato (do tipo acting-out),
com 2 possibilidades:
b.1 – acting-out do tipo de conduta psicopática – neurose pré-edipiana,
que dá origem ao delinquente essencial (preferível incluir esta entre
os distúrbios de caráter);
b.2 – acting-out especificamente ligado a determinado complexo ou
conflito – neurose edipiana – predominantemente inconsciente, em que a
conduta criminal pode ser interpretada como ação simbólica.
Claramente é uma delinquência sintomática e estes sintomas são tentativas de
solução para conflitos internos. Apreciável número de neuróticos é
representado por pessoas válidas e socialmente úteis e os sintomas fazem
parte do processo adaptativo normal. Tanto é assim que a ansiedade, a
angústia, a insônia, a queda de produtividade, a insatisfação sexual, a
desadaptação, a reação psicossomática, a depressão, etc. se apreciadas de
forma isolada integram as experiências humanas universais, entretanto,
quando associadas e persistentes desborda os limites do equilíbrio emocional,
encontra o quadro neutótico, neurose ou estado neurótico.
Neurose é uma falha no controle de dada situação em que a pessoa deixa de
ser capaz de obter gratificação socialmente aceitável para as suas
necessidades subjetivas (Alexander & French).
Essa falha pode desencadear um processo de consequências e manifestações
são polimorfas. Veja o modelo proposto por Alexander:
1) Fator precipitante > 2) Falha na solução dos problemas atuais > 3)
Regressão > 4) Revivência do conflito primário pela regressão > 5) Medidas
autopunitivas > 6) Conflito secundário, com empobrecimento do EU (EGO).
Fator precipitante – é uma situação atual, geradora do conflito, do que
resulta sentimento de culpa. Esse conflito torna a pessoa incapaz de manipular
adequadamente suas dificuldades e lhe comunica uma sensação de impotência
para enfrentar as questões presentes produzindo a falha na solução dos
problemas atuais – fenômeno que se torna agudo e sua intensidade só pode
ser compreendida com base nas suas experiências antigas (com seus
genitores) – ocorre daí a revivência do conflito edipiano, pois há uma
regressão às fases precoces do processo psicoevolutivo. Dessa maneira, o
conflito primário ressurge em forma de fantasias, de sorte que as
sensações culposas se avolumam. Daí surgirem medidas autopunitivas
variadas que consequentemente geram um conflito secundário, alimentam a

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incapacidade de resolver a situação atual e a regressão, criando-se um círculo
vicioso:
Fatores precipitantes e regressivos > sentimento de culpa > medidas
autopunitivas.

Medidas autopunitivas apresentadas:


a) Estruturação e cronificação da neurose – o círculo vicioso descrito
acaba por alimentar cronicamente a neurose – a personalidade vai
progressivamente empobrecendo e o quadro clínico (visivelmente
mórbido) se estrutura. Trata-se de medida claramente autopunitiva, de
causalidade inconsciente;
b) Doença psicossomática – sempre de raiz neurótica, estas doenças
respondem a uma causalidade inconsciente de sentimento culposo. A
escolha do órgão choque ou nível de resposta física a reações
psicológicas pode variar, mas há certa unificação na causalidade
emocional desses distúrbios (aparelho digestivo, respiratório, circulatório
e urogenital).
c) Toxicofilia neurótica – em que pese terem base psicopática, também
podem ocorrer em base neurótica como medida autopunitiva (ex:
alcoolização neurótica em que ocorre um “suicídio simbólico crônico”).
Outras substâncias tóxicas podem ser equiparadas;
d) Delinquência neurótica – é a prática de ato antissocial previsto em lei,
com finalidade inconsciente de punição. O agente pratica o crime e tem
consciência parcial ou total de que será punido por isso. Essa punição,
entretanto, seve para aplacar sentimento de culpa de outra origem (o
conflito primário já referido).

Estes esquemas se mostram válidos para a “neurose edipiana” em que se


verificam duas situações:
a) Conflito interno – sem passagem ao ato (e por isso sem interesse
criminológico);
b) Atuação especificamente ligada a complexo ou conflito inconsciente
com caráter simbólico.
Fica excluída a neurose pré-edipiana que condiciona o caráter delinquente,
personalidade delinquente essencial ou delinquente primário (neurose de
caráter). Os processos psicodinâmicos deste último caso são diferentes e
devem ser observados ao lado das características das personalidades
psicopáticas.

Particularidades comuns ao neurótico e ao delinquente:

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a) Apresentam conflitos, mais frequentemente inconscientes;
b) Assumem atitudes emocionais irracionais;
c) As ações tem significado simbólico;
d) Apresentam, no desenvolvimento psicossexual, fixações precoces;**
e) São extremamente narcísicos;
f) São desconfiados (apesar da necessidade básica de confiar);
g) Todos apresentam sentimento de culpa;
h) Precisam de um ou mais eventos para desencadear a sintomatologia,
mas são de natureza psicológica interna.
** na neurose simples (sem delinquência) tem origem no conflito edipiano e o
caráter neurótico delinquente (delinquência essencial ou neurose de caráter) é
anterior, tem conflito pré-edipiano.
Obs: a frequência da delinquência neurótica é variável, dependendo da
diversidade de conceitos que interferem nos dados, variando de 35 a 2%. O
autor encontrou tais percentagens em 300 perícias:
Esquizofrenias – 18%;
Distúrbios de caráter – 16,3% (incluída aqui as personalidades delinquentes por
considerar o autor entidade autônoma);
Personalidades psicopáticas – 15,6%;
Debilidade mental – 13%;
Epilepsias – 7,6%;
Alcoolismo – 6%;
Lesões cerebrais – 3.3%;
Neuroses – 2%
Outros – 18,2%

3 Laudos: pg 70-76

DELINQUÊNCIA PSICOPÁTICA - O ANTISSOCIAL

Na “classificação natural” apresentada, a delinquência psicótica faz parte dos


delinquentes primários. Um comportamento cronicamente antissocial.
São efetivamente multi-reincidentes, mesmo podendo passar impunes por
escamoteamento aos processos jurídicos-criminais. Apresentam distúrbios de
caráter, marco mais característico deste grupo, apresentam tendência a
estruturação dos defeitos e às vezes, são irreversíveis.
É preferível a denominação de delinquência caracterológica para incluir aqui
tanto os defeitos de base constitucional, quanto os desvios de formação da
personalidade.
Característica comum é o comportamento agressivo à sociedade ser um traço
marcante da personalidade.

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Para alguns, o ambiente deficitário vivido incorporam maus valores ou,
reagindo a um abandono, tornam-se adversas à estrutura social, uma
inconveniente estrutura cultural que não os oportunizou melhor formação.
Para outros, mostram-se incapazes de aprender pela experiência, integrar
grupos e efetivar um plano de vida, neste caso, não são mal formados, mas
sim mal constituídos.
Assim, possível subclassificar:
a) Delinquência caracterológica por má constituição – portadora de defeito
do caráter (antissociais) aqui personalidade psicopática.

b) Delinquência caracterológica por má formação – portadora de desvio do


caráter (para-sociais ou dissociais) aqui personalidade delinquente-
delinquência essencial.
O conceito de personalidade antissocial variou historicamente. Os mais
recentes conceitos são fornecidos pela terceira edição revista do Manual
Diagnóstico e Estatístico (D.S.M III R) e são assim resumidos:
a) São características de personalidade os padrões duradouros de
percepção, relação e pensamento acerca de si mesmo e do ambiente,
alcançando ampla faixa de contextos pessoais e sociais.
b) Quando essas características se mostram inflexíveis e inadaptadas,
causando comprometimento funcional e/ou sofrimento subjetivo, passam
a constituir um Distúrbio de personalidade. São reconhecidos
precocemente (infância ou adolescência), persistem por quase toda a
vida adulta e somente depois da idade média começam a se atenuar.
c) O Distúrbio antissocial caracteriza-se por comportamento irresponsável,
iniciado precocemente (antes dos 15 anos), acompanhado de mentira,
roubo, vadiagem, vandalismo, brigas provocadas, crueldade física,
atividades ilícitas (tóxicos).
Os conceitos da Classificação Internacional de Doenças (CID 9 – OMS) também
conceitua em concordância (CID 301 – transtornos da personalidade e 301-7) -
Ver pg 81.
Até hoje não se afastou a causalidade biológico-constitucional avaliados em
dados estatísticos. Porém, não afetou o interesse em se obter uma explicação
psicodinâmica dos processos desencadeadores do comportamento psicopata.
McCord & McCord concluíram que os aspectos essenciais são dois:
a) Incapacidade de amar
b) Ausência de sentimento de culpa
Craft explica mais completamente. Os processos primários seriam:
a) Falta de sentimento (amor ou afeição pelas outras pessoas)
b) Tendência à ação impulsiva.
Destes resultariam quatro processos secundários que favorecem a ação
antissocial:
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1- Agressividade; 2- Ausência de culpa; 3- Incapacidade de aprender pela
experiência; 4. Falta de motivação adequada.
Vários autores, visando um diagnóstico clínico, descrevem uma tipologia
psicopática (Morel, Koch, Kraepelin e Schneider – ver pg 84-85.
Tal polimorfismo sempre dificultou o diagnóstico preciso da psicopatia.
Gray e Hutchison, por meio de inquérito com 667 psiquiatras enumeraram as
seguintes características como próprias da psicopatia:
1) Não aprende pela experiência;
2) Falta-lhe senso de responsabilidade;
3) É incapaz de estabelecer relações significativas;
4) Falta-lhe controle sobre os impulsos;
5) Falta-lhe senso moral;
6) É crônica ou periodicamente antissocial;
7) A punição não lhe altera o comportamento;
8) É emocionalmente imaturo;
9) É incapaz de sentir culpa;
10) É egocêntrico.
McCord & McCord trouxeram uma abrangente descrição conceitual do
psicopata:
Psicopata é antissocial e sua conduta frequentemente leva a conflitos com a
sociedade. Ele é impelido por impulsos primitivos e por ardentes desejos de
excitação. Na sua busca autocentrada de prazeres, ignora as restrições de sua
cultura. O psicopata é altamente impulsivo. É uma pessoa para quem o
momento que passa é um segmento de tempo separado dos demais. Suas
ações não são planejadas e ela é guiada pelos impulsos. O psicopata é
agressivo. Ele apresenta poucos meios socializados de lutar contra frustrações.
Tem pequeno ou nenhum sentimento de culpa. Pode cometer os mais
apavorantes atos e ainda rememorá-los sem qualquer remorso. Tem uma
capacidade pervertida para o amor. Suas relações emocionais, quando existem,
são estéreis, passageiras e intentam apenas satisfazer seus próprios desejos.
Estes dois últimos traços: ausência de amor e de sentimento de culpa marcam
visivelmente o psicopata, como diferente das demais pessoas (McCord &
McCord).
Importante detalhar traços característicos mormente presentes a partir do
Roteiro de Cleckley:
1) Encanto superficial e boa inteligência – No contato inicial
apresentam-se como pessoas especialmente amáveis, causando
impressão extremamente favorável. Aparentam ser pessoas bem
ajustadas e felizes, parecendo dotadas de bom senso e livres de
obstáculos emocionais. Os testes psicométricos apuram inteligência
superior e até extraordinária. Discorrem com facilidade e brilhantismo
sobre planos, conceitos e críticas a terceiros.
2) Ausência de delírios ou sinais de pensamento ilógico – Não
apresentam sinais de psicose de qualquer tipo. Seu pensamento é lógico
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e convincente. São capazes de criticar verbalmente seus erros passados
e emitir juízos aparentemente válidos. Nada faz supor que possam
praticar atos irrefletidos ou antissociais.
3) Ausência de manifestações neuróticas – Expressam serenidade e
bem estar físico. Não se observam indícios de angustia ou ansiedade,
fenômenos histéricos ou atos obsessivo-compulsivos. Comunicam
impressão de absoluta tranquilidade.
4) Desmerecem confiança – Não dispõem de senso de responsabilidade.
A demonstração de suas falsidades e mentiras não afeta o seu
comportamento. Um trato qualquer pode ser descumprido com facilidade
e sem constrangimento.
5) Infidelidade e insinceridade – Podem fazer as mais sérias promessas
em falsidade (até perjúrio). Nessas condições conseguem fitar fixamente
nos olhos de quem está sendo traído, sem nenhuma expressão de
estarem mentindo. Invocam insinceramente a sua “palavra de honra”, o
“acordo de cavalheiros” etc., sem a menor intenção de cumprir o
prometido.
6) Falta de remorso ou vergonha – Usualmente negam, de modo
enfático, qualquer responsabilidade, Suas colocações e explicações
revestem-se de insinceridade. Não se apura arrependimento ou
sentimento de culpa.
7) Conduta antissocial inadequadamente motivada – Mesmo sob o
risco de serem imediatamente descobertos, cometem os mais atrozes
crimes, sem motivação razoável. Podem, porém, rememorá-los com
detalhes e sem nenhuma reação emocional. Na dinâmica de seus delitos,
a circunstância tem participação mínima ou até nenhuma: tudo depende
de sua vontade.
8) Pobreza de julgamento e incapacidade de aprender pela
experiência – A experiência não é significativamente incorporada pelo
psicopata (antissocial). O castigo e mesmo o aprisionamento não
modificam seu comportamento. Cada experiência é vivida e sentida
como fato isolado. O presente é vivenciado sem vínculos com o passado
ou o futuro. A capacidade crítica e o senso ético se comprometem
gravemente.
9) Egocentrismo patológico e incapacidade para amar – A autoestima
é prevalente e exagerada. Tratam as pessoas que dizem amar como se
fossem simples objetos, ao seu dispor. O que chamam de “amor” não
passa de meio para alcançar seus objetivos, à custa de outrem.
10) Pobreza geral nas reações afetivas – Suas “reações
emocionais” são “representações” para produzir um determinado efeito
programado: não passam de artifícios. A capacidade de “sentir” – se é
que existe – é essencialmente diferente daquilo que se conhece com
esse nome. Podem sorrir em qualquer adversidade.
11) Falta específica de esclarecimento interior (insight) – A
responsabilidade pelos atos e pelos erros é sempre atribuída a outrem:
jamais a si mesmo. A capacidade de perceber falhas, enganos, erros está
total e definitivamente excluída. Talvez seja a causa da falta de
aprendizado pela experiência.
13
12) Irresponsabilidade nas relações interpessoais – Não se pode
esperar do psicopata (antissocial) nenhuma retribuição à simpatia,
cordialidade ou afeto. Um longo tempo de atenções, afeto ou mesmo de
atos de amor, pode ser destruído por uma simples negativa de atendê-lo
num capricho momentâneo.
13) Tendência à conduta fantástica com ou sem alcoolização –
As respostas à alcoolização parecem mais graves no psicopata do que
nas pessoas comuns, ou mesmo neuróticas. O marcante é o
comportamento bizarro, chocante, extravagante do psicopata
alcoolizado. Cleckley anota que o álcool não libera impulso anteriormente
inexistente na personalidade. Por outro lado, não vê relação entre os
efeitos do álcool e o comportamento psicopático. Aqui se observa o
desejo de chocar, ser inconveniente, agredir o meio.
14) Raramente se suicidam – Os psicopatas não são perturbados
pelos outros, eles são os perturbadores. Colocando a culpa de tudo nos
outros, tendo uma exaltada autoestima, não há por que cometer suicídio.
É preciso buscar explicações em alguma intercorrência para os casos
raros de suicídios psicopáticos.
15) Vida sexual impessoal, pobremente integrada – De regra, a
sexualidade do psicopata não é normal. Pode se entregar aos mais
diversos desvios. Em todas as situações falta participação pessoal,
entrega afetiva, “vida a dois”. A parceira (ou parceiro) é sempre um
“objeto”: só ao psicopata cabe desfrutar do relacionamento sexual.
Alguns autores chamam a isso “relação objetal”.
16) Incapacidade de seguir um plano de vida – É claro que as
circunstâncias da vida nos obrigam, com certa frequência, a mudar
nossos planos. Entretanto, sempre temos propósitos definidos e as
modificações do plano de vida são produto do aprendizado e da
experiência. Não é assim para o psicopata: planeja sempre e não executa
nunca. Simplesmente é incapaz de seguir (com flexibilidade e uso da
inteligência) um razoável plano de vida. Vive ao léu, cada instante
desvinculado dos antecedentes e dos consequentes.
A evolução histórica dos conceitos e entendimentos acerca das psicopatologias
permitem o reconhecimento esquemático de três períodos diversos, ainda que
haja alguma superposição cronológica:
1-período tipológico – em que se sobressaem as ideias de Kretschmer e
Schneider;
2-período da “síndrome” – em que os esquemas diagnósticos de McCord &
McCord e de Cleckley adquirem importância inquestionável;
3-período das “dimensões” – em que são feitas avaliações várias: por meio de
psicotestes (M.M.P.I., P.M.K., Rorschach, etc.) estudos de condutividade elétrica
da pele (reflexo psicogalvânico e outros), traçado eletroencefalográfico. Os
trabalhos da Hare, Reid, Monroe e Knott entre outros, devem ser considerados
de capital importância.

14
Para fins didáticos, a associação dos critérios referidos, provas psicológicas e
um traçado eletroencefalográfico (contando com a presença de ondas lentas) é
suficiente. Deve-se reiterar aqui a observação que a personalidade antissocial
se inclui entre os de natureza psiquiátrica, já que se trata de forma especial de
distúrbio da personalidade, como consta da C.I.D. e do D.M.S..
Ver dois laudos pgs 90-98.

DELINQUÊNCIA “ESSENCIAL” OU “DISSOCIAL”

As expressões: “neurose de caráter” “caráter delinquencial”, “personalidade


delinquente”, “delinquente essencial” e “personalidade dissocial” referem-se a
um mesmo tipo de personalidade cujo comportamento delitivo é uma das
exteriorizações da “neurose pré-edipiana”.
A Reação Dissocial são manifestações de indivíduos que desconsideram os
códigos sociais usuais e entram em variados e graduados conflitos, como
resultado de um histórico de vida em ambientes morais anormais. Podem ser
capazes de forte lealdade e tipicamente não apresentam desvios seriamente
significativos da personalidade, a não ser àqueles desvios decorrentes à
aderência aos valores e códigos de seus próprios grupos predatórios,
delinquenciais ou outros grupos sociais. O termo inclui os diagnósticos de
“personalidade pseudo-social”.
Assim, a dissocialidade aparece numa classificação da distúrbio
comportamental cujos desvios oferecem apenas interesse criminológico.
Vários autores abordaram esta problemática como Aichorn, Alexander, Klein.
Interessante exposição da matéria deve-se a Spanoudis que caracteriza o
delinquente primário em linguagem analítica:
1- Falta de identificações construtivas (resulta pouca ou nula integração de
valores da sua cultura).
2- Impossibilidade de relações objetivas (dificuldade de relações
interpessoais, resultando em uma crônica insatisfação emocional).
3- Persistência do processo primário (princípio do prazer como
compensação, o que exacerba o narcisismo primário)
4- Desenvolvimento fraco e defeituoso do superego (gerando necessidade
de agredir o meio, através de ações antissociais)
5- Oscilação permanente da autoestima.

Detalhamento:
1-Persistência do princípio do prazer – não chegando ao adequado
conhecimento da realidade exterior e conservando características de profunda
imaturidade emocional, o delinquente guia-se exclusivamente pelo “princípio
15
do prazer”. O “sentido de realidade” ou o “princípio do dever” que orienta a
pessoa adulta ajustada está ausente na dinâmica dessa personalidade
malformada.
2-Exacerbação do narcisismo primário – É normal nos primórdios da
formação da personalidade e leva a criança a se considerar o centro do
universo, voltando a si mesma toda afetividade, faz com que o delinquente
também ame a si mesmo, primordial e exageradamente.
3-Dificuldade nas identificações construtivas – É a resultante mais
imediata e direta do narcisismo do delinquente. Amando a si mesmo acima de
tudo o mais, não se identifica com ninguém, exceto que lhe seja
absolutamente igual. Por isso o delinquente primário é capaz de formar gangs,
onde a lealdade se baseia na única identificação que lhe é possível
desenvolver.
4-Insatisfação emocional – é o sentimento central do processo dinâmico.
Devido à falta de identificações estas personalidades estão sempre
necessitando fazer algo para obter tranquilização interna e, assim, buscam em
práticas inopinadas e intempestivas uma satisfação que os valores materiais
efetivamente não oferecem.
5-Defeituosa integração do superego – Não se apropriando dos valores de
sua cultura, o delinquente essencial só compreende os valores que lhe causam
satisfação imediata e se associa a outros, com igual formação (ou deformação).
Esse superego mal estruturado é ao mesmo tempo muito exigente e de
extrema complacência. Daí ficar fácil a compreensão tanto dos aparentes
períodos de acalmia, como de reincidência específica na prática criminal. O
produto final desse dinamismo é o defeito formativo da personalidade e uma
cronicidade em ações antissociais.
A insatisfação emocional e a defeituosa integração do superego podem ser
considerados processo secundários, enquanto a persistência do princípio do
prazer, a exacerbação do narcisismo primário e a dificuldade nas identificações
são processos primários.

Por outro lado, muitos autores não aceitam essas concepções, pois
partem do narcisismo primário que contestam. Por ex: Bowlby que considera
como fator primário a privação emocional por abandono nos dois primeiros
anos de vida, o que ocasionaria comprometimento no desenvolvimento físico e
emocional, podendo voltar-se contra a sociedade.
Uma das mais claras exposições sobre formação do caráter dissocial se deve a
Mucchielli no seguinte esquema:
I- Alguns fenômenos se apresentam como sequenciais e com aparente
nexo causal:

16
a) Ociosidade dissocial – ociosidade primária não construtiva, ou
seja, o ócio pelo ócio, a recusa ao trabalho, desinteresse pelo
estudo, a incapacidade para atividades construtivas, etc.
b) Parasitismo – fruto da ociosidade dissocial, não construindo nada,
não tem o que desfrutar senão às custas da sociedade,
configurando um parasitismo crônico, habitual.
c) Rejeição à sociedade – decorrência do desencontro dos valores
sociais que passam a rejeitar e serem rejeitados, ocorrendo procura
por seus iguais dissociais, formando grupos ou gangs cuja postura
diante da sociedade é marcadamente autocrática.
d) Falta de horizonte temporal – as condições mencionadas levam
essas pessoas a viver somente o momento presente, perdem a
visão de futuro, não tem expectativas profissionais, econômicas,
retributivas, etc., evidentemente tudo vinculado a uma profunda
insatisfação emocional inconsciente.
e) Ressentimento dissocial – a pessoa tem consciência de ser um
parassocial pelas diferenças culturais e se percebe em prejuízo,
sentindo-se com direito de desfrutar do que são incapazes de
construir. Cai o sentimento de justiça social e aumenta o
sentimento de justiça individual, se relacionando em termos
afetivos com quem adote o mesmo código de valores, daí os
“valores do grupo”.
f) Negação do eu-social – já no relacionamento com a figura
materna, nos primórdios do processo formativo, ao lado do “eu
individual” vai se formando um sentido de relação com os outros
(Eu-social). Isso não ocorre com o dissocial. A carência emocional
precoce impede a formação de uma “consciência social” daí a
rejeição da sociedade geral, dos seus valores, de seus usos, de
seus códigos, o dissocial volta-se integralmente para o “seu
grupo”.
Portanto, essa sequência anterior pode levar ao comportamento
delitivo.
II- Mucchielli oferece outra explicação psicodinâmica: essa teoria causal
e dinâmica pode ser resumida no seguinte processo sequencial:

1 Síndrome da mãe inconstante – mães que entendem sua


missão como sendo um sacrifício de si e de seu prazer, para
favorecer os filhos, dos quais esperam lealdade absoluta, amor
e devoção. Entretanto, são mães fracas acreditam-se obrigadas
a exercer um controle das frustrações dos filhos, ao mesmo
tempo têm sentimento de culpa por não amá-los
suficientemente, tornam-se superindulgentes, adotando uma
permissividade excessiva. Essa atitude bifronte gera um
tratamento instável à criança, que não desenvolve tolerância à
frustração, não controla os impulsos e não forma uma
“consciência social”. Isto é o que se denomina “síndrome da
mãe inconstante”.
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2- Desagregação familiar – lares desagregados são aqueles
que não representam para a criança o papel que deveriam
representar. São classificados em:
2.1 – lares inexistentes – lares que nunca existiram como
resultado de coesão. Mais importante que os laços de direito e
de sangue, os laços afetivos são os que mantém o edifício
familiar.
2.2 – lares instáveis – são os mais frequentes e de maior
importância criminógena. São lares construídos mas de
equilíbrio instável com graus de gravidade assim distribuídos: 1)
instáveis por desacordos agudos; 2) instáveis por
desinteligências latentes; 3) instáveis por evasões, fugas e
compensações; 4) instáveis por tentativas de reencontro através
dos filhos. Estes desacordos geram sentimento de instabilidade
e insegurança emocional com maior ou menor efeito futuro de
acordo com a maior ou menor afetação. Pais procurando
resolver uma situação, por vezes insustentável no
relacionamento conjugal procuram fuga no trabalho, nas obras
sociais, na religião mal integrada, e até na simulação de
enfermidades. A criança, mesmo sem capacidade de reflexão
total sobre o contexto, SENTE a anormalidade da situação e
sofrerá incontestáveis influências deletérias.
2.3 – lares destruídos – ausências prolongadas dos pais podem
ter efeito similar a perda pela morte. Da mesma forma o
abandono e o divórcio. A criança criada por um só dos genitores,
por terceiros, em abrigos e similares, tem sempre uma sensação
de carência afetiva, poucas vezes compensada
emocionalmente.

O lar só atende as necessidades da criança se cumpre suas funções básicas.


Assim:
- mãe é primariamente a “fonte de afeto”, devendo compreender e aceitar seu
filho. Este aceitará frear seus impulsos e sua agressividade na medida em que
deseje conservar o amor materno;
- a fonte de afeto não pode ser ausente ou indiferente, da mesma forma não
pode ser amoral, inafetiva, associal, abusiva, odiosa.
- secundariamente a fonte de afeto exerce autoridade e por vezes precisa
suprir a ausência paterna. Eventualmente esta fonte materna pode ser
substituída por outra pessoa.
- o pai representa a “autoridade” e o “contato com a realidade” - no curso
evolutivo da criança, a importância materna vai decrescendo e a do pai vai
progressivamente aumentando, até a fase adulta. Para exercer função

18
equilibrada, o pai não pode ser ausente, omisso, submisso à esposa, mas
também não pode ser incompreensível, arbitrário, despótico.
- o lugar da habitação (lar) deve representar a solidariedade e equilíbrio. A
busca da “casa” é uma reação usual frente às frustrações da vida. Saber-se
compreendido e aceito é o maior desejo de todos e isso é vivenciado
intensamente pelas crianças. Para onde pode ir alguém que se sinta rejeitado?
Se o lar descumpre suas funções, facilita a fuga e a vida na rua, com suas
consequências.
Ver quadro estatístico pgs 108-110.
3 -Inadaptação familiar e inadaptação escolar – o abandono ou mal
estruturação afetiva logo resulta em rebeldia e rejeição da disciplina e
dos valores familiares, o que ocasiona atritos entre pais e filhos (no lar
em geral) resultando em castigos, por vezes de natureza física, por
provocações até mesmo recíprocas.
A escola geralmente representa o primeiro contato com o mundo “extra-
lar”. A importância socializadora da escola no processo de formação de
personalidade é tema da pedagogia moderna. Se a criança chega à
escola já tendo em si o germe da indisciplina e a disposição à ociosidade,
dificilmente se adaptará à nova realidade social. O desinteresse e a
ociosidade levarão ao absenteísmo (“cabulação”) e ao abandono da
escola. Ao serem interrogados em vida adulta, fornecem relato
geralmente insincero, tais como: deixar a escola para ajudar como
trabalho e a economia doméstica, etc. Os que tiveram mãe inconstante e
procederam de lares desagregados apresentam essas desadaptações por
motivos psicológicos (psicodinâmicos) e não de ordem social,
frequentemente invocados como “justificativa pessoal consciente”.
4- Fuga – Vida na rua - os processos psíquicos antes descritos
explicam as fugas e a necessidade de viver na rua. Considera-se também
o falso conceito de liberdade, que requer nomadismo e ociosidade sem
disciplina. Assim evidente que essas crianças vão desenvolver hostilidade
ao meio social, inveja dos que desfrutam de conforto e agressividade
para assegurar satisfação imediata de seus desejos e impulsos. A
formação de grupos “parassociais” (bandos) é fruto de uma
“identificação psicológica” com os que são “o seu semelhante”,
igualmente carentes de valores sócio-morais que seguem seus “códigos”
particulares. A falta absoluta de profissionalização leva, de início, a
atividades pseudolaborativas e depois à delinquência. A passagem a esta
é simples questão de circunstância ou necessidade.
5- Adaptação ao “real imediato” Falta de adaptação social –
formação de grupos “dissociais” e delinquência dissocial – surgem
como consequências diretas e inevitáveis. Os dissociais conservam
capacidade adaptativa, mas voltada à realidade imediata. A necessidade
de resolver prontamente os problemas consequentes à vida na rua os
leva a viver o dia-a-dia sem preocupações teleológicas. Contestam o

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passado, levam o presente, sem planos para o futuro. Aceitar os valores
as sociedade geral, seus métodos e seus objetivos se constitui em algo
impensável. O comportamento socialmente lesivo se cronifica e se
converte em “estilo de vida”.
Ver quadros pg 112-115.
Ver laudos pg 115-123.

O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQUENTE

Os conceitos de reação antissocial e reação dissocial aparecem na primeira


edição do D.S.M (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Diosordes - da
American Psychiatric Association-1952). Em 1967 aparece a segunda edição
(D.S.M.II) não mencionando mais o dissocial e substituindo-os por
“personalidade antissocial” e é reservado para “os indivíduos basicamente
insocializáveis e cujo padrão de comportamento os coloca em conflito com a
sociedade. São incapazes de lealdade significativa com os indivíduos, grupos
ou valores sociais. São manifestadamente egoístas, rudes, irresponsáveis,
impulsivos, e incapazes de sentir culpa ou aprender com a experiência e o
castigo. A tolerância à frustração é baixa. Tendem a culpar os outros ou a
oferecer racionalizações plausíveis pelo seu comportamento. As reações
delinquenciais de grupos, na infância ou adolescência, e desajustamento social
sem desordens psiquiátricas manifestas devem ser eliminadas antes de se
fazer este diagnóstico”.
No D.S.M. III de 1980 e revista em 1987, o comportamento “antissocial” é
considerado “distúrbio da personalidade¨.
Ver o conceito na págs. 125-127 os conceitos novos DSM e C.I.D.
Verifica-se, portanto, que o diagnóstico de “personalidade antissocial é aceito
pelo DSM quanto pela CID, tratando-se de uma forma especial de
personalidade psicopática, uma forma de distúrbio da personalidade,
conceituado como integrante do elenco de anormalidades psiquiátricas (apesar
das críticas).
Observa-se que o conceito de “reação dissocial” removido pela DSM e não faz
parte da CID, significa que, na verdade, esta reação não está no quadro
psicopatológico. O comportamento criminoso “dissocial” só interessa à
Criminologia. Em outros termos, não se trata de diagnóstico psiquiátrico, mas
criminológico.
O delito neurótico é excepcional. O neurótico, prevalentemente dispõe de
exagerados meios contensores, que o levam a ser mais prejudicial a si mesmo,
do que ao meio social. Isso não exclui as hipóteses registradas em capítulo
próprio já estudado.

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Interessa aqui diferenciar neurose, antissocialidade, e dissocialidade.
Esquema de Jenkins:
– o neurótico é uma personalidade muito contida, com conflitos
intrapsíquicos, mas socialmente ajustada.
- o psicopata é uma personalidade não socializada, com tendência a ser
solitária (em termos externos ou internos), com inibição inadequada pelo
superego.
- o delinquente essencial – que não se adapta à sociedade geral, mas forma
o seu grupo particular em relação ao qual desenvolve inibições, pelo que é um
“pseudo-socializado”
Ver quadro pgs 128-129.
Roteiro de Abrahamsen: (diferencia o neurótico do dissocial (que é
personalidade delinquente)).
Ver pg 130.
Índices de Maranhão: (organizado com base na doutrina e na prática
criminológica)
Diferenças quanto a: Antissociais Dissociais
Família de origem - qualquer tipo desagregada
Escola - Suspensões/expulsões Faltas/abandono
Fugas do lar - raramente ocorrem São usuais
Trabalho - caráter imediatista Ociosidade
Grupos – raros/instáveis Usuais/coesos
Código de ética - Hedonista Grupal
Lealdade - a si mesmo ao grupo
Experiência - não aproveita incorpora as
negativas
Delitos - Grave/misterioso (prática solitária) Organizado (prática
grupal)
E.E.G - “ondas lentas” sem alterações
Tratamento - Quase impossível
Possível/problemático
Causa “constitucional” Processo formativo

Ver 2 laudos pgs. 131-142.

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